| Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, os juízes que compõem a Subsecção Comum da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul
♣ I – RELATÓRIO
Ourivesaria ……………., Lda., com demais sinais nos autos, deduziu impugnação judicial contra o ato de liquidação adicional de Imposto sobre o Valor Acrescentado (“IVA”) e respetivos juros compensatórios, respeitante ao período de Junho, do ano de 2006, no valor total de € 98.988,07.
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O Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria, por decisão de 29 de Novembro de 2016, julgou a impugnação improcedente.
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Inconformada com a decisão, a Impugnante, ora Recorrente interpôs recurso da mesma, tendo formulado na sua alegação as seguintes conclusões:
“A)- A douta sentença recorrida julgou improcedente a impugnação por entender que não se verifica erro sobre os pressupostos de facto da liquidação de imposto em crise (IVA do período 2005 06T), na medida em que não deu por ilidida a presunção estabelecida no art.° 80° do CIVA (atual art.° 86°).
B) - Discorda, porém, a recorrente da douta sentença recorrida, na parte em que considerou que não foi feita prova que afaste a presunção de transmissão dos bens, constantes do inventário no montante de € 464.987,53.
C)- Com efeito, da factualidade dada como provada, destacam-se as alíneas I), J), K), L) e M), a restante factualidade alegada pela impugnante na sua petição, designadamente, com relevo para a apreciação da causa, os factos constantes nos artigos 14°, 15°, 16°, 20°, 26°, 28°, 29°, 31°, 33°, 35°, 36°, 57°, 63°, 69°, 70°, 71°, 72°, 74°, 84°, 103°, 104°, não foram dados como provados, nem foram dados como não provados.
D)- Da prova produzida, resultam factos provados que não foram sequer considerados como relevantes para a apreciação da causa, daí que a douta sentença recorrida incorreu em omissão de pronuncia quanto a factos essenciais para a boa apreciação da causa.
E) - Dos factos dados como provados deveria ter resultado conclusão diversa, daí que a douta sentença recorrida incorreu em errónea apreciação dos documentos em conjugação com os depoimentos e com as regras da experiência comum.
F) - Assim, quanto aos factos alegados pela impugnante / recorrida, na p.i. nos artigos 14°, 15°, 16°, 20°, resultam os mesmos provados a partir dos depoimentos das testemunhas Tiago Rodrigues (minutos 00:05:30 a 00:09:15) e Aida Bernardo (minutos 00:46:12 a 00:54:10).
G)- Quanto ao facto alegado em 26° da p.i. foi confirmado pelo depoimento de Aida Bernardo (minutos 00:46:12 a 00:54:10 e minutos 00:58:50 a 01:02:00), passagens estas onde são corroborados também os factos alegados em 28°, 29°, 31°, 33°, 35° e 36° da p.i..
H) - O alegado em 57° e 63° resulta provado dos documentos oito, nove, dez, onze e doze juntos à p.i., os quais se mostram com relevo para a compreensão dos factos e explicação do valor contabilístico das existências ao longo dos exercícios de 1999 a 2004 e que se refletiram em junho de 2005, aquando da inventariação real da mercadoria existente na empresa.
I) - Explicação esta corroborada pela testemunha Tiago Rodrigues, nos excertos a minuto 00:09:30 a 00:20:05.
J) - Quanto aos factos e afirmações constantes nos artigos 69°, 70°, 71°, 72° e 74° resultam do depoimento da testemunha Aida ………. nas passagens aos minutos 00:54:10 a 00:59:00 e do depoimento de Tiago ………….. aos minutos 00:21:20 a 00:23:50.
K) - O depoimento de Tiago ………….. aos minutos 00:21:20 a 00:23:50 confirma ainda o alegado em 84° da p.i.
L) - O alegado nos artigos 103°, 104° da p.i. resultam consequentemente do afirmado pelas testemunhas quanto à omissão de vendas.
M) - Com efeito, tendo a testemunha Aida …………. afirmado que todas as compras eram registadas e recebidas na loja, mas, contudo, quanto às vendas, havia algumas omissões, resulta que estas se manifestavam como "excedentes” em existências, mas que na realidade tinham sido vendidas sem terem sido faturadas.
N) - Donde, do facto dado como provado, na alínea L), da douta sentença recorrida, deve ser extraída a conclusão que as vendas omitidas nos exercícios anteriores (pelo menos entre 1999 e 2004) se manifestaram indevidamente ao longo destes como inventários fictícios, pois, em rigor, já haviam sido transmitidas nesses exercícios, sem serem tributadas.
O) - Ademais, atentas as afirmações dos então fornecedores da impugnante/recorrente, António ……………. (minutos 01:08:28 a 01:11:03), e de Artur ……………….. (minutos 01:20:19 a 01:21:20), em que as compras eram feitas à medida das vendas, sem stocks de mercadoria), resulta das regras de experiência comum que os inventários reais não poderiam espelhar um grande excedente no final de cada ano, uma vez que iam sendo realizadas compras à medida das vendas.
P)- Pelo que também por estes depoimentos, que são indiciárias de prova, a douta sentença recorrida incorreu em omissão de pronúncia e erro de julgamento, ao não dar como provado que os valores de existências registados contabilisticamente em 31/12/2004 estavam ficcionados por empolamento das reais existências físicas.
Q)- Por último, é ainda relevante apontar a importância da testemunha Aida …………, a pessoa que ao longo dos anos sempre realizou a contagem física no final de cada exercício, apontando manualmente os artigos, quantidades e registados a preço de custo e que de forma absolutamente convicta confirmou que os valores médios dos inventários, nos anos "bons”, seriam cerca de € 150.000,00, e no último ano da última gerência em cerca de € 90.000,00.
R) - Também das regras da experiência comum resulta que seja perfeitamente plausível a alteração dos valores inscritos manualmente no inventário, seja no descritivo das peças, seja no preço custo, e que o inventário apresentado pela gerência ao contabilista fosse "manipulado” de forma a resultar num montante global que satisfizesse os interesses da então gerência da impugnante quanto ao resultado do exercício, de forma a esconder a prática de "vendas por fora”.
S) - De todo o exposto, a douta sentença recorrido deveria ter considerado que a impugnante/recorrente cumpriu o ónus da prova que lhe incumbia, de forma a afastar a presunção do art.° 80° do CIVA (na redação à data dos factos tributários).
T) - Porquanto, a impugnante provou que as existências físicas que estavam registadas contabilisticamente em 31 de dezembro de 2004, da responsabilidade da anterior gerência e dos ex-sócios, não correspondiam a existências reais, e, que, em junho de 2005, aquando da contagem física das existências, a preço de custo, pela nova gerência, as mesmas apenas ascendiam a € 93.369,92.
U) - Concluindo-se, assim, que o excedente entre as existências reais e as registadas contabilisticamente não correspondeu a mercadoria vendida em junho de 2005, mas sim a mercadoria que foi vendida sem registo, sem fatura, ao longo dos anos até 2004.
V) - Face ao supra exposto, entende a recorrente que a douta sentença recorrida incorreu em omissão de pronúncia e errónea apreciação dos factos e, consequente, incorreu em erro de julgamento, porquanto não podem ser tributadas em junho de 2005 as vendas de mercadorias que foram vendidas sem registo em anos anteriores.
Termos em que deve o presente recurso ser julgado procedente, e em consequência ser anulada a douta sentença recorrida e em julgar totalmente procedente a impugnação, anulando a liquidação de IVA e juros compensatórios do período 2005 06T.”
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A Recorrida, Fazenda Pública, devidamente notificada, não apresentou contra-alegações.
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O Exmo. Procurador-Geral Adjunto do Ministério Público junto deste Tribunal Central Administrativo, devidamente notificado para o efeito, ofereceu aos autos o seu parecer no sentido da improcedência do recurso.
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Colheram-se os vistos dos Juízes Desembargadores adjuntos.
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DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO
Conforme entendimento pacífico dos Tribunais Superiores, em consonância com o disposto no art. 635º do CPC e art. 282º do CPPT, são as conclusões apresentadas pelo recorrente nas suas alegações de recurso, a partir da respetiva motivação, que operam a fixação e delimitação do objeto dos recursos que àqueles são submetidos, sem prejuízo da tomada de posição sobre todas e quaisquer questões que, face à lei, sejam de conhecimento oficioso e de que ainda seja possível conhecer, ficando, deste modo, delimitado o âmbito de intervenção do Tribunal ad quem.
No caso que aqui nos ocupa, as questões a decidir consistem em saber se:
- Se a sentença recorrida se encontra ferida de nulidade por omissão de pronúncia;
- Incorreu em erro de julgamento de facto decorrente da errada apreciação da prova e da fixação da matéria de facto provada;
- Enferma em erro de julgamento de Direito, ao não considerar que foi feita prova bastante para afastar a presunção prevista no artigo 80º do CIVA (actual 86º).
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II – FUNDAMENTAÇÃO
- De facto
A sentença recorrida considerou provados os seguintes factos:
“Factos provados
Com interesse para a apreciação da causa, consideram-se provados pelos documentos constantes dos autos e pela prova testemunhal efetuada os seguintes factos:A) Em 18-01-2005, no Primeiro Cartório Notarial de Leiria, foi outorgado entre António …………. e Paulo ……….., e Joaquim ………….e Filomena …………, Noel …………, Ana …………., escrito de "Cessões de Quota se Alteração do Pacto Social" da sociedade denominada Ourivesaria ……………, Lda. - (cfr. fls. 22 a 27 do processo administrativo apenso).
B) No documento referido na alínea anterior, as partes clausularam o seguinte:
(...) DECLARARAM OS PRIMEIROS OUTORGANTES E O SEGUNDO OUTORGANTE MARIDO: Que conforme certidão de teor de registo comercial e certidão de escritura de habilitação de herdeiros, que me apresentaram, representam a totalidade do capital social da sociedade comercial por quotas, "OURIVESARIA ……….., LDA", pessoa colectiva número ………….., com sede no lugar de Corredoura, freguesia de São Pedro, concelho de …………, matriculada na Conservatória do Registo Comercial de ………….., sob o número mil e trinta e quatro, com o capital social de - cinquenta mil euros, correspondente à soma de duas quotas, do valor nominal de vinte e cinco mil euros, cada, uma delas pertencente, em comum e sem determinação de parte ou direito, aos primeiros outorgantes e outra ao segundo outorgante marido.
Que, em nome da referida sociedade, autorizam as cessões de quotas que a seguir vão ser feitas e, por si e em nome da mesma sociedade, renunciam ao respectivo direito de preferência.
DECLARARAM OS-PRIMEIROS OUTORGANTES:
Que com todos os direitos e obrigações inerentes, por preço igual ao respectivo valor nominal, que já receberam, cedem ao terceiro outorgante a sua referida quota.
DECLAROU O PRIMEIRO OUTORGANTE ANTÓNIO:
Que, no âmbito das condições do presente contrato, renuncia às suas funções de gerente na dita sociedade e autoriza que a dita firma social se mantenha inalterada.
DECLARARAM OS SEGUNDOS OUTORGANTES:
Que dividem a sua quota, titulada em nome dele, segundo outorgante marido, em duas novas quotas, do valor nominal de doze mil e quinhentos euros, cada, que com todos os direitos e obrigações inerentes, por preços iguais aos respectivos valores nominais, que já receberam, cedem, uma delas ao terceiro outorgante e a restante à quarta outorgante. DECLARARAM O TERCEIRO E A QUARTA OUTORGANTES:
Que aceitam as respectivas cessões.
DECLAROU O TERCEIRO OUTORGANTE:
Que unifica as quotas ora adquiridas numa quota única, do valor nominal de trinta e sete mil e quinhentos euros.
MAIS DECLARARAM O TERCEIRO E A QUARTA OUTORGANTES:
Que sendo agora os únicos sócios da dita sociedade, deliberam alterar parcialmente o pacto social da mesma, quanto aos seus artigos segundo, quarto, sétimo e nono, cujas redacções passam a ser as seguintes:
SEGUNDO
1- A sociedade passa a ter a sua sede na Rua Nossa …………, n° 61, no lugar e freguesia de ……….., concelho de ……….
2- Por deliberação - da gerência a sede social poderá ser deslocada dentro do mesmo concelho ou para concelho limítrofe.
3- A gerência poderá criadas sucursais, filiais, agências ou outras formas locais de representação social, onde e quando o julgar conveniente.
QUARTO
O capital social, integralmente subscrito e realizado em dinheiro, é de cinquenta mil euros, e corresponde à soma de duas quotas, uma do valor nominal de trinta e sete mil e quinhentos euros, pertencente ao sócio Noel ……………. e uma do valor nominal de doze mil e quinhentos euros, pertencente à sócia Ana ………………..
SÉTIMO
Os sócios podem deliberar que, aos sócios de maior idade, sejam exigidas prestações suplementares até ao quíntuplo do capital social, desde que aquela deliberação seja tomada por unanimidade dos votos representativos da totalidade do capital social e nela sejam fixados os respectivos termos e condições.
NONO
1-A administração e gerência da sociedade, com ou sem remuneração, conforme for deliberado, incumbirá a sócios ou não sócios, designados em Assembleia geral.
2- A sociedade obriga-se validamente em todos os seus actos e contratos com a intervenção de um gerente.
3- Ficam desde já nomeados gerentes os sócios, Noel ………………. e Ana ………………...
Adverti os outorgantes de que é obrigatória a requisição do registo deste acto no prazo de três meses a contar de hoje.(...)". - (cfr. fls. 22 a 27 do processo administrativo apenso).
C) Em cumprimento da ordem de serviço n.°OI200800977, de 05-06-2008, os Serviços de Inspecção Tributária da Direcção de Finanças de Leiria efetuaram à Impugnante ação de inspeção relativa ao exercício de 2004, em sede de IRC e IVA, no âmbito da qual apuraram, além do mais, IVA a favor do Estado no montante de 86.347,63€. - (cfr. fls. 5 a 11 do processo administrativo apenso).
D) Em 15-07-2008, os Serviços de Inspeção Tributária da Direção de Finanças de Leiria remeteram à Impugnante, por carta registada, notificação para o exercício do direito de audição, sobre o projecto de correcções do Relatório da Inspecção referida na alínea anterior. - (cfr. fls. 1 do processo administrativo apenso).
E) Em 01-08-2009, a Impugnante apresentou junto da Direcção de Finanças de Leiria, resposta à audição prévia mencionada na alínea antecedente, arrolando uma testemunha e requerendo a retificação do projeto de relatório por considerar ilegal a proposta de tributação de IVA. - (cfr. fls. 16 a 21 do processo administrativo apenso).
F) Em 19-08-2008, foi elaborado o relatório final de fiscalização onde consta, designadamente o seguinte: “(...]
III. Descrição dos factos e fundamentos das correcções meramente aritméticas
(…)
2- Na inventariação efetuada em 30-06-2005 constatou que as existências (mercadorias) ascendem a 93.369,92€, em vez de 558.357,45 € constantes na contabilidade. Através do documento interno n.°7013 contabilizou a débito a conta resultados transitados (conta 591) por contrapartida do crédito em regularização de existências (conta 3821) pelo valor respeitante ao diferencial existente inventário e contabilidade, ou seja, 558.357,45 - 93.368,92 = 464.987,53.
Dispõe o art.° 80.° do CIVA que se presumem vendidos os bens adquiridos pelo sujeito passivo que não se encontrem em qualquer dos locais do exercício de atividade,
Face ao exposto designadamente o reconhecimento pelo próprio sujeito passivo mediante inventariação física em junho de 2005 e atendendo que não foi ilidida a referida presunção encontra-se em falta IVA relativo aos 464.987,53 € apurados a título de existências cuja aquisição permitiu a dedução de IVA e cujo destino se desconhece.
IVA não liquidado = 464.987,53 €x 19% = 88.347,63.
A taxa de IVA é a que decorre do disposto do artigo 8.°, n.° 1, al. c) do CIVA em vigor à data da inventariação.
(…)
IX. Direito de Audição
O sujeito passivo foi notificado, através de carta registada de 2008/07/15, para exercício do direito de audição no prazo de dez dias.
A 25/07/2008 deu entrada petição a solicitar mais cinco dias para exercício do direito de audição. A 28/0712008 foi comunicado ao sujeito passivo o despacho do Senhor Director de Finanças Adjunto onde consta a autorização da prorrogação de prazo solicitada.
O direito de audição deu entrada nestes serviços a 01/08/2008, no qual consta o desacordo com a correcção proposta relativa à liquidação de IVA.
IX.1 - Factos alegados pelo sujeito passivo
O desacordo manifestado assenta no seguinte:
a) - A inventariação física efetuada em 30/06/2005 deveria ter sido efetuada em data anterior. Passando a explicitar os motivos de tal afirmação. Vide as seguintes transcrições do direito de audição:
- Já deveria ter sido efetuado durante a anterior gerência
- importa frisar e reforçar que, nem na data em que o documento interno n° 7013 foi elaborado em qualquer outra altura existiram as mercadorias, no montante e € 464.987,53.
- a capacidade máxima das instalações da signatária para armazenar existências ascende a um valor aproximado de € 100.000,00
- tendo em conta que as existências finais, em 1999, ascenderam a € 385.291,55 e atendendo a que a signatária só tem condições físicas para ter na sua esfera o valor aproximado de € 100.000,00, terão de se considerar transmitidas, em 31 de Dezembro de 1999, o valor de €285.291,55.
Por sua vez, nos exercícios de 2000, 2001, 2002, 2003 e 2004 terão de ser corrigidas as existências finais [ ... ] bem como o custo das existências dos exercícios de 2000 a 2004, apurando-se assim os valores que foram transmitidos em cada um dos referidos exercícios de 2000 a 2004.
b) - O artigo 80° do CIVA na parte respeitante à data do facto tributário "não estabelece uma presunção de que os mesmos [bens] deixam de existir quando é elaborado o documento de regularização de existências, no que concerne à base tributável "não estabelece nenhum preço".
IX.2 - Analise dos factos alegados
Em termos de matéria de facto:
Foi efectuada inventariação a 30/06/2005 na qual foi constatado que o valor das existências ascendia a 93.369,92€, conforme subscrito pela sócia gerente Ana ………. em contraposição ao valor constante na contabilidade reportado a 31/12/2004 de 559.520,00€.
Matéria de direito:
Dispõe o artigo 80° do CIVA "Salvo prova em contrário (...) presumem-se transmitidos os bens adquiridos, importados ou produzidos que não se encontrarem em qualquer desses locais [em que o contribuinte exerce a sua actividade]".
Ora foi o próprio sujeito passivo que reconheceu que as existências à data de 30/06/2005 eram de 93.369,92€, pelo que estão reunidos os requisitos para a administração fiscal aplicar a presunção legal constante do artigo 80° do CIVA.
Foi nestes termos que se procedeu ao apuramento do IVA não liquidado tomando como base o único valor disponível (valor da contabilidade que decorre da contabilização a custos históricos - valor de compra) sobre o qual incide a taxa de IVA em vigor à data da inventariação.
Atente-se que neste caso existe inversão do ónus da prova, pois em nosso entender cabe à administração tributária demonstrar que as existências não são as relevadas/evidenciadas na contabilidade o que se julga demonstrado com base no inventário e documento de regularização, este último subscrito pela representante da sociedade.
Salienta-se que presunção e prova não têm o mesmo significado, sobre este assunto veja -se a menção constante no Despacho de 03-07-05, Proc A 501 95 001 da DSIVA que se transcreve: "presunção não é, rigorosamente, uma prova [...] são consideradas presunções as ilações que a lei ou o julgador tira um facto conhecido para firmar um facto desconhecido.".
Cabe ao sujeito passivo fazer prova do que de facto ocorreu com os bens em causa.
No caso em apreço o sujeito passivo apenas apresenta referências quanto:
. À capacidade de armazenamento através da relação espaço livre/valor;
. Valores médios de compras e vendas.
Em nossa opinião os argumentos, em que se alicerça o exercício de audição, relativos à capacidade de armazenagem e montantes médios de compras e vendas são falíveis quanto à situação em analise e, não são passíveis de efectuar prova em contrário da presunção legal constante no artigo 80° do CIVA, na medida em que:
. A actividade do sujeito passivo é comércio de artigos de ourivesaria, pelo que os bens objecto de comércio não se regem pela regra quanto maior o valor maior o volume. O valor deste tipo de artigos encontra-se associado ao material aplicado e serviço incorporado. Pois crê-se que é do conhecimento geral que nesta actividade que não é necessário grandes áreas para albergar peças de valor significativo.
. Não foi demonstrado o destino dado aos bens, nem tão pouco as condições em que tal ocorreu.
Face ao exposto propõe-se a manutenção das propostas constantes no projecto de relatório. (…).". - (cfr. fls. 25 a 30 dos autos).
G) Em 31-10-2008 a Autoridade Tributária e Aduaneira emitiu, em nome da Impugnante, a liquidação adicional de IVA do período 05-06T, no valor de 88.347,635€. - (cfr. fls. 20 dos autos).
H) Na mesma data a Autoridade Tributária e Aduaneira emitiu a liquidação de juros compensatórios relativa à liquidação referida na alínea antecedente, com o valor de 10.640,44€. - (cfr. fls. 21 dos autos).
I) Em 30-06-2005 a Impugnante elaborou a listagem descriminada das suas existências conforme consta de fls. 37 a 75 dos Autos, no valor de 93.369,92€.
J) A impugnante elaborou mapa de compras a fornecedores, sem IVA, relativo aos anos de 1999 a 2004 que consta a fls. 77 dos autos.
K) No balancete de razão da Impugnante de 31-12-2004 consta na rubrica “mercadorias” o montante de 581.639,74. - (cfr. fls. 76 dos autos).
Encontra-se ainda provado com interesse que:
L) A Impugnante não faturava todas as mercadorias que eram vendidas na loja - (cfr. depoimento da testemunha Aida ………).
M) Os inventários até 2005 eram elaborados pelas funcionárias da loja da Impugnante, manualmente, mediante a contagem de peças. - (cfr. depoimento das testemunhas Aida …………. e José ……….).
N) Em 25-02-2009 deu entrada neste TAF a petição inicial da presente impugnação. - (cfr. fls. 1 dos autos).”.*** A sentença recorrida consignou como factualidade não provada o seguinte:
” Factos não provados
Inexistem outros facto cuja prova releve para a decisão a proferir.”
*** A decisão da matéria de facto fundou-se no seguinte:
«Motivação
A convicção que permitiu dar como provados os factos acima descritos assentou no teor dos documentos constantes nos autos e no processo administrativo apenso, conforme se refere em cada uma das alíneas dos factos assentes, bem como nos depoimentos das testemunhas arroladas.
Foi ponderado o depoimento de Tiago ………………., TOC da Impugnante desde 01-07-2005, o qual afirmou não ter presenciado os factos em questão, referindo por diversas vezes afirmado que não foi o autor dos vários documentos contabilísticos apresentados pela Impugnante e que não sabia como a impugnante chegou ao valor de inventário em causa de junho de 2005. Assim, do seu depoimento não resultou a prova de qualquer facto relevante para a decisão a proferir pelo que o mesmo não foi tido em consideração.
Foi ponderado e valorado o depoimento de Aida …………….., empregada de balcão na loja da Impugnante entre 1991 a 2005, que depôs de forma clara e isenta de contradições. Explicou que fazia os inventários da empresa manualmente contando peça a peça e que a partir de 2004 começou a existir uma quebra nos stocks da Impugnante, cujas existências rondavam o valor de 90.000,00€. Confirmou que ao longo dos anos nem todas as vendas eram registadas.
Foi ponderado o depoimento de António …………………, vendedor de relógios, fornecedor da Impugnante no passado, que afirmou por diversas vezes que não tinha elementos para responder às questões formuladas, não resultando do mesmo a prova de qualquer facto relevante para os autos, pelo que o mesmo não foi valorado.
Foi ponderado e valorado o depoimento de Artur ……………, vendedor de prata da Impugnante, que afirmou deslocar-se mensalmente às instalações da Impugnante que lhe adquiria cerca de 15.000,00€ a 20.000,00€ de material por ano, confirmando que a Impugnante não teria muitos stocks do seu material, o que se justificava face à periodicidade de visitas dos fornecedores. O depoimento foi claro e congruente, isento de contradições, revelando conhecimento direto dos factos sobre que incidiu, convencendo o Tribunal da sua veracidade.
Foi ponderado e valorado o depoimento de José ……….., TOC da Impugnante entre 1997 e 2005, afirmando que elaborava a contabilidade com base nos documentos que a anterior gerência lhe remetia e, no que respeita às existências, baseava-se em listagem com dezenas de folhas que presume serem elaboradas pela funcionária.
Foi ponderado e valorado o depoimento de Luísa …………, inspetora tributária, que, contudo, apenas confirmou os factos relatados no Relatório da Inspeção, não resultando do mesmo a prova de qualquer facto autónomo com relevo para os autos.
Os restantes factos alegados não foram julgados provados ou não provados, por constituírem considerações pessoais ou conclusões de facto ou de direito e por não terem relevância para a decisão da causa.”.
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III. Do Direito
Na presente sede recursiva, em causa está uma liquidação adicional de IVA referente ao exercício de 2005 no qual a AT efetua uma correção com base na diferença de dois inventários da sociedade, tendo concluído que ao abrigo do artigo 80º do CIVA (hoje artigo 86º do mesmo diploma) se presumiam vendidas a diferença entre os dois inventários elaborados.
Insurge-se a Recorrente, alegando que a sentença padece de nulidade por omissão de pronúncia, erro de julgamento de facto e erro de julgamento de Direito quando considerou que não foi feita prova bastante para afastar a presunção prevista no artigo 80º do CIVA.
Comecemos por apreciar a questão da nulidade da decisão por omissão de pronúncia.
Dispõe o artigo 125º do CPPT, replicando o disposto no artigo 615º, nº 1 do CPC, que a sentença é nula quando lhe falta a assinatura do juiz, esta não especifique dos fundamentos de facto e de Direito da decisão, ocorra oposição dos fundamentos com a decisão, a falta de pronúncia sobre questões que o juiz deva apreciar ou a pronúncia sobre questões que não deva conhecer:
As causas de nulidade da sentença que, como vimos, se encontram elencadas no artigo 125º mencionado, não incluem o erro de julgamento, seja ele de facto ou de Direito (neste sentido, entre muitos outros, o acórdão STJ, de 9.4.2019, Procº nº 4148/16.1T8BRG.G1.S1., in www.dgsi.pt). Deste modo, podemos afirmar que as nulidades das sentenças mais não são do que vícios formais decorrentes de erro de atividade ou de procedimento (error in procedendo) respeitante à disciplina legal. Estamos perante vícios de formação ou atividade que afetam a regularidade do silogismo judiciário da própria decisão e que se mostram obstativos de qualquer pronunciamento de mérito. Já, pelo contrário, o erro de julgamento (error in judicando) que resulta duma distorção da realidade factual (error facti) ou na aplicação do direito (error júris), de forma que o decidido esteja em desconformidade com a lei.
Como ensinava o Prof. José Alberto Reis, in Código de Processo Civil Anotado, Coimbra Editora, 1981, Vol. V, págs. 124, 125, embora no âmbito de outro compêndio, mas que é totalmente transponível para o Código de Procedimento e Processo Tributário, o magistrado comete erro de juízo ou de julgamento quando decide mal a questão que lhe é submetida, ou porque interpreta e aplica erradamente a lei, ou porque aprecia erradamente os factos. Já quando na elaboração da sentença, infringe as regras que disciplinam o exercício do seu poder jurisdicional comete um erro de atividade. Os erros da primeira categoria são de carácter substancial: afetam o fundo ou o efeito da decisão; os segundos são de carácter formal: respeitam à forma ou ao modo como o juiz exerceu a sua atividade.
Podemos, deste modo, afirmar que as causas de nulidade da decisão elencadas no artigo 125º aludido visam o erro na construção do silogismo judiciário, nunca estando subjacente às mesmas quaisquer razões de fundo, essas sim, que conduziriam a erro de julgamento.
Concluindo, o erro de julgamento, a injustiça da decisão e a não conformidade da mesma com o Direito aplicável, não constituem nulidades da sentença, mas sim erros de julgamento (neste sentido podemos ver Antunes Varela, in Manual de Processo Civil, Coimbra Editora, 2ª edição, 1985, pág. 686).
Em consequência, as nulidades das sentenças ditam a sua anulação, já as suas ilegalidades conduzem à revogação das mesmas (ex vi acórdão STJ de 17/10/2017, tirado no procº nº 1204/12.9TVLSB.L1.S1.).
Para que possamos considerar que ocorre uma nulidade por omissão de pronúncia é necessário que o Tribunal a quo deixe de resolver um dos vícios que havia sido imputado ao ato, estando esta nulidade intimamente relacionada com o preceituado no artigo 124º do CPPT, que estabelece qual a ordem pela qual o Tribunal deve conhecer os vícios, bem como com o disposto no nº 2 do art. 608º do CPC, onde se dispõe que “o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo não se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.”
Impõe-se, assim, um duplo ónus ao julgador. O primeiro encontra tradução no dever que se lhe impõe de resolver todas as questões que sejam submetidas à sua apreciação pelas partes, salvo aquelas cuja decisão vier a ficar prejudicada pela solução dada antes a outras e o segundo que se traduz no dever de não ir além do conhecimento dessas questões suscitadas pelas partes, salvo quando estejamos perante questões de conhecimento oficioso ou que a lei lhe permita.
Como tem vindo a ser entendimento dominante, o conceito de “questões”, a que se refere o legislador no artigo 608º, nº 2 do CPC, deve somente ser aferido em função direta do pedido e da causa de pedir aduzidos pelas partes ou da matéria de exceção capaz de conduzir à inconcludência/improcedência da pretensão para a qual se visa obter tutela judicial, ou seja, abrange tão somente as pretensões deduzidas em termos do pedido ou da causa de pedir ou as exceções aduzidas que tenham a virtualidade de levar à improcedência desse pedido, delas sendo excluídos, os argumentos ou motivos de fundamentação jurídica esgrimidos/aduzidos pelas partes (neste sentido, Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, in “Código de Processo Civil Anotado, Vol. 2º, 3ª. Ed., Almedina, págs. 713/714 e 737.” e Abrantes Geraldes, in “Recursos em Processos Civil, 6ª. Ed. Atualizada, Almedina, pág.136.”).
Posto isto, volvamos ao recurso deduzido.
Quer das conclusões de recurso, quer mesmo das suas alegações, em nenhum momento a Recorrente esclarece em que medida ocorre a omissão de pronúncia, nunca sendo clarificado quaisquer os vícios alegados deixaram de ser objeto de apreciação pelo Tribunal a quo.
Aliás, da leitura das aludidas conclusões de recurso. o que resulta evidente é que a apelante considera que o Tribunal a quo deixou de fixar factos que, no seu entendimento, seriam pertinentes para a solução do litígio. Ora, a eventual desconsideração de factos tidos por relevantes para a decisão da causa, não configura uma nulidade da sentença, mas, apenas, um erro de julgamento de facto.
Assim sendo, e não sendo especificado pela Recorrente em que medida concreta a decisão aqui escrutinada deixou de se pronunciar sobre alguma questão que lhe houvesse sido submetida, improcedente terá de ser julgado o presente recurso, nesta parte.
Avançando.
Advoga, também, a apelante que a sentença aqui criticada padece de erro de julgamento de facto, ao não ter dado por assentes factos que haviam sido alegados em sede impugnatória.
Na sua opinião, quer do depoimento das testemunhas arroladas e ouvidas, como de documentos juntos ao libelo inicial, resultaram provados um conjunto de factos que se houvessem sido levados ao probatório conduziriam a uma solução completamente distinta do presente pleito.
Consagra o art. 607º, nº 5 do CPC que o “juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto”, de forma consentânea com o disposto o determinado no Código Civil, mais concretamente nos seus preceitos 389º e seguintes. Não obstante, a livre apreciação da prova não abrange os factos para cuja prova a lei exija formalidade especial, nem aqueles que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados, quer por documentos, quer por acordo ou confissão das partes.
Por outro lado, estabelece o artigo 662º do CPC, que o Tribunal da Relação (leia-se Tribunais Centrais) “deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa”, donde, quando os elementos fornecidos pelo processo impuserem decisão diversa, insuscetível de ser destruída por quaisquer outras provas, a dita modificação da matéria de facto - que a ela conduza - constitui um dever do Tribunal de Recurso, e não uma faculdade do mesmo.
Como nos ensina Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 2013, p. 225-227, “O atual art. 662º representa uma clara evolução [face ao art. 712º do anterior C.P.C.] no sentido que já antes se anunciava. Através dos nºs 1 e 2, als. a) e b), fica claro que a Relação tem autonomia decisória, competindo-lhe formar e fundar a sua própria convicção, mediante a reapreciação dos meios de prova indicados pelas partes ou daqueles que se mostrem acessíveis.
(…) Afinal, nestes casos, as circunstâncias em que se inscreve a sua atuação são praticamente idênticas às que existiam quando o tribunal de 1ª instância proferiu a decisão impugnada, apenas cedendo nos fatores de imediação e da oralidade. Fazendo incidir sobre tais meios probatórios os deveres e os poderes legalmente consagrados e que designadamente emanam dos princípios da livre apreciação (art. 607º, nº 5) ou da aquisição processual (art. 413º), deve reponderar a questão de facto em discussão e expressar de modo autónomo o seu resultado: confirmar a decisão, decidir em sentido oposto ou, num plano intermédio, alterar a decisão num sentido restritivo ou explicativo”.
Contudo, reconhecendo o legislador que a garantia do duplo grau de jurisdição, em sede de matéria de facto, tal apenas poderá acontecer se o Recorrente cumprir os ónus que sobre si impendem e que decorrem do artigo 640º do CPC, delimitando, por um lado, o âmbito do recurso e, por outro lado, conferindo o verdadeiro e efetivo contraditório à parte contrária.
Vejamos, então, quais são os ónus que impendem sobre a apelante e que se encontram elencados no artigo 640º do CPC:
“1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.”
Quando em causa esteja a prova gravada “(…) incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes” (nº 2, al. a) do mencionado preceito).
Já quando o recorrido pretenda refutar o alegado pelo Recorrente, deve proceder de igual modo, mencionando os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes. (al. b) do nº 2 do artigo 640º do CPC).
Decorre, assim, do preceito aludido que cabe ao apelante especificar, obrigatoriamente, na alegação de recurso, não só os pontos de facto que considera incorretamente julgados, mas também os concretos meios probatórios, constantes do processo ou do registo ou gravação nele realizadas, que, em sua opinião, impunham decisão diversa da adotada pela decisão recorrida sobre os pontos da matéria de facto impugnados, sendo que quando em causa esteja prova testemunhal produzida junto do Tribunal a quo, o Recorrente tem de indicar as passagens concretas das gravações das quais pretende retirar os factos por si pretendidos aditar ou que considera incorretamente julgados.
Significa isto que não basta ao Recorrente manifestar, de forma não concretizada, a sua discordância com a decisão da matéria de facto efetuada pelo Tribunal a quo, impondo-se-lhe os ónus supra mencionados.
Por outro lado, cumpre ainda referir que nem todos os factos alegados pelas partes, ainda que provados, carecem de integrar a decisão atinente à matéria de facto, porquanto apenas são de considerar os factos cuja prova (ou não prova) seja relevante face às várias soluções plausíveis de Direito.
Finalmente, importa distinguir entre factos provados e meios de prova, sendo que uns não se confundem com os outros.
Exposto o quadro jurídico em que se move a questão do erro de julgamento de facto, detenhamos-mos agora sobre a questão de saber se, in casu, a Recorrente cumpriu os ónus que sobre si impendiam.
Argui a apelante que os factos que constam dos artigos 14º, 15º, 16º, 20º, 26º, 28º, 29º, 31º, 33º, 35º, 36º, 57º, 63º, 69º, 70º, 71º, 74º, 84º, 103º e 104º da sua petição inicial deveriam ter sido dado por assentes, com base nos depoimentos prestados pelas testemunhas, indicando o momento da gravação dos quais, na sua opinião, os mesmos decorrem, bem como os documentos que lhes poderão servir de suporte. Significa isto que cumpriu os ónus que sobre si impendiam e decorrentes do regime supra descrito, pelo que se impõe conhecer do peticionado.
Vejamos então.
Pretende concretamente que sejam aditados os seguintes factos:
1º Em 30 de Junho de 2005, a impugnante não tinha na sua esfera mercadorias no valor superior a € 93.369,92, mais concretamente de € 464.987,53, que tivesse transmitido em 30 de Junho de 2005.
Este facto resulta já da alínea I) do probatório supra, pelo que desnecessário se torna aditar o mesmo, sendo de rejeitar o recurso.
2º Em 30 de Junho de 2005, não deram entrada nos cofres da impugnante nem o referido valor de € 464.987,53 nem qualquer outro superior ou inferior.
3º O referido valor de € 464.987,53 não passou a estar titulado e ou depositado ou em bancos, ou em aplicações financeiras ou em imobilizado, fundamentando e justificando por si mesmo que tivesse ocorrido a referida transmissão de mercadorias no valor de € 464.987,53
A fixação de tais factos revela-se desnecessária. Senão vejamos. Se resultou provado que no dia 30/06/2005 a Recorrente apenas possuía mercadorias no montante de € 93.369,92 é claro que nesse mesmo dia não deram entrada mercadoria no montante indicado. Acresce que o fundamento da correção não é a circunstância de nesse dia terem entrado na esfera jurídica da apelante mercadorias, mas sim de resultar do confronto entre o inventário de 31/12/2004 e o de 30/06/2005 que “desapareceram” e se presumem vendidas mercadorias no montante de € 464.987,53.
Assim sendo, o recurso será também aqui de rejeitar.
Avançando
4º “Ao analisar o balancete entregue aos novos sócios, com data de 30 de Junho de 2005 (para abertura da nova contabilidade), verificou-se que o valor das existências parecia bastante elevado face ao que se encontrava na loja e não havendo qualquer outro focal em que estivessem guardadas.”
Este facto não carece de ser fixado, sendo desnecessário, não constituindo sequer um facto instrumental. Na verdade, saber quando se concluiu que as existências que constavam do inventário de 31/12/2004 não correspondiam ao verdadeiro valor de existências que acabaram por constar do inventário de existências de 30/06/2005, não reveste de qualquer relevância porquanto também não foi este o fundamento da correção efetuada.
Bem entendemos que o pretendido pela Recorrente é afirmar que as divergências nas existências resultam de factos anteriores à gerência no momento da correção, mas essa circunstância não é relevante para a procedência ou improcedência da presente lide.
Por outro lado, tendo a transmissão das quotas da sociedade Impugnante ocorrido em 18/01/2005, não terá nunca sido em 30/06/2005 que se “abriu nova contabilidade” nem nova gerência.
Consequentemente, rejeita-se, mais uma vez, o recurso nesta parte.
5º “Do anexo ao documento interno nº 7013 não restam dúvidas que o valor das existências, à data de 30 de Junho de 2005, ascende à quantia de € 93.369,92. Trata-se das existências armazenadas na única loja da signatária, sita no Centro ……………... Esta loja tem apenas a área de dezassete metros quadrados, encontrando-se desde sempre composta com duas montras de artigos de ourivesaria as quais não têm capacidade para existências superiores a um valor aproximado de cem mil euros. Daí que também por este motivo não seja possível falar que a signatária tivesse nas suas instalações ao longo dos exercícios valores superiores àquele.”
Também aqui não existe nenhum facto que careça de ser aditado, sendo ainda certo que, se fosse, existiriam aqui vários factos e não apenas um.
Como já tivemos oportunidade de afirmar acima, não é controvertido que o valor das existências a 30/06/2005 era no montante indicado, resultando, aliás, da matéria de facto assente.
Por outro lado, não é colocado em causa nem a dimensão do estabelecimento comercial onde é desenvolvida a actividade, nem, tão pouco, a sua capacidade de armazenamento.
Mais acresce que não resulta provado, pois os depoimentos das testemunhas, ouvidos na íntegra por este Tribunal ad quem, não permitem retirar com a certeza necessária que não existia outro local para guardar as existências, uma vez que as testemunhas apenas afirmam que não conhecem outro local, mas não podem afirmar com toda a certeza que não existiria.
6º A impugnante não transmitiu, em 30 de Junho de 2005, mercadorias no valor de € 464.987,53.
7º A impugnante não tinha na sua esfera, nem em 30 de Junho de 2005, nem antes nem posteriormente mercadorias no valor global de € 558.357,45.
8º Na esfera do património da impugnante, em 30 de Junho de 2005, não existia a diferença entre as existências registadas na contabilidade 558.357,45 e o valor de 93.369,92, o que perfaz a quantia de € 464.987,32.
Analisemos estes três factos pretendidos aditar conjuntamente.
No relatório inspetivo, o fundamento da correção, repete-se, é a diferença entre dois inventários, a saber: um de 31/12/2004 e outro de 30/06/2005. Entre estes dois inventários distam seis meses.
Dito isto, resulta à evidencia que nunca é afirmado que no dia 30/06/2005 foram alienadas mercadorias no valor de € 464.987,53.
Por outro lado, também não se pode retirar dos depoimentos das testemunhas inquiridas que tal valor de bens não teriam sido objeto de venda no aludido período. Aliás, nenhuma das testemunhas inquiridas se pronunciou especificamente sobre o valor das vendas no período mencionado sendo que, especificamente o TOC que foi ouvido como primeira testemunha, nada poderia a esse propósito afirmar pois não exercia as suas funções na sociedade à data desses factos, nem se pronunciou quanto ao volume de vendas nesse período temporal.
Motivo pelo qual se rejeita o recurso.
9º Em 31 de Dezembro de 2004, também não existiam mercadorias no valor de € 581.639,74.
10º Muito antes de 30 de Junho de 2005 que já não constava no património da sociedade existências, no montante de € 464.987,53.
11º O registo das existências, na contabilidade da sociedade, era muito superior às efectivas.
Efetuando, mais uma vez, uma análise conjunta, cumpre afirmar que quanto a estes três factos, nenhuma prova testemunhal foi produzida da qual se possa retirar com a certeza necessária, que as existências da sociedade apelante não correspondiam às indicadas.
Consequentemente, rejeita-se o recurso também nesta parte.
12º Na realidade, ao longo dos exercícios de 1999 até 2004, com exceção deste ano, entre as compras e as vendas, existia uma diferença mínima.
13º Em contraponto à diferença mínima entre as compras e as vendas, ocorrida nos exercícios de 1999 a 2003, verificou-se um acréscimo progressivo das existências finais comparativamente às existências iniciais, ao longo destes cinco exercícios.
14º O aumento progressivo das existências deveu-se à omissão de facturação que foi ocorrendo ao longo dos exercícios de 1999 a 2003.
15º As compras foram sendo constantes mas as vendas não acompanhavam o ritmo das compras.
Quanto a este facto, também os depoimentos indicados nada esclarecem de relevante sobre este facto.
Por outro lado, da análise dos documentos juntos – documentos 8 a 12 – que constituem as declarações modelo 22 de IRC dos exercícios de 1999 a 2003, verifica-se, por exemplo, logo no ano de 2002 serem declaradas existências finais no montante de € 499.378,20 que constituem um acréscimos de quase € 50.000,00, face às existências iniciais, o que por si só desmente a impossibilidade de armazenamento de produtos em valor superior a € 100.000,00 e denotam uma tendência constante de aumento dos valores das existências finais de todos os exercícios. Comprovativo desse facto são os vários valores de existências finais que vão sendo declarados aos longos dos exercícios de 1999 a 2004, atingindo um pico em 2003 de € 581.639,74.
Acresce ainda que não se pode considerar que existam uma diferença mínima entre as compra e as vendas. Efetivamente, e tomando mais uma vez como exemplo o exercício de 2003, a diferença entre as vendas e as compras ascende a € 50.000,00, que, como é bom de ver, não se pode considerar como uma diferença mínima. No ano de 2002 essa diferença ascende a mais de € 76.000,00 (vendas no valor de 211.263,31 e compras no valor de € 135.063,23).
Daqui que não se possa concluir (o que desde logo não poderia conduzir à fixação dum facto pois constitui uma conclusão) que ocorreu omissão de faturação nos anos de 1999 a 2003.
Também quanto ao facto aqui enumerado como 15º o mesmo mais não é que uma conclusão o que sempre impediria a sua fixação, pois não constitui uma ocorrência da vida real.
Em face do exposto, rejeita-se o recurso também no que a estes factos respeita.
16º Como solução meramente contabilística à falta de vendas, o mecanismo consistiu no aumento irreal das existências.
17º A contabilidade da impugnante foi registando ao longo dos anos o acréscimo de existências, em virtude da omissão das vendas.
Ambos os factos aqui elencados e pretendidos aditar à matéria de facto, não constituem ocorrências da vida real, mas apenas conclusões que a apelante retira dos factos antecedente, pelo que de rejeitar será também o recurso, nesta parte.
Continuando.
18º Em 31 de Dezembro de 1999, as existências não ascendiam ao valor de € 305.873,26.
Também aqui não conseguimos acompanhar o pretendido.
Na verdade, no exercício de 1999, as existências finais eram no montante de Esc. 76.998.646$00 o que corresponde a mais de € 380.000,00, mais concretamente € 384.067,63.
Em consequência, rejeitamos também aqui o presente recurso.
19º A margem bruta das vendas oscila entre 40% e 60% sobre o custo.
Também aqui, tal não resulta do depoimento da testemunha indicada. Por um lado, a testemunha afirmou que dependia muito do tipo de produtos e, por outro lado, nenhum elemento concreto foi apresentado para que seja possível afirmar com o grau de certeza necessária, que sustente tal afirmação. No que a este particular respeita o depoimento da testemunha foi demasiado vago, generalista e inseguro para que dele se consiga retirar esse facto.
Rejeita-se, assim, o recurso.
20º Foi nos referidos exercícios que as existências que se encontram lançadas em 30 de Junho de 2005, foram transmitidas e vendidas.
Mais uma vez, não decorre da prova produzida tal facto. Na verdade, nem da prova testemunhal que, como já afirmámos, foi por este Tribunal ouvida na íntegra, nem da prova documental, decorre tal facto.
Finalmente, e no que tange ao facto 21º pretendido aditar e que corresponde ao artigo 104º do libelo inicial, não estamos perante um facto, mas sim uma conclusão que se pretende retirar da prova produzida.
Significa isto que se rejeita na totalidade os aditamentos pretendidos e, em consequência, o recurso.
Prosseguindo.
Na sequência do erro de julgamento de facto imputado pela Recorrente à decisão sob critica, advoga que logrou provar que não seria de considerar as mercadorias que constituem a diferença entre o inventário de 31/12/2004 e o de 30/06/2005, não foram vendidas pois já não existiam à data de 31/12/2004, pelo que a decisão não se pode manter pois enferma de erro de julgamento de Direito.
Ora, como facilmente se pode adivinhar do anteriormente afirmado, e em face da prova produzida e da improcedência do presente recurso no que respeita ao erro de julgamento de facto, não é possível considerar que o Tribunal a quo tenha efeito uma má aplicação do Direito, designadamente no que toca as regras do ónus da prova.
A correção efetuada pela Fazenda Pública teve como fundamento o disposto no artigo 80º do CIVA (atual artigo 86º do mesmo diploma).
Este preceito consagra uma presunção que, não sendo admissíveis presunções juris et de jure em sede de incidência (artigo 73º da LGT), é passível de prova em contrário.
Significa isto que impenderá sobre o contribuinte/impugnante a prova de factos que permitam afastar a aludida presunção, nos termos do disposto no artigo 74º da LGT.
Acontece, porém, que essa prova não foi apresentada pela Recorrente.
Assim, tendo resultado provado, como bem sustentou a decisão recorrida, que em 31/12/2004 existiam existências finais do exercício de € 581.639,74 e que em 30/06/2005, apenas existiam existências de € 93.369,92, outra conclusão não se pode retirar senão a de que a diferença foi objeto de venda no período que medeia essas duas datas.
Sendo verdade que o ónus dessa prova, nos termos do disposto no artigo 74º da LGT e 342º do Código Civil, impendia sobre a Recorrente, não tendo a mesma resultado dos autos, outra não pode ser a consequência senão a de considerar a impugnação improcedente e improcedente, também, o presente salvatério.
Não sendo invocado qualquer outro vício ao ato, nesta sede, à decisão recorrida, nada mais há a acrescentar.
* CUSTAS
No que diz respeito à responsabilidade pelas custas do presente Recurso, a mesma cabe à Recorrente, atenta a improcedência do recurso [cfr. art. 527º, n.ºs 1 e 2 do CPC, aplicável ex vi art. 2.º, alínea e) do CPPT].
***
III- Decisão
Face ao exposto, acordam, em conferência, os Juízes da Subsecção de Contencioso Tributário Comum deste Tribunal Central Administrativo Sul negar provimento ao recurso e confirmar a decisão recorrida.
Custas pela Recorrente.
Lisboa, 30 de Setembro de 2025
Cristina Coelho da Silva (Relatora)
Rui A. S. Ferreira
Vital Lopes |