Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:2467/08.0BELSB
Secção:CA
Data do Acordão:05/15/2025
Relator:LUÍS BORGES FREITAS
Descritores:PRESCRIÇÃO DO DIREITO DE INDEMNIZAÇÃO
CITAÇÃO DO MINISTÉRIO
Sumário:I - O acórdão de 19.4.2023 do Pleno da Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo, processo n.º 0565/16.5BEPRT, uniformizou a jurisprudência nos seguintes termos: «O efeito interruptivo da prescrição do direito de indemnização operado pela citação de um Ministério absolvido da instância numa acção intentada para efectivação de responsabilidade civil extracontratual não beneficia o mesmo autor que posteriormente proponha acção idêntica contra o Estado» (acórdão publicado sob o n.º 9/2023 no Diário da República de 16.11.2023, Série I).
II - Tendo o Ministério demandado na primeira ação sido absolvido da instância por ilegitimidade passiva, decisão que transitou em julgado, não poderá o Autor, na segunda ação, intentada contra o Estado, pretender que se considere regularmente proposta a primeira ação, desde logo por tal pretensão ofender o que foi ali decidido com força de caso julgado.
III - O artigo 327.º do Código Civil regula a duração da interrupção da prescrição, pelo que pressupõe que a interrupção já se tenha verificado por algum dos motivos previstos nos artigos 323.º a 325.º do mesmo código.
Votação:Unanimidade
Indicações Eventuais:Subsecção Administrativa Social
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na Subsecção Social do Tribunal Central Administrativo Sul:


I
O SINDICATO DOS TRABALHADORES DOS IMPOSTOS intentou, no Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, em representação dos associados que identificou, ação administrativa comum contra o ESTADO PORTUGUÊS, pedindo a condenação deste a:

a) Reconhecer que os seus representados foram prejudicados na sua carreira profissional devido à não definição atempada da metodologia, conteúdo e procedimentos da avaliação permanente, que, de acordo com o artigo 36.º/2 do Decreto-Lei n.º 557/99, de 17 de dezembro, cabia ao Ministro das Finanças;
b) Reconhecer que a não regulamentação atempada da avaliação permanente representou para os seus representados prejuízos de natureza patrimonial desde 4.8.2002 até à data em que a ação foi intentada no valor global de € 8.331.576,26, o qual corresponde a € 25.323,94 por cada um dos seus representados; e
c) Reconhecer o direito dos seus representados a serem ressarcidos dos valores a que tiverem direito, a título de retribuição, FET e juros de mora à taxa legal que se vierem a vencer até ao final do presente litígio.
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Por sentença de 21.5.2018 foi julgada verificada a exceção da prescrição do direito de indemnização, com a consequente absolvição do Demandado do pedido.
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Inconformado, o Autor interpôs recurso daquela decisão, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões, que se transcrevem:

A) Nos presentes autos foi requerida a condenação do Réu, Estado Português, a reconhecer que os representados do A. foram prejudicados na sua carreira profissional devido à não regulamentação atempada da Avaliação Permanente dos Técnicos de Administração Tributária do Grupo de Administração Tributária, conforme estava obrigada; a reconhecer que tal omissão representou para os representados pelo A. prejuízos de natureza patrimonial desde 04/08/2002 até à presente data, no valor de 25.323,94 € se individualmente considerados, a que corresponde o valor global referente a todos os representados do Recorrente de 8.331.576,26 € e, por último, a reconhecer o direito dos representados do A. a serem ressarcidos dos valores a que tiverem direito, quer a título de retribuição, quer a título do suplemento de produtividade pago pelo FET, quer ainda dos juros de mora, à taxa legal, que se vierem a vencer até ao final do presente litígio;
B) A douta sentença a quo deu por verificada a exceção perentória da prescrição, absolvendo o R. do pedido, considerando que o disposto no art.° 10° n.° 4 do CPTA não se aplica às ações administrativas comuns, nem pode esta beneficiar da extensão de prazo de prescrição prevista no art.° 327° do CC;
C) Com o devido respeito e salvo melhor opinião, não podemos acolher este entendimento porquanto se assim fosse o legislador tê-lo-ia consagrado de forma explícita. Estamos perante uma irregularidade sanável ope legis, ou dito de outro modo, trata-se de um erro irrelevante, na ótica do próprio legislador, pelo que carece de enquadramento legal aquele entendimento;
D) No presente caso, ocorreu um facto ilícito quando a Administração Pública omitiu o seu dever de legislar, não regulamentando tempestivamente, o art. 33° do Dec.- Lei n° 557/99, de 17/12;
E) Verifica-se a culpa da Administração Fiscal porquanto tal ónus impendia sobre si e aquela entidade pública não desconhecia esse dever;
F) Dessa omissão de regulamentação resultaram para os representados do Recorrente. Resulta, ainda, provado o nexo de causalidade entre o facto ilícito e os danos provocados, uma vez que, se não fosse a tardia regulamentação do art. 33° do Dec.-Lei n° 557/99, não se teriam verificado os danos apontados;
G) Neste sentido deveria ser a sentença aqui posta em crise revogada e substituída por outra que aprecie o fundado e atempado pedido de indemnização formulado pelo Recorrente em representação dos seus associados.

Termos em que se requer a V. Exas. que, com o douto suprimento desse venerando Tribunal, se dignem conceder provimento ao presente recurso, devendo a sentença, ora recorrida ser revogada e substituída por outra que aprecie e julgue procedente o pedido de indemnização civil deduzido contra o Estado Português, por omissão de regulamentação atempada, assim se fazendo Justiça!
*

O Estado Português apresentou contra-alegações, formulando as seguintes conclusões, que igualmente se transcrevem:

1. O Autor/Recorrente peticiona a condenação do Estado Português no pagamento de uma indemnização pela prática de atos ilícitos, concretizados na omissão da Administração em regulamentar o artigo 36.º do Decreto-Lei n.º 557/99, de 17/12.
2. Nos termos estabelecidos no artigo 498.°, n.º 1 do Código Civil, o "direito de indemnização prescreve no prazo de três anos, a contar da data em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete, embora com desconhecimento da pessoa do responsável e da extensão integral dos danos, sem prejuízo da prescrição ordinária se tiver decorrido o respetivo prazo a contar do facto danoso."
3. Assim, o fundamento da presente ação de responsabilidade civil extracontratual é a omissão de regulamentar tempestivamente o artigo 33.° do Decreto-Lei n.º 557/99, de 17/12.
4. Tendo o Autor defendido que o prazo de prescrição começou a correr em 23.12.2005, ou seja, na data em que os seus representantes terão transitado do nível 1 do grau 2 do GAT para o nível 2 do mesmo grau, aquando da citação do Réu Estado Português para contestar a 28.01.2015, já tinha decorrido o prazo de prescrição de três anos consagrado no artigo 498.°, n.º 1 do Código Civil.
5. A citação do Ministério das Finanças e da Administração Pública não interrompeu nem suspendeu o prazo de prescrição.
6. Deste modo, a decisão recorrida ao contrário do pretendido pelo Autor, ora Recorrente, fez a correcta aplicação das disposições legais aplicáveis ao caso.

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Com dispensa de vistos, mas com envio prévio do projeto de acórdão aos Juízes Desembargadores adjuntos, vem o processo à conferência para julgamento.


II
Sabendo-se que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões do apelante, a questão que vem submetida à apreciação deste tribunal de apelação consiste em determinar se a sentença recorrido errou ao julgar prescrito o direito de indemnização.


III
A matéria de facto constante da sentença recorrida – e que não foi impugnada - é a seguinte:

1) Em 13/11/2008 foi presencialmente entregue neste tribunal a petição inicial com o teor de fls. 3-44, dos autos em suporte de papel, que se dá aqui como integralmente reproduzido, na qual figura como autor o, ora, autor e como réu o Ministério das Finanças e da Administração Pública e da qual consta o seguinte:
«(...)
(...)».
2) Em 04/12/2008 os serviços deste tribunal expediram um ofício, através de carta registada com aviso de recepção, para o Ministério das Finanças e da Administração Pública, a coberto do qual lhe remeteram cópia da petição inicial descrita no ponto anterior e, além do mais, o informaram do prazo que dispunha para apresentar contestação.
3) Em 05/12/2008 o aviso de recepção descrito no ponto anterior foi assinado.
4) Em 20/11/2014 foi proferida a sentença com o teor de fls. 271-278, dos autos em suporte de papel, que se dá aqui por integralmente reproduzido, na qual o réu Ministério das Finanças e Administração Pública foi absolvido da instância.
5) Em 21/11/2014 os serviços deste tribunal expediram, por carta sob mero registo, ofícios para os representantes das partes a coberto dos quais lhes remeteram cópia da sentença descrita no ponto anterior.
6) Em 24/11/2014 o magistrado do ministério público foi notificado da sentença descrita em 4).
7) Não foi interposto recurso da sentença descrita em 4).
8) Em 12/01/2015 foi presencialmente entregue neste tribunal a petição inicial com o teor de fls. 289-329, dos autos em suporte de papel, que se dá aqui como integralmente reproduzido, na qual figura como autor o, ora, autor e como réu o Estado Português e da qual consta o seguinte:
«(...)
(...)».
9) Em 29/01/2015 o magistrado do ministério público junto deste tribunal assinou o documento designado por “citação”, com o teor de fls. 351, dos autos em suporte de papel, e recebeu cópia da petição inicial descrita no ponto anterior


IV
1. O tribunal a quo julgou prescrito o direito de indemnização invocado pelo Recorrente, na medida em que, e entre outras razões, a citação do Ministério das Finanças e da Administração Pública não interrompeu nem suspendeu o prazo de prescrição. Isto porque «o direito de exigir uma indemnização pelo atraso na emissão de um regulamento deve ser judicialmente exigido contra o Estado Português, representado pelo Ministério Público», pelo que «só a citação do Estado interrompe a prescrição, não lhe sendo oponível a citação do ministério a quem incumbiria emitir o regulamento numa acção que se funda em responsabilidade civil extracontratual». O assim decidido mostra-se correto.

2. Na verdade, o acórdão de 19.4.2023 do Pleno da Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo, processo n.º 0565/16.5BEPRT, uniformizou a jurisprudência nos seguintes termos: «O efeito interruptivo da prescrição do direito de indemnização operado pela citação de um Ministério absolvido da instância numa acção intentada para efectivação de responsabilidade civil extracontratual não beneficia o mesmo autor que posteriormente proponha acção idêntica contra o Estado» (acórdão publicado sob o n.º 9/2023 no Diário da República de 16.11.2023, Série I).

3. É precisamente a situação dos autos. Ainda que se considere, como termo inicial do prazo de prescrição, o dia 23.12.2005, tal como defendido pelo Recorrente, sendo que a citação do Estado apenas ocorreu em 29.1.2015.

4. É certo que o Recorrente opõe o entendimento de que deve ser aplicado o regime do artigo 10.º/4 do Código do Processo nos Tribunais Administrativos. É o seguinte o teor das normas relevantes:

«1 - Cada acção deve ser proposta contra a outra parte na relação material controvertida e, quando for caso disso, contra as pessoas ou entidades titulares de interesses contrapostos aos do autor.
2 - Quando a acção tenha por objecto a acção ou omissão de uma entidade pública, parte demandada é a pessoa colectiva de direito público ou, no caso do Estado, o ministério a cujos órgãos seja imputável o acto jurídico impugnado ou sobre cujos órgãos recaia o dever de praticar os actos jurídicos ou observar os comportamentos pretendidos.
3 - Os processos que tenham por objecto actos ou omissões de entidade administrativa independente, destituída de personalidade jurídica, são intentados contra o Estado ou a outra pessoa colectiva de direito público a que essa entidade pertença.
4 - O disposto nos dois números anteriores não obsta a que se considere regularmente proposta a acção quando na petição tenha sido indicado como parte demandada o órgão que praticou o acto impugnado ou perante o qual tinha sido formulada a pretensão do interessado, considerando-se, nesse caso, a acção proposta contra a pessoa colectiva de direito público ou, no caso do Estado, contra o ministério a que o órgão pertence.
(…)».


5. Temos, portanto, que o Recorrente pretende que se considere regularmente proposta a ação (a primeira, naturalmente). O que significa que o Recorrente defende o oposto ao já decidido com força de caso julgado.

6. Na verdade, através do saneador de 20.11.2014 considerou-se que «o Ministério das Finanças e da Administração Pública é parte ilegítima na presente acção para efectivação de responsabilidade fundada na omissão de regulamentação do artigo 33.º, do Decreto-Lei n.º 557/99, de 17 de Dezembro». Assim, «[c]onstituindo a ilegitimidade processual passiva excepção dilatória (artigo 577.º, alínea e), do Código de Processo Civil), no caso insanável – ilegitimidade singular da parte, deve este Tribunal abster-se de conhecer do pedido, absolvendo o Réu da instância (artigos 89.º, n.º 1, alínea d), do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 278.º, n.º 1, alínea d), do Código de Processo Civil)». Decidiu-se, por isso, «julg[ar] procedente a excepção dilatória da ilegitimidade passiva, absolvendo o Réu da instância».

7. O ora Recorrente conformou-se com o assim decidido e intentou nova ação, agora contra o Estado. É manifesta, portanto – e independentemente das razões aduzidas na sentença recorrida -, a inviabilidade da tese do Recorrente relativa à aplicação do regime constante do artigo 10.º/4 do Código do Processo nos Tribunais Administrativos.

8. Igualmente inviável é a pretendida aplicação do disposto no artigo 327.º/3 do Código Civil. Vejamos o teor do artigo 327.º:

«Artigo 327.º
Duração da interrupção
1. Se a interrupção resultar de citação, notificação ou acto equiparado, ou de compromisso arbitral, o novo prazo de prescrição não começa a correr enquanto não passar em julgado a decisão que puser termo ao processo.
2. Quando, porém, se verifique a desistência ou a absolvição da instância, ou esta seja considerada deserta, ou fique sem efeito o compromisso arbitral, o novo prazo prescricional começa a correr logo após o acto interruptivo.
3. Se, por motivo processual não imputável ao titular do direito, o réu for absolvido da instância ou ficar sem efeito o compromisso arbitral, e o prazo da prescrição tiver entretanto terminado ou terminar nos dois meses imediatos ao trânsito em julgado da decisão ou da verificação do facto que torna ineficaz o compromisso, não se considera completada a prescrição antes de findarem estes dois meses».


9. Como anunciado na própria epígrafe, o artigo 323.º regula a duração da interrupção. Ou seja:

a) O artigo 323.º diz-nos como se interrompe a prescrição;
b) O artigo 326.º estabelece os efeitos da interrupção da prescrição;
c) O artigo 327.º define a duração da interrupção da prescrição.

10. O artigo 327.º tem, pois, um pressuposto: o de que o prazo de prescrição se interrompeu nos termos do disposto no artigo 323.º (no caso da interrupção promovida pelo titular). É precisamente pelo facto de se ter interrompido que será necessário estabelecer a duração dessa interrupção. Como bem referido na sentença recorrida, «[o] artigo 327.º do CC regula apenas a duração da interrupção, pelo que a aplicação da previsão normativa do artigo 327.º, n.º 2, do CC, pressupõe que o efeito interruptivo da citação se tenha produzido, nos termos do artigo 323.º do CC». Portanto, apenas se poderia pretender aplicar o regime do artigo 327.º/3 caso a primeira ação tivesse sido intentada contra o Estado, caso em que a prescrição seria interrompida. E seria na eventualidade do Estado vir a ser absolvido da instância que se poderia colocar a possibilidade de aplicação desse regime.

11. No entanto, e como se sabe, nada disso está aqui em causa. A interrupção da prescrição não se verificou. Portanto, não se coloca o problema de determinar a duração do que não existiu.


V
Em face do exposto, acordam os Juízes da Subsecção Social do Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso e, em consequência, confirmar a sentença recorrida.

Sem custas, por isenção do Recorrente (artigo 4.º/3 do Decreto-Lei n.º 84/99, de 19 de março, conjugado com o disposto no artigo 8.º/4 da Lei n.º 7/2012, de 13 de fevereiro).

Lisboa, 15 de maio de 2025.

Luís Borges Freitas (relator)
Ilda Côco
Teresa Caiado