Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
Processo: | 374/21.0BEBJA |
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Secção: | CT |
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Data do Acordão: | 02/06/2025 |
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Relator: | TIAGO BRANDÃO DE PINHO |
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Descritores: | VALOR ADUANEIRO DAS MERCADORIAS DÚVIDAS FUNDADAS NA VERACIDADE DO PREÇO DECLARADO SUBSIDIARIEDADE DOS MÉTODOS DE AVALIAÇÃO |
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Sumário: | 1 – Não padece de erro de julgamento na apreciação da matéria de facto a sentença que, dando por provado o teor do esclarecimento relativo aos procedimentos negociais, bem como os documentos comerciais com aquele juntos (ordem de encomenda, fatura, comprovativo de pagamento e ficha técnica dos artigos), conclui que tais factos podem, em abstrato, justificar a razão pela qual a mercadoria poderá ter sido adquirida por um preço inferior ao de mercadorias idênticas ou similares no mercado internacional. 2 – O valor aduaneiro das mercadorias corresponde ao valor da transação – artigo 70.º, n.º 1, do CAU. 3 – Se a autoridade aduaneira tiver dúvidas fundadas sobre se o valor transacional declarado representa o montante total efetivamente pago ou a pagar, pode solicitar ao declarante que faculte informações adicionais – artigo 140.º, n.º 1, do AE-CAU. 4 – Se após a prestação das informações adicionais as dúvidas fundadas não forem dissipadas, o valor aduaneiro das mercadorias é determinado pela aplicação subsidiária e sucessiva dos métodos previstos no artigo 74.º do CAU. 5 – A manutenção das dúvidas fundadas pressupõe que seja dada ao declarante uma oportunidade razoável para defender o seu ponto de vista relativamente aos factos que as sustentam. 6 – A apreciação dos esclarecimentos prestados pelo declarante feita de forma conclusiva e acrítica, numa fórmula passe-partout capaz de afastar, em abstrato e independentemente do conteúdo, toda e qualquer justificação de um importador sem atender ao conteúdo material dos esclarecimentos, torna a oportunidade de defesa do valor transacional numa garantia não impugnatória meramente formal que torna infundadas as dúvidas da autoridade aduaneira. 7 – Não sendo fundadas as dúvidas da autoridade aduaneira quanto ao valor da transação, o valor aduaneiro das mercadorias não pode ser determinado através de um método subsidiário ao do valor transacional. |
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Votação: | UNANIMIDADE |
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Indicações Eventuais: | Subsecção Tributária Comum |
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Aditamento: | ![]() |
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Decisão Texto Integral: | Acordam na Subsecção Tributária Comum do Tribunal Central Administrativo Sul: Vem o presente recurso jurisdicional, interposto pela Autoridade Tributária e Aduaneira da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Beja, proferida em 7 de agosto de 2022, que julgou procedente a Impugnação Judicial deduzida por F..., SA, contra a liquidação de direitos e outros encargos, emitida pelo Chefe da Delegação Aduaneira de Sines em 10 de agosto de 2020, relativa à declaração de importação n.º 2020PT00067064709134, consequentemente ordenando a sua anulação e o pagamento de juros indemnizatórios. A sentença ora posta em xeque fundamentou-se na verificação do vício de violação de lei, por erro nos pressupostos de facto e de direito, por a Administração não ter demonstrado não ter sido possível determinar o valor aduaneiro das mercadorias importadas com base no preço acordado. Considerando que apesar de a decisão se alicerçar “na falta de fundamentação da liquidação, conclui pela procedência da ação por vício de violação de lei, por erro nos pressupostos de facto e de direito” (conclusão H)), desde logo porque “a dúvida fundada de que o valor transacional declarado não representava o preço efetivamente [pago], e que no início do procedimento justificou o pedido de informações à Impugnante, deixou de existir no final do mesmo procedimento, ou seja, foi dissipada pelas explicações e pelos documentos fornecidos, não contestados pela Administração” (conclusão J)), a Recorrente insurge-se contra ela por “o Tribunal recorrido não [ter identificado] quais os factos que foram considerados na decisão e que estavam objetivamente desconformes com a realidade, de modo a questionar a validade substancial da decisão da AT, de modo a justificar a sua decisão de anulação da liquidação por erro nos pressupostos de facto e de direito” (conclusão N)). Sustenta que o Tribunal recorrido, “com os factos dados como provados, não poderia ter decidido que a Impugnante justificou que o valor declarado representou o preço efetivamente pago ou a pagar referido no art. 70.º do CAU, explicando validamente o afastamento excecional da média dos valores das aquisições de mercadorias idênticas ou similares”, o que constitui “erro de julgamento em matéria de facto – porquanto faz errada valoração da prova carreada para os autos, ao sustentar conclusões em factos do probatório [alíneas c), f), h) e l) da matéria de facto provada], que não permitiriam retirar tais ilações” – conclusões S) e U) do Recurso. Defende, ainda, que a sentença padece também de “Erro de julgamento em matéria de direito, por errada aplicação e interpretação do disposto nos artigos 70.º e 74.º do CAU e artigos 140.º e 144.º do AE-CAU”, uma vez que respeitou “a ordem de subsidiariedade na aplicação dos métodos secundários de determinação do valor aduaneiro das mercadorias, encontrando-se a fundamentação usada pela Administração para efeitos da rejeição do método do valor transacional plenamente realizada e percetível para o administrado” – conclusões V) e UU). Por sua vez, a Recorrida contra-alegou pugnando pela manutenção da sentença recorrida e, na eventualidade da procedência das alegações da Recorrente, pediu a apreciação dos vícios apresentados na Petição Inicial cuja apreciação a sentença considerou prejudicada. O Exmo. Magistrado do Ministério Público emitiu parecer no sentido da improcedência do Recurso por considerar que a sentença “recorrida se encontra bem fundamentada de facto e de direito, não estando inquinada de quaisquer vícios, nomeadamente dos erros de julgamento que lhe são imputados, devendo, assim, ser confirmada na ordem jurídica”. As questões a decidir são, então, as de saber se a sentença padece do alegado erro de julgamento quanto à matéria de facto (saber se os factos constantes do probatório impunham, ou não, uma decisão diferente quanto à possibilidade de determinar o preço efetivamente pago pelas mercadorias) e quanto à matéria de direito (saber se é, ou não, errada a aplicação e interpretação das normas relativas aos métodos de determinação do valor aduaneiro das mercadorias). E, corridos os vistos legais, nada obsta à decisão. Em sede factual, vem apurado que: a) A Impugnante importou mercadorias ao abrigo da declaração de importação n.º 2020PT00067064709134 de 14.10.2020, apresentada na Delegação Aduaneira de Sines, com o seguinte teor: “(texto integral no original; imagem)” Cfr doc constante do processo administrativo junto aos autos
b) Em 19.10.2020, mercadoria foi submetida a controlo físico, com recolha de amostras; admitido, informação emitida na sequência da Reclamação Graciosa constante do processo administrativo junto aos autos, e doc relatando o resultado do controlo físico efectuado nessa data, também constante do processo administrativo junto aos autos c) Em 16.10.2020, os serviços da delegação Aduaneira de Sines, pediram informações adicionais à Impugnante, através do ofício n.º 344/2020, com o seguinte teor: d) Em 20.10.2020, a Impugnante respondeu a esta notificação através de requerimento escrito, com o seguinte teor: i) Em 03.12.2020, sobre esta informação foi aposto despacho pelo chefe da Delegação aduaneira de Sines, com o seguinte teor: “(texto integral no original; imagem)” “(texto integral no original; imagem)”“(texto integral no original; imagem)” m) Em 28.12.2020, a Impugnante efectuou o pagamento desta liquidação; admitido, cfr doc 9 junto à petição inicial n) A Impugnante apresentou reclamação graciosa desta decisão, para o Director da Alfândega de Setúbal; Cfr doc 1 junto à petição inicial, e doc constante do processo administrativo o) Em 21.04.2021, os serviços da Delegação Aduaneira de Sines emitiram a informação n.º DAS/38/2021 sobre esta reclamação graciosa, com o teor que consta dos documentos que integram o processo administrativo, o qual aqui se dá por integralmente reproduzido, dele constando, além do mais o seguinte: (…)
* Não existem outros factos, alegados ou de conhecimento oficioso, relevantes para a decisão da causa que devam ser considerados provados. * Motivação A convicção do Tribunal sobre toda a matéria de facto resultou da análise crítica aos documentos juntos aos autos pela Impugnante, e aos documentos constantes do processo administrativo, nenhuns deles impugnados, tal como se foi fazendo referência em cada uma das alíneas da matéria de facto provada. * Vejamos, pois:Nos termos do artigo 70.º, n.º 1, do Código Aduaneiro da União, “A base principal do valor aduaneiro das mercadorias é o valor transacional, ou seja, o preço efetivamente pago ou a pagar pelas mercadorias quando são vendidas para exportação com destino ao território aduaneiro da União, ajustado, se necessário”, sendo que – n.º 2 – “O preço efetivamente pago ou a pagar é o pagamento total efetuado ou a efetuar pelo comprador ao vendedor ou pelo comprador a um terceiro em benefício do vendedor pelas mercadorias importadas e compreende todos os pagamentos efetuados ou a efetuar, como condição da venda das mercadorias importadas”. Por sua vez, o Regulamento de Execução (EU) 2015/2447 da Comissão, de 24 de novembro de 2015, que veio estabelecer as regras de execução de algumas disposições do CAU (doravante AE-CAU, Ato de Execução do Código Aduaneiro da União), dispõe no n.º 1 do seu artigo 140.º que “Sempre que as autoridades aduaneiras tenham dúvidas fundadas de que o valor transacional declarado representa o montante total efetivamente pago ou a pagar, referido no artigo 70.º, n.º 1, do Código, podem solicitar ao declarante que faculte informações adicionais”. Se as dúvidas não forem dissipadas, ao abrigo do n.º 2 deste artigo 140.º “as autoridades aduaneiras podem decidir que o valor das mercadorias não pode ser determinado em conformidade com o artigo 70.º, n.º 1, do Código”. Nesta hipótese em que não é possível determinar o valor aduaneiro das mercadorias através do valor transacional por as dúvidas não serem dissipadas, estatui o n.º 1 do artigo 74.º do CAU que o valor aduaneiro “deve ser determinado pela aplicação sucessiva do n.º 2, alíneas a) a d), até à primeira destas alíneas que permita determinar esse valor”, devendo a ordem de aplicação das alíneas c) e d) ser invertida se o declarante assim o solicitar. Assim, o valor aduaneiro deve corresponder ao valor transacional e, não sendo possível determiná-lo deste modo, deve ser utilizado, sucessivamente, o método do valor transacional de mercadorias idênticas previsto no artigo 74.º, n.º 2, alínea a), do CAU, o método do valor transacional de mercadorias idênticas (previsto na alínea b) daquele artigo 74.º e no artigo 141.º do AE-CAU), o método dedutivo baseado no preço unitário (alínea c) do artigo 74.º e artigo 142.º do AE-CAU) e o método do valor calculado (alínea d) e artigo 143.º do AE-CAU), podendo a ordem dos dois últimos ser invertida a pedido do declarante. Se após o recurso sucessivo a estes métodos se mantiver a impossibilidade de determinar o valor aduaneiro, este deverá então ser “determinado com base nos dados disponíveis no território aduaneiro da União”, o denominado método «fall back» previsto no n.º 3 do artigo 74.º do CAU e no artigo 144.º do AE-CAU. Pretendeu, assim, o legislador que o valor aduaneiro das mercadorias importadas fosse o do seu valor económico, expresso no montante do preço pago ou a pagar correspondente à contraprestação devida pela importação, isto é, no valor da transação. Elegeu, assim, como critério principal de determinação do valor aduaneiro uma regra objetiva que, opondo-se à discricionariedade de cada autoridade aduaneira, traz uniformidade no procedimento avaliativo em todo o território da União Europeia, independentemente do local em que se realize a importação. Para o efeito da determinação do seu valor económico, rectius aduaneiro, a autoridade aduaneira pode solicitar informações adicionais ao importador se tiver dúvidas fundadas sobre se o montante por este declarado corresponde ao valor total efetivamente pago ou a pagar. Como decidiu o Tribunal de Justiça da União Europeia no acórdão de 16 de junho de 2016, Euro 2004 Hungary Kft, C-291/15, “Daqui resulta que as autoridades aduaneiras podem, para determinar o valor aduaneiro, afastar o preço declarado das mercadorias importadas e recorre aos métodos secundários de determinação do valor aduaneiro das mercadorias importadas […], se as dúvidas relativas ao valor transacional destas mercadorias persistirem após terem solicitado o fornecimento de qualquer informação ou de qualquer documento complementar e após terem dado à pessoa em causa uma oportunidade razoável para defender o seu ponto de vista relativamente aos motivos em que as referidas dúvidas se baseiam”. Então, na eventualidade de considerar não ser possível apurar o preço efetivamente pago ou a pagar, a autoridade aduaneira deve, então, lançar mão dos preditos métodos de avaliação previstos no artigo 74.º, n.º 2, do CAU, na ordem aí estabelecida, o que elimina a discricionariedade das autoridades aduaneiras e garante a uniformidade do procedimento avaliativo em todo o território da União Europeia. Finalmente, no caso de nenhum destes métodos subsidiários permitir a determinação do valor aduaneiro, a autoridade aduaneira deve fixá-lo com base nos dados disponíveis no território aduaneiro da União, nos termos do n.º 3 do mesmo artigo 74.º e do artigo 144.º do AE-CAU. Neste sentido, cfr. Tânia Carvalhais Pereira, Direito Aduaneiro Europeu – Vertente Tributária, Universidade Católica Editora, pp. 154-161. Criou deste modo o legislador um regime que segue as normais regras do ónus da prova, de acordo com as quais compete a quem se arroga de um direito a prova dos seus factos constitutivos: o operador declara o preço da transação; se a autoridade aduaneira demonstrar que essa declaração não merece credibilidade, pode afastar o método do valor transacional e passar à aplicação do método do valor transacional de mercadorias idênticas; demonstrando ser este impossível de aplicar, a autoridade aduaneira pode passar ao método do valor transacional de mercadorias similares; e assim sucessivamente, até ao método de último recurso, o método «fall back», que por se basear nos dados estatísticos disponíveis, é sempre aplicável. * No caso dos autos, em 14 de outubro de 2020 a Recorrida apresentou na Delegação Aduaneira de Sines a declaração n.º 2020PT0067064709134, relativa à aquisição de “camisas de algodão de uso masculino” pelo preço de € 67.481,91 – cfr. a alínea a) do probatório.Submetida a controlo físico com recolha de amostras, a Delegação Aduaneira de Sines ficou com dúvidas sobre o valor transacional ali declarado por este ser “excecionalmente baixo em relação ao valor estatístico médio da União Europeia para a importação de mercadorias similares”, e solicitou à Recorrida que fosse “disponibilizada por escrito uma explicação para o facto do valor transacional declarado ser extremamente baixo, devendo essa explicação ser fundamentada mediante a apresentação de provas adicionais”, nomeadamente contratos, cópia da declaração de exportação apresentada no país terceiro, recibos relativos às despesas de transporte e seguro, ordens de encomenda, correspondência comercial, recibos de pagamento ou “qualquer outro documento útil para a correta determinação do valor aduaneiro” – cfr. as alíneas b) e c) do probatório. A Recorrida prestou a explicação solicitada nos termos do requerimento transcrito na alínea d) do probatório, juntando a ordem de encomenda, a fatura comercial, o comprovativo do pagamento e a ficha técnica dos artigos – cfr. a alínea e) do probatório -, e referindo, designadamente, que selecionou o seu fornecedor após visita às suas instalações, tendo ponderado a sua localização geográfica, a desnecessidade de subcontratar as técnicas de fiação, tinturaria, estamparia, bordador e lavandaria. Alegou ter escolhido técnicas mais baratas (pespontos decorativos, bolsos falsos, molas em vez de fechos, velcros em vez de botões…) e optado por manter a mesma matéria prima pronta a tingir para rentabilizar o corte, a produção e o controlo, além de ter efetuado a sua encomenda em conjunto com outros interessados nos mesmos modelos. Em concreto, afirmou que a mercadoria em causa se trata de um artigo básico que compra a este fornecedor todas as estações de inverno, numa relação comercial que dura há mais de 20 anos, tendo volumes de faturação globais, por estação e em vestuário masculino, acima dos € 800.000,00. Na posse desta alegação e daqueles documentos, a Delegação Aduaneira de Sines comunicou à Recorrida que a sua explicação “não foi considerada esclarecedora para a determinação do correto valor aduaneiro da mercadoria em causa”, uma vez que “a documentação apresentada não veio trazer qualquer esclarecimento adicional, ou clarificar as dúvidas existentes, dado que os elementos apresentados não justificam o facto de o valor faturado das mercadorias importadas se encontrar excecionalmente baixo em comparação com o valor estatístico médio da União Europeia para a importação de mercadorias similares” que “é disponibilizado às autoridades aduaneiras através da ferramenta THESEUS”. Determinou, então, que no prazo de 14 dias fosse “apresentada justificação para os preços desproporcionalmente baixos ou fornecer dados que permitam passar à aplicação dos sucessivos métodos secundários de determinação do valor aduaneiro, previstos no art. 74.º, n.º 2, do CAU” – cfr. a alínea f) do probatório. A Recorrida reiterou os esclarecimentos anteriormente prestados e reenviou os documentos anteriormente entregues – cfr. a alínea g) do probatório – tendo sido notificada para se pronunciar sobre a “intenção desta Estância Aduaneira proceder à liquidação” do montante de 9.523,36€ de direitos aduaneiros, e o montante de 20.443,49€ de IVA, considerando que: “– Algumas das mercadorias importadas têm um preço de aquisição unitário por quilograma mais baixo, relativamente aos preços Theseus; - Não é exequível a aplicação dos métodos referidos nas alíneas a), b) e c) do parágrafo anterior [valor transacional de mercadorias idênticas, valor transacional de mercadorias similares e valor baseado no preço unitário], uma vez que não existe a possibilidade de aceder às características das mercadorias importadas, o que permitiria obter o valor de mercadorias idênticas ou similares. Por outro lado, constata-se que a descrição dos itens das faturas é demasiado genérica o que impede uma caracterização objetiva; - No que diz respeito ao método da alínea d) [Valor calculado], o mesmo não é passível de ser utilizado porque não existe a possibilidade de apurar os custos das matérias-primas e das operações de fabrico utilizadas para produzir na China as mercadorias importadas”. Consequentemente, a Recorrida voltou a pronunciar-se em termos coincidentes com os esclarecimentos anteriormente prestados – cfr. as alíneas h) a k) do probatório. E “face à informação complementar / esclarecimentos recebidos (…) e tendo em conta o exercício do direito à Audição Prévia”, por manter “fundadas dúvidas sobre o valor aduaneiro declarado”, lançando mão do “método do último recurso previsto no n.º 3 do art. 74.º do Código Aduaneiro Comunitário”, foi liquidado o valor global de € 29.966,85, como havia sido comunicado em sede de audição prévia – cfr. a alínea l) do probatório. * A Recorrente sustenta que ao julgar procedente a Impugnação Judicial, a sentença incorreu em erro de julgamento quanto à matéria de facto “porquanto faz errada valoração da prova carreada para os autos, ao sustentar conclusões em factos do probatório [alíneas c), f), h) e l) da matéria de facto provada] que não permitiriam retirar tais ilações” – conclusão U) do Recurso. A alínea c) do probatório respeita ao pedido de informação adicional sobre o valor da transação; a alínea f) diz respeito ao ofício do Chefe da Delegação Aduaneira de Sines que informou a Recorrida que a sua informação “não foi considerada esclarecedora para a determinação do correto valor aduaneiro da mercadoria em causa”; a alínea h) é relativa ao teor da Informação n.º 89/2020 que notificou a Recorrida para exercer o seu direito de audição prévia quanto ao projeto de liquidação através do método «fall back»; e a alínea l) transcreve o teor do ato impugnado. Ora, no ponto, a sentença fundamentou-se em que “No caso em apreço, as dúvidas da administração aduaneira de que o valor transacional declarado não corresponderia ao preço efetivamente pago ou a pagar pelas mercadorias terão surgido por esse valor se encontrar excecionalmente baixo em comparação com o valor estatístico médio da União Europeia para a importação de mercadorias similares. (cfr. alíneas c), f), h) e l) da matéria de facto provada)”, e em que “no exercício do seu direito de audição, a Impugnante deu uma explicação com um mínimo de credibilidade e que, admitindo a sua inteira correspondência com a realidade, explica a formação da operação, o seu acompanhamento, a sua intervenção junto do processo produtivo, as particularidades concretas da produção das mercadorias em causa, em termos tais que poderão justificar a razão pelo qual o preço da mercadoria adquirida poderá efetivamente ter um preço inferior ao preço de mercadorias idênticas ou similares no mercado internacional. (Cfr. alíneas c), d), e), f), g), h), i) e k) da matéria de facto provada)”. Ou seja, a Recorrente vem neste segmento do Recurso mostrar o seu inconformismo com esta “conclusão / ilação” plasmada na sentença. Mas sem razão. Como se disse já, a Recorrida prestou a explicação solicitada pela Recorrente juntando a ordem de encomenda, a fatura comercial, o comprovativo do pagamento e a ficha técnica dos artigos, e referindo, designadamente, que selecionou o seu fornecedor após visita às suas instalações, tendo ponderado a sua localização geográfica, a desnecessidade de subcontratar as técnicas de fiação, tinturaria, estamparia, bordador e lavandaria. Alegou ainda ter escolhido técnicas mais baratas (pespontos decorativos, bolsos falsos, molas em vez de fechos, velcros em vez de botões…) e optado por manter a mesma matéria prima pronta a tingir para rentabilizar o corte, a produção e o controlo, além de ter efetuado a sua encomenda em conjunto com outros interessados nos mesmos modelos. E, em concreto, afirmou que o artigo em causa se trata de um artigo básico que compra a este fornecedor todas as estações de inverno, numa relação comercial que dura há mais de 20 anos, tendo volumes de faturação globais, por estação e em vestuário masculino, acima dos € 800.000,00. Trata-se, como se refere na sentença, de uma “explicação com um mínimo de credibilidade e que, admitindo a sua inteira correspondência com a realidade, explica a formação da operação, o seu acompanhamento, a sua intervenção junto do processo produtivo, as particularidades concretas da produção das mercadorias em causa, em termos tais que poderão justificar a razão pelo qual o preço da mercadoria adquirida poderá efetivamente ter um preço inferior ao preço de mercadorias idênticas ou similares no mercado internacional”. Note-se que, ao contrário do que alega a Recorrente, a sentença não firmou, com base nas alíneas c), f), h) e l) do probatório, o juízo de que o preço declarado não era inferior à média, nem que a Recorrida justificou que o valor efetivamente pago foi o declarado; disse, apenas, que a justificação apresentada poderia (em abstrato) ser idónea para fundar tal conclusão (caso a Autoridade Tributária e Aduaneira a tivesse analisado, como melhor se verá de seguida). E, assim sendo, não se vislumbrando qualquer contradição entre os factos provados nas alíneas c), f), h) e l) do probatório, e a conclusão firmada, a sentença não merece a censura que lhe vem dirigida. * QUANTO AO ERRO DE JULGAMENTO RELATIVO À MATÉRIA DE DIREITO:Aqui, a Recorrente defende que a sentença padece de “erro de julgamento em matéria de direito por errada aplicação e interpretação do disposto nos artigos 70.º e 74.º do CAU e artigos 140.º e 144.º do AE-CAU” – conclusão V). Estas normas, como se viu, são relativas aos métodos de determinação do valor aduaneiro das mercadorias e à sua ordem de aplicação. No ponto, a sentença entendeu que “o recurso a qualquer método de determinação do valor aduaneiro das mercadorias que não seja o do seu valor transacional apenas pode acontecer se este método não puder ser aplicado, o que poderá acontecer, designadamente, nas situações em que as explicações e os elementos apresentados pelo importador não possam ser consideradas suficientes para dissipar as dúvidas fundadas da Administração”, pois “Como estabelece o n.º 2 do art.º 140.º do AE-CAU (só) «Se as dúvidas não forem dissipadas, as autoridades podem decidir que o valor das mercadorias não pode ser determinado em conformidade com o art. 70.º, n.º 1, do Código»”. E, em respaldo desta tese, citou o acórdão do Tribunal de Justiça da União Europeia C-291/15 “no qual se pode ler que, «Daqui resulta que as autoridades aduaneiras podem, para determinar o valor aduaneiro, afastar o preço declarado das mercadorias importadas e recorrer aos métodos secundários de determinação do valor aduaneiro das mercadorias importadas […], se as dúvidas relativas ao valor transacional destas mercadorias persistirem após terem solicitado o fornecimento de qualquer informação ou de qualquer documento complementar e após terem dado à pessoa em causa uma oportunidade razoável para defender o seu ponto de vista relativamente aos motivos em que as referidas dúvidas se baseiam. Porém, incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio, que é o único com conhecimento direto do litígio que lhe foi apresentado, determinar se as dúvidas da autoridade aduaneira em causa no processo principal eram fundadas a fim de recorrer aos métodos secundários e se essa autoridade deu à pessoa em causa uma oportunidade razoável para defender o seu ponto de vista relativamente aos motivos em que as referidas dúvidas se baseavam.»” Ora, à questão de saber se as dúvidas da Autoridade Tributária e Aduaneira eram, ou não, fundadas, isto é, se permitiam, ou não, o recurso aos métodos subsidiários de determinação do valor aduaneiro, o Tribunal a quo respondeu negativamente por considerar que “em face de tudo o que consta do procedimento administrativo que antecedeu a decisão impugnada, a dúvida fundada de que o valor transacional declarado não representava o preço efetivamente pago ou a pagar, e que no início do procedimento justificou o pedido de informações à Impugnante, deixou de existir no final do mesmo”, tendo sido “dissipada” face aos “documentos comprovativos de elementos essenciais da operação, como a encomenda de produtos, a emissão da fatura e o pagamento do preço dos mesmos, coincidente, aliás, com o valor declarado”, bem como ao “conjunto de explicações” referidos na apreciação da matéria de facto, sem que “para além da alegada discrepância entre o valor declarado para aquela mercadoria e o valor médio de mercadoria idêntica ou similar, a Administração tivesse recolhido qualquer outro facto índice de que aquele valor não correspondeu ao preço que foi pago pela Impugnante ao fornecedor da mercadoria”. E, consequentemente, anulou o ato impugnado, por vício de violação de lei. Julgamento que não merece censura, uma vez que na posse da explicação solicitada à Recorrida, quer quanto aos contornos da negociação, quer quanto aos documentos comerciais trocados entre exportador e importador (nomeadamente a ordem de encomenda, a fatura comercial, o comprovativo do pagamento e a ficha técnica dos artigos), a Autoridade Tributária e Aduaneira limitou-se a afirmar, de forma conclusiva e acrítica, numa fórmula pass-partout capaz de afastar toda e qualquer justificação de um importador sem atender ao seu conteúdo material, que tal explicação “não foi considerada esclarecedora para a determinação do correto valor aduaneiro da mercadoria em causa”, uma vez que “a documentação apresentada não veio trazer qualquer esclarecimento adicional, ou clarificar as dúvidas existentes, dado que os elementos apresentados não justificam o facto de o valor faturado das mercadorias importadas se encontrar excecionalmente baixo em comparação com o valor estatístico médio da União Europeia para a importação de mercadorias similares”. O que, utilizando a expressão do TJUE, não configura uma oportunidade razoável para o importador defender o seu ponto de vista relativamente aos motivos em que as referidas dúvidas se baseavam, pois que o os esclarecimentos prestados a pedido não foram, de facto e materialmente, considerados pela autoridade aduaneira, o que equivale à preterição do pedido de esclarecimento. E o mesmo se diga, mutatis mutandis, quanto ao exercício do direito de audição prévia. E, assim sendo, impõe-se concluir que as dúvidas da autoridade aduaneira quanto ao valor da transação deixam de ser fundadas quando abdica de apreciar criticamente o conteúdo material das explicações fornecidas pela Recorrida após solicitação para o efeito. Ora, não sendo fundadas as dúvidas, não se verifica o pressuposto do direito invocado pela Autoridade Tributária Aduaneira que lhe permitiria afastar o método do valor transacional para fixação do valor aduaneiro das mercadorias, sendo, pois, ilegal a aplicação do método subsidiário «fall back». * Ou seja, em síntese, face aos temas tratados na presente decisão (Valor Aduaneiro das Mercadorias – Dúvidas Fundadas na Veracidade do Preço Declarado - Subsidiariedade dos Métodos de Avaliação), conclui-se que:1 – Não padece de erro de julgamento na apreciação da matéria de facto a sentença que, dando por provado o teor do esclarecimento relativo aos procedimentos negociais, bem como os documentos comerciais com aquele juntos (ordem de encomenda, fatura, comprovativo de pagamento e ficha técnica dos artigos), conclui que tais factos podem, em abstrato, justificar a razão pela qual a mercadoria poderá ter sido adquirida por um preço inferior ao de mercadorias idênticas ou similares no mercado internacional. 2 – O valor aduaneiro das mercadorias corresponde ao valor da transação – artigo 70.º, n.º 1, do CAU. 3 – Se a autoridade aduaneira tiver dúvidas fundadas sobre se o valor transacional declarado representa o montante total efetivamente pago ou a pagar, pode solicitar ao declarante que faculte informações adicionais – artigo 140.º, n.º 1, do AE-CAU. 4 – Se após a prestação das informações adicionais as dúvidas fundadas não forem dissipadas, o valor aduaneiro das mercadorias é determinado pela aplicação subsidiária e sucessiva dos métodos previstos no artigo 74.º do CAU. 5 – A manutenção das dúvidas fundadas pressupõe que seja dada ao declarante uma oportunidade razoável para defender o seu ponto de vista relativamente aos factos que as sustentam. 6 – A apreciação dos esclarecimentos prestados pelo declarante feita de forma conclusiva e acrítica, numa fórmula passe-partout capaz de afastar, em abstrato e independentemente do conteúdo, toda e qualquer justificação de um importador sem atender ao conteúdo material dos esclarecimentos, torna a oportunidade de defesa do valor transacional numa garantia não impugnatória meramente formal que torna infundadas as dúvidas da autoridade aduaneira. 7 – Não sendo fundadas as dúvidas da autoridade aduaneira quanto ao valor da transação, o valor aduaneiro das mercadorias não pode ser determinado através de um método subsidiário ao do valor transacional. Termos em que se acorda negar provimento ao presente recurso, mantendo-se a sentença recorrida. São devidas custas, neste TCA Sul, pela Recorrente. Lisboa, 6 de fevereiro de 2025. Tiago Brandão de Pinho (relator) – Vital Lopes – Patrícia Manuel Pires |