Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
| Processo: | 888/10.7BESNT |
| Secção: | CT |
| Data do Acordão: | 03/12/2025 |
| Relator: | PATRÍCIA MANUEL PIRES |
| Descritores: | ESTATUTO FISCAL COOPERATIVO ISENÇÃO DE IRC REPOSIÇÃO DA TRIBUTAÇÃO REGRA INCUMPRIMENTO DAS OBRIGAÇÕES ACESSÓRIAS VS NOTIFICAÇÃO PARA SANAÇÃO DA IRREGULARIDADE |
| Sumário: | I- O princípio do conhecimento oficioso do direito permite ao juiz inteira liberdade na qualificação jurídica dos factos, desde que não altere a causa de pedir, podendo ir buscar regras diferentes daquelas que as partes invocaram, atribuir às regras invocadas pelas partes sentido diferente do que estas lhe deram e fazer derivar das regras de que as partes se serviram efeitos e consequências diversas das que estas tiraram.
II-Não é passível de confusão conceptual o erro de julgamento com o excesso de pronúncia, na medida em que o primeiro resulta de uma distorção da realidade factual (erro de facto) ou na aplicação do direito (erro de direito), de forma a que o decidido não corresponda à realidade ontológica ou à normativa, enquanto o excesso de pronúncia verifica-se quando o Tribunal conhece e emite pronúncia sobre questões de que não deveria conhecer, e que não eram de conhecimento oficioso. III-Existindo acordo no âmbito do procedimento de prova do preço efetivo na transmissão de imóveis, consolida-se na ordem jurídica a questão dos valores escriturados vs VPT, não podendo, assim, discutir-se qualquer realidade intrínseca a essa específica prova e valores. IV-O evidenciado em III) não obsta a que se discutam outras questões, mormente, a atinente à ilegal desconsideração da natureza jurídica da Impugnante, inerentes pressupostos e casuística densificação do respetivo regime normativo, particularmente, Estatuto Fiscal Cooperativo (EFC), à luz do recorte fático dos autos. V-A extinção do benefício fiscal constante no artigo 13.º do EFC, e consequente reposição do regime regra de tributação só se encontra legitimada se a situação de incumprimento não for sanada no prazo de 90 dias, e desde que o sujeito passivo tenha sido notificado para o efeito, conforme preceitua o artigo 6.º do mesmo diploma legal. VI-Se existe erro na aplicação do direito, tendo ficado demonstrado que foi exigido ao sujeito passivo o pagamento de imposto que não era legalmente devido, porquanto dependia da concretização de um pressuposto estabelecido na lei enquanto “condição de punibilidade”, entenda-se de extinção do benefício fiscal, tal implica que o vício que determinou a anulação do ato é, efetivamente, um vício de violação de lei, com direito ao pagamento de juros indemnizatórios. |
| Indicações Eventuais: | Subsecção Tributária Comum |
| Aditamento: |
| 1 |
| Decisão Texto Integral: | ACÓRDÃO
I- RELATÓRIO O DIGNO REPRESENTANTE DA FAZENDA PÚBLICA (doravante Recorrente), veio interpor recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra que julgou procedente a impugnação apresentada por “C…-COOPERATIVA …………, CRL”, contra a liquidação adicional de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC) do exercício de 2008, no valor de € 102.488,75. *** A Recorrente, apresenta as suas alegações de recurso nas quais formula as conclusões que infra se reproduzem: “A) A AT, ressalvando desde já o devido respeito por aquele que foi a decisão tomada em sentido procedente pela sentença recorrida, discorda do sentido por ela tomado e considera que o Tribunal a quo não apreciou correctamente, por um lado, a matéria de facto dada por provada articulada com o normativo legal que ali entende ter sido violado, incorrendo, ademais, em erro na qualificação do vício, que a existir, o que não se concede, conduziu à ilegal atribuição de juros indemnizatórios. B) A liquidação foi emitida tendo por base um procedimento outrora previsto no art. 129º do CIRC, que tem por objeto a prova do preço efectivo na transmissão de imóveis, cujo apuramento assume natureza indirecta – sobre o qual foi apresentado procedimento de revisão da matéria tributável, de que resultou um acordo entre os Peritos que apurou matéria coletável no valor de € 386.750,00. C) E, tendo havido acordo no âmbito do art. 91º da LGT foi determinado, e bem pelo tribunal a quo, que relativamente à verificação dos pressupostos da correcção e à quantificação da matéria tributável – o ato de liquidação é parcialmente inimpugnável. D) A Impugnante alega ainda a falta de fundamentação do ato de liquidação ao que a AT responde no sentido de que a fundamentação do ato de liquidação decorre da própria ata da comissão de revisão, a qual logrou obter acordo por parte do Perito por si indicado e pelo Perito da Fazenda Pública. E) Quanto ao resto, constituindo o objeto do presente recurso, limita-se a invocar de forma perfeitamente abstrata um vício de lei imputável ao ato tributável, por violação do disposto no art. 13º, nº 1, alínea d), do Estatuto Fiscal Cooperativo (de ora em diante EFC) – por entender que se trata de contribuinte isento para este efeito. F) Não se vislumbra nem decorre das alegações da Impugnante qualquer invocação de vício formal ou preterição de formalidade no âmbito do mencionado procedimento previsto no art. 129º, do CIRC que obste à correção, tendo a AT alegado que a isenção prevista na alínea d) do nº 1 do art. 13º, do CIRC depende do cumprimento por parte da Impugnante das suas obrigações acessórias. G) Da conjugação dos factos dados por provados em F), G) e J) o próprio Tribunal a quo reconhece que: “Como resulta da factualidade provada – cf. al. F) – a declaração de início de atividade foi entregue em 03.12.2008, reportando o respetivo início a 18.07.1995, não obstante a sua constituição reportar a 1990 [cf. al. A) do probatório], e nem sempre entregou as declarações mod. 22, tendo as relativas aos exercícios de 2006 a 2009 sido entregues em junho de 2010 – cf. al. J) do probatório – o que denota incumprimento das obrigações acessórias/declarativas. H) Nos termos do art. 4º, nº 2, do EFC, o cumprimento das obrigações acessórias é pressuposto sem o qua a Impugnante não pode beneficiar da isenção de IRC prevista no art. 13º, nº 1, alínea d), do EFC – pelo que a correcção afigura-se-nos legal. I) A questão que opõe o entendimento da decisão recorrida à posição sufragada pela AT reside essencialmente numa visão dogmática da diferença entre aquilo que é um pressuposto, materializado num dever substancial de que depende a atribuição da isenção de imposto, da eventual preterição de uma formalidade que legitima a Administração Fiscal a proceder à sua correcção ou à sua extinção. – cujos efeitos jurídicos são bem diferentes. J) Uma coisa é estipular uma condição de que depende a atribuição do benefício, coisa diferente é exigir o cumprimento de uma formalidade que legitime a Administração Fiscal a tomar de medidas de fiscalização que conduzam à extinção da isenção. L) Na ótica da Fazenda Pública, para efeitos de revogação da atribuição da isenção prevista no art. 13º, do EFC, estamos perante um pressuposto imputável ao sujeito passivo (incumprimento das obrigações acessórias) e o cumprimento de uma formalidade imputável à Administração Fiscal – de natureza diversa. M) Repare-se que, na verdade o douto tribunal a quo incorre em manifestação contradição no seu raciocínio, caindo num beco sem saída. O) É que se, em rigor, entende que a notificação prevista no art. 6º, nº 1, do EFC constitui verdadeiro pressuposto da correcção, e parece ser esse o caso, bom…, então teria de concluir necessariamente que como pressuposto da correcção que é, também esta questão (de resto não levantada pela Impugnante em momento algum) não podia ser conhecida pelo tribunal a quo porquanto também aqui houve acordo subscrito por ambos os Peritos – tratando-se, de matéria inimpugnável á semelhança da causa de pedir vertida nos art. 33º a 64º do articulado inicial. P) E ao fazê-lo, incorre em manifesto excesso de pronúncia, ao arrepio do art. 615º, nº 1, alínea d), do CPC, aplicável ex vi da alínea e), do art. 2º do CPPT, nulidade que desde já se invoca. Q) Entendendo-se, como entende a Fazenda Pública, que a notificação prevista no art. 6 nº 1, do EFC constitui uma preterição de formalidade eventualmente violada e sendo também irrefutável que a Impugnante em momento algum do seu articulado inicial ou posteriormente logrou invocar o vício formal que decorre da falta da notificação ali prevista, sequer se referiu à sua preterição ou citou, ainda que de forma geral, a disposição legal que a prevê – não podia o tribunal a quo, também aqui sob pena de excesso de pronúncia ter tomado a iniciativa de se suportar em fundamento que bem sabe não ser de conhecimento oficioso nem ter sido suscitado pelas partes. R) Seja porque logrou pronunciar-se sobre matéria inimpugnável que contende com os pressupostos da correcção e que por esse motivo lhe estava vedada por via do acordo subscrito por ambos os Peritos, seja porque tratando-se de questão formal que nunca foi levantada nos autos pelos sujeitos processuais sequer citada pela Impugnante e não se tratando de mero argumento, a sentença é nula, nos termos do art. 125º, do CPPT. S) Mantendo-se a liquidação correta nos seus pressupostos inexistindo, nessa medida, erro imputável aos serviços, impõe-se revogar também aqui a parte que determinou o pagamento dos juros indemnizatórios. T) Ainda que também assim não se entendesse, tratando-se de preterição de formalidade essencial é justo referir que a jurisprudência dos nossos tribunais superiores tende a sufragar a posição de que não há lugar a juros indemnizatórios quando o vício que está em causa é formal, decorrendo da preterição de formalidade essencial. U) A sentença recorrida é nula, em virtude do manifesto excesso de pronúncia, resultante do art. 615º, nº 1, alínea d), do CPC, aplicável ex vi da alínea e), do art. 2º do CPPT, e bem assim, do art. 125º, do CPPT V) Incorrendo, o tribunal a quo em erro de julgamento no que respeita à matéria referente á atribuição de juros indemnizatórios, por violação do disposto no art. 43º, da LGT. X) Motivo pelo qual não pode a sentença deixar de ser revogada e substituída por acórdão, que, reconhecendo a legalidade da liquidação julgue improcedente a presente impugnação indeferindo-se a atribuição dos juros indemnizatórios, nos termos das conclusões que antecedem e que V. Ex.ªs melhor suprirão. Termos em que, com o mui douto suprimento de V. Exas., deverá ser considerado procedente o recurso e revogada a douta sentença, julgando-se improcedente a presente Impugnação Judicial V/Exas, porém, não deixarão de fazer a costumada e são justiça.” *** A Recorrida, devidamente notificada, apresentou contra-alegações, tendo concluído pela manutenção da decisão recorrida. *** O Digno Magistrado do Ministério Público (DMMP) neste Tribunal Central Administrativo Sul emitiu parecer no sentido da procedência do recurso. *** Colhidos os vistos dos Exmos. Juízes Desembargadores Adjuntos, cumpre, agora, decidir. *** II-FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto: “A) A Impugnante é uma cooperativa constituída em 1990 para a “construção ou sua formação e aquisição de fogos para habitação dos seus membros bem como a sua reparação ou remodelação e administração dos mesmos” – cf. doc. 4 junto com a petição inicial. B) No ano de 2008 a Impugnante vendeu os seguintes imóveis: i) Prédio urbano para habitação, sito na Estrada …………., Lote 5, Concelho de …………, inscrito na matriz sob o n.º ………….., por escritura de 12.11.2008; – cf. fls. 37 a 40, 79 a 83 e 120 a 123 do processo de revisão apenso. C) Em 29.01.2009 a ora Impugnante requereu à Administração Tributária, ao abrigo do n.º 3 do art.º 129.º do CIRC, a “prova do preço efectivo na transmissão de imóveis”, designando perito o Eng.º J ………………………..– cf. fls. 3 e sgts., 44 e sgts. e 86 e sgts. do processo de revisão apenso. D) Em 04.12.2009, no âmbito do procedimento de revisão a que se refere a alínea que antecede, reuniram-se a perita da Administração Tributária e o perito indicado pela ora Impugnante para efeitos de apreciação dos requerimentos apresentados em 29.01.2009 em relação a cada um dos imóveis alienados em 2008, tendo a diligência sido reduzida a ata assinada por ambos, a que foi atribuído o n.º 96/09, e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, onde foi feito constar, além do mais, o seguinte: “[…] […]”– cf. fls. 162 a 168 do processo de revisão apenso. E) Em 15.12.2009 a ora Impugnante foi notificada, na pessoa do seu presidente, do teor da ata que antecede – cf. fls. 169 a 173 do processo de revisão apenso. F) A declaração de início de atividade foi entregue em 03.12.2008, reportando o respetivo início a 18.07.1995, com a indicação, para efeitos de enquadramento em IVA “isenção Artº 9” – cfr. fls. 173/174 do PAT apenso. G) Em 18.12.2009 foi elaborado pela Administração Tributária o Boletim de Alteração Oficioso (BAO) para efeitos de enquadramento da ora Impugnante, a partir de 01.01.2009, no regime geral de tributação em sede de IRC, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, no qual foi feito constar o seguinte: “Segundo informações transmitidas pelo Serviço de Apoio às Comissões de revisão, na Informação n.º 81/09, este contribuinte está enquadrado no regime geral de determinação do lucro tributável, para efeitos de IRC, embora se trate de uma Cooperativa, não apresentou a documentação necessária, para o que se anexa a informação em causa” – cf. fls. 175 a 180. H) Ato Impugnado: Em 18.01.2010, com base na decisão da reunião da comissão de revisão identificada em D) foi emitida a liquidação de IRC n.º ……………..452, relativa ao exercício de 2008, que apurou matéria coletável no valor de € 386.750,00, e a quantia de € 102.488,75 a pagar, sendo € 96.687,50 de IRC e € 5.801,25 de derrama, com data limite de pagamento em 01.03.2010 – cfr. doc. 3 junto com a petição inicial e fls. 151 do PAT apenso. I) Em 01.03.2010 a ora Impugnante procedeu ao pagamento da liquidação que antecede – cfr. doc. 3 junto com a petição inicial. J) Dos registos informáticos da Administração Fiscal consta a entrega de declarações de IRC relativas aos anos de 1995 a 1998; 2001 a 2004 e as relativas aos exercícios de 2006 a 2009 em 01 e 02.06.2010, encontrando-se a relativa ao ano de 2008 no estado de “Doc. não liquidável” – cfr. fls. 171/172 do PAT apenso. K) A impugnação judicial deu entrada no Serviço de Finanças de Oeiras 1 em 27.05.2010 – cfr. fls. 4 do suporte físico dos autos. *** A decisão recorrida consignou como factualidade não provada o seguinte: “Não se provaram quaisquer outros factos com relevância para a decisão do mérito da causa e que importe dar como não provados.” *** No item referente à motivação da matéria de facto consta a seguinte motivação: “A matéria de facto julgada provada resulta do teor dos documentos referidos em cada uma das respetivas alíneas, os quais não foram impugnados pelas partes nem há indícios que ponham em causa a sua genuinidade.” *** III-FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
In casu, a Recorrente não se conforma com a decisão proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, que julgou procedente a impugnação judicial deduzida contra o ato de liquidação adicional de IRC e respetivos JC, referentes ao exercício de 2008. Em ordem ao consignado no artigo 639.º, do CPC e em consonância com o disposto no artigo 282.º, do CPPT, as conclusões das alegações do recurso definem o respetivo objeto e consequentemente delimitam a área de intervenção do Tribunal ad quem, ressalvando-se as questões de conhecimento oficioso. Assim, ponderando o teor das conclusões de recurso cumpre aferir: - Se a decisão recorrida incorreu em excesso de pronúncia; - Se a sentença padece de erro de julgamento de facto por ter valorado, indevidamente, a prova carreada aos autos; - Se o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento por errónea interpretação dos pressupostos na medida em que: o Tendo existido acordo por parte dos peritos no âmbito do procedimento de prova do preço efetivo na transmissão de bens imóveis, estava inviabilizada, por inimpugnabilidade, o conhecimento da questão atinente aos pressupostos legais constantes no Estatuto Fiscal Cooperativo (EFC); o Descurou incumprimentos declarativos que per se, inviabilizavam a concessão da isenção constante no artigo 13.º do EFC, não podendo a falta do pressuposto constante no artigo 6.º do EFC, obstar à legalidade da correção; o Secundando-se, no limite, o incumprimento constante no artigo 6.º do EFC, o mesmo não pode ser entendido como um vício de violação de lei, mas meramente como um vício de forma, o que inviabiliza a concessão de juros indemnizatórios. Apreciando. A AT argui, desde logo, nulidade da sentença por excesso de pronúncia na medida em que a Impugnante em momento algum do seu articulado inicial ou posteriormente logrou invocar o vício formal que decorre da falta da notificação constante no artigo 6.º do EFC, estando, portanto, vedado ao Tribunal a sua apreciação. Mais argui excesso de pronúncia, porquanto a notificação prevista no artigo 6º, nº 1, do EFC ao constituir um verdadeiro pressuposto da correção, não podia ser conhecida pelo Tribunal a quo visto que houve acordo subscrito por ambos os Peritos, sendo, portanto, matéria inimpugnável. Atentemos, então, se a decisão recorrida padece da arguida nulidade por Excesso de Pronúncia. De harmonia com o disposto no artigo 125.º, nº1, do CPPT, constituem causas de nulidade da sentença “(…) a falta de pronúncia sobre questões que o juiz deva apreciar ou a pronúncia sobre questões que não deva conhecer.” Por seu turno, o artigo 615.º alínea d), do CPC, em obediência ao preceituado no n.º 2 do artigo 608.º do CPC, dispõe que é nula a sentença quando “d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento”. Importa, desde já, relevar que as questões submetidas à apreciação do tribunal identificam-se com os pedidos formulados, com a causa de pedir ou com as exceções invocadas, desde que não prejudicadas pela solução de mérito encontrada para o litígio. De notar para o efeito que, as questões não são passíveis de qualquer confusão conceptual com as razões jurídicas invocadas pelas partes em defesa do seu juízo de valoração, porquanto as mesmas correspondem a simples argumentos e não constituem questões na dimensão valorativa preceituada no citado normativo 615.º, nº 1, alínea d), do CPC. Daí que o excesso de pronúncia ocorra sempre que a causa do julgado não se identifique com a causa de pedir ou o julgado não coincida com o pedido, ou seja, ele ocorre sempre que o julgador vai além do conhecimento que lhe foi pedido pelas partes, quando o tribunal condene ou absolva num pedido não formulado, bem como quando conheça de pedido em excesso parcial ou qualitativo, mormente, quando, utilizando fundamentos admissíveis, aprecie dum pedido que é quantitativa ou qualitativamente distinto daquele que foi formulado pela parte, condenando em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido (1). Nessa medida, se o juiz conhece de questão, que o Autor e Réu não lhe submeteram, a sentença enferma de vício, por excesso, pois o juiz exorbitou a sua atividade indo para além do seu pedido de parte (extra petitum). In casu, a decisão incorrida não incorreu na arguida nulidade, visto que em nada ultrapassou os seus poderes de cognição. Senão vejamos. Na sua petição inicial a Impugnante nos artigos 14.º a 31.º, convoca a ilegalidade da liquidação porquanto não estão reunidos os pressupostos para a emissão do ato de liquidação, atenta a isenção legal que beneficia face à sua natureza jurídica. Densifica, para o efeito, que inexiste qualquer legitimação para efeitos de extinção do benefício fiscal em ordem ao consignado no EFC o qual densifica, e transpõe para a realidade fática em apreço. Concluindo, assim, que a receita resultante da venda dos imóveis se encontra isenta nos termos do artigo 13.º, nº1, alínea d) EFC, preceito e regime que foi violado, padecendo, nessa medida, o ato de liquidação de ilegalidade, o qual deve ser cominado de anulabilidade. Mais importa referir que em sede de alegações escritas, adensa -na esteira e na decorrência, aliás, da contestação da AT centrada no incumprimento declarativo e concreta subsunção normativa no artigo 6.º do EFC- que a “[e]xtinção a que alude o artº 6º do EFC só operaria caso tal omissão não fosse sanada no prazo de 90 dias a contar da notificação que para esse efeito fosse realizada-cfr. nº1 do artº 6º EFC”. Concluindo, assim, que não tendo a Impugnante sido notificada para esse efeito, “facto que aliás nem a AT alega nem o processo administrativo instrutor documenta, nunca se poderia dar por extinto o benefício de isenção de que a Impugnante gozava. Nem consequentemente poderia ter sido reposto o regime de tributação-regra, ao abrigo do nº3 do artº 6º EFC, por não estarem reunidos os respectivos pressupostos.” Ora, a decisão recorrida, justamente, com base no vício arguido, e nas concretas causas de pedir ajuizou no item que epigrafou de “isenção de IRC nos termos do disposto na al. d) do n.º 1 do art.º 13.º do Estatuto Fiscal Cooperativo” que “a liquidação de IRC objeto de impugnação padece, de facto, do vício de violação de lei por ter sido emitida em violação do disposto na al. d) do n.º 1 do art.º 13.º do Estatuto Fiscal Cooperativo, impondo-se, em consequência, a sua anulação.”. Densificando, neste e para este efeito que, não foram cumpridos os respetivos pressupostos constantes no artigo 6.º do EFC, e que a letra da lei é clara para efeitos de extinção do benefício fiscal, dele fazendo depender uma prévia notificação para cumprimento das obrigações acessórias, daí retirando que “a falta de cumprimento das obrigações acessórias atrás identificadas, procedeu oficiosamente à alteração do enquadramento da ora Impugnante para o regime geral de tributação, como disposto no n.º 3 do art.º 6.º do EFC, sem lhe conceder o prazo legalmente previsto para sanar as faltas verificadas (omitindo o prévio cumprimento do disposto na parte final do n.º 1 art.º 6.º do EFC), procedimento que deveria ter adotado, em cumprimento do princípio da legalidade, sem prejuízo da aplicação das sanções legais que ao caso coubessem, designadamente ao nível contraordenacional, conforme previsto no n.º 4 do art.º 6.º do EFC.” Ora, in casu, a questão sindicada coadunava-se com a ilegalidade da liquidação por violação do artigo 13.º, do EFC, e concreta insusceptibilidade de desconsideração do benefício fiscal por falta de cumprimento de formalidades legais ex ante e que inviabilizavam a sua extinção. Logo, se o Tribunal a quo apreciou tal questão e se a mesma foi, expressamente, convocada, inexiste a arguida nulidade. Por outro lado, importa, outrossim, relevar que o Tribunal não está sujeito às alegações das partes, no que diz respeito à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito. O mesmo é dizer que não obstante o julgador não poder decidir para além do que lhe foi solicitado pelas partes, certo é que não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação às regras de direito (cfr. artigo 5.º, nº 3, do CPC). Com efeito, o princípio do conhecimento oficioso do direito permite ao juiz inteira liberdade na qualificação jurídica dos factos, desde que não altere a causa de pedir, podendo ir buscar regras diferentes daquelas que as partes invocaram, atribuir às regras invocadas pelas partes sentido diferente do que estas lhe deram e fazer derivar das regras de que as partes se serviram efeitos e consequências diversas das que estas tiraram (2). Conforme se doutrina no Aresto do STJ, proferido no processo nº 842/10.9.P2.S1 TBPNF, com data de 07 de abril de 2016: “[o] que identifica a pretensão material do autor, o efeito jurídico que ele visa alcançar, enquanto elemento individualizador da acção, é o efeito prático-jurídico por ele pretendido e não a exacta caracterização jurídico-normativa da pretensão material, a sua qualificação ou subsunção no âmbito de certa figura ou instituto jurídico, sendo lícito ao tribunal, alterando ou corrigindo tal coloração jurídica, convolar para o decretamento do efeito jurídico adequado à situação litigiosa, sem que tal represente o julgamento de objecto diverso do peticionado”. Logo, sob este prisma inexiste o advogado excesso de pronúncia. Prosseguindo. Como visto, a Recorrente argui, igualmente na perspetiva do excesso de pronúncia que, a decisão padece dessa nulidade na medida em que tendo existido pedido de prova do preço efetivo na transmissão dos imóveis, com prévio acordo dos peritos, tal consubstanciava matéria inimpugnável. Mas, mais uma vez, não lhe assiste razão, na medida em que, tendo, como visto, essa questão sido suscitada, o Tribunal a quo analisou-a à luz do regime normativo vigente e com a devida transposição para o caso vertente. Note-se que, se tal análise se encontrava precludida face a uma concreta inimpugnabilidade a montante, tal não determina uma nulidade por excesso de pronúncia mas, quando muito, erro de julgamento. Com efeito, não é passível de confusão conceptual o erro de julgamento com o excesso de pronúncia, na medida em que o primeiro resulta de uma distorção da realidade factual (erro de facto) ou na aplicação do direito (erro de direito), de forma a que o decidido não corresponda à realidade ontológica ou à normativa, enquanto o excesso de pronúncia verifica-se quando o Tribunal conhece e emite pronúncia sobre questões de que não deveria conhecer, e que não eram de conhecimento oficioso. E por assim ser, face a todo o exposto, não assiste razão à Recorrente quando argui o excesso de pronúncia uma vez que compulsado o teor da decisão em análise verifica-se que a mesma conheceu do thema decidendum, movendo-se na formulação jurídica, no âmbito do conhecimento-oficioso do direito (cfr. artigo 5.º, nº3 do CPC). E por assim ser, improcede a arguida nulidade. *** Analisemos, ora, o erro de julgamento por errónea interpretação dos pressupostos de facto e de direito. A Recorrente, ainda que de forma pouco clara, e se bem interpretamos a sua esteira de entendimento -subsidiária-, alega que o Tribunal a quo terá incorrido em contradição, errando no seu julgamento, porquanto entendeu que existia inimpugnabilidade quanto aos pressupostos da correção e depois analisa a questão do artigo 6.º do EFC que vai entroncar, precisamente, num pressuposto, e nessa medida, também ele inimpugnável. Mas, a verdade é que assim o não entendemos, padecendo, desde logo, tal alegação de confusão conceptual, porquanto não é confundível a concreta discussão da prova do preço efetivo das correções, com a própria sujeição a imposto. Explicitemos, com algum detalhe, esta errónea interpretação. Neste concreto particular, o Tribunal a quo expendeu, expressamente, a propósito da inimpugnabilidade do ato: “a estatuição no sentido de não poder ser invocada na impugnação do acto de liquidação a matéria tributável resultante de acordo obtido no procedimento de revisão tem o alcance de expressar que não é admitida quer a impugnação autónoma quer a impugnação do acordado. (…) Mas, isto não significa que seja proibida, em absoluto, a impugnação da liquidação efectuada com base no acordo, pois este regime pressupõe, naturalmente, a validade do acordo e a sua oponibilidade ao contribuinte (…) No caso, como se alcança da ata da reunião dos peritos, contante de fls. 176 a 182 do Processo de Revisão da Matéria Coletável apenso, ficou consignado o acordo relativamente à manutenção dos valores propostos inicialmente pela Administração Tributária “na impossibilidade de ser feita a prova inequívoca dos valores reais e efetivos de venda” pelas razões descritas no ponto 3 da referida ata, relativo ao “debate contraditório” dos fundamentos invocados pelo sujeito passivo, descritos no ponto 2 da mencionada ata. Como continua o aresto do STA acima identificado, «[n]este domínio, tem-se ainda afirmado que assentando o acordo na intervenção de um representante do contribuinte, será aplicável o regime próprio da representação, quanto à vinculação do sujeito passivo pela actuação deste perito, da mesma forma que tal vinculação existe no domínio do direito civil (artigos. 1178.º, n.º 1, e 258.º do Código Civil), o que tem suporte explícito no artigo 16.º, n.º 1, da LGT que, com carácter geral, estabelece que «os actos em matéria tributária praticados pelo representante em nome do representado produzem efeitos na esfera jurídica deste, nos limites dos poderes de representação que lhe forem conferidos por lei ou por mandato». (Neste sentido, pode ver-se o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 23.11.2004, proferido no processo n.º 657/04, disponível em texto integral em www.dgsi.pt.).». Assim, e tal como no acórdão chamado à colação, porque nada foi alegado ab initio, na petição inicial, sobre eventuais abusos de poderes do representante do sujeito passivo, ou sobre limitação dos seus direitos de intervenção na reunião de peritos, sendo certo que é na p.i. que deve ser invocada toda a causa de pedir que sustenta o pedido de anulação do ato tributário, tendo havido acordo, subscrito por ambos, quer quanto à verificação dos pressupostos da correção, quer quanto à quantificação da matéria tributável, o ato de liquidação efetuado com base em tal acordo é, nessa parte, inimpugnável. Pelo exposto, não se conhecerá, em sede do mérito dos autos, da causa de pedir vertida nos artigos 33.º a 64.º da petição inicial.” E sobre esta concreta asserção a Recorrente valida-a, referindo, de forma expressa, nas suas alegações de recurso que o Tribunal, “e bem” (…) “relativamente à verificação dos pressupostos da correcção e à quantificação da matéria tributável-o ato de liquidação é parcialmente inimpugnável.”, entende, no entanto, que a questão da concreta violação do artigo 13.º do EFC, se encontra, também, ela abrangida pela inimpugnabilidade do ato. Porém, como já avançado, tal alegação não pode proceder. De relevar, desde logo, que tal como nas situações de inexistência de qualquer procedimento ao abrigo do artigo 129.º (atual artigo 139.º) do CIRC, comporta a inimpugnabilidade do ato de liquidação na exata medida em que se pretenda fazer prova que de que os valores escriturados correspondem aos valores reais (3), no mesmo sentido se aferirá quanto ao acordo obtido pelos peritos. Ou seja, se é certo que existindo acordo consolidou-se na ordem jurídica a questão dos valores escriturados vs valores patrimoniais tributários, não podendo, assim, discutir-se qualquer realidade intrínseca a essa específica prova e valores, é, igualmente, certo que nada obsta a que se discutam outras questões, mormente, a atinente à ilegal desconsideração da natureza jurídica da Recorrente, inerentes pressupostos e casuística densificação do respetivo regime normativo, particularmente, EFC, à luz do recorte fático dos autos. Note-se que, mediante leitura dos requerimentos apresentados ao abrigo do artigo 129.º do CIRC, e ulteriores atas -alíneas C) e D)- as causas de pedir coadunavam-se, naturalmente, com a prova do preço efetivo dos bens imóveis, particularmente, com o seguinte: - Os preços constantes das escrituras correspondem efetivamente aos valores de venda e são coincidentes com os preços dos respetivos contratos de promessa de compra e venda; - Os visados contratos foram outorgados pela anterior Direção, cujos membros foram condenados por apropriação de dinheiros e sonegação de documentos - A atual direção tem procurado realizar as escrituras de venda no decurso de 2008 - Tais factos originaram que os valores de venda fossem substancialmente inferiores aos valores normais de mercado e até valores patrimoniais. Tendo consequentemente o acordo visado abrangido apenas a manutenção dos valores constantes nos VPT, por “impossibilidade de ser feita a prova inequívoca dos valores reais e efetivos de venda”. Ora, como é bom de ver, a questão que esteou a procedência em nada estava concatenada com essa prova, donde, consolidada, porquanto a jusante e relacionada com o, eventual, reflexo dos ajustamentos positivos, e apuramento-sendo caso disso- do lucro tributável. Aliás, a Recorrente em sentido consonante com o expendido, mormente, na sua alínea F), advoga que não houve qualquer preterição do procedimento que vimos convocando, ainda que retire uma conclusão e cominação distinta. E por assim ser, inexiste o apontado erro de julgamento, nada obstando, assim, a que o Tribunal a quo se pronunciasse sobre a legalidade da liquidação nos moldes em que o fez. Questão diferente, e também convocada pela Recorrente é se errou no seu julgamento, ou seja, se existe errónea interpretação dos pressupostos de facto e de direito. Analisemos, então. Alega a Recorrente que o Tribunal a quo, não apreciou corretamente a matéria de facto dada por provada articulada com o normativo legal que reputa ter sido violado, sendo que nos termos do artigo 4.º, nº 2, do EFC, o cumprimento das obrigações acessórias é pressuposto basilar para a concessão da isenção de IRC, prevista no artigo 13.º, nº 1, alínea d), do EFC, realidade que, in casu, não se mostra cumprida, comportando, assim, a legalidade da correção. Densifica, para o efeito, que no que respeita aos pressupostos legais de que depende a atribuição daquela isenção, a correção mostra-se legal, sendo que são realidades distintas, a estipulação de uma condição de que depende a atribuição do benefício, e a exigência do cumprimento de uma formalidade que legitime a AT a tomar de medidas de fiscalização que conduzam à extinção da isenção. Vejamos, então. Comecemos por ter presente a fundamentação jurídica que determinou a procedência e a anulação do ato. O Tribunal a quo após estabelecer o enquadramento jurídico da situação, de contextualizar o âmbito e o desiderato da criação e da atividade cooperativa, sublinhando, desde logo, a vinculação do Estado ao incentivo e apoio das iniciativas tendentes a resolver os problemas habitacionais e bem assim o dever de fomentar a criação de cooperativas de habitação e autoconstrução, constante no n.º 5 do artigo 65.º da CRP, sustenta que: “Considerando o que atrás se disse a propósito do disposto no art.º 2, n.º 1, alínea a) do Código do IRC, no sentido de que as cooperativas são sujeitos passivos de IRC como o são as sociedades comerciais, sendo-lhes aplicáveis todas as normas relativas às obrigações acessórias, estava a Impugnante obrigada a apresentar, entre outras, quer a declaração de início de atividade, antes de iniciado o exercício da atividade (cf. art.º 111.º do CIRC, na redação vigente à data dos factos – atual art.º 118.º), quer as declarações anuais de IRC (art.º 112.º do CIRC) e, tendo a natureza jurídica de cooperativa, para usufruir dos benefícios constantes do EFC, devia juntar às declarações periódicas modelo 22 de IRC a credencial emitida pelo Instituto ………………….. (IASSC), conforme dispõe o art.º 4.º do EFC. Como resulta da factualidade provada – cf. al. F) – a declaração de início de atividade foi entregue em 03.12.2008, reportando o respetivo início a 18.07.1995, não obstante a sua constituição reportar a 1990 [cf. al. A) do probatório], e nem sempre entregou as declarações mod. 22, tendo as relativas aos exercícios de 2006 a 2009 sido entregues em junho de 2010 – cf. al. J) do probatório – o que denota incumprimento das obrigações acessórias/declarativas. Resta aferir se tal incumprimento, invocado pela Fazenda Pública para defender a improcedência da alegação da Impugnante, permitia que a Administração Tributária procedesse, sem mais, após o procedimento a que se refere o art.º 129.º do CIRC, à elaboração do “Boletim de Alteração Oficioso” para efeitos de enquadramento da ora Impugnante, a partir de 01.01.2009, no regime geral de tributação em sede de IRC, com o fundamento no facto de “embora se [tratar] de uma Cooperativa, não [ter apresentado] a documentação necessária” – cf. al. G) do probatório. Ora, sendo a isenção de IRC automática, decorrente da natureza jurídica da Impugnante (Cooperativa), como dispõe o art.º 3.º do EFC, e encontrando-se o Estatuto Fiscal Cooperativo vigente à data (que só foi revogado pela Lei 64-B/2011, de 30.12), o regime a que deve obedecer a extinção do benefício fiscal em apreço é o previsto no artigo 6.º do EFC, conforme acima enunciado a propósito do regime jurídico aplicável às cooperativas. Assim, e como decorre do n.º 1 do mencionado artigo 6.º, são duas as condições, cumulativas, para que possa operar a extinção dos benefícios fiscais previstos no Estatuto, a saber: (i) a inobservância das obrigações impostas no artigo 4.º (que inclui, como vimos, as obrigações declarativas, incluindo a credencial emitida pelo IASSC) e (ii) que “a situação de incumprimento não seja sanada no prazo de 90 dias contados a partir da notificação que, para o efeito, seja realizada”. Resulta, pois, do n.º 1 do art.º 6.º do EFC a imposição da prévia notificação da Cooperativa por parte da Administração Tributária, para sanar a situação do prazo de 90 dias, apresentando os documentos necessários e cumprindo as obrigações declarativas em falta, sendo que só na falta da referida sanação pode o sujeito passivo ser enquadrado no regime geral de tributação, cessando, assim a isenção de IRC. Não foi este o procedimento adotado pela Administração Tributária que, constatando a falta de cumprimento das obrigações acessórias atrás identificadas, procedeu oficiosamente à alteração do enquadramento da ora Impugnante para o regime geral de tributação, como disposto no n.º 3 do art.º 6.º do EFC, sem lhe conceder o prazo legalmente previsto para sanar as faltas verificadas (omitindo o prévio cumprimento do disposto na parte final do n.º 1 art.º 6.º do EFC), procedimento que deveria ter adotado, em cumprimento do princípio da legalidade, sem prejuízo da aplicação das sanções legais que ao caso coubessem, designadamente ao nível contraordenacional, conforme previsto no n.º 4 do art.º 6.º do EFC. Aqui chegados, e sem necessidade de considerações acrescidas, concluímos que a liquidação de IRC objeto de impugnação padece, de facto, do vício de violação de lei por ter sido emitida em violação do disposto na al. d) do n.º 1 do art.º 13.º do Estatuto Fiscal Cooperativo, impondo-se, em consequência, a sua anulação. Em face da conclusão a que se chega sobre a procedência do vício de violação de lei, que conduz à procedência da presente impugnação judicial, fica prejudicada a apreciação do invocado vício de forma por falta de fundamentação – cfr. n.º 2 do art.º 608.º do CPC, ex vi da al. e) do art.º 2.º do CPPT.” Ora, atento o supra expendido e a realidade fática contemplada no probatório não se vislumbra que a decisão recorrida padeça do erro de julgamento que lhe é assacado. Senão vejamos. De relevar, ab initio, que a Recorrente não procedeu à impugnação da matéria de facto em ordem aos requisitos constantes no artigo 640.º do CPC, nada requerendo em termos de aditamento ou supressão do probatório, limitando-se apenas a tecer juízos de valoração quanto à interpretação conferida à aludida factualidade em ordem ao concreto regime normativo, encontrando-se, por isso, o probatório inalterado. Aqui chegados, estando devidamente estabilizado o recorte fáctico dos autos há, então, que convocar o respetivo quadro normativo. Cumpre, desde logo, ter presente o disposto no artigo 2.º, n.º 1, alínea a), do CIRC, o qual preceitua que são sujeitos passivos deste imposto “as sociedades comerciais ou civis sob forma comercial, as cooperativas, as empresas públicas e as demais pessoas coletivas de direito público ou privado com sede ou direção efetiva em território português” Daí decorre, portanto, que as cooperativas são sujeitos passivos de IRC, à semelhança das sociedades comerciais ou civis sob a forma comercial, e nessa medida aplicáveis, designadamente, todas as obrigações declarativas e acessórias. Há, no entanto, que aquilatar se, ainda assim, e por forma a concretizar o que o legislador estabeleceu no normativo 85.º, nº2, da CRP se existe algum benefício fiscal atinente às cooperativas, sendo a resposta afirmativa dada pelo teor do artigo 13.º do EFC [à data previsto no DL n.º 85/98, de 16/12, revogado pela Lei 64-B/2011, de 30 de dezembro, atualmente previsto no artigo 66.º-A do EBF e aditado pela referida Lei). Com efeito, diz-nos, expressamente, o artigo 13.º, nº1, alínea d), do EFC, que estão isentas de IRC, com as exceções previstas no n.º 3 do artigo 7.º, as cooperativas de habitação e construção. Dimanando, outrossim, do aludido EFC, particularmente, do seu nº3, quanto ao concreto reconhecimento do benefício que “sem prejuízo da observância dos requisitos específicos previstos no presente Estatuto, a usufruição dos benefícios nele previstos não carece de ser requerida.” Estatuindo, por seu turno, o normativo 4.º a propósito das obrigações acessórias que: “1 - As cooperativas, ainda que isentas, total ou parcialmente, de imposto, encontram-se obrigadas ao cumprimento de todas as obrigações acessórias estabelecidas na legislação fiscal a que respeitem os benefícios usufruídos. Preceituando, no âmbito da fiscalização, especificamente, o artigo 5.º que “todas as cooperativas abrangidas pelo presente Estatuto ficam sujeitas a fiscalização da Direcção-Geral dos Impostos e demais entidades competentes para o controlo da verificação dos pressupostos dos benefícios fiscais respetivos e do cumprimento das obrigações acessórias impostas.” No concernente à extinção e suspensão dos benefícios fiscais, preceitua o artigo 6.º que: “1 - Os benefícios extinguem-se pela inobservância das obrigações impostas no artigo 4.º e desde que a situação de incumprimento não seja sanada no prazo de 90 dias contados a partir da notificação que, para o efeito, seja realizada. Ora, da interpretação conjugada dos normativos supra descritos resulta que a isenção é automática, estando, no entanto, os beneficiários sujeitos a fiscalização da AT e demais entidades competentes para o controlo da verificação dos pressupostos dos benefícios fiscais e do cumprimento das obrigações acessórias legalmente impostas. Sendo que a extinção dos benefícios fiscais, e a concreta reposição da tributação regra só sucede, desde que se verifiquem, cumulativamente, os pressupostos constantes no citado artigo 6.º do EFC. Ora, visto o quadro normativo, e transpondo o mesmo para o caso vertente há, efetivamente, que secundar o entendimento propugnado na decisão recorrida. E isto porque, a extinção do benefício fiscal e consequente reposição do regime regra de tributação só se encontra legitimada se a situação de incumprimento não for sanada no prazo de 90 dias, e desde que o sujeito passivo tenha sido notificado para o efeito. O que significa, portanto, que o legislador estabeleceu, desde logo e de forma inequívoca, a aludida possibilidade de sanação como condição base para a cessação -válida e legal- do competente benefício fiscal. Daí resultando que, sendo a mesma incumprida tal determina a falta de preenchimento dos respetivos pressupostos legais para a reposição da tributação regra, estando, consequentemente, o ato eivado de ilegalidade. No caso vertente, não é controvertido que o sujeito passivo não cumpriu com as obrigações acessórias constantes no normativo 4.º do EFC, mas, é igualmente, não controvertido que a notificação para a sanação da situação de incumprimento não se materializou, o que determina, tal como foi ajuizado na decisão recorrida, que a liquidação enferma de ilegalidade, por falta de preenchimento dos pressupostos legais para a cessação do benefício fiscal, ulterior reposição da tributação em sede de IRC, cominando, assim, de ilegalidade o ato impugnado. É certo que, a Recorrente vem advogar uma errada ponderação e interpretação da cominação que foi atribuída, adensando, para o efeito, que são realidades distintas, a estipulação de uma condição de que depende a atribuição do benefício, e a exigência do cumprimento de uma formalidade que legitime a AT a tomar de medidas de fiscalização que conduzam à extinção da isenção. Mas, a verdade é que este entendimento não logra mérito, desde logo, porque assenta num paralelismo que a lei não estabelece, ou seja, de que a implementação de prévia interpelação para sanação das obrigações acessórias está meramente alocada a uma conduta de fiscalização. Dizemos nós que, são realidades distintas as que legitimam a fiscalização constante no artigo 5.º do EFC -que pode e deve ser desencadeada pela AT sempre que assim se imponha e para efeitos de controlo da verificação dos pressupostos dos benefícios fiscais respetivos e do cumprimento das obrigações acessórias impostas- e a consagração legal expressa de que a extinção só pode operar se for expressa e validamente notificada para efeitos de sanação da falta de cumprimento das obrigações acessórias. No fundo, o legislador entendeu que mesmo que se verifique o preenchimento objetivo das condições de cessação e extinção do benefício, é facultada uma oportunidade para aqueles que incumpriram com as obrigações acessórias de as cumprir no prazo estipulado para o efeito. Poderão, assim, evitar essa extinção, mantendo-se, naturalmente, a responsabilidade contraordenacional, caso procedam à regularização da situação detetada em falta. Aliás, bem se percebe a ratio legis, porquanto nos encontramos perante mero incumprimento de obrigações acessórias declarativas, em regra, sem impactar na realidade substantiva. Face ao exposto, e tal como decidido pelo Tribunal a quo, a AT ao constatar a falta de cumprimento das obrigações acessórias, não poderia, sem mais, proceder à alteração do enquadramento fiscal da Impugnante, ora Recorrente, ou seja, para o regime geral de tributação, estando, como visto, adstrita ao prévio cumprimento do disposto na parte final, do n.º 1, do artigo 6.º do EFC. Secundando-se, assim, o aduzido na decisão recorrida, no sentido de que em cumprimento do princípio da legalidade, e sem prejuízo da aplicação das sanções legais que ao caso coubessem, designadamente ao nível contraordenacional, conforme previsto no n.º 4 do artigo 6.º do EFC, a AT estava vinculada a essa interpelação prévia, logo não a tendo, ilegalmente, adotado emitiu um ato de liquidação em clara violação da alínea d), do n.º 1, do art.º 13.º do EFC, cominando-o de anulabilidade. Destarte, a decisão recorrida não padece da censura que lhe é endereçada. Subsiste, ora, por analisar o erro atinente à condenação no pagamento de juros indemnizatórios. Neste particular, sindica que mesmo admitindo-se a emissão de um ato ilegal, a verdade é que o Tribunal a quo incorreu em erro na qualificação do vício, o qual se reconduz, tão-só, a um mero vício formal, concatenado com a preterição de uma formalidade essencial, e não como um vício de violação de lei, inexistindo, assim, lugar ao pagamento de juros indemnizatórios. Vejamos, então, quais as razões em que se fundou a concessão dos juros indemnizatórios por parte da decisão recorrida. O Tribunal a quo ajuíza que a liquidação de IRC objeto de impugnação padece de “vício de violação de lei por ter sido emitida em violação do disposto na al. d) do n.º 1 do art.º 13.º do Estatuto Fiscal Cooperativo, impondo-se, em consequência, a sua anulação.”, e face a essa qualificação do vício de violação de lei, e mediante concatenação com o respetivo normativo e inerente densificação do erro imputável aos serviços, conclui que “[d]eve considerar-se que se encontram reunidos os pressupostos de condenação da Fazenda Pública no pagamento de juros indemnizatórios à Impugnante, em virtude da anulação da liquidação que originou a presente impugnação judicial. Os juros indemnizatórios serão pagos relativamente ao montante da liquidação, desde data em que foi efetuado o respetivo pagamento (01.03.2010) até à emissão da respetiva nota de crédito, à taxa legal.” E a verdade é que, mais uma vez entendemos que esse juízo de entendimento não padece de qualquer erro de julgamento, na medida em que a existência de um vício de violação de lei, por errónea interpretação dos pressupostos de facto e de direito -como in casu- constitui, inequivocamente, erro imputável aos serviços. Senão vejamos, mediante convocação do respetivo regime legal. O direito a juros indemnizatórios é um dos mais importantes direitos dos contribuintes no seio da relação jurídica tributária. A consagração expressa deste direito no artigo 43.º da LGT reflete o princípio da igualdade dos sujeitos da relação, sendo devidos juros indemnizatórios sempre que os contribuintes sejam privados, de forma indevida, de meios financeiros por razões imputáveis à AT. Do teor do citado normativo, resulta que os juros indemnizatórios se destinam a compensar o contribuinte pelo prejuízo causado pelo pagamento indevido de uma prestação tributária ou pelo atraso na restituição oficiosa de tributos. De harmonia com o citado preceito legal, são requisitos do direito aos juros indemnizatórios: a) que haja um erro num ato de liquidação de um tributo; Como refere Jorge Lopes de Sousa: A utilização da expressão “erro” e não “vício” ou “ilegalidade” para aludir aos factos que podem servir de base à atribuição de juros, revela que se teve em mente apenas os vícios do ato anulado a que é adequada essa designação, que são o erro sobre os pressupostos de facto e o erro sobre os pressupostos de direito (4). A constituição desse direito depende, assim, da demonstração no processo que o ato enferma de erro sobre os pressupostos de facto ou de direito imputável à AT (5). Sendo que, para efeitos de concreta delimitação do erro imputável aos serviços entende-se que “[n]ão existe erro da administração, nos casos em que a ilegalidade da liquidação resulta de um comportamento activo ou omissivo do contribuinte, designadamente disponibilizando informações incorrectas ou ocultando elementos relevantes para efeitos do apuramento da sua situação tributária (6).” Entendendo-se, outrossim, que o erro imputável aos serviços engloba a falta do próprio serviço, particularmente, a emissão de um ato de ilegal, e por isso ilícito, legitimando, assim, a responsabilidade por juros indemnizatórios [Vide Acórdão do STA, proferido em Plenário da Secção de Contencioso Tributário, processo nº 0632/14, de 21.01.2015]. E bem assim que quando os atos tributários são anulados por meros vícios de forma, não são devidos juros indemnizatórios. Doutrina-se, designadamente, no Acórdão de Uniformização de Jurisprudência proferido pelo Pleno da Seção de Contencioso Tributário do STA proferido no processo nº 011/23.8BALSB, de 21/6/2023, reiterando a Jurisprudência unânime e reiterada deste Tribunal que: “[o]s juros indemnizatórios apenas podem ser atribuídos ao sujeito passivo que tenha satisfeito uma obrigação tributária que venha a ser anulada com fundamento em “erro imputável aos serviços”, designadamente, por erro na aplicação do direito. É só neste caso, segundo a interpretação firmada pelo Supremo Tribunal Administrativo, que se gera uma efectiva lesão na esfera jurídica do sujeito passivo, decorrente a imposição do cumprimento de uma obrigação tributária que se vem a apurar ser contrária ao direito e que, por isso, deve ser patrimonialmente reparada através do pagamento de juros indemnizatórios. Já quando os actos tributários são anulados por vícios de forma (incompetência do autor do acto, vício procedimental ou falta de fundamentação, para referir alguns exemplos) não fica demonstrado que tenha sido exigida ao sujeito passivo o cumprimento de uma obrigação materialmente contrária à lei (ou seja, que não era devida), mas apenas que essa obrigação não foi determinada ou calculada em conformidade com as normas legais e, por essa razão, a mera restituição do que foi pago é suficiente para tornar indemne o sujeito passivo.(…) Lembre-se, por fim, que o Tribunal Constitucional, confrontado com a antes mencionada interpretação do n.º 1 do artigo 43.º da LGT sufragada pela jurisprudência do STA, decidiu, no acórdão n.º 203/2013,“[N]ão julgar inconstitucional a norma extraída dos artigos 43.º e 100.º, ambos da Lei Geral Tributária, segundo a qual não são devidos juros indemnizatórios, em execução de decisão anulatória da liquidação de tributo, quando a anulação do ato tributário se funde em ilegalidade de natureza orgânico-formal”. Ora, tendo por base os considerandos supra, entende-se, mais uma vez, e conforme já avançámos que o entendimento do Tribunal a quo não merece censura, na medida em que há um erro na aplicação do direito, tendo ficado demonstrado que foi exigido ao sujeito passivo o pagamento de imposto que não era legalmente devido, porquanto dependia da concretização de um pressuposto estabelecido na lei enquanto “condição de punibilidade”, entenda-se de extinção do benefício fiscal. Logo, o vício que determinou a anulação do ato é, efetivamente, um vício de violação de lei. Inversamente ao propugnado pela Recorrente, a liquidação não foi anulada por um vício de forma, equiparado, conforme aduz, à falta de notificação para audição prévia, na qual o ato apenas sofre dessa irregularidade formal não impactando na substância da relação jurídica que lhe subjaz. O vício que cominou o ato assenta, efetivamente, em erro sobre os pressupostos de facto e de direito, não podendo fazer-se, como pretende a Recorrente, uma interpretação da falta de preenchimento de um pressuposto legal para efeitos de extinção de um benefício fiscal, como um mero vício formal. Aliás, a própria densificação em H), permite, justamente, validar a existência de vício de violação de lei. Destarte, conclui-se que nos encontramos perante uma ilegal cessação de um benefício fiscal, por falta de cumprimento dos pressupostos legais atinentes ao efeito, concretamente, os constantes no artigo 6.º do EFC, o que determina a ilegalidade do ato de liquidação por vício de violação, concretamente, do disposto no artigo 13.º do EFC. E por assim ser, tendo sido esse, justamente, o entendimento do Tribunal a quo o mesmo não padece da censura que lhe é endereçada. Face a todo o exposto, e sem necessidade de quaisquer considerandos adicionais improcede, na íntegra, o presente recurso. *** IV. DECISÃO Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO, SUBSECÇÃO COMUM, deste Tribunal Central Administrativo Sul em: NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO, MANTER A DECISÃO RECORRIDA. Custas pela Recorrente. Registe. Notifique. Lisboa, 12 de março de 2025 (patrícia Manuel Pires) (Margarida Reis) (Isabel silva) (1) José Lebre de Freitas e Armindo Ribeiro Mendes, C.P.Civil anotado, Volume 3º., Tomo I, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 2008, pág.61 e 62; Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 9ª. edição, Almedina, 2009, pág.181; vide, designadamente, Ac. TCA Sul, proferido no processo nº proc.6505/13, de 2 de julho de 2013. (2) cf. A. Reis, CPC Anotado, vol. 5°, pg. 453; vide Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, processo nº 565/08-2, de 03 de julho de 2008. (3) Vide, designadamente, Acórdãos TCAS proferidos nos processos nºs 200/10, 576/11, 706/11, 262/10 e 2128/09 de 11.01.2023, 07.12.2021, 09.06.2021, 11.03.2021 e 25.02.2021, respetivamente. (4) Em anotação ao artigo 61º do CPPT, in Código de Procedimento e Processo Tributário anotado e comentado, I vol., Áreas Editora, Lisboa, 5ª edição, 206, p. 472. (5) Vide, acórdão do STA processo nº 01610/13, de 12.02.2015. (6) José Maria Fernandes Pires (coord.), Gonçalo Bulcão, José Ramos Vidal e Maria João Menezes, Lei Geral Tributária Comentada e Anotada, Almedina, Coimbra, 2015, p. 367 |