Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1643/14.0BESNT
Secção:CT
Data do Acordão:10/10/2024
Relator:LUÍSA SOARES
Descritores:OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO;
PROVA;
INSOLVÊNCIA;
GERÊNCIA DE FACTO;
CULPA
Sumário:I- A declaração de insolvência priva o insolvente dos poderes de administração e de disposição dos bens integrantes da massa insolvente, os quais passam a competir ao administrador da insolvência (artigo 81.º, n.º 1 do CIRE).
II. Se o prazo legal de pagamento voluntário das dívidas termina em data posterior à declaração de insolvência, a questão subsume-se normativamente no artigo 24.º, nº 1, alínea a), da LGT impendendo o ónus da prova da culpa na esfera jurídica da Administração Tributária.
Votação:UNANIMIDADE
Indicações Eventuais:Subsecção de Execução Fiscal e de Recursos Contra-Ordenacionais
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:I – RELATÓRIO

Vem a AT- Autoridade Tributária e Aduaneira interpor recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, que julgou procedente a oposição à execução fiscal nº 3166201301243977 deduzida por N…………………., revertido na execução fiscal instaurada originariamente à sociedade R………………, CRL, por dívidas de IRC do exercício de 2012, no montante de € 27.046,53.

A Recorrente, nas suas alegações, formulou conclusões nos seguintes termos:

“I. O presente recurso reage contra a douta decisão que julgou procedente a Oposição Judicial deduzida por N………….. no processo supra identificado, e que relativamente a este julgou extinto o processo de execução fiscal nº 3166201301243977 e aps da sociedade R…………….., da qual era seu administrador.

II. Visa o presente recurso demonstrar à evidência o desacerto a que chegou a douta sentença recorrida na parte em que julgou provado que não foi por culpa do ora Oponente que o património da sociedade se tornou insuficiente para a satisfação do crédito fiscal, incorrendo em erro de julgamento na parte referente á apreciação jurídica dos factos que suportaram a sua decisão.

III. A sentença retrocede à declaração de insolvência para afirmar que a mesma, afinal, priva os diretores ou administradores dos poderes de gestão/direção/administração não podendo conceber-se que após essa data exista uma situação de direção de facto por parte dos administradores nomeados e que figuram no Registo Comercial.

IV. Mas conclui logo a seguir, não poder presumir-se que o Oponente não atuou com a diligência de um bonus pater familiae, com a observância do disposto no art. 64º, do CSC, que lhe impõe a observância de deveres de cuidado, de disponibilidade, de competência técnica, de gestão criteriosa e ordenada, de lealdade, no interesse da sociedade

V. Não refutando a Fazenda Pública o facto da sociedade devedora originária ter sido declarada insolvente em 29-07-2013 embora sempre sublinhando que o seu registo e a nomeação do Administrador da Massa Insolvente (património autónomo) só operaram em 13-08-2013, já se nos afigura menos assertiva ou incorreta a posição sufragada pelo douto tribunal a quo de que à luz da lei (ou sobre o que nela se dispõe), o art. 81º, do CIRE tem a virtude não só de privar o Oponente do exercício efectivo das funções de gerência/administração para as quais estava nomeado, mas também, e concomitantemente, ilidir a presunção de culpa que sobre si recai relativamente ao exercício da administração de facto, impedido que estava a partir daquele momento de decidir sobre o pagamento da dívida.

VI. Sob pena de evidente contradição nos seus fundamentos entendendo-se na decisão recorrida que o art. 81º, do CIRE ilide a presunção de culpa pela insuficiência patrimonial naturalmente não se poderá deixar de dar por provada que o Oponente administrou de facto a sociedade devedora originária. A culpa pressupõe exercício efetivo da administração ou na omissão negligente desse mesmo exercício.

VII. Não se pode afirmar que a imposição legal prevista naquele preceito tem esta qualidade de driblar dois fundamentos que em si são ambivalentes, havendo que optar, sob pena da Fazenda Pública ficar sem saber qual o fundamento que foi considerado determinante para a sorte dos autos.

VIII. Na ótica do douto tribunal, não foi por iniciativa do Oponente que o mesmo deixou de exercer a administração da sociedade – mas, se assim fosse, seguramente teria renunciado à administração – o que não o fez.

IX. Da sua perspetiva ele é o Administrador mas juridicamente está impossibilitado de exercer a administração em virtude de uma decisão judicial anterior ao pagamento da dívida. A verdade, porém, é que em termos de facto, essa declaração não o impede de praticar ainda que ilegalmente atos em nome e por conta da sociedade devedora originária.

X. Nos termos do CIRE pode a declaração de insolvência impedir o administrador de praticar atos de administração/gestão da sociedade? Para o legislador serão massa insolvente e sociedade insolvente duas expressões equivalentes? Terá o legislador utilizado indistintamente os dois termos para significar a mesma coisa? Não, e parece-nos que o douto Tribunal labora em flagrante erro quando na vã pretensão de colar interpretativamente os dois conceitos a um único significado – acaba por revelar precisamente essa diferença.

XI. A declaração de insolvência priva de imediato o insolvente e respetivos administradores dos poderes de administração e disposição dos bens integrantes da massa insolvente. Não se afirma que a declaração de insolvência priva, tout cours, os respetivos administradores dos poderes de administração e disposição. Há um claro intuito de limitar essa privação aos bens da massa insolvente.

XII. O crédito tributário objeto do presente processo de execução fiscal constituiu-se em momento posterior à própria declaração de insolvência, pelo que, sobre ele não responde nem pode responder a massa falida.

XIII. Na ótica da AT há uma clara intenção do legislador em estabelecer uma separação entre aquelas que são as obrigações e deveres do Administrador da Insolvência por referência à própria massa falida, daqueloutras que persistem na esfera do Administrador/Gerente da devedora originária ainda que insolvente, em tudo o que não colida com os deveres e funções do primeiro.

XIV. A coexistência dos dois Administradores (o da sociedade e o administrador da massa falida) é possível na prática e no comércio jurídico, não é ilegal, e não tendo renunciado, nada impede que a responsabilidade seja solidária. À luz da jurisprudência deste Venerando TCA Sul, vertida do acórdão proferido em 21 de maio de 2015, no recurso nº 06381/2013.

XV. O que significa que se a declaração de insolvência não impede os Administradores em geral, e o Oponente, em particular, de os praticar então forçoso é concluir que, intencional ou negligentemente, este abandonou a devedora originária ao seu destino. Conduta que não o pode isentar da responsabilidade presumida, sem que, à luz do art. 24º, nº 1, alínea b), da LGT, tenha logrado ilidir essa presunção de culpa que sobre si recai mediante a enunciação e comprovação de factos e práticas que conduzam à certeza jurídica de que tudo fez até aquele momento para que a sociedade se mantivesse sustentável, para impedir a diminuição do património societário.

XVI. De resto, como imputar a responsabilidade ao Administrador de Insolvência por uma dívida que já não poderá integrar a Massa Falida? Aquele património autónomo que o próprio é chamado a Administrar?

XVII. Afigura-se-nos, pois, manifesto que há erro por parte do douto tribunal a quo na apreciação da atuação do Oponente enquanto Administrador da sociedade, que o é, e que não colide com as funções do Administrador de Insolvência, mas também, designadamente, na qualificação da sua conduta que se nos afigura manifestamente culposa – e sem que o mesmo tenha logrado provar que essa culpa presumida, não se deve a si.

XVIII. Incorreu a douta sentença recorrida nos seguintes erros de julgamento:
- Manifesta contradição na fundamentação, impondo-se apurar qual o fundamento que suporta a decisão de procedência – que não se alcança.
- Incorreta apreciação jurídica sobre o juízo de censura (culpa) que se presume, sem que o Oponente a tenha verdadeiramente ilidido pois que continuaria em condições de exercer a suas funções em tudo o que não respeitasse à órbita da Massa Insolvente e às funções do seu Administrador.

Pelo que, ressalvando-se sempre o devido respeito, a douta sentença recorrida não poderá deixar de ser revogada e substituída por acórdão que, reconhecendo os vícios
apontados julgue improcedente a presente Oposição Judicial.”.
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O Recorrido não apresentou contra-alegações.

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O Exmo. Magistrado do Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido da procedência do recurso.
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Com dispensa dos vistos legais, vêm os autos à conferência para decisão.

II – DO OBJECTO DO RECURSO

O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das respetivas alegações (cfr. artigo 635°, n.° 4 e artigo 639°, n.°s 1 e 2, do Código de Processo Civil), sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente.

Assim, delimitado o objeto do recurso pelas conclusões das alegações da Recorrente, importa decidir se a sentença padece de erro ao ter considerado
procedente a oposição à execução com fundamento na ilegitimidade do revertido, mais concretamente se ocorreu:
- Manifesta contradição na fundamentação da decisão recorrida;
- Incorreta apreciação jurídica sobre o juízo de censura (culpa) que se presume, e sem que o oponente o tenha ilidido.
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III – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

1) O Tribunal recorrido considerou provada a seguinte matéria de facto:

“A) Em 8 de Dezembro de 2012, o Oponente, N………….., com o NIF 2…….., entre outos, foi nomeado director da sociedade, R………….., CRL, para o biénio 2013/2014. – cf. Doc. 3, junto pelo Oponente - Acta n.º 147 da Assembleia Geral eleitoral da R…………., de fls. 42 a 44

B) Em 11 de Novembro de 2013, foi autuado o processo de execução fiscal n.º 3166201301243977, em que era executada a sociedade R………………, CRL, com o NIF 5………………, para cobrança de dívida tributária, no valor de € 27.046,53, proveniente de IRC, com data limite de pagamento em 19 de Setembro de 2013. – cf. autuação, certidão de dívida e descrição da dívida, de fls. 1 a 3 do PEF apenso

C) Em 29 de Julho de 2013, foi declarada a insolvência da sociedade, R…………….., CRL e nomeados Administradores da Insolvente, C…………, L…………..e M……………., e Administrador Judicial, J…………... – cf. Doc. 4 junto pelo Oponente – Informação referente ao processo n.º 16617/13.0T2SNT, da Comarca da Grande Lisboa-Noroeste – Sintra – Juízo do Comércio, a fls. 45 e sentença proferida em 29 de Julho de 2013, no mesmo processo, de fls. 48 a 53

D) Na sentença a que se refere a alínea anterior foi, além do mais, determinada a entrega imediata ao administrador da insolvência, dos elementos da contabilidade e de todos os seus bens, ainda que arrestados, penhorados ou por qualquer forma apreendidos ou detidos. – cf. Doc. 4 junto pelo Oponente – Informação referente ao processo n.º 16617/13.0T2SNT, da Comarca da Grande Lisboa-Noroeste – Sintra – Juízo do Comércio, a fls. 45 e sentença proferida em 29 de Julho de 2013, no mesmo processo, de fls. 48 a 53

E) Em 13 de Agosto de 2013, foi inscrita a declaração de insolvência da sociedade, R……….., CRL. – cf. Ap. 19/20130813 e 20/20130813, constante da Certidão Permanente, com o Código 0…………., referente à matrícula n.º 500.619.395, extraída em 2 de Outubro de 2013, de fls. 4 a 10 do PEF apenso

F) Em 14 de Abril de 2014, foi proferido despacho de reversão do PEF n.º 3166201301243977, contra o Oponente, entre outros, de cujo teor se extrai:
"Concordo com a informação que antecede, que passa o constituir parte integrante do presente Despacho, (…).
Assim, nada impede que o Projecto de Reversão, se converta em reversão «strito sensu».
Determino, no tocante às dívidas, e atento aos elementos constantes na base de dados da DGCI e ao Certificado de Matrícula da Executada, nos termos do artigo 153° nº 2 do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), estão encontradas as condições impostas no nº 2 e 3 do artigo 23° do Lei Geral Tributário e dos artigos 159º e 160º do Código de Procedimento e de Processo Tributário para o chamamento à execução dos responsáveis subsidiários nos termos da alínea b) do nº 1 do artigo 24° do LGT, sem prejuízo do benefício do excussão, pelo que consequentemente reverto as referidos dívidas contra (…) N…………, NIF: 2………..(…).
Notifique-se o sujeito passivo do presente despacho e da informação que o antecede, em cumprimento e para os efeitos do disposto no nº 6 do artigo 77° da já referida Lei Geral Tributária". - cf. Doc. 1 junto pelo Oponente - despacho, a fls. 26

G) Da informação a que se refere o despacho a que se reporta a alínea anterior, consta, além do mais, o seguinte:
"Para os devidos efeitos, cumpre-me informar V. Exa., o seguinte:
Aos 27/02/14, foram enviadas notificações aos sócios gerentes da empresa acima referida, para nos termos do n.º 2 do art.º. 153°, do CPPT, exercerem o direito de audição. (…)
- N………., NIF: 2………, alegou que foi eleito como membro da Direcção a empresa para o biénio de 2013/2014, que o prazo do pagamento voluntário da dívida ocorreu em 20/09/2013, e que a empresa não dispunha de poderes financeiros, porque se encontrava, com grandes dificuldades financeiras, para preceder ao pagamento. (…)
Através da sentença de 16/05/2011, foi a R……………. CRL, declarada insolvente, pela Comarca da Grande Lisboa - Noroeste - Sintra - Juízo do Comércio - Processo nº 16617/13.0T2SNT.
Apresentou-se à insolvência alegando, em síntese, que se encontra impossibilitada de cumprir pontualmente as suas obrigações, uma vez que o valor dos bens é insuficiente para pagar a todos os seus credores.
No entanto as referidas dificuldades não são comprovadas com prevê o nº 1 do art° 74° RGIT.
Trata-se de uma dívida de IRC, do exercício de 2012, do ano de 2012, no valor de € 27.046,53, que não tendo sido pagas dentro do prazo de pagamento voluntário, que ocorreu em 19/09/2013, relaxou, e deu origem ao processo executivo que faz parte da presente reversão.
Os revertidos que alegam que as dívidas não lhe podem ser imputadas porque a prazo de pagamento voluntário das mesmas ocorreu em 19/09/2013 (…).
Pese embora a consagração legal deste dever de reversão, o órgão de execução fiscal não poderá praticar actos coercivos, designadamente penhoras e vendas de bens do responsável subsidiário, sem que tenha ocorrido a excussão do património do devedor originário, nos termos do disposto do n.º 2 do art°. 23° da LGT.
Verificou, através da certidão da Conservatória do Registo Comercial, que os sócios mencionados, faziam parte da empresa e que a mesma não se encontra encerrada como estipula o art°. 160°., do Código das Sociedades Comercias, e pelo exposto, que julgo ser de prosseguir a reversão". – cf. Doc. 1 junto pelo Oponente - Informação referente ao PEF n.º 3166201301243977, elaborada em 14 de Abril de 2014, de fls. 23 a 25

H) Em 30 de Abril de 2014, foi entregue no domicílio do Oponente, uma carta referente ao PEF n.º 3166201301243977, denominada "CITAÇÃO (Reversão)", pagamento de dívida no valor de € 19.925,97, de cujo teor se extrai:
"FUNDAMENTOS DA REVERSÃO
Inexistência ou insuficiência dos bens penhoráveis do devedor principal e responsáveis solidários, sem prejuízo do benefício da excussão (art.º 23/n.º 2 da LGT):
Fundamento de emissão central
Insuficiência de bens da devedora originária (art.º 23/2 e 3 da LGT): decorrente de situação líquida negativa (SLN) declarada pela devedora originária na última declaração referente à informação Empresarial Simplificada (IES) e/ou em face de insolvência declarada pelo Tribunal.
Gerência (administrador, gerente ou director) de direito (art.º 24/1/b da LGT) no terminus do prazo legal de pagamento ou entrega do imposto em questão, conforme cadastro da Autoridade Tributária e Aduaneira (AT);
Gerência de facto, decorrente da remuneração da categoria A, auferida ao serviço da devedora originária no período em questão (direito constante nos artigos 255.º e/ou 399º do Código das Sociedades Comerciais". – cf. Doc. 1 junto pelo Oponente -Ofício n.º 05480, de 22 de Abril de 2014, do Serviço de Finanças de Sintra-4 e aviso de recepção postal, de fls. 19 e 20 dos autos e 139 a 141 do PEF apenso

I) A carta descrita na alínea anterior foi acompanhada da certidão de dívida n.º 2013/857054, referente a dívida no valor de € 27.046,53, proveniente de IRC, referente ao período de tributação 2012, com data limite de pagamento em 19 de Setembro de 2013. – cf. Doc. 1 junto pelo Oponente -Ofício n.º 05480, de 22 de Abril de 2014, do Serviço de Finanças de Sintra-4 e certidão de dívida em anexo, de fls. 19 a 22
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FACTOS NÃO PROVADOS
Não foram alegados outros factos com relevo para a decisão de mérito e que importe registar como não provados.
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MOTIVAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
A decisão da matéria de facto assenta na análise dos documentos constantes dos autos e do PEF apenso, nomeadamente das informações oficiais e dos documentos juntos, cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido, conforme referido a propósito de cada alínea do probatório.”.
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IV – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

Nos presentes autos foi proferida sentença no sentido da procedência da oposição à execução fiscal por ilegitimidade do oponente, ora Recorrido, com o seguinte discurso fundamentador:
No caso dos presentes autos, é certo que o Oponente, tal como consta da certidão do registo comercial, foi nomeado director da sociedade devedora originária, conjuntamente com outros quatro directores, facto que o Oponente não questiona, apesar de alegar não ter exercido efectivamente tais funções.
Pelo que se mostra provada, pelo menos, a direcção de direito do Oponente no período em que ocorreram os factos constitutivos de parte da dívida tributária, até Julho de 2013. (cf. alíneas A), C) e D) da factualidade assente)
Contudo, importa ter presente que a reversão assentou na alínea b), e não na alínea a), do n.º 1 do artigo 24º da LGT, pelo que, para aferir da legitimidade do Oponente, releva, antes de mais, saber se ele exercia a direcção da empresa, de facto, na data em que terminou o prazo de pagamento voluntário da dívida, e não à data da constituição do facto tributário. (cf. alíneas F) a I) supra)
Ora, da matéria de facto provada (cf. alínea I) supra), resulta que a dívida exequenda provinha de IRC, referente a 2012 e tinha data limite de pagamento em 19 de Setembro de 2013.
Aqui chegados impõe-se atentar à data da declaração de insolvência da devedora originária, R……………, CRL., em 29 de Julho de 2013, e ao facto de, nessa mesma data, ter sido nomeado, e empossado nas respectivas funções, o Administrador da Insolvência. (cf. alíneas C) e D) supra)
Consequentemente, e como decorre do n.º 1 do artigo 81.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE), à luz do qual "a declaração de insolvência priva imediatamente o insolvente, por si ou pelos seus administradores, dos poderes de administração e de disposição dos bens integrantes da massa insolvente, os quais passam a competir ao administrador da insolvência",
Por mero efeito da declaração de insolvência, o insolvente fica imediatamente privado dos poderes de administração e disposição dos bens integrantes da massa insolvente, que passam para o administrador de insolvência.
Tal significa que o administrador de insolvência fica investido nas vestes de administrador de facto, assumindo a gestão da massa insolvente, tarefa que exerce pessoalmente (como resulta do n.º 2 do artigo 55.º do CIRE), arcando ainda com a representação do devedor em todos os assuntos com carácter patrimonial que importem à insolvência, designadamente a cobrança dos créditos insolvente sobre terceiros, vencidos e vincendos (excepto a intervenção do devedor no próprio processo de insolvência, apensos e incidentes).
Assim, ficando os gerentes, directores ou administradores da sociedade privados dos poderes de gestão/direcção/administração por mero efeito da sentença de declaração de insolvência, não pode conceber-se, de modo algum, que após essa data ocorra uma situação de direcção de facto por parte dos directores designados no respectivo registo comercial.
Na verdade, perante a amplitude de poderes e funções que o administrador de insolvência passa a assumir, assume também a responsabilidade sobre as dívidas tributárias verificadas após a declaração de insolvência (artigo 172.º CIRE), que por ele não sejam pagas na data dos respectivos vencimentos.
Do que vem dito – maxime que o exercício dos poderes de administração da sociedade por parte dos respectivos responsáveis (gestores) cessa por mero efeito da declaração da insolvência – resulta que não pode, no caso, presumir-se que o director, no caso o aqui Oponente, não actuou com a diligência de um bonus pater familiae, com a observância das disposições legais aplicáveis aos gestores, em especial ao do artigo 64º do CSC, que lhe impõe a observância de deveres de cuidado, de disponibilidade, de competência técnica, de gestão criteriosa e ordenada, de lealdade, no interesse da sociedade.
Tal actuação, que lhe seria exigível, tem como pressuposto sine qua non o exercício de facto da direcção para a qual foi designado que, no caso, lhe foi inibida a partir de 29 de Julho de 2013, com a declaração da insolvência. Assim sendo, independentemente da sua vontade, o Oponente não poderia decidir pelo pagamento das dívidas vencidas após o dia 29 de Julho de 2013, ou seja, no caso dos autos, pela dívida proveniente de IRC, descritas na alínea K).
E, assim sendo, haverá que concluir pela ilegitimidade do Oponente.”.

Dissente do assim decidido vem a Fazenda Pública invocar desde logo, manifesta contradição na fundamentação da decisão recorrida e, incorreta apreciação jurídica sobre o juízo de censura (culpa) que se presume, e sem que o oponente o tenha ilidido.

Vejamos então.

Consideramos que não existe contradição na fundamentação da decisão recorrida porquanto foi efetuada a apreciação dos requisitos enunciados no art. 24º, nº 1 da LGT, desde logo, o exercício de facto da gerência articulado com o disposto no normativo constante no despacho que sustentou a reversão, a saber, a alínea b) do nº 1 do referido artigo, tendo o tribunal a quo concluído que, perante a declaração de insolvência e face ao art. 81º do CIRE, o oponente deixou de poder exercer a administração da sociedade face à nomeação do administrador de insolvência, pelo que a atuação “que lhe seria exigível, tem como pressuposto sine qua non o exercício de facto da direcção para a qual foi designado que, no caso lhe foi inibida a partir de 29 de julho de 2013, com a declaração de insolvência. Assim, sendo, independentemente da sua vontade, o Oponente não poderia decidir pelo pagamento das dívidas vencidas após o dia 29 de julho de 2013 (…)”.

Em face do exposto improcede a alegada contradição na fundamentação da decisão recorrida.

Prosseguindo.

Defende a Recorrente a incorreta apreciação jurídica que conduziu à procedência da oposição por ilegitimidade do oponente, alegando que não pode concluir-se que o oponente se encontrava impedido juridicamente de exercer a administração da sociedade devedora originária por força da nomeação do administrador da massa insolvente, precisamente porque a administração da sociedade, ainda que insolvente, e a sua massa não se confundem e, nesta conformidade, a coexistência dos dois administradores (o da sociedade e o administrador da massa falida) é possível na prática e no comércio jurídico, não é ilegal, e não tendo o oponente renunciado ao cargo, nada impede que a responsabilidade seja solidária. Mais afirma ter o tribunal a quo errado na apreciação da atuação do oponente enquanto administrador da sociedade, designadamente, na qualificação da sua conduta que, em sua opinião é manifestamente culposa, sem que o oponente tenha logrado ilidir a presunção de culpa prevista na alínea b) do nº 1 do art. 24º da LGT.

Decidindo.

Resultou do probatório que a sociedade devedora originária foi declarada insolvente em 29/07/2013, tendo sido nomeado um administrador de insolvência e determinada a entrega imediata a este dos elementos da contabilidade de todos os bens da sociedade (cfr. alíneas c) e d) do probatório). Mais resultou provada a instauração do processo de execução fiscal por dívida de IRC, cuja data limite de pagamento ocorreu em 19/09/2013 (cfr. alínea b) do probatório).

Resultou ainda assente que os fundamentos da reversão contra o ora Recorrido são os seguintes:

Determino, no tocante às dívidas, e atento aos elementos constantes na base de dados da DGCI e ao Certificado de Matrícula da Executada, nos termos do artigo 153° nº 2 do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), estão encontradas as condições impostas no nº 2 e 3 do artigo 23° do Lei Geral Tributário e dos artigos 159º e 160º do Código de Procedimento e de Processo Tributário para o chamamento à execução dos responsáveis subsidiários nos termos da alínea b) do nº 1 do artigo 24° do LGT, sem prejuízo do benefício do excussão, pelo que consequentemente reverto as referidos dívidas contra (…) N………., NIF: 2…………..(…).

Notifique-se o sujeito passivo do presente despacho e da informação que o antecede, em cumprimento e para os efeitos do disposto no nº 6 do artigo 77° da já referida Lei Geral Tributária" (cfr. alínea f) do probatório).

Dispõe o nº 1 do art. 24º da LGT o seguinte:

1 – Os administradores, diretores e gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas coletivas e entes fiscalmente equiparados são subsidiariamente responsáveis em relação a estas e solidariamente entre si:

a) Pelas dívidas tributárias cujo facto constitutivo se tenha verificado no período de exercício do seu cargo ou cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado depois deste, quando, em qualquer dos casos, tiver sido por culpa sua que o património da pessoa coletiva ou ente fiscalmente equiparado se tornou insuficiente para a sua satisfação;

b) Pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período do exercício do seu cargo, quando não provem que não lhes foi imputável a falta de pagamento.”.

Decorre desta disposição legal que um dos requisitos da responsabilidade subsidiária dos membros de corpos sociais é o exercício de facto de funções de administração ou gerência.

Cabe sempre à administração tributária a prova do exercício da gerência por parte do oponente na sociedade devedora originária, independentemente da alínea do n.º1 do artigo 24.º da LGT, ao abrigo da qual se tenha concretizado a reversão.

No caso concreto, estamos perante uma dívida tributária do ano de 2012 cuja data limite de pagamento voluntário ocorreu a 19/09/2013, data posterior à declaração de insolvência que ocorreu com a prolação de sentença e nomeação do administrador de insolvência em 29/07/2013.

Ora importa aferir se, na data limite do pagamento, o Recorrido dispunha do poder de decisão sobre o pagamento do imposto ou se os poderes de gestão e direção da sociedade insolvente já não se encontravam na sua esfera jurídica.

Para o efeito destacamos o disposto no art. 81.º, nº 1 do CIRE ao consagrar que “Sem prejuízo do disposto no título X [Administração pelo devedor], a declaração de insolvência priva imediatamente o insolvente, por si ou pelos seus administradores, dos poderes de administração e de disposição dos bens integrantes da massa insolvente, os quais passam a competir ao administrador da insolvência”, e o seu n.º 4 determina que “O administrador da insolvência assume a representação do devedor para todos os efeitos de carácter patrimonial que interessem à insolvência”.

Desta disposição legal resulta que, a partir do momento em que é declarada a insolvência de uma sociedade, cessam os poderes de gestão e administração dos gerentes e administradores, os quais passam a competir ao administrador de insolvência (cfr. entre outros o Acórdão do TCA Sul de 27/09/2018 – proc. 1592/14.2BESNT).

O sistema jurídico-tributário integra um regime especial que legitima a instauração de execuções fiscais contra uma sociedade devedora mesmo após a sua declaração de insolvência e o seu prosseguimento contra os gerentes e/ou administradores através do instituto da reversão (artigos 180.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário e 23.º e 24.º da Lei Geral Tributária).

Se o prosseguimento da execução fiscal contra o revertido tem por objectivo o pagamento coercivo de créditos vencidos após aquela declaração de insolvência e num período de tempo em que o revertido já não detinha poderes de disposição nem de administração – por esses poderes estarem, na data de vencimento do crédito, cometidos ao administrador da insolvência por força da transferência preceituada no artigo 81.º do Código de Insolvência e Recuperação de Empresas – é sobre a Fazenda Pública que recai o ónus de alegar e provar que a insuficiência de bens no património da devedora susceptíveis de garantir aquele pagamento é culposamente imputável ao revertido (artigo 24.º, n.º 1, al a) da Lei Geral Tributária). (cfr. Acórdão do TCA Sul de 14/02/2019 – proc. 3677/15.9BESNT).

Destaca-se ainda o entendimento vertido no Acórdão do TCA Sul de 17/09/2020 no proc. 2666/14.5BESNT no sentido que: “Além disso, a privação dos poderes de administração e disposição dos bens do devedor é um efeito necessário da declaração de insolvência porquanto se produz em todos os casos e por mero efeito da declaração de insolvência.

Nas palavras de LUÍS MANUEL TELES DE MENEZES LEITÃO « [e]sta solução [a do art. 81º, nº 1] compreende-se, dado que a declaração de insolvência faz pressupor uma certa desconfiança na capacidade de administração do devedor, dado que aí pode ter residido a causa da sua situação de insolvência». (Direito da Insolvência, 7ª ed., p. 167)

Nesta ordem de ideias, bem pode afirmar-se que terminando o prazo legal as dívidas exequendas em data posterior à declaração de insolvência, só poderia levar a concluir que se estava perante o regime previsto na alínea a) do artigo 24.º da LGT, e não perante a alínea b).

Nessa medida, compete à Administração Tributária provar que foi por culpa do Oponente que o património da devedora originária se tornou insuficiente para satisfação da dívida em cobrança coerciva.”.

Do quadro fáctico-jurídico acima exposto resulta que o oponente, ora Recorrido, com a declaração de insolvência da sociedade e a nomeação do administrador de insolvência, deixou de ter poderes de disposição e de administração da sociedade pelo que, na data limite de pagamento do imposto, esses poderes estavam atribuídos ao administrador da insolvência por força da transferência consagrada no artigo 81.º do Código de Insolvência e Recuperação de Empresas, sendo que é sobre a administração tributária que recai o ónus de alegar e provar que a insuficiência de bens no património da devedora suscetíveis de garantir aquele pagamento é culposamente imputável ao revertido (artigo 24.º, n.º 1, al a) da Lei Geral Tributária).

Reitera-se que a reversão deveria ter sido efetuada ao abrigo do disposto na alínea a) do nº 1 art. 24º da LGT pelo que competia à administração tributária provar que foi por culpa do oponente que o património da devedora originária se tornou insuficiente para satisfação da dívida em cobrança coerciva, e, não tendo sido feita essa prova, deve o oponente ser considerado parte ilegítima na execução fiscal nos termos da alínea b) do nº 1 do art. 204º do CPPT, tal como foi decidido pelo tribunal a quo.

Destarte verifica-se a ilegitimidade do oponente, sendo de negar provimento ao recurso, mantendo-se a sentença recorrida embora com a presente fundamentação.


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V- DECISÃO

Por todo o exposto, acordam em conferência as juízas da Subsecção de Execução Fiscal e de Recursos Contraordenacionais da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao recurso, mantendo-se a sentença recorrida, com a presente fundamentação.

Custas pela Recorrente
Lisboa, 10 de outubro de 2024
Luisa Soares
Isabel Vaz Fernandes
Lurdes Toscano