Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:505/22.2 BELSB-S1
Secção:CA
Data do Acordão:11/17/2022
Relator:RUI PEREIRA
Descritores: INTERPOSIÇÃO DE RECURSO
TAXA DE JUSTIÇA
ACTO DA SECRETARIA – RECLAMAÇÃO
VALOR DO INCIDENTE
Sumário: I – Decorre do t...r do nº 1 do artigo 157º do CPCivil, que “as secretarias judiciais asseguram o expediente, autuação e regular tramitação dos processos pendentes, nos termos estabelecidos na respectiva lei de organização judiciária, em conformidade com a lei de processo e na dependência funcional do magistrado competente”, constituindo um desses casos o previsto no nº 1 do artigo 642º do CPCivil, que dispõe que “quando o pagamento da taxa de justiça devida ou a concessão do benefício do apoio judiciário não tiverem sido comprovados no momento definido para esse efeito, a secretaria notifica o interessado para, em 10 dias, efectuar o pagamento omitido, acrescido de multa de igual montante, mas não inferior a 1 UC nem superior a 5 UC”.
II – Tendo as recorrentes auto-liquidado uma taxa de justiça devida pela interposição do recurso inferior àquela que decorria da lei, procurando justificar tal facto na respectiva alegação, não pode com propriedade entender-se que aquelas não pagaram a taxa de justiça nem, tão pouco, sustentar-se que omitiram a falta de comprovação desse pagamento no prazo de 5 dias a contar dessa interposição (cinco dias e não dez, visto tratar-se de processo urgente).
III – Deste modo, não poderia a secretaria tê-las notificado para procederem ao pagamento devido com um acréscimo de multa dentro de determinados limites e, muito menos, num segundo momento e em face desse não pagamento, ser-lhes aplicado, por despacho judicial, a cominação prevista no nº 2 do artigo 642º do CPCivil, ou seja, o desentranhamento da alegação de recurso.
IV – Em face da discordância manifestada face ao acto praticado pela secretaria judicial, não restava às recorrentes outra solução que não fosse reclamar para o juiz competente (artigo 157º, nº 5 do CPCivil), reclamação essa que terá necessariamente que interromper ou suspender o prazo para a parte praticar o acto que lhe foi notificado “ex officio” pela secretaria, o que se compreende, na medida em que as partes não podem ser prejudicadas pelos erros e omissões que possam ser cometidos pelas secretarias judiciais (cfr. artigo 157º, nº 6 do CPCivil).
V – Enquanto a reclamação apresentada não fosse decidida por despacho transitado em julgado, a parte não estava obrigada a dar cumprimento ao acto da secretaria, que a notificou para pagar a taxa de justiça devida (ou a diferença para aquela que liquidou), só o voltando a estar no caso da reclamação apresentada ser desatendida.
VI – Após a notificação do despacho a desatender a reclamação, não podia ter sido ordenado o desentranhamento da alegação de recurso sem dar à parte a oportunidade de liquidar o valor em falta da taxa de justiça que, na sequência do indeferimento da reclamação apresentada, era a efectivamente devida.
VII – De acordo com o disposto no artigo 304º, nº 1 do CPCivil, o valor dos incidentes eì o da causa a que respeitem, salvo se o incidente tiver valor diverso da causa, situação de que o(s) recorrente(s) se pode(m) valer, de acordo com o preceituado no artigo 12º, nº 2 do RCP, indicando valor diverso.
VIII – O incidente do levantamento do efeito suspensivo automático, previsto no artigo 103º-A do CPTA, não tem valor diverso e/ou autónomo do valor da causa a que respeita, uma vez que não tem qualquer utilidade económica associada e que seja distinta da causa principal.
IX – Na medida em que se pretende com o incidente em questão – levantamento do efeito suspensivo automático – evitar uma situação em que o acto de adjudicação jaì tenha sido executado ou mesmo evitar a total execução do contrato, impeditiva da satisfação da pretensão das autoras na acção de contencioso pré-contratual que interpuseram – consistente na adjudicação do contrato para si –, é evidente que o incidente previsto no artigo 103º-A do CPTA não pode ter outro valor que não o valor da acção a que respeita.
X – A consequência do indeferimento da reclamação apresentada pelas recorrentes não reclama a aplicação do disposto no artigo 642º, nºs 1 e 2 do CPCivil, mas apenas a notificação daquelas para efectuarem o pagamento da diferença entre o montante legalmente devido a título de taxa de justiça e aquele que efectivamente pagaram.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:ACORDAM NA SECÇÃO DE CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL

I. RELATÓRIO
1. As autoras “M..., SA” e “E…, Ldª”, inconformadas com o t...r do despacho de 9-8-2022, através do qual a Senhora Juíza do TAC de Lisboa indeferiu a reclamação do acto da secretaria e, bem assim, determinou o desentranhamento das alegações do recurso que haviam interposto em 8-7-2022 da decisão que determinou o levantamento do efeito suspensivo automático do acto impugnado, nos termos do disposto no artigo 103º-A, nº 1 do CPTA, vieram interpor recurso daquela decisão, tendo para o efeito concluído a respectiva alegação nos seguintes termos:
1. O douto despacho recorrido, proferido a 9 de Agosto de 2022, indeferiu a reclamação do acto praticado pela secretaria que notificou as recorrentes para pagamento da taxa de justiça devida – se ao recurso tivesse sido atribuído um valor diferente do indicado pelas recorrentes – acrescida da respectiva multa e que mais determinou o desentranhamento das alegações de recurso interposto a 8-7-2022, por falta de pagamento no prazo concedido.
2. Na douta decisão em crise entendeu o Tribunal que a apresentação de reclamação desse acto da secretaria não suspendeu o prazo para pagamento da taxa de justiça considerada em falta e da multa aplicada,
3. O que, desde logo, se mostra violador do disposto no 157º, nº 6 do CPC, que estipula que a parte não pode, em qualquer situação, ser prejudicada por erro ou omissão da secretaria.
4. Fazendo uma interpretação da referida norma ao abrigo do artigo 9º, nº 1 do Código Civil e que não se cinja apenas à letra da lei, concluiu-se que o legislador pretendeu evitar toda e qualquer situação que represente um prejuízo para a parte e assegurar a salvaguarda dos seus direitos,
5. Assim, o artigo 157º, nº 6 do CPC interpretado no sentido de suspender os efeitos do acto reclamado (se e quando ele for reclamado) mostra-se conforme com o resultado que a norma visa, conseguindo evitar o prejuízo da parte.
6. Assim, com a apresentação da reclamação do acto da secretaria que notifica para o pagamento da taxa de justiça e da respectiva multa, os seus efeitos suspenderam-se, entre os quais o prazo para pagar, ao invés do entendimento do Tribunal a quo, cuja decisão se mostra violadora não só do artigo 157º, nº 6 do CPC, mas também dos princípios essenciais de Direito.
7. Acresce que o douto Tribunal a quo vai mais além e sustenta que o Acórdão do TRE citado pelas recorrentes no sentido confirmativo do efeito suspensivo não tem qualquer fundamento legal, sendo que a ser assim as decisões jurisdicionais seriam imprevisíveis e desproporcionadas, em violação do Estado de Direito, o que não tem qualquer cabimento.
8. Mais se sublinha que as recorrentes, por cautela, requereram na reclamação que, em caso de não se entender que a mesma suspendia os efeitos do acto, fossem notificadas para proceder ao depósito da respectiva quantia, o que o Tribunal recorrido não fez, não obstante tenha depois vindo a negar esse efeito suspensivo à reclamação e ainda a desentranhar as alegações de recurso.
9. O não reconhecimento do efeito suspensivo da reclamação do acto da secretaria e o consequente desentranhamento das alegações, limita o direito de defesa e de acesso aos Tribunais das recorrentes, apenas e só em resultado de um acto da secretaria que é nulo, por totalmente contrário aos princípios de Direito.
10. Segundo o princípio da tutela jurisdicional efectiva, não basta que sejam disponibilizados meios de reacção contra actos da secretaria quando em simultân... não se lhe atribui uma verdadeira protecção dos direitos das partes.
11. O que é contrariado pelo Tribunal a quo, cuja decisão viola o disposto nos artigos 2º, 20º e 268º, nº 4 da CRP, e no artigo 2º, nº 2 do CPC.
12. O desentranhamento das alegações de recurso no quadro factual em apreço, afigura-se desrazoável e desproporcional, restringindo os direitos das recorrentes, mormente o direito à tutela efectiva em resultado da reclamação de um acto da secretaria nulo.
13. O despacho de que se recorre restringe os direitos e garantias das recorrentes para além do necessário para a salvaguarda de outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos, pelo que viola o princípio da proporcionalidade, nos termos do artigo 18º, nº 2 da CRP.
14. O Tribunal a quo não assegurou um processo equitativo, igual e leal, tendo as recorrentes sido surpreendidas por um acto da secretaria que implicitamente define outro valor ao recurso, sem que tenha existido qualquer despacho prévio que lhes daria a possibilidade de reagir à fixação do valor do recurso em dissonância com o valor que fundamentadamente lhe atribuíram no recurso interposto e previamente à sua notificação para pagamento da taxa de justiça em falta e respectiva multa.
15. Trata-se, por isso, de um despacho atentatório do princípio do processo equitativo, previsto no artigo 20º, nº 4 da CRP.
16. A secretaria tem a função de notificar o recorrente em caso de omissão ou errado pagamento da taxa de justiça, nos termos do artigo 157º do CPC, enquanto acto de mero expediente que é.
17. No entanto, no caso dos autos, tendo o valor do recurso sido pela parte expressa e textualmente atribuído no recurso e, até, com fundamentação jurídica desenvolvida em 8 (oito) linhas, é ao juiz que cabe fixar o valor do recurso, sem prejuízo do dever de indicação pelas partes, de acordo com o artigo 306º, nº 1 do CPC.
18. No caso, a conclusão de que a taxa de justiça foi paga em montante inferior ao devido depende da fixação de outro valor ao recurso, pelo que tinha de ser precedida da decisão jurisdicional a tomar pelo juiz.
19. Perante a indicação do valor do recurso e a respectiva fundamentação apresentada nas alegações, tendo a secretaria dúvidas acerca do valor do recurso deveria tão-só abrir conclusão do processo, para decisão do juiz, ao invés de praticar um acto de verdadeiro conteúdo jurisdicional.
20. O que não sucedeu, actuando a secretaria para lá das suas funções, pelo que tal acto viola os direitos e interesses das recorrentes, prejudicando-as, o que é expressamente proibido pelo artigo 157º, nº 6 do CPC.
21. O Tribunal a quo incorreu em erro na decisão de que o acto da secretaria não carecia de despacho prévio, de que a reclamação não suspendia o prazo de pagamento e ainda ao determinar o desentranhamento das alegações de recurso, pelo que o despacho recorrido é nulo por erro de Direito e de julgamento.
22. O despacho recorrido omite por completo a fundamentação em que se baseia, violando o disposto nos artigos 268º, nº 3 da CRP e 154º do CPC.
23. Mais se diga que o douto despacho padece de falta de fundamentação, mostrando-se confusa, contraditória e gravemente lesiva a decisão do Tribunal a quo, também na medida em que, por um lado, entende efectuado o pagamento em 4-8-2022 da taxa de justiça em falta quanto ao incidente de reclamação de acto da secretaria e, por outro lado, entende que não é válido o pagamento da taxa de justiça e da multa, efectuados na mesma data e momento, por falta de junção do comprovativo de pagamento, todos efectuados do mesmo modo e no mesmo momento processual, em violação do artigo 9º da Portaria nº 280/2013, na redacção actual conferida pelo artigo 2º da Portaria nº 170/2017, de 25 de Maio.
24. Assim, também por esse facto o douto despacho é nulo.
25. A conclusão de que a taxa de justiça foi paga em montante inferior ao devido tem de ser precedida da decisão de que o valor do recurso é o valor da causa, o que não é necessariamente assim face ao disposto no artigo 304º, nº 1 do CPC, envolvendo o exercício de poder jurisdicional perante o valor atribuído pela parte recorrente e a sua fundamentação expressa – que foi ignorada.
26. A verificação da omissão ou insuficiência que implique um juízo sobre o valor do recurso e não uma mera correspondência com o disposto no RCP, não é um acto de mero expediente, sendo antes um acto de natureza jurisdicional que incumbe, não à secretaria, mas ao juiz.
27. Primeiramente, discute-se não a falta ou insuficiência do pagamento da taxa de justiça atento o valor indicado ou um erro de liquidação, mas sim o valor do próprio recurso.
28. É ao juiz que compete fixar o valor da causa, sem prejuízo do dever de indicação pelas partes, de acordo com o artigo 306º, nº 1 do CPC.
29. O valor do incidente é, em regra, o valor da causa a que respeita, no entanto se a sua utilidade económica for diferente terá o valor que lhe corresponder, conforme disposto no artigo 304º, nº 1 do CPC.
30. O incidente de levantamento do efeito suspensivo automático não respeita à adjudicação e prestação dos serviços, estando em causa o interesse imaterial e indeterminado à tutela primária das recorrentes cujo valor só pode ser fixado após apreciação por parte do juiz.
31. Tratando-se, por isso, de um valor indeterminável que se considera superior ao da alçada dos TCA, nos termos do artigo 34º, nº 2 do CPTA.
32. Ainda que se entendesse que o valor do incidente era o valor da causa – o que rejeitamos – sempre as recorrentes poderiam indicar um valor diverso para o recurso, nos termos do artigo 12º, nº 2 do RCP.
33. Face ao exposto, reitera-se que o valor do recurso deve ser de € 30.000,01, por se pretender evitar o dano decorrente da violação do direito à tutela primária, ao abrigo do artigo 103º-A do CPTA, o qual é indeterminável e, por isso, se aplica o disposto no artigo 34º, nº 2 do CPTA.
34. A douta decisão em recurso, ao decidir indeferir a reclamação de acto da secretaria, julgar que a mesma não interrompeu o prazo para pagamento da taxa remanescente e multa consideradas em falta e, por fim, ordenando o desentranhamento das alegações de recurso apresentadas em 8-7-2022 quanto a sentença anterior que em graves erros palmares de direito e de facto levantou o efeito suspensivo atribuído à acção, violou todas as normas e princípios legais acima identificados”.
2. O Instituto da Segurança Social, IP, apresentou contra-alegação, na qual concluiu nos seguintes termos:
A) No dia 19-5-2022, o réu, aqui recorrido, requereu o incidente do levantamento do efeito suspensivo automático do contrato sub judice.
B) No dia 15-6-2022, o Tribunal a quo proferiu sentença (que foi posteriormente substituída por sentença com a mesma data, mas assinada em 20-6-2022) que deferiu o pedido de levantamento do efeito suspensivo automático.
C) Nessa sequência, as autoras, aqui recorrentes, inconformadas com a douta sentença, interpuseram recurso ordinário de apelação, no dia 8-7-2022, juntando, para o efeito, comprovativo do pagamento de taxa de justiça, no montante de €306,00 (trezentos e seis euros).
D) Sucede que, no dia 11-7-2022, foram as autoras, aqui recorrentes, notificadas pela secretaria judicial para, no prazo de 5 (cinco) dias, efectuarem o pagamento do montante de € 510,00 (quinhentos e dez euros) a título de taxa de justiça, acrescida de uma multa de igual montante.
E) Montantes estes que deviam ter sido pagos pelas autoras, aqui recorrentes, até ao dia 19-7-2022 (cfr. guia cível com a referência nº 703080088631362).
F) Todavia, as autoras, aqui recorrentes, não procederam àquele pagamento, ao invés, apresentando uma reclamação do acto da secretaria no dia 15-7-2022.
G) Notificados que foram para, em querendo, se pronunciarem, tanto o réu, como os contra-interessados, aqui recorridos, pugnaram pela improcedência da reclamação das autoras, aqui recorrentes, por não provada e bem assim, pelo desentranhamento das alegações de recurso daquelas.
H) No dia 9-8-2022, o Tribunal a quo proferiu despacho, tendo concluído que, atendendo a que as autoras, aqui recorrentes, não procederam ao pagamento da taxa de justiça e multa no prazo concedido, nem tão pouco juntaram os comprovativos de pagamento, a reclamação apresentada devia ser indeferida, assim como deviam ser desentranhadas as alegações de recurso.
I) Na sequência da notificação do aludido despacho, vieram as autoras, agora recorrentes, apresentar recurso do mesmo.
J) Sucede, porém, que, salvo melhor entendimento, não podem colher os argumentos expendidos pelas recorrentes. Se não, vejamos:
K) As autoras, aqui recorrentes começam, desde logo, por atacar a decisão do douto Tribunal a quo, pois, na sua óptica, a mesma peca por “(…) violação de lei, mas igualmente por violação dos princípios da previsibilidade, equidade, proporcionalidade, cooperação e boa-fé processual, desde logo na interpretação e aplicação dos formalismos processuais, culminando no puro cerceamento do próprio direito ao recurso da decisão, ela própria eivada de erros palmares, que culminou no levantamento do efeito suspensivo automático e na violação do direito á tutela jurisdicional plena e efectiva” (cfr. fls. 6 das alegações de recurso apresentadas pelas autoras, aqui recorrentes).
L) Trazendo, para o efeito, à colação a acção administrativa emergente de contencioso pré-contratual, no âmbito do processo nº 190/21.9BELSB.
M) O supra transcrito parece sugerir a ideia de que estamos em presença da figura da excepção do caso julgado ou de autoridade do caso julgado. Todavia, nem uma, nem outra figura se reconduzem aos autos.
N) Cumpre, desde já, salientar que o incidente de levantamento do efeito suspensivo automático suscitado no âmbito do processo nº 190/21.9BELSB que correu termos no Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa – Unidade Orgânica 2, nada tem que ver com o incidente referente ao processo nº 505/22.2BELSB que correu termos no Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa – Unidade Orgânica 2.
O) No entanto, caso assim não se entenda e, por mera cautela de patrocínio, sempre se dirá que, para que se verifique a excepção de caso julgado é necessário que exista uma “repetição da causa”, logo é indispensável a verificação cumulativa de três identidades entre ambas as acções: quanto aos sujeitos, quanto ao pedido e quanto à causa de pedir (cfr. artigo 581º do CPC).
P) Assim, pese embora se verifique identidade das partes, não existe identidade do pedido, pois, tal como referem Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Pires de Sousa, (in Código de Processo Civil anotado, Vol. 1, 2018, pp. 661) não é exigível uma adequação integral das pretensões. E, mesmo que se se admita que o pedido é o mesmo no processo nº 190/21.9BELSB e no processo nº 505/22.2BELSB – na medida em que, em ambos os processos, se pretendia que o incidente de levantamento do efeito suspensivo fosse julgado procedente, por provado, e, em consequência, fosse levantado o efeito suspensivo automático da adjudicação, nos termos e com os efeitos previstos no artigo 103º-A, nº 4, do CPTA – uma conclusão é certa: não existe identidade de causa de pedir, pois, enquanto ao processo nº 190/21.9BELSB teve por base a impugnação da deliberação do Conselho Directivo do réu, de dia 21-1-2021 que determinou a exclusão da proposta apresentada a concurso pelas autoras, o incidente referente ao processo nº 505/22.2BELSB deriva de um outro facto jurídico (a deliberação do Conselho Directivo do réu, de dia 17-2-2022, que homologou o Relatório Final, impugnando a adjudicação às aqui contra-interessadas).
Q) Sem prescindir do que vai dito, importa ainda salientar que no incidente referente ao processo nº 190/21.9BELSB, as circunstâncias eram outras, pois, aquando da interposição do incidente (em 5-3-2021) ainda estávamos numa fase inicial da pandemia e já volvidos quase dois anos, são muitas as mudanças. Houve uma alteração das circunstâncias – sobretudo, perante a pandemia e o cenário de guerra que levou a que se verificasse um incremento das chamadas nos meses de Abril e Maio, por comparação a Março de 2022.
R) Portanto, verifica-se que a causa de pedir que deu lugar ao incidente de levantamento do efeito suspensivo automático numa e noutra acção, foi diferente.
S) Razão pela qual, não se verifica a excepção do caso julgado.
T) Concomitantemente e sem prescindir, mesmo que assim não se entendesse, o que não se concebe ou concede, sempre se diga que a situação aqui sub judice também não pode ser subsumível à figura da autoridade do caso julgado, porquanto reitera-se, mais uma vez, estamos perante circunstâncias diferentes e que, por isso, têm naturalmente, de ter tratamentos diversos.
U) Mais alegam as autoras, aqui recorrentes, que a reclamação por si apresentada ao acto da secretaria é tempestiva e que, naquela data, se suspenderam os efeitos do acto que constituiu o seu objecto, nomeadamente o prazo para pagar a taxa de justiça e a multa.
V) Todavia, a argumentação expendida pelas autoras, aqui recorrentes não pode colher, pois, contrariamente ao que é referido pelas autoras/recorrentes, a reclamação não faz interromper o prazo para pagamento.
W) O que, resulta, aliás, evidente da leitura do Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 31-3-2022, proferido no âmbito do processo nº 315/20.1BECT-R1, segundo o qual: “a pretensão de dispensa de pagamento da multa, visada pelo autor, se encontrava desprovida de qualquer arrimo legal e, na mesma medida, a sua alegação de que, com tal requerimento, se interrompeu o prazo para proceder ao pagamento em falta”.
X) Acresce que, como bem salienta o despacho do Tribunal a quo, “a própria autora não invoca uma única norma para fundamentar o seu entendimento; e não o faz, porque a mesma não existe. Sendo certo que, o acórdão que cita e no qual se conclui que se suspendeu o prazo para pagamento de uma multa com a reclamação apresentada, alem de não se basear em qualquer norma jurídica, diz expressamente que retira tal conclusão da factualidade apurada naqueles autos, a qual não pode ser transposta para os presentes autos”.
Y) Pelo que, bem andou o Tribunal a quo quando decidiu que a reclamação não suspende o prazo para proceder ao pagamento da taxa de justiça e multa devidas.
Z) As autoras, aqui recorrentes, alegam ainda que “a secretaria, ao notificar da falta de pagamento da taxa de justiça, quando a taxa paga pelas recorrentes corresponde ao valor do recurso indicado pelas mesmas, incorreu num erro”, prosseguindo, salientando que “as recorrentes foram surpreendidas por um acto da secretaria que para ser válido implicaria uma prévia decisão do juiz sobre o valor do recurso, implicando a apreciação jurisdicional dos fundamentos que levaram a parte a atribuir tal valor ao seu recurso”. O que, não tendo acontecido, constitui, na óptica das autoras/recorrentes uma violação do disposto no nº 6 do artigo 157º do CPC e bem assim, dos seus direitos e interesses.
AA) Contudo, o acto da secretaria não padece de qualquer vicio, pois, como analisaremos no capitulo V. do presente articulado, o valor do incidente de levantamento do efeito suspensivo automático é o da causa a que respeita (€ 6.292.167,53), e, por conseguinte, o valor da taxa de justiça devida pela apresentação das alegações de recurso corresponde a € 816,00 (oitocentos e dezasseis euros), ao invés, dos € 306,00 (trezentos e seis euros) pagos pelas autoras, aqui recorrentes.
BB) Assim, atendendo a que não se verifica qualquer erro ou omissão de actos praticados pela secretaria judicial, não podemos, por isso, aplicar o disposto no artigo 157º, nº 6 do CPC que, como resulta da leitura daquele preceito, apenas se aplica aos erros e omissões dos actos praticados pela secretaria judicial que prejudiquem as partes, o que aqui não sucede.
CC) Por outro lado, cumpre ainda salientar que a secretaria judicial actuou ao abrigo das competências que lhe são conferidas pelo disposto no artigo 642º, nº 1 do CPC, segundo o qual, é a secretaria quem notifica o recorrente em caso de omissão do pagamento da taxa de justiça. Donde resulta que estamos em presença de um acto oficioso da secretaria, e, portanto, sem necessidade de qualquer despacho prévio do juiz nesta matéria.
DD) Face a tudo quanto antecede, e contrariamente ao que alegam as autoras, aqui recorrentes, não existe nenhum erro no douto despacho do Tribunal a quo que, salvo melhor opinião, fez uma correcta aplicação do direito, ao não reconhecer a interrupção do prazo para pagamento da taxa de justiça e da multa pela apresentação de reclamação.
EE) Alegam ainda as autoras, aqui “o não reconhecimento do efeito suspensivo da reclamação do acto da secretaria e o consequente desentranhamento das alegações, configura uma manifesta violação dos princípios estruturantes do Direito” e bem assim, que “o desentranhamento das alegações de recurso se afigura, antes de mais, atentatório dos princípios constitucionais da tutela jurisdicional efectiva e da proporcionalidade” (cfr. fls. 13 das alegações de recurso).
FF) Posição, com a qual, salvo o devido respeito, não concordamos, pois, como já foi supra mencionado, a reclamação apresentada pelas autoras, aqui recorrentes, ao acto da secretaria judicial não tem efeito suspensivo.
GG) Logo, não existe qualquer violação de quaisquer princípios constitucionalmente consagrados.
HH) Note-se que as alegações de recurso das autoras, aqui recorrentes, não foram mandadas desentranhar sem mais! As alegações de recurso foram desentranhadas na sequência da notificação da secretaria judicial para que as autoras/recorrentes procedessem ao pagamento da taxa de justiça em falta, acrescida da multa de igual montante, que, sublinhe-se, as autoras/recorrentes optaram por não pagar.
II) Contrariamente ao que é dito pelas autoras, aqui recorrentes, o despacho recorrido não viola quaisquer garantias constitucionais de proporcionalidade e razoabilidade, na medida em que o mesmo apenas se limita a aplicar a lei.
JJ) É dito de forma bastante clara no nº 2 do artigo 642º do CPC que, caso a comprovação do pagamento da taxa de justiça em falta não seja efectuada no prazo concedido, as alegações são desentranhadas.
KK) Pelo que, salvo o devido respeito, o Tribunal a quo limitou-se a aplicar a lei, actuando em cumprimento estreito do princípio da legalidade.
LL) E, nessa medida, sempre se diga que os princípios da protecção da confiança e da segurança jurídica (tanto na vertente da estabilidade, como da previsibilidade) se encontram, também ele, salvaguardados, não se verificando, por isso, qualquer ofensa do direito de defesa das autoras, aqui recorrentes, nem tão pouco, ofensa do principio da protecção jurisdicional efectiva, contrariamente ao que é alegado pelas aquelas.
MM) As autoras/recorrentes entendem ainda que o douto despacho do Tribunal a quo padece de vicio de falta de fundamentação, violando o disposto nos artigos 268º, nº 3 da CRP e 154º do CPC. Mas, sem razão.
NN) Estatui o nº 3 do artigo 268º da CRP que: “Os actos administrativos estão sujeitos a notificação aos interessados, na forma prevista na lei, e carecem de fundamentação expressa e acessível quando afectem direitos ou interesses legalmente protegidos.”
OO) E, no mesmo sentido, dispõe o artigo 154º do CPC que: “1 – As decisões proferidas sobre qualquer pedido controvertido ou sobre alguma dúvida suscitada no processo são sempre fundamentadas. 2 – A justificação não pode consistir na simples adesão aos fundamentos alegados no requerimento ou na oposição, salvo quando, tratando-se de despacho interlocutório, a contraparte não tenha apresentado oposição ao pedido e o caso seja de manifesta simplicidade”.
PP) Ora, no caso concreto, importa salientar que o douto despacho do Tribunal a quo debruça-se acerca da taxa de justiça devida pela reclamação (o que faz, na questão nº 1); aprecia ainda a questão da conclusão do processo ao juiz previamente à emissão das guias para pagamento da taxa de justiça em falta e respectiva multa (o que faz, na questão nº2); analisa o valor do incidente na 3ª questão e por fim, analisa e aprecia o desentranhamento das alegações de recurso, na 4ª questão.
QQ) O que, note-se, faz de forma exaustiva.
RR) Com efeito, no douto despacho, o Tribunal a quo especifica os fundamentos de facto e de direito (cfr. artigo 615º, nº 1, alínea b) do CPC), assim como esclarece, de forma clara e objectiva, os fundamentos/motivos nos quais assenta a decisão de indeferimento da reclamação e desentranhamento das alegações de recurso, apresentadas pelas autoras/recorrentes (cfr. artigo 154º, nº 1 do CPC), sendo perfeitamente apreensível o itinerário cognoscitivo percorrido pelo Tribunal a quo que justificam a sua decisão.
SS) Salvo melhor opinião, no douto despacho do Tribunal a quo encontra-se evidenciado de forma suficiente e fundamentada o itinerário percorrido, permitindo entender as razões que a motivaram e que conduziram ao dispositivo, razão pela qual, o aludido despacho não padece da nulidade que lhe é assacada.
TT) Mais entendem as autoras, aqui recorrentes que “se por um lado a secretaria tem poderes próprios para notificar o recorrente em caso de omissão de pagamento da taxa de justiça, por outro lado é exclusivamente ao juiz que cabe fixar o valor do recurso. Pelo que, não podia a secretaria emitir a notificação em apreço, de implícito cariz jurisdicional, considerando que as recorrentes pagaram a taxa de justiça correspondente ao valor do recurso por si indicado e fundamentado” (cfr. fls. 21 e 22 das alegações de recurso).
UU) Com o devido respeito, não podemos concordar com a posição das autoras/recorrentes, pois, como se disse supra (e agora se reitera) a secretaria é competente para notificar o recorrente em caso de omissão de pagamento da taxa de justiça, sem necessidade de qualquer despacho prévio do juiz, conforme resulta da leitura do artigo 642º, nº 1 do CPC.
VV) Porquanto, a notificação efectuada pela secretaria para pagamento do remanescente do montante devido a título de taxa de justiça e multa, não é um acto de natureza jurisdicional, mas sim, um acto de mero expediente, pelo que, a secretaria actuou no âmbito das suas competências.
WW) Vejamos: Nos termos do disposto no nº 1 do artigo 157º do CPC, “As secretarias judiciais asseguram o expediente, autuação e regular tramitação dos processos pendentes, nos termos estabelecidos na respectiva lei de organização judiciária, em conformidade com a lei de processo e na dependência funcional do magistrado competente”, acrescentando o nº 2 do mesmo preceito que “Incumbe à secretaria a execução dos despachos judiciais e o cumprimento das orientações de serviço emitidas pelo juiz, bem como a prática dos actos que lhe sejam por este delegados, no âmbito dos processos de que é titular e nos termos da lei, cumprindo-lhe realizar oficiosamente as diligências necessárias para que o fim daqueles possa ser prontamente alcançado”.
XX) Um dos actos que compete à secretaria judicial é precisamente a emissão de guias de multas e penalidades que devem ser remetidas às partes responsáveis, para que as mesmas possam proceder ao pagamento dos montantes em dívida.
YY) O que é, aliás, referido no artigo 21º da Portaria nº 419-A/2009, de 17 de Abril, na actual redacção que lhe foi dada pela Portaria nº 267/2018, de 20 de Setembro. Estatui este preceito que “1 – O pagamento das custas e o pagamento antecipado de encargos, multas, taxa sancionatória excepcional e outras penalidades é efectuado mediante a emissão de guia acompanhada do DUC, para além dos demais casos previstos na presente portaria, quando caiba à secretaria notificar a parte para o pagamento da taxa de justiça.(…) 4 – Quando solicitada, a guia é imediatamente emitida e entregue ao responsável pelo pagamento ou enviada ao responsável que não estiver presente”.
ZZ) E, o mesmo é dito no nº 3 do artigo 25º da aludida portaria. Segundo este normativo: “Nos restantes casos de aplicação de multas e penalidades, são emitidas guias pelo tribunal e remetidas à parte ou partes responsáveis”.
AAA) Competindo ao interessado, “entregar o documento comprovativo do pagamento do pagamento ou realizar a comprovação desse pagamento juntamente com o respectivo articulado ou requerimento, salvo disposição legal em contrário, nos termos da portaria que regula vários aspectos da tramitação electrónica dos processos” (cfr. nº 1 do artigo 22º da referida Portaria nº 419-A/2009, de 17 de Abril).
BBB) Acrescentando ainda o nº 3 daquele artigo 22º que “Fora dos casos previstos na lei ou regulamentação própria e quando não exista norma que disponha de forma diferente, os pagamentos efectuados através do DUC importam a junção ao processo do respectivo documento comprovativo, no prazo de cinco dias posteriores à data do pagamento”.
CCC) Pelo que, competia ao interessado, neste caso, às autoras/recorrentes, após terem sido notificadas pela secretaria judicial, proceder ao pagamento do remanescente do montante devido a título de taxa de justiça e multa e juntar aos autos o respectivo documento comprovativo do aludido pagamento.
DDD) Sem prescindir do supra exposto, importa ainda referir que, no presente caso, salvo o devido respeito e melhor opinião, não podemos aplicar o disposto no artigo 306º do CPC, pois estamos perante um incidente.
EEE) Pelo que, se aplica o disposto no artigo 304º do CPC, que trata em específico do valor dos incidentes e procedimentos cautelares.
FFF) Dispõe o artigo 304º do CPC, com a epígrafe “Valor dos Incidentes e dos Procedimentos Cautelares” que: “O valor dos incidentes é o da causa a que respeitam, salvo se o incidente tiver valor diverso da causa(…)”.
GGG) Como bem refere o douto despacho do Tribunal a quo “Ora, claramente que o incidente em questão não tem valor diverso e ou autónomo ao valor da causa a que respeita; pois que, não tem qualquer utilidade económica associada a si que seja distinta da causa principal. Aliás, pretendendo o incidente em questão evitar uma situação em que o acto de adjudicação já tenha sido executado ou de total execução do contrato, que impeça, desde logo, a satisfação da pretensão do autor na acção de contencioso pré-contratual – que é por norma a adjudicação do contrato para si – mais evidente parece ser que o incidente do Artigo 103º-A do CPTA não poderá ter outro valor, que não o valor da acção a que respeita. Não cabendo aqui a aplicação do critério previsto no artigo 34º do CPTA, pois que, é manifesto que nas acções desta natureza não estão em causa valores imateriais, do mesmo modo que o valor da causa não é indeterminável”.
HHH) Ora, atendendo à clareza do disposto no artigo 304º do CPC e salvo o devido respeito e melhor opinião, não restam, pois, quaisquer dúvidas que, sendo o valor da causa € 6.292.167,53 (seis milhões duzentos e noventa e dois cento e sessenta e sete euros e cinquenta e três cêntimos), o valor do incidente processual cujo objecto é o pedido do levantamento do efeito suspensivo, também o é.
III) Repare-se ainda que o incidente de levantamento do efeito suspensivo automático respeita, também ele, à adjudicação e prestação dos serviços, pelo que, ao invés do que é alegado pelas autoras, aqui recorrentes, não está em causa um interesse imaterial e indeterminado, e consequentemente, a lei não exige a apreciação por parte do juiz para fixação do valor da causa.
JJJ) Face ao que antecede, resulta, pois, evidente, que a secretaria judicial actuou no exercício das suas competências, pois o valor do incidente já se encontrava fixado. A secretaria limitou-se a aplicar o disposto no artigo 6º, nº 2 do Regulamento das Custas Processuais e tabela I-B, segundo o qual, tendo em conta o valor da acção (€ 6.292.167,53) a taxa de justiça a liquidar com a apresentação das alegações de recurso seria de € 816,00 (oitocentos e dezasseis euros).
KKK) Função esta que, sublinhe-se, faz parte das competências da secretaria judicial, nos termos dos artigos 642º, nº 1 e 157º, nº 1, ambos do CPC, e artigos 21º e 25º, nº 3 da Portaria nº 419-A/2019, de 17 de Abril, na actual redacção que lhe foi dada pela Portaria nº 267/2018, de 20 de Setembro.
LLL) Por fim, sindicam as autoras/recorrentes que “o objecto do incidente é insusceptível de avaliação económica, pelo que deverá ter valor indeterminável. Com o recurso pretende-se evitar o dano decorrente da violação do direito à tutela primária, nos termos do artigo 103º-A do CPTA. Estando em causa um prejuízo que se pretende evitar e cujo valor é indeterminável, aplica-se a regra do artigo 34º, nº 2 do CPTA que estipula que o mesmo se considera superior ao da alçada dos TCA. Pelo que, as recorrentes fixaram a sucumbência no valor de €30.000,01 e liquidaram a taxa de justiça correspondente”.
MMM) Contudo, sem razão, pois, ao abrigo do disposto no artigo 304º, nº 1 do Código de Processo Civil, aplicável ex vi artigo 1º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos: “O valor dos incidentes é o da causa a que respeitam, salvo se o incidente tiver realmente valor diverso do da causa, porque neste caso o valor é determinado em conformidade com os artigos anteriores”.
NNN) Ora, atendendo a que é jurisprudência consensual que o levantamento do efeito suspensivo é um incidente processual e que, por isso, corre paralelamente à acção principal, dúvidas não restam que, nos termos da lei, tem que ser obrigatoriamente precedido do pagamento da devida taxa de justiça, isto é, € 816,00 (oitocentos e dezasseis euros).
OOO) Com efeito, seguindo a regra geral prevista no artigo 6º, nº 2 do Regulamento das Custas Processuais – que dispõe que a taxa de justiça nos recursos é sempre fixada nos termos da tabela I-B, ou seja é liquidada inicialmente a respeitante à importância de € 275.000,00 (duzentos e setenta e cinco mil euros) e o remanescente entre aquele montante e o valor da acção será considerado na conta a elaborar a final –, as autoras deviam ter pago, aquando da interposição das alegações de recurso, a taxa de justiça correspondente aos referidos € 275.000,00 (duzentos e setenta e cinco mil euros), ou seja, € 816,00 (oitocentos e dezasseis euros).
PPP) Atento o supra exposto e considerando que as autoras/recorrentes apenas liquidaram o valor de € 306,00 (trezentos e seis euros), é por demais evidente que as autoras/recorrentes procederam ao pagamento de modo “deficiente”.
QQQ) Sucede, porém, que a lei não faz qualquer distinção entre a falta de pagamento e o pagamento inferior ao devido, “pois a comprovação do pagamento de valor inferior ao determinado pelo RCP equivale ao não pagamento da taxa de justiça” (cf. Miguel Teixeira de Sousa, CPC Online, artigos 130º a 149º, versão de Outubro de 2021, pág. 21, disponível em https://blogippc.blogspot.com/).
RRR) Assim sendo, o facto das autoras, aqui recorrentes terem liquidado a título de taxa de justiça, um montante inferior ao devido equivalente, para os efeitos aqui em causa, à falta de pagamento.
SSS) Acresce que, estando em causa a falta de pagamento da taxa de justiça devida pela apresentação das alegações de recurso, aplica-se o disposto no artigo 642º do CPC, isto é, a secretaria notifica o interessado para efectuar o pagamento omitido (nº 1) e, se ainda assim, o interessado não lograr demonstrar que procedeu ao pagamento da taxa de justiça devida e multa, o tribunal determina o desentranhamento das alegações de recurso (nº 2).
TTT) Ora, atendendo a que as autoras/recorrentes não pagaram o valor indicado na guia emitida pela secretaria judicial e a lei é bastante clara, em concreto, o artigo 642º, nº 2 do CPC quando prevê que: “Quando, no termo do prazo de 10 dias referido no número anterior, não tiver comprovado o pagamento da taxa de justiça devida e da multa (…) o tribunal determina o desentranhamento da alegação, do requerimento ou da resposta apresentada pela parte em falta”.
UUU) Só havia uma cominação possível: o desentranhamento das alegações de recurso, apresentadas pelas autoras/recorrentes (nº 2 do artigo 642º do CPC), o que efectivamente, veio a suceder.
VVV) No mesmo sentido, veja-se o sumário do Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 31-3-2022, no âmbito do processo nº 315/20.1BECTB-R1, segundo o qual: “I – O pagamento da taxa de justiça de valor inferior ao devido equivale, nos termos do artigo 145º, nº 2 do CPC, à falta de comprovação, considerando-se como não paga tal taxa. II – Omitindo o autor a comprovação do pagamento da taxa de justiça devida e da multa previstas no nº 1 do artigo 642º do CPC, impõe-se ao tribunal determinar o desentranhamento da alegação de recurso, em conformidade com o disposto no nº 2 deste artigo” (negrito nosso).
WWW) Assim, face a tudo quanto antecede, e considerando que o valor do incidente corresponde ao valor da causa a que respeita, isto é, € 6.292.167,53 (seis milhões duzentos e noventa e dois euros, cento e sessenta e sete euros e cinquenta e três cêntimos), as autoras/recorrentes tinham de ter liquidado o montante de € 806,00 (oitocentos e seis euros) ao invés dos € 306,00 (trezentos e seis euros) a titulo de taxa de justiça, por ser este o valor devido, nos termos do disposto no nº 1 do artigo 304º do Código de Processo Civil e nº 2 do artigo 6º do Regulamento das Custas Processuais.
XXX) Termos em que, face ao supra expendido, deve ser negado provimento ao presente recurso, e, em consequência, ser mantida na ordem jurídica o douto despacho do Tribunal a quo que indeferiu a reclamação apresentada e consequentemente determinou o desentranhamento das alegações de recurso apresentadas pelas autoras, aqui recorrentes”.
3. Remetidos os autos a este TCA Sul, foi cumprido o disposto no artigo 146º do CPTA, tendo o Digno Magistrado do Ministério Público emitido douto parecer, no qual defendeu que o recurso não merece provimento.
4. Sem vistos aos Exmºs Juízes Adjuntos, atenta a natureza urgente do processo, vêm os autos à conferência para julgamento.

II. OBJECTO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR
5. Na fase de recurso importa apreciar se a decisão proferida deve ser mantida, alterada ou revogada, circunscrevendo-se as questões a apreciar em sede de recurso, à luz das disposições conjugadas dos artigos 144º, nº 2 do CPTA, e 639º, nº 1 e 635º, ambos do CPCivil, “ex vi” artigos 1º e 140º do CPTA, às que integram o objecto do recurso tal como o mesmo foi delimitado pelas recorrentes na sua alegação, mais concretamente nas respectivas conclusões – isto sem prejuízo das que sejam de conhecimento oficioso – e simultaneamente balizadas pelas questões que haviam já sido submetidas ao Tribunal “a quo” (cfr., neste sentido, António Santos Abrantes Geraldes, “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, Almedina, 5ª edição, págs. 119 e 156).
6. Em concreto, são as seguintes as questões a decidir no presente recurso:
a) se a apresentação da reclamação do acto da secretaria que notifica a parte para o pagamento da taxa de justiça e da respectiva multa, ainda para mais sem a interposição de competente despacho judicial, suspende os respectivos efeitos, entre os quais o prazo para pagar, constituindo o entendimento do Tribunal a quo, que decidiu pela negativa, violação do disposto no artigo 157º, nº 6 do CPCivil (conclusões 1. a 7. da alegação das recorrentes);
b) se o não reconhecimento do efeito suspensivo da reclamação do acto da secretaria e o consequente desentranhamento das alegações, limita o direito de defesa e de acesso aos tribunais das recorrentes, em violação do disposto nos artigos 2º, 20º e 268º, nº 4 da CRP, e no artigo 2º, nº 2 do CPCivil (conclusões 8. a 11. da alegação das recorrentes);
c) se o desentranhamento das alegações de recurso no quadro factual em apreço, é desrazoável e desproporcional, restringindo os direitos das recorrentes, mormente o direito à tutela efectiva em resultado da reclamação de um acto da secretaria nulo, em violação do princípio da proporcionalidade, nos termos do artigo 18º, nº 2 da CRP. (conclusões 12. a 21. da alegação das recorrentes);
d) se o despacho recorrido omite por completo a fundamentação em que se baseia, violando o disposto nos artigos 268º, nº 3 da CRP e 154º do CPC, sendo por conseguinte nulo (conclusões 22. a 24. da alegação das recorrentes); e, finalmente,
e) se o incidente de levantamento do efeito suspensivo automático diz respeito ou não à adjudicação e prestação dos serviços, já que está em causa o interesse imaterial e indeterminado à tutela primária das recorrentes cujo valor só pode ser fixado após apreciação por parte do juiz, tendo por conseguinte um valor indeterminável que se considera superior ao da alçada dos TCA, nos termos do artigo 34º, nº 2 do CPTA, e se as recorrentes poderiam indicar um valor diverso para o recurso, nos termos do artigo 12º, nº 2 do RCP (conclusões 25. a 34. da alegação das recorrentes).

III. FUNDAMENTAÇÃO
A – DE FACTO
7. As incidências processuais que relevam para a apreciação do objecto do presente recurso são as seguintes:
a) Em 7-3-2022 as aqui recorrentes intentaram no juízo de contratos públicos do TAC de Lisboa uma acção de contencioso pré-contratual com carácter urgente e efeito suspensivo automático contra o Instituto da Segurança Social, IP, na qual peticionaram:
i) declaração de nulidade ou anulação de acto administrativo deliberativo do conselho directivo do réu, de 17-2-2022, de homologação do relatório final e de subsequente adjudicação às contra-interessadas “R…., SA” e “C… SA”;
ii) a impugnação de documento conformador do procedimento;
iii) o reconhecimento de situação jurídica subjectiva favorável; e
iv) a condenação à pratica de acto administrativo legalmente devido – cfr. PI do processo nº 505/22.2BELSB, consultável via SITAF;
b) No dia 19-5-2022, o Instituto da Segurança Social, IP, ora recorrido, requereu o levantamento do efeito suspensivo automático da adjudicação e execução do contrato em causa – cfr. fls. 81 do processo nº 505/22.2BELSB, consultável via SITAF;
c) No dia 15-6-2022, o Tribunal a quo proferiu sentença (que foi posteriormente substituída por sentença com a mesma data, mas assinada em 20-6-2022) a deferir o pedido de levantamento do efeito suspensivo automático – cfr. fls. 1665 e segs. do processo nº 505/22.2BELSB, consultável via SITAF;
d) As autoras, aqui recorrentes, inconformadas com aquela sentença, interpuseram recurso de apelação no dia 8-7-2022, juntando, para o efeito, comprovativo do pagamento de taxa de justiça, no montante de € 306,00 (trezentos e seis euros) – cfr. fls. 1717 e segs. do processo nº 505/22.2BELSB, consultável via SITAF;
e) Em 11-7-2022, foram as autoras notificadas pela secretaria judicial para, no prazo de 5 (cinco) dias, efectuarem o pagamento do montante de € 510,00 (quinhentos e dez euros) a título de taxa de justiça, acrescida de uma multa de igual montante, sendo a data-limite para aquele pagamento o dia 19-7-2022 – cfr. fls. 1791 e 1792 do processo nº 505/22.2BELSB, consultável via SITAF;
f) As autoras não procederam àquele pagamento, mas apresentaram reclamação do acto da secretaria no dia 15-7-2022 – cfr. fls. 1795 a 1802 do processo nº 505/22.2BELSB, consultável via SITAF;
g) O réu e os contra-interessados, notificados para se pronunciarem, pugnaram pela improcedência da reclamação das autoras e, bem assim, pelo desentranhamento das alegações de recurso por aquelas apresentado – cfr. fls. 1813/1818 e 1821/1825 do processo nº 505/22.2BELSB, consultável via SITAF;
h) Por despacho datado de 9-8-2022, o TAC de Lisboa proferiu despacho a indeferir a reclamação apresentada e a ordenar o desentranhamento das alegações de recurso, com fundamento no facto das autoras não terem procedido ao pagamento da taxa de justiça e da multa no prazo concedido, nem tão pouco terem junto os comprovativos desse pagamento (despacho recorridocfr. fls. 1845/1847 do processo nº 505/22.2BELSB, consultável via SITAF.

B – DE DIREITO
8. Como decorre do exposto, após ter sido proferida sentença no âmbito do incidente de levantamento do efeito suspensivo automático, as autoras, inconformadas, apresentaram recurso, tendo para o efeito liquidado uma taxa de justiça no valor de € 306,00, porquanto atribuíram ao aludido incidente o valor de € 30.000,01. Perfilhando o entendimento de que o valor liquidado não era o devido – o que nos termos do disposto no artigo 145º, nº 2 do CPCivil, equivalia à falta de comprovação do pagamento –, a secretaria emitiu as guias para pagamento da taxa de justiça em falta e respectiva multa, nos termos previstos no artigo 642º do CPCivil.
9. Em discordância com o acto da secretaria, as autoras apresentaram reclamação desse acto da secretaria, para a qual liquidaram uma taxa de justiça no valor de € 22,50.
10. Comecemos por analisar se procede a invocada nulidade do despacho recorrido, por omitir por completo a fundamentação em que se baseia, violando o disposto nos artigos 268º, nº 3 da CRP e 154º do CPCivil (cfr. conclusões 22. a 24. da alegação das recorrentes).
11. Nos termos da norma que rege sobre esta matéria – artigo 154º do CPCivil, por referência ao disposto no artigo 615º do mesmo compêndio normativo –, o despacho em causa só seria nulo no caso de não especificar os fundamentos de facto e de direito que o justificam (cfr. alínea b) do nº 1 do artigo 615º do CPCivil). Neste particular, quer a doutrina, quer a jurisprudência dos tribunais superiores é unânime em considerar que só a absoluta falta de fundamentação gera a nulidade da sentença ou do despacho (cfr., entre muitos outros, o acórdão deste TCA Sul, de 12-5-2022, proferido no âmbito do processo nº 720/11.4BEALM). Ora, tal não é o caso do despacho recorrido, onde não só toda a factualidade relevante foi elencada, como também foi explanado de forma exaustiva o quadro jurídico que conduziu à decisão tomada.
12. Improcedem, nos termos expostos, as conclusões 22. a 24. da alegação das recorrentes.
* * * * * *
13. Nas conclusões 1. a 7. da sua alegação de recurso vêm as recorrentes sustentar que a apresentação da reclamação do acto da secretaria que notifica a parte para o pagamento da taxa de justiça e da respectiva multa, ainda para mais sem a interposição de prévio despacho judicial, suspende os respectivos efeitos, entre os quais o prazo para pagar, pelo que o entendimento do Tribunal “a quo”, que decidiu em sentido contrário, viola o disposto no artigo 157º, nº 6 do CPCivil.
Vejamos se assiste razão às recorrentes.
14. Como decorre do t...r do nº 1 do artigo 157º do CPCivil, “as secretarias judiciais asseguram o expediente, autuação e regular tramitação dos processos pendentes, nos termos estabelecidos na respectiva lei de organização judiciária, em conformidade com a lei de processo e na dependência funcional do magistrado competente”. Um dos casos em que as secretarias judiciais actuam ao abrigo da citada norma é o previsto no nº 1 do artigo 642º do CPCivil, que dispõe que “quando o pagamento da taxa de justiça devida ou a concessão do benefício do apoio judiciário não tiverem sido comprovados no momento definido para esse efeito, a secretaria notifica o interessado para, em 10 dias, efectuar o pagamento omitido, acrescido de multa de igual montante, mas não inferior a 1 UC nem superior a 5 UC”.
15. Tendo em conta o regime previsto nas disposições citadas, bem como a consideração de que as recorrentes auto-liquidaram uma taxa de justiça devida pela interposição do recurso inferior àquela que decorria da lei, o que procuraram justificar na respectiva alegação, não pode com propriedade entender-se que aquelas não pagaram a taxa de justiça nem, tão pouco, sustentar-se que omitiram a falta de comprovação desse pagamento no prazo de 5 dias a contar dessa interposição (cinco dias e não dez, visto tratar-se de processo urgente), pelo que não poderia a secretaria tê-las notificado para procederem ao pagamento devido com um acréscimo de multa dentro de determinados limites e, muito menos, num segundo momento e em face desse não pagamento, ser-lhes aplicado, por despacho judicial, a cominação prevista no nº 2 do artigo 642º do CPCivil, ou seja, o desentranhamento da alegação de recurso.
16. Razão pela qual não restava às recorrentes, em face da discordância manifestada face ao acto praticado pela secretaria judicial, outra solução que não fosse reclamar para o juiz competente (artigo 157º, nº 5 do CPCivil), reclamação essa que terá necessariamente que interromper ou suspender o prazo para a parte praticar o acto que lhe foi notificado “ex officio” pela secretaria (cfr., neste sentido, o acórdão do TR de Évora, de 8-11-2018, proferido no âmbito do processo nº 638/15.1T8STC-A.E1). O que se compreende, na medida em que as partes não podem ser prejudicadas pelos erros e omissões que possam ser cometidos pelas secretarias judiciais (cfr. artigo 157º, nº 6 do CPCivil).
17. Consequentemente, enquanto a reclamação apresentada não fosse decidida por despacho transitado em julgado, a parte não estava obrigada a dar cumprimento ao acto da secretaria, que a notificou para pagar a taxa de justiça devida (ou a diferença para aquela que liquidou), só o voltando a estar no caso da reclamação apresentada ser desatendida. E, sendo assim, após a notificação do despacho a desatender a reclamação, não podia ter sido ordenado o desentranhamento da alegação de recurso sem dar à parte a oportunidade de liquidar o valor em falta da taxa de justiça que, na sequência do indeferimento da reclamação apresentada, era a efectivamente devida.
18. Por conseguinte, a decisão recorrida violou o disposto no nº 6 do artigo 157º e no artigo 642º, nºs 1 e 2 do CPCivil, procedendo deste modo as conclusões 1. a 11. da alegação das recorrentes, posto que o não reconhecimento do efeito suspensivo da reclamação do acto da secretaria e o consequente desentranhamento das alegações limitou o direito de defesa e de acesso aos tribunais das recorrentes, em violação do disposto nos artigos 2º, 20º e 268º, nº 4 da CRP, e no artigo 2º, nº 2 do CPCivil.
* * * * * *
19. Resta finalmente apreciar se o despacho recorrido ajuizou correctamente a questão de saber se o valor pelo qual as recorrentes liquidaram a taxa de justiça devida pela interposição do recurso correspondia a um interesse imaterial e indeterminado à tutela primária das recorrentes, tendo por conseguinte um valor indeterminável que se considerava superior ao da alçada dos TCA, nos termos do artigo 34º, nº 2 do CPTA, não dizendo por isso respeito à adjudicação e prestação dos serviços, legitimando as recorrentes a indicar um valor diverso para o recurso, nos termos do artigo 12º, nº 2 do RCP (conclusões 25. a 34. da alegação das recorrentes).
Porém, neste particular, não lhes assiste razão.
20. De acordo com o disposto no artigo 304º, nº 1 do CPCivil, o valor dos incidentes eì o da causa a que respeitem, salvo se o incidente tiver valor diverso da causa, situação de que o(s) recorrente(s) se pode(m) valer, de acordo com o preceituado no artigo 12º, nº 2 do RCP, indicando valor diverso.
21. Como se viu, o despacho recorrido considerou – e bem – que o incidente em questão não tinha valor diverso e/ou autónomo do valor da causa a que respeitava, uma vez que não tinha qualquer utilidade económica associada e que fosse distinta da causa principal e, por outro lado, na medida em que se pretendia com o incidente em questão – levantamento do efeito suspensivo automático – evitar uma situação em que o acto de adjudicação jaì tivesse sido executado ou mesmo evitar a total execução do contrato, impeditiva da satisfação da pretensão das autoras na acção de contencioso préì-contratual que interpuseram – consistente na adjudicação do contrato para si –, era evidente que o incidente previsto no artigo 103º-A do CPTA não poderia ter outro valor que não o valor da acção a que respeitava.
22. Por conseguinte, tal como considerou o despacho recorrido, constituindo objecto da acção a anulação de um acto de adjudicação desenvolvido sob a égide de um procedimento concursal, tendente aÌ celebração de um contrato, e tendo em conta que as autoras e ora recorrentes visavam obter com a acção intentada a adjudicação da sua proposta no concurso, o valor da mesma, aferido pela “utilidade económica imediata do pedido”, teria de atender ao “conteúdo económico do acto”, traduzido no valor da proposta que apresentaram no âmbito do procedimento concursal em causa, ou seja, o valor de € 6.292.167,53, posto que era pelo valor da mesma que as autoras, caso a acção fosse julgada procedente, iriam outorgar e celebrar o contrato em causa.
23. E, sendo assim, quer o valor a atribuir à acção, quer ao incidente, não poderia ser outro que não o correspondente ao valor da proposta apresentada pelas autoras, pelo que a taxa de justiça devida pela interposição do recurso correspondia a € 816,00 – cfr. artigo 6º, nº 2 e Tabela I-B do RCP – e não ao valor liquidado pelas recorrentes, que foi de € 306,00.
24. Deste modo, considerando que foi apenas com a decisão que indeferiu a reclamação apresentada que ficou definitivamente decidido qual o valor da taxa de justiça devida, não poderia ter sido ordenado o desentranhamento da alegação de recurso sem dar às recorrentes a possibilidade de, em prazo a consignar, efectuarem o pagamento da diferença entre o montante legalmente devido a título de taxa de justiça e aquele que efectivamente liquidaram.
25. Ou seja, a consequência do indeferimento da reclamação apresentada pelas recorrentes não reclamava a aplicação do disposto no artigo 642º, nºs 1 e 2 do CPCivil, mas apenas a notificação daquelas para efectuarem o pagamento da diferença entre o montante legalmente devido a título de taxa de justiça e aquele que efectivamente pagaram.
26. Procedem, por conseguinte, as conclusões 1. a 11. da alegação das recorrentes e, com elas, parcialmente o presente recurso jurisdicional.

IV. DECISÃO
27. Nestes termos, e pelo exposto, acordam em conferência os juízes da secção de contencioso administrativo deste TCA Sul em conceder parcial provimento ao presente recurso jurisdicional e revogar o despacho recorrido, no segmento em que ordenou o desentranhamento da alegação de recurso das recorrentes, sob a invocação do disposto no artigo 642º, nº 2 do CPCivil, devendo estas ser notificadas para, no prazo de cinco dias, procederem ao pagamento da diferença entre o montante legalmente devido a título de taxa de justiça e aquele que efectivamente liquidaram.
28. Custas a cargo das autoras – ora recorrentes – e do réu – ora recorrido –, na proporção de 30% e 70%, respectivamente, dispensando-se o pagamento do remanescente da taxa de justiça.
Lisboa, 17 de Novembro de 2022
(Rui Fernando Belfo Pereira – relator)
(Dora Lucas Neto – 1ª adjunta)
(Pedro Figueiredo – 2º adjunto)