Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:00634/05
Secção:Contencioso Administrativo - 2º Juízo
Data do Acordão:03/31/2005
Relator:Gonçalves Pereira
Descritores:INVALIDADE DE ACTO ADMINISTRATIVO
SANAÇÃO
Sumário: 1) Conforme preceituado no artigo 133º do CPA, a sanção da invalidade do acto administrativo é, em regra, geradora de anulabilidade, e não de nulidade. Esta só se verifica nos casos expressamente previstos na lei, ou resultantes dos princípios gerais, não se podendo permitir o alargamento do seu regime.
2) Alegada a inconstitucionalidade de acto, este estará ferido de mera anulabilidade (por violação de lei) e não de nulidade.
3) De acordo com o previsto no artigo 121º nº1 do CPTA, para que o tribunal lance mão deste mecanismo necessário se torna que, em seu critério, seja manifesta a urgência na resolução definitiva do caso, atendendo à natureza das questões e á gravidade dos interesses envolvidos, levando-o a antecipar juízo sobre a causa principal, não bastando para isso que as partes o requeiram.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral: Acordam os Juizes do 2º Juízo, 1ª Secção, do Tribunal Central Administrativo Sul:

1. Eulália ....., com os sinais dos autos, veio recorrer do despacho lavrado a fls. 174 e seguintes dos autos no TAF de Beja, declarou a caducidade da providência cautelar de suspensão de eficácia ali requerida contra a Presidente da Câmara Municipal de Moura, ao abrigo disposto no artigo 123º nº 1 do CPTA.
Em sede de alegações, formulou as seguintes conclusões:
I) Decidindo como decidiu, violou o Mmo. Juiz a quo o disposto nos arts. 133º nº 2 b) e 134º do CPA e arts. 58º nº 1 e 123º nº 2 do CPTA pelo que, e fazendo uma correcta aplicação do direito aos factos, o Mmo. Juiz a quo não poderia ter declarado caducada a providência cautelar, podendo e devendo conhecer das questões de fundo suscitadas.
II) Fazendo aplicação do art. 121º do CPTA, tal como requerido pela entidade requerida, conhecer da causa principal, por se encontrarem reunidos todos os pressupostos necessários, declarando procedente o requerido pela aqui recorrente, declarando nulo o acto administrativo e condenando a entidade requerida nos termos requeridos.
III) Mesmo que assim não entendesse, deveria ter declarado procedente a providência cautelar, decretando a suspensão do acto administrativo porquanto, nos termos do nº 2 do art. 123º do CPTA, a recorrida ainda está em tempo para a propositura da acção principal.
IV) Porque o douto tribunal de recurso pode conhecer do mérito,
a) Se requer seja revogada, pelo exposto em I, a douta sentença recorrida.
c) Declarando nulo o despacho do Exmº Sr. Presidente da Câmara Municipal proferido a 03.08.04 e condenando-a, através do seu Júri, a elaborar métodos de selecção dos candidatos que cumpram os princípios constitucionais e legais aplicáveis ao concurso, conhecendo da causa principal, por o processo conter todos os elementos necessários para tal, nos termos do art. 121º do CPTA.
d) Se assim se não entender, e se considerar não ser possível conhecer da causa principal, nos termos do art. 121º do CPTA, declarar procedente a providência cautelar e decretar a suspensão da eficácia do acto administrativo.
A autoridade recorrida pugna pela manutenção do julgado.
Não obstante notificado para o efeito, o Exmº Procurador Geral Adjunto nada veio requerer no prazo legal.

2. Os Factos.
Sem controvérsia, o Tribunal recorrido considerou provados os factos seguintes:
I- A acta do júri contendo a lista de classificação e graduação final dos concorrentes ao concurso em pleito foi homologada em 3/8/2004 (fls. 79).
II- E notificada à ora requerente através do ofício nº 6065, de 5/8/2004, conforme a própria requerente reconhece no artigo 9º do requerimento inicial (fls. 1 verso), com a indicação de que “da homologação da acta da qual consta a lista de classificação final, cabe recurso nos termos do regime geral do Contencioso Administrativo (fls. 77).
III- A providência cautelar foi instaurada em 24/8/2004, conforme carimbo aposto no respectivo requerimento inicial (fls. 1).
IV- Até à presente data não deu entrada no Tribunal em nome da requerente qualquer acção relacionada com o vertente processo cautelar (fls. 173).

3. O Direito.
Eulália dos Santos Pisa, assistente administrativa da C.M.Moura, candidatou-se ao concurso interno para provimento de 6 lugares de assistente administrativo principal daquela edilidade, ficando posicionada em 9º lugar.
Inconformada com esse resultado, requereu ao TAF de Beja que decretasse a suspensão da eficácia do despacho homologatório da lista de classificação final, proferido em 3/8/2004 pelo Presidente da C.M.Moura, o qual, para além de contestar o alegado pela requerente, requereu se considerasse extinta a instância por inutilidade da lide, por cumprimento do disposto no artigo 128º do CPTA, ou caducada a providência, nos termos do artigo 123º nº 1, alínea e), do mesmo diploma.
A providência foi julgada caducada pelo despacho recorrido, ao abrigo do artigo 123º nº 1, alínea a), do Código, por se mostrar provado nos autos que a requerente não intentara a acção principal no prazo de 3 meses, cominado no seu artigo 58º nº 2, alínea b), aplicável por se ter requerido a suspensão de actos anuláveis.
Contra tal decisão, vem insurgir-se a requerente Eulália dos Santos Pisa, alegando duas ordens de razões:
Em primeiro lugar, argumentando que o acto cuja suspensão requerera padece de nulidade (e não de anulabilidade) que, nos termos do artigo 134º nº 2 do CPA, é invocável a todo o tempo, e a todo o tempo pode ser declarada.
Depois, porque, mesmo que o acto fosse anulável, o Tribunal devia ter antecipado o juízo sobre a causa principal, nos termos do artigo 121º nº 1 do CPTA.
Vejamos se tem razão.
O conceito de actos nulos vem definido no artigo 133º nº 1 do CPA, segundo o qual serão os actos a que falte qualquer dos elementos essenciais ou para os quais a lei comine expressamente essa forma de invalidade.
Como exemplo desse conceito, o nº 2 faz um elenco não taxativo dos actos administrativos classificados de nulos: actos viciados de usurpação de poder; actos estranhos aos ministérios ou às pessoas colectivas previstas na lei; actos de objecto impossível, ininteligível ou criminoso; actos que ofendam o conteúdo de um direito fundamental; ou praticados sob coacção; absolutamente carecidos de forma legal, etc.
A própria requerente vem, a fls. 144 e seguintes dos autos, fundamentar por que motivo entende que as deliberações do júri cuja eficácia pretende ver suspensa seriam actos nulos, nos termos do artigo 133º nº 2, alínea d), do CPA:
Tais deliberações seriam nulas por ofender o conteúdo essencial de um direito fundamental “que, no caso em apreço, se consubstanciaria no direito, constitucionalmente consagrado, de igualdade de tratamento, não podendo ser prejudicada em razão das suas convicções políticas ou ideológicas (artigos 13º da CRP e 5º do CPA) e na obrigação de a Administração Pública tratar de forma justa e imparcial todos os que com ela entram em relação (art. 266º nº 2 da CRP e art. 6º do CPA)”.
Ou seja: a recorrente Eulália dos Santos Pisa pretende caracterizar como nulas as deliberações homologadas pelo despacho suspendendo, pelo facto de terem violado os princípios constitucionais da igualdade, justiça e imparcialidade, assim ofendendo o conteúdo de um seu direito fundamental.
Mas não tem razão.
Como foi decidido no Ac. do STA de 17/10/91 (Rec. nº 29 369), doutrina que mantém plena actualidade, a sanção da invalidade do acto administrativo é, em regra, geradora de anulabilidade, e não a sua nulidade.
Esta só se verifica nos casos expressamente determinados na lei, ou resultantes dos princípios gerais.
O alargamento do regime da nulidade para além das situações perfeitamente delimitadas não é de admitir, por razões de certeza e de segurança da ordem jurídica.
Não sendo o acto impugnável nulo, mas meramente anulável, se a respectiva impugnação for deduzida após o termo legal fixado para a sua dedução, deverá ser rejeitada por extemporânea.
Por outro lado, não basta alegar a inconstitucionalidade do acto suspendendo, para que este se veja inquinado de nulidade, pois o vício será gerador de mera anulabilidade, por falta de base legal (violação de lei), por erro nos pressupostos de direito.
Neste sentido se pronunciou também o Ac. do Pleno do STA de 25/11/93, Rec. nº 24 448).
Ou seja: o acto cuja suspensão vem requerida nos autos não padece de qualquer nulidade, porque não prevista na lei, mas eventualmente de mera anulabilidade, pelo que a sua impugnação estava sujeita às regras impostas pelo artigo 58º do CPTA, cujo nº 2, alínea b), fixa o prazo de 3 meses para o efeito.
Como este prazo foi comprovadamente ultrapassado, a consequência só poderia ser, como foi decidido pelo Senhor Juiz a quo, a caducidade da providência, nos termos do artigo 123º nº 1, alínea a), do dito Código.
Improcede, pois, a conclusão I das alegações do recurso.

4. Mas a recorrente, em alternativa, pretende também que o Tribunal antecipe o juízo sobre a causa principal, como lhe é facultado pelo artigo 121º nº 1 do CPTA, por tal solução ter sido requerida pela autoridade requerida, com o acordo da parte contrária, e se encontrarem (a seu ver) reunidos todos os pressupostos necessários para o efeito.
Também aqui falece a razão da recorrente.
É que não basta ter a autoridade requerida, por razões de celeridade e oportunidade, e pretendendo resolver de vez a questão, requerer a aplicação deste preceito legal.
É preciso, sobretudo, que o Tribunal se convença, nos termos da lei, da manifesta urgência na resolução definitiva do caso, atendendo à natureza das questões e à gravidade dos interesses envolvidos (que, no caso sub judicio, se reduzem a um concurso para 6 lugares de assistente administrativo principal de uma Câmara Municipal), e tenham sido trazidos ao processo todos os elementos necessários para o efeito.
Só assim, sentindo-se capacitado para o efeito, deve o Tribunal lançar mão deste meio processualmente excepcional, evitando assim a adopção de uma simples e ineficaz providência cautelar.
Não foi, manifestamente, o caso.
Primeiro, porque a questão em apreço, embora mereça uma decisão rápida, não é de tal modo grave que leve o Tribunal a antecipar o seu juízo sobre a causa principal.
Depois, porque também não se mostra provado que tenham sido trazidos ao processo todos os elementos necessários para o efeito.
Na acção principal, poderia a requerente Eulália, certamente, concretizar melhor os argumentos com que pretendia impugnar o concurso , que no âmbito da presente providência se mostram insuficientes.
E a autoridade requerida defender melhor a sua posição, justificando devidamente a actuação tomada.
Por isso, não havia razão cabal para que o Tribunal lançasse mão deste mecanismo, antecipando juízo para que não estava devidamente munido, através da instrução da acção competente.
Como tem sido por diversas ocasiões alertado pelo Prof. Vieira de Andrade, pronunciando-se sobre a avaliação da última reforma do Contencioso Administrativo, cabe aos Tribunais por travão ao intento indevido de as partes procurarem ver decididas nas providências cautelares questões de fundo que merecem ser discutidas e ponderadas nos processos principais.
Mostrando-se, portanto, também improcedentes as demais conclusões do recurso, há que confirmar o despacho recorrido, ao julgar caducada a providência requerida, mesmo que houvesse condições (o que não acontece, como ficou exposto) para a mesma ser concedida.

5. Pelo exposto, acordam no 2º Juízo, 1ª Secção, do TCAS em negar provimento ao recurso interposto por Eulália ....., confirmando o despacho recorrido.
Custas a cargo da recorrente, com taxa de justiça reduzida a metade, nos termos do artigo 73º E nº 1, alínea f), do CCJ, e procuradoria graduada em metade.

Lisboa, 31 de Março de 2 005