Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:7985/14.8 BCLSB
Secção:CT
Data do Acordão:11/16/2023
Relator:MARIA CARDOSO
Descritores:IMPUGNAÇÃO ARBITRAL
NULIDADE POR FALTA DE ESPECIFICAÇÃO DOS FUNDAMENTOS DE FACTO
Sumário:I. As decisões proferidas pelo CAAD podem ser impugnadas junto do Tribunal Central Administrativo Sul (TCAS) com fundamento nos vícios previstos no artigo 28.º, n.º 1 do RJAT.
II. A procedência da impugnação implica a anulação da decisão arbitral e dos actos que dela dependam (cfr. artigo 27.º, n.º 1 do RJAT).

III. A nulidade da decisão por falta de fundamentação supõe a não indicação dos fundamentos de facto ou de direito que justifiquem a decisão, e consubstancia-se, essencialmente, na falta de indicação de factos provados e não provados relevantes para a decisão, assim como das normas e institutos jurídicos em que assenta a decisão.

Indicações Eventuais:Subsecção tributária comum
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes que constituem Subsecção Tributária Comum do Tribunal Central Administrativo Sul:

I - RELATÓRIO

1. A Fazenda Pública, vem, ao abrigo dos artigos 27.º e 28.º do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributável (RJAT), apresentar impugnação da decisão arbitral proferida a 2014/07/30 pelo Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) que, no âmbito do processo n.º 169/2014 -T, julgou procedente o pedido de pronúncia arbitral deduzido por R...... – I......, SA, contra os atos de autoliquidação de IUC, correspondentes aos períodos de tributação referentes aos anos de 2009, 2010, 2011 e 2012, no montante global de € 2.249,59, improcedendo o pedido na parte que diz respeito ao reconhecimento do direito a juros indemnizatórios.

2. A Recorrente termina a impugnação formulando as seguintes conclusões:

«I Visa a presente impugnação reagir contra a decisão arbitral proferida a 30 de Julho de 2014, pelo Tribunal Arbitral em matéria tributária, a qual julgou improcedente as excepções de incompetência do tribunal arbitral em razão da matéria e falta de objecto, invocadas pela ora Recorrente, tendo aquilatado que no caso vertente estamos perante actos de autoliquidação, sem necessidade de prévia apresentação de reclamação graciosa a que se reporta o disposto no Art. 131. do CPPT.

II Entende a Recorrente que a decisão arbitral é impugnável nos termos e para os efeitos no disposto nas alíneas a), b) e do n.º 1 do Art.º 28.º do RJAT, sendo nula por não especificação dos fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão e por oposição entre os fundamentos e a decisão.

III Sobre a matéria de excepção propalou a decisão arbitral que no caso vertente se encontravam reunidos os requisitos - fundamento da impugnação for exclusivamente matéria de direito e os actos terem sido praticados de acordo com orientações genéricas emitidas pela Autoridade Tributária - da dispensa de reclamação graciosa prévia à sindicância dos actos de autoliquidação.

IV Todavia, a decisão arbitral, quer nos fundamentos de facto (alíneas i) ii) e iii) do ponto n.°2.4) quer de direito (ponto III), não especifica nem demonstra que in casu os fundamentos da impugnação se subsumam exclusivamente a questões de direito e, muito menos, identifica qual a orientação genérica emitida pela Recorrente ao abrigo da qual a Recorrida escorou a prática dos actos de autoliquidacão.

V Assentando o segmento decisório da decisão no pressuposto de que no caso em apreço a Recorrida se encontrava dispensada de apresentação prévia de reclamação graciosa antes do escrutínio por parte do tribunal dos actos de autoliquidação, atendendo a que o fundamento da impugnação se reconduzia a questões exclusivamente de direito e que a prática de tais actos de autoliquidação tiveram por base orientações genéricas emitidas pela Recorrente, impunha-se que a decisão arbitral tivesse fundamentado e especificado de que modo no caso vertente se encontravam reunidos tais requisitos.

VI Ou seja, a decisão arbitral não especificou nem fundamentou que as questões em análise nos presentes autos se reconduziam a questões exclusivamente de direito e, muito menos, identifica qual a orientação genérica sob a qual foram emitidos os controvertidos actos de autoliquidação. limitando-se em função de uma transcrição do Ilustre Conselheiro Jorge Lopes de Sousa, reiterar que no caso em apreço se encontram reunidos os requisitos para a dispensa de reclamação graciosa prévia.

VII Todavia, não fundamenta nem identifica quais as questões que são exclusivamente de direito e muito menos refere qual a orientação genérica sob a qual a Recorrida emitiu tais actos de autoliquidação.

VIII Tanto mais que as questões controvertidas nos autos não se reconduzem a questões exclusivamente de direito, na medida em que em sede de resposta ao pedido de pronuncia arbitral a Recorrente impugnou de per si toda a prova carreada pela Recorrida, tendo tal prova sido objecto de análise na decisão arbitral.

IX Logo, nunca a impugnação dos actos de autoliquidação poderia contender exclusivamente com questões de direito.

X Por outro lado, a decisão arbitral não identifica qual o orientação genérica emitida pela Recorrente ao abrigo da qual a Recorrida praticou os actos de autoliquidação.

XI A falta de especificação dos fundamentos de facto e de direito da decisão abarca não apenas a falta de discriminação dos factos provados e não provados, a que se refere o Art.º 123º, nº2 do CPPT, aplicável ex vi Art.º 22.º do RJAT, mas também a falta de exame crítico das provas, previsto no Art. 659º, nº 3 do CPC.

XII A nulidade da decisão por falta de especificação dos fundamentos de facto e de direito da decisão arbitral corresponde, a montante, à exigência de fundamentação da sentença no que respeita à fixação da matéria de facto, tal como prevê o arte 123v, n2 do CPPT -"O juiz discriminará também a materia provada da não provada, fundamentando as suas decisões"

XIII Tal fundamentação consiste, como se percebe, na indicação dos meios de prova que foram considerados para formar a convicção do juiz e na sua apreciação crítica, por forma a serem exteriorizadas as razões pelas quais se decidiu num certo sentido e não noutro qualquer.

XIV É axiomático que da decisão judicial, como culminar de um processo lógico, decorram inelutavelmente os seus fundamentos de facto e de direito, pelo que a violação desse devir lógico em que desagua a decisão judicial consubstancia uma nulidade, na medida em que os fundamentos da decisão não podem conduzir, num processo lógico, a uma decisão oposta com aqueles mesmos fundamentos.

XV Nos termos do disposto no o actual art. 6l5.º n°. 1, ai. b), na redacção da Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho), é nula a sentença que não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão, sendo que para que a sentença padeça do vício que consubstancia esta nulidade é necessário que a falta de fundamentação seja absoluta, não bastando que a justificação da decisão se mostre deficiente, incompleta ou não convincente.

XVI No caso vertente existe falta absoluta de fundamentação da decisão arbitral não identificando quais os requisitos da dispensa de reclamação prévia antes da sindicância dos actos de autoliquidação - fundamento da impugnação ser exclusivamente matéria de direito e os actos terem sido praticados de acordo com orientações genéricas emitidas pela Autoridade Tributária -, se encontrem verificados e provados nos autos.

XVII Logo, a decisão arbitral padece da nulidade consubstanciada na não especificação dos fundamentos de facto e de direito da decisão, a que alude o disposto no Art.º l25.º n.º1 do CPPT e a) do Art.º 28.º do RJAT.

XVIII A decisão arbitral enferma ainda de nulidade nos termos da alínea b) do n.º 1 do Art.º 28.º RJAT por estar em oposição entre os fundamentos e a decisão.

XIX A oposição entre os fundamentos e a decisão sanciona um vício formal, que afecta o respectivo silogismo judiciário, concretizado num vício lógico de construção da decisão em que as premissas de facto ou de direito invocadas pelo julgador deviam conduzir não à conclusão decisória tirada, mas antes a uma diferente, quiçá oposta àquela [a respeito, AC STA de 01.02.2001, R39.O11, e AC STA/Pleno de 06.02.2007, R322IO6; e Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, 1982, Tomo V, página 141]

XX No caso vertente é peremptório que as premissas em que a decisão arbitral se escorou nunca conduziriam às conclusões retiradas, mas a outras bem diferentes e claramente opostas.

XXI A decisão arbitral partiu de premissas erradas e inexistentes para concluir que in casu se encontravam reunidos os requisitos para a dispensa de reclamação graciosa prévia, entendendo que no caso vertente as questões suscitadas se reconduzem a questões exclusivamente de direito e que a prática dos actos sindicados - autoliquidações de IUC - decorrem de orientações genéricas emanadas pela Recorrente.

XXII É inequívoca que a matéria dos autos não se reconduz a uma questão exclusivamente de direito, que nunca a Recorrente emitiu orientações genéricas atinente à matéria em causa e, muito menos, a decisão arbitral identifica tais orientações.

XXIII Neste desiderato, os fundamentos em que a decisão arbitral se escora nunca poderiam conduzir à decisão tomada, mas a outra diametralmente oposta.

XXIV Não sendo a questão suscitada exclusivamente de direito e inexistindo claramente orientações genéricas emitidas pela Recorrente, o resultado, partindo a decisão arbitral de uma construção lógica assente nas premissas de facto e de direito que decorrem dos autos, nunca seria o da decisão arbitral, mas outro completamente oposto.

XXV Neste conspecto, a decisão arbitral é nula, nos termos e para os efeitos no disposto alínea b) do n.º 1 do Art.º 28.º RJAT e alínea c) do n.º 1 do Art.º 6l5.º do CPC, na redacção dada pela Lei 41/2013 de 26 de Junho, porquanto os seus fundamentos se encontram em manifesta e clara oposição com a decisão.

Nestes termos, e nos demais de direito que V.Exas. doutamente suprirão, deverá ser admitida e julgada procedente a presente impugnação devendo ser declarada nula decisão arbitral, por não especificação dos fundamentos de facto e de direito da decisão - no Art.º l25.º do CPPT e a) do Art.º 28.º do RJAT e por oposição dos fundamentos com a decisão, nos termos da alínea b) do n.º 1 do Art.º 28.º RJAT e alínea c) do n.º 1 do Art.º 615.° do CPC.»

3. A Recorrida, R….. – I….., SA, apresentou contra-alegações, nos termos do art.º 144.º, n.º 3, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), ex vi art.º 27.º, n.º 2, do RJAT, tendo formulado as seguintes conclusões:

«1. A Jurisprudência e a Doutrina são unânimes em qualificar a "impugnação da decisão arbitral" como um verdadeiro recurso jurisdicional.

2. A Requerida/Recorrente colocou em crise a regularidade formal cia decisão arbitral proferida em 30.07.2014, arguindo a sua nulidade com fundamento em alegada (i) não especificação dos fundamentos de facto e de direito da decisão (artigo 282 n91 a) do RJAT) e (ii) oposição dos fundamentos com a decisão (artigo 28 n21 b) do RJAT).

3. Os fundamentos da impugnação da decisão arbitral são apenas aqueles que estão taxativamente contemplados no artigo 282n2 1 do RJAT, cujo elenco é mais restrito que o elenco das nulidades decisórias contempladas nos artigos 1252 do CPPT e 6152n21 do CPC.

4. Sendo o artigo 289 n21 do RJAT norma especial em relação aos artigos 125 do CPPT e 615 ri21 do CPC, prevalece sobre estes últimos.

5. A alegada falta de análise crítica da prova produzida, que a Requerida/Recorrente, nas suas alegações recursivas, imputa à decisão arbitral, não figura no elenco das causas legais de impugnação da decisão arbitral — pelo que não pode constituir fundamento legal dessa impugnação.

6. Contrariamente ao desejo inconfessado da Requerida/Recorrente, a impugnação da decisão arbitral não permite o reexame da apreciação de mérito expressa na decisão arbitral.

(i) Quanto à não especificação dos fundamentos de facto e de direito da decisão

7. A Requerida/Recorrente, no decurso do processo arbitral, arguiu duas excepções: a alegada incompetência material do Tribunal Arbitral e a pretensa "falta de objecto" do pedido arbitral — ambas em virtude da inexistência de actos de liquidação oficiosa de IUC emitidos pela Requerida (AT).

8. A decisão arbitral em apreço julgou ambas as excepções improcedentes e fundamentou tal decisão do seguinte modo:

9. Quanto à excepção da incompetência em razão da matéria, a decisão arbitral considerou que, estando em causa a declaração de ilegalidade de actos de autoliquidação de IUC (ou seja, liquidações de ILJC efectuadas pelo próprio contribuinte), o Tribunal Arbitral tem competência material para os apreciar, nos termos do artigo 2 n2 1 a) do RJAT.

10. Quanto à arguida excepção da "falta de objecto" do pedido arbitral, a decisão arbitral considerou, por um lado, que o pedido arbitral tinha por objecto os actos de autoliquidação de IUC, não lhe faltando pois objecto,

11. e, por outro, que apesar de faltar a reclamação graciosa prévia a que alude o nº 1 do artigo 131º do CPPT (impugnação em caso de autoliquidação), esta não era necessária no caso concreto, dado que o fundamento do pedido arbitral era constituído exclusivamente por matéria de direito e a autoliquidação havia sido efectuada de acordo com as orientações genéricas da AT, nos termos do artigo 131º nº 3 do CPPT.

12. Assim, contrariamente ao entendimento da Requerida/Recorrente, a decisão arbitral especificou devidamente os fundamentos de facto e de direito para julgar im procedentes as excepções opostas pela Requerida/Recorrente.

13. Para que a decisão padeça do vício de falta de fundamentação de facto e de Direito, é necessário que essa falta de fundamentação seja absoluta - não bastando que a justificação da decisão seja apenas deficiente, incompleta ou não convincente.

14. A alegada "falta de exame crítico da prova produzida" (artigo 659º n.º3 do CPC) não preenche a nulidade suscitada pela Requerida/Recorrente — a pretensa falta de especificação dos fundamentos de facto e de Direito.

15. O que a Requerida/Recorrente verdadeiramente expressa é uma discordância em relação ao decidido, considerando que a decisão arbitral padece de erro de julgamento quando nesta se deixou consignado que o fundamento do pedido arbitral era constituído exclusivamente por matéria de direito e a autoliquidação havia sido efectuada de acordo com as orientações genéricas da AT.

16. Tal como decorre do disposto no artigo 28º do RJAT, o pretenso erro de julgamento não constitui fundamento legal para a impugnação da decisão arbitral.

17. Pelo que a presente impugnação da decisão arbitral não deveria sequer ser admitida.

18. A decisão arbitral em apreço descreveu e discriminou a factualidade provada com relevância para a decisão,

19. especificou os documentos, juntos aos autos — ou seja, apreciou a prova documental produzida - que fundamentaram esse julgamento da matéria de facto, conforme se elenca nas alíneas i), ii) e iii) do ponto 2.4. da decisão arbitral,

20. e considerou que "não há factos não provados relevantes para a decisão da causa".

21. Por outro lado, a decisão arbitral evidenciou igualmente a respectiva fundamentação de Direito para julgar procedente o pedido de anulação das (auto)liquidações de IUC em questão: o artigo 3º nº 1 e 2 do CIUC, na interpretação e aplicação preconizadas na douta decisão arbitral,

22. para cujo efeito a decisão arbitral apelou expressamente ao disposto nos artigos 11º nº1 da LGT e 9º do CC, bem como a outros normativos do ordenamento jurídico, designadamente ao artigo 12 do CIUC e ao princípio do inquisitório consignado no artigo 58º da LGT, invocando inclusivamente Doutrina e Jurisprudência jurisdicional e arbitral.

23. Assim, ao contrário do entendimento da Requerida/Recorrente, a decisão arbitral em apreço especificou clara e inequivocamente os fundamentos de facto e de Direito que justificaram a decisão — não se verificando, pois, a causa de nulidade decisória constante da alínea a) do nº 1 do artigo 28º do RJAT, tendo sido respeitado o disposto no artigo 22º nº3 do RJAT.

(ii) Quanto à oposição dos fundamentos com a decisão

24. Lida atentamente a douta decisão arbitral impugnada, não se vislumbra como é que o decidido está em oposição com a respectiva fundamentação - o decidido é totalmente coerente com a respectiva fundamentação.

25. Quanto às sobreditas excepções, a decisão arbitral considerou que estava em causa exclusivamente matéria de Direito e que a autoliquidação do IUC havia sido efectuada de acordo com as orientações genéricas da AT - pelo que, à luz do disposto no artigo 131º nº 3 do CPPT, considerou que o pedido de pronúncia arbitral não carecia de reclamação graciosa prévia.

26. Em total consonância e sintonia com essa fundamentação, a decisão arbitral considerou que o Tribunal Arbitral era materialmente competente, julgando a excepção da incompetência material improcedente.

27. Por outro lado, considerando que o pedido de pronúncia arbitral tinha por objecto actos de autoliquidação de IUC, a decisão arbitral, em total consonância e sintonia com essa premissa, considerou que o pedido de pronúncia arbitral não padecia de "falta de objecto", julgado essa excepção igualmente improcedente.

28. Por sua vez, quanto à questão de fundo, considerando que o artigo 32 do CIUC estabelece uma presunção ilidível e que a Requerente/Recorrida tinha produzido prova bastante para ilidir essa presunção, demonstrando não ser a proprietária das viaturas nas datas dos factos tributários, a decisão arbitral, de forma totalmente coerente e lógica, julgou procedente o pedido de anulação das (auto)liquidaçôes.

29. Pelo que não se verifica qualquer incoerência entre o discurso fundamentador e o julgado final — muito menos a oposição visada na alínea b) do nº1 do artigo 28º do RJAT.

30. Também neste segmento o que a Requerida/Recorrente em essência pretende é imputar à decisão arbitral o erro de julgamento — o qual não é fundamento legal de impugnação da decisão arbitral, como acima se disse e resulta do disposto no artigo 28º nº 1 do RJAT.

31. O que está em causa no artigo 28º nº1 do RJAT não são vícios substanciais da decisão arbitral —outrossim, vícios formais da decisão arbitral.

32. Não podendo o erro de julgamento constituir fundamento de impugnação da decisão arbitral ou mesmo de recurso jurisdicional, para o TCAS ou para o STA.

33. Pelo que a presente impugnação da decisão arbitral não deveria sequer ser admitida.

34. Por conseguinte, não ocorre igualmente a causa de nulidade decisória a que se reporta o artigo 28º nº 1 b) do RJAT - ou seja, não se verifica a alegada "oposição dos fundamentos com a decisão".

Nestes termos, nos melhores de Direito e com o douto suprimento de V. Exas., não admitindo a presente impugnação da decisão arbitral ou negando provimento à mesma, V. Exas., como sempre, farão inteira JUSTIÇA

4. O Exmo. Procurador–Geral Adjunto notificado nos termos do disposto no artigo 146.º, n.º 1 do CPTA ex vi artigo 27.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, nada disse.

5. Colhidos os vistos legais, vem o processo à Conferência para julgamento.


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II – QUESTÕES A DECIDIR:

O objecto do recurso, salvo questões de conhecimento oficioso, é delimitado pelas conclusões dos recorrentes, como resulta dos artigos 608.º, n.º 2, 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil.

Assim, considerando o teor das conclusões apresentadas, importa apreciar e decidir se a decisão arbitral é nula (i) por não especificação dos fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão, e, (ii) por oposição entre os fundamentos e a decisão.


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III - FUNDAMENTAÇÃO

1. DE FACTO

A Decisão Arbitral na parte relevante para a apreciação da presente impugnação tem o seguinte teor:

« 1.7. Considerando que foram invocadas duas excepções (supra referidas), justifica-se, previamente, a apreciação das mesmas, i.e., saber se, como alega a ora requerida, o Tribunal é "materialmente incompetente" e, ainda, se há "falta de objecto" (por, no seu entender, não existirem "actos de liquidação oficiosa de IUC emitidos pela Requerida").

1.8. Quanto à invocação de que o presente Tribunal é "materialmente incompetente" por, alegadamente, não existirem os alegados "actos de liquidação oficiosa de IUC emitidos pela Requerida", considera-se que não assiste razão à requerida, dado que a competência dos Tribunais Arbitrais compreende não apenas a apreciação de pretensões relativas à declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos cuja administração seja cometida à AT (não aplicável ao presente caso, dado que os actos em causa não foram praticados pela AT), como também [ainda segundo o art. 2.º, n.º 1, al. a), do RJAT] a apreciação de pretensões relativas à declaração de ilegalidade de actos de autoliquidação.

Não há dúvida de que, no caso em análise, se está diante de actos de autoliquidação, visto que estes ocorrem quando a liquidação do tributo é feita pelo próprio sujeito passivo, tendo por base as regras e elementos definidos para a referida liquidação (neste caso, as "notas de cobrança" constantes do sistema informático da AT, e que estão identificadas e juntas aos autos como docs. n.os 2 a 60). O facto de a requerente se referir a estes actos de autoliquidação como "liquidações oficiosas" é incorrecção que não altera a substância e a natureza dos actos em causa (tanto mais que a requerente também fez questão de afirmar, na sua petição, que procedeu ao "pagamento voluntário" do IUC), os quais, como se disse, caem no âmbito da competência material dos Tribunais Arbitrais, por via do que dispõe o já mencionado art. 2.º, n.º 1, al. a), do RJAT.

Alega, contudo, a requerida, que ainda que "se entenda que, na realidade, se está perante autoliquidações [...], importa não esquecer que a reacção contra [estas] depende de prévia e necessária dedução de Reclamação Graciosa no prazo de 2 anos a contar da apresentação da declaração, conforme estatui o artigo 131.º/1 do CPPT. Ora, a Requerente não apresentou qualquer reclamação graciosa relativamente aos actos de autoliquidação subjudice, razão pela qual também por esta via não são susceptíveis de serem sindicados tais actos."

Com efeito, a requerente não apresentou, previamente, a referida reclamação graciosa.

Contudo, estaria a requerente obrigada a fazê-lo? A resposta terá de ser negativa. Como bem refere Jorge Lopes de Sousa, no seu "Comentário ao Regime Jurídico da Arbitragem Tributária", que está inserido no Guia da Arbitragem Tributária, coordenado por Nuno Villa-Lobos e Mónica Brito Vieira (Almedina, 2013, p. 131), "as razões subjacentes à imposição legal e à dispensa de reclamação graciosa, prévia em relação à utilização de meios jurisdicionais, vale também em relação ao acesso aos tribunais arbitrais." Daqui decorre a conclusão, "por mera interpretação declarativa, [de] que a possibilidade de pedir aos tribunais arbitrais a declaração de ilegalidade de actos de autoliquidação [...] prevista no artigo 2.º, n.º 1, alínea a), do RJAT, deve ser entendida em sintonia com o regime previsto nos n.ºs 1 e 3 do artigo 131.º do CPPT, sendo necessária a reclamação graciosa prévia nos casos em que ela também o é nos tribunais tributários."

Resta, portanto, a seguinte pergunta: nos tribunais tributários, e no que diz respeito a actos de autoliquidação, a reclamação graciosa prévia é sempre necessária? A resposta é, uma vez mais, negativa (e tem, consequentemente, aplicação aos casos que sejam submetidos aos Tribunais Arbitrais).

Como bem refere Jorge Lopes de Sousa (idem, 2013, p. 130), embora a regra seja a da necessidade da reclamação graciosa prévia, já "no que concerne a actos de autoliquidação e retenção na fonte, quando o fundamento de impugnação for exclusivamente matéria de direito e os actos tiverem sido efectuados de acordo com orientações genéricas emitidas pela Administração Tributária, deixa de ser obrigatória a reclamação graciosa prévia, como resulta do n.º 3 do artigo 131.º e do n.º 6 do artigo 132.º." Ora, como tais condições estão preenchidas no caso ora em análise, conclui-se que não era obrigatória a reclamação graciosa prévia, pelo que os actos em causa são susceptíveis de serem sindicados.

Resumindo: não "falta de objecto" porque, embora não tenham sido emitidos "actos de liquidação oficiosa de IUC [...] pela Requerida", o objecto deste processo consiste em actos de autoliquidação; e o Tribunal não é "materialmente incompetente" porque a declaração de ilegalidade de tais actos se insere no âmbito das competências dos Tribunais Arbitrais, de acordo com o disposto no art. 2.º, n.º 1, al. a), do RJAT.

1.9. Pelo acima exposto (em 1.8.), conclui-se que o Tribunal Arbitral é materialmente competente, o processo não enferma de vícios que o invalidem e as Partes têm personalidade e capacidade judiciárias, configurando-se legítimas.

II - Fundamentação: A Matéria de Facto

2.1. Vem a ora requerente alegar, na sua petição, que: a) "não é legítimo concluir que os sujeitos passivos [de IUC] são apenas os proprietários ou equiparados dos veículos, em nome dos quais os mesmos se encontrem registados"; b) "a ratio legis do IUC antes aponta no sentido de serem tributados os utilizadores dos veículos, os efectivos proprietários ou, ainda, os locatários financeiros, pois são estes que têm o potencial poluidor causador dos custos ambientais à comunidade"; c) "não poderá deixar de entender-se que a expressão «considerando-se como tais», utilizada no n.º 1 do artigo 3.º do Código do IUC, configura uma presunção legal, a qual é ilidível, nos termos gerais e, em especial, por força do disposto no artigo 73.º da LGT"; d) "por forma a ilidir a presunção decorrente da inscrição no registo automóvel, a requerente apresenta cópias das facturas/recibos de vendas (cfr. documentos n.º 61 a 106)"; e) "à data da exigibilidade do imposto a que respeitam as liquidações em apreço, não era esta o proprietário dos veículos naquelas identificados, por se ter já anteriormente operado as respectivas transferências, nos termos da lei civil"; f) "não preenchendo a AT os requisitos da noção de «terceiro» para efeitos de registo, não pode prevalecer-se da ausência de actualização do registo do direito de propriedade para pôr em causa a eficácia plena do contrato de compra e venda e para exigir ao vendedor (anterior proprietário) o pagamento do IUC devido pelo comprador (novo proprietário) desde que a presunção da respectiva titularidade seja ilidida através de prova bastante da venda."

2.2. Conclui a ora requerente que: a) deve ser "declarada a ilegalidade [dos] actos de liquidação [de IUC relativos aos períodos de tributação de 2009, 2010, 2011 e 2012] (e ser consequentemente anulados), no montante de € 2.249,59"; b) deve ser reconhecido o direito ao "reembolso à requerente desta quantia, acrescida de juros indemnizatórios à taxa legal, contados desde a data do respectivo pagamento até ao integral reembolso."

2.3. Por seu lado, a AT alega, na sua contestação: a) que "o entendimento propugnado pela Requerente incorre [em] enviesada leitura da letra da lei [e decorre da] adopção de uma interpretação que não atende ao elemento sistemático, violando a unidade do regime consagrado em todo o CIUC e, mais amplamente, em todo o sistema jurídico-fiscal e decorre ainda de uma interpretação que ignora a ratio do regime consagrado no artigo em apreço, e bem assim, em todo o CIUC"; b) "[quanto ao] elemento sistemático de interpretação da lei [...] a solução propugnada pela Requerente é intolerável, não encontrando o entendimento por esta sufragado qualquer apoio na lei"; c) que "à luz de uma interpretação teleológica do regime consagrado em todo o CIUC, a interpretação propugnada pela Requerente no sentido de que o sujeito passivo do imposto é o proprietário efectivo, independentemente de não figurar no registo automóvel, o registo dessa qualidade, é manifestamente errada"; d) que "os actos tributários em crise não enfermam de qualquer vício de violação de lei, na medida em que à luz do disposto no artigo 3.º, n.º 1 e 2, do CIUC e do artigo 6.º do mesmo código, era a Requerente, na qualidade de proprietária, o sujeito passivo do IUC"; e) que, "estabelecendo o disposto no artigo 3.º do CIUC que o proprietário que consta da Conservatória do Registo Automóvel [é o sujeito de imposto], entendemos que todo o raciocínio propugnado pelo Requerente se encontra eivado, não sendo possível elidir a presunção estabelecida"; f) que "a interpretação veiculada pela Requerente se mostra contrária à Constituição".

Conclui a AT que "devem ser julgadas procedentes, por provadas, as excepções peremptória de falta de objecto e dilatórias de incompetência do Tribunal Arbitral Singular e de preterição da necessária Reclamação Graciosa, mantendo-se na ordem jurídica os actos tributários de liquidação impugnados e absolvendo-se, em conformidade, a entidade requerida do pedido."

2.4. Consideram-se provados os seguintes factos:

i) A ora requerente é uma instituição financeira que tem por objecto social a prática das operações permitidas aos bancos, com excepção da recepção de depósitos, dispondo, para o efeito, de todas as autorizações legalmente exigíveis. No âmbito da sua actividade, a ora requerente celebra com os seus clientes contratos de aluguer de longa duração e contratos de locação financeira de veículos automóveis, findos os quais transmite a propriedade dos mesmos aos respectivos locatários ou a terceiros.

ii) Entre 10/12/2013 e 20/12/2013, a requerente procedeu ao pagamento voluntário de IUC alegadamente em falta, relativo às viaturas identificadas no pedido de pronúncia arbitral e relativo aos períodos de tributação de 2009, 2010, 2011 e 2012, no valor €2249,59 (vd. docs. n.os 2 a 60 apensos à petição inicial).

iii) Em data anterior àquela a que o imposto respeitava, as viaturas ora em causa foram objecto de venda a terceiros, não sendo, assim, propriedade da requerente, conforme se vê por docs. n.os 61 a 106 apensos à petição inicial, os quais, dada a sua extensão, aqui se darão por reproduzidos. Todas as vendas encontram-se suportadas pelas respectivas facturas de venda, as quais se encontram suficientemente identificadas.

2.5. Não há factos não provados relevantes para a decisão da causa.»


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2. DE DIREITO

A Impugnante, Autoridade Tributária e Aduaneira, dissente do julgado, defende que a decisão arbitral é nula por (i) não especificação dos fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão, e, (ii) oposição entre os fundamentos e a decisão.

Por não especificar os fundamentos de facto e de direito que se subsumem exclusivamente a questões de direito e não identificar qual a orientação genérica emitida pela Recorrente ao abrigo da qual a Recorrida escorou a prática dos actos de autoliquidação, pressupostos essenciais com vista a aferir da (des)necessidade de reclamação graciosa prévia.

E, por oposição dos fundamentos com a decisão por ter partido de premissas erradas e inexistentes para concluir que, in casu, se encontravam reunidos os requisitos para a dispensa de reclamação graciosa prévia.

A Impugnada sustenta a decisão arbitral referindo, em suma, que a Impugnante verdadeiramente expressa é uma discordância em relação ao decidido, considerando que a decisão arbitral padece de erro de julgamento quando nesta se deixou consignado que o fundamento do pedido arbitral era constituído exclusivamente por matéria de direito e a autoliquidação havia sido efectuada de acordo com as orientações genéricas da AT, e, tal como decorre do disposto no artigo 28.º do RJAT, o pretenso erro de julgamento não constitui fundamento legal para a impugnação da decisão arbitral. Mais referiu quanto à invocada nulidade por oposição dos fundamentos com a decisão que não se verifica qualquer incoerência entre o discurso fundamentador e o julgado final, e também neste segmento o que a Impugnante pretende é imputar à decisão arbitral erro de julgamento.

Vejamos.

As decisões proferidas pelo CAAD podem ser impugnadas junto do Tribunal Central Administrativo Sul (TCAS) com fundamento nos vícios previstos no artigo 28.º, n.º 1 do RJAT (cfr. artigos 59.º, n.ºs 1, alínea g) e 2, da LAV 2011, subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 29.º, n.º 1, alínea c), do RJAT e 181.º, n.º 1 do CPTA).

A procedência da impugnação implica a anulação da decisão arbitral e dos actos que dela dependam (cfr. artigo 27.º, n.º 1 do RJAT).

Nos termos do n.º 1, do artigo 28.º do RJAT, os fundamentados da impugnação arbitral são os seguintes:

a) Não especificação dos fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;

b) Oposição dos fundamentos com a decisão;

c) Pronúncia indevida ou na omissão de pronúncia;

d) Violação dos princípios do contraditório e da igualdade das partes, nos termos em que estes são estabelecidos no artigo 16.º.

A impugnante invoca vícios da decisão arbitral que integrou nas alíneas a) e b), do n.º 1, do artigo 28.º do RJAT para apresentar a presente impugnação

Começamos pela analise da nulidade de não especificação dos fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão, vicio que foi enunciado em primeiro lugar.

Registe-se que por força do preceituado no artigo 29.º, n.º 1, alíneas a), c) e e) do RJAT são de aplicação subsidiária ao processo arbitral tributário, de acordo com a natureza dos casos omissos, o Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), o Código do Processo dos Tribunais Administrativos (CPTA) e o Código de Processo Civil (CPC).

O artigo 125.º, n.º 1 do CPPT comina com nulidade a sentença que não especifique os fundamentos de facto e de direito da decisão (cfr. no mesmo sentido artigo 615.º. n.º 1, alínea b) do CPC).

Por sua vez, o n.º 2 do artigo 123.º do CPPT, com a epígrafe “Sentença. Objecto” dispõe: O juiz discriminará também a matéria provada da não provada, fundamentando as suas decisões.

A exigência de que a sentença especifique os fundamentos de facto e de direito é justificada pela necessidade de permitir que as partes conheçam as razões em que se apoiou o veredicto do tribunal a fim de as poderem impugnar e para que o tribunal superior exerça sobre elas a censura que se impuser.

Importa trazer à colação que a actividade do juiz está delimitada pelo princípio do dispositivo, o que significa que a sua decisão deverá circunscrever-se ao thema decidendum definido pelas partes (vide artigos 5.º e 608.º do CPC).

No processo de impugnação judicial tributário a estrutura e requisitos da sentença encontram-se regulados nos artigos 123.º e 124.º do CPPT.

A especificação dos fundamentos de facto da decisão no processo judicial tributário abrange, não só a indicação dos factos provados, como também a dos não provados (artigo 123.º, n.º 2 do CPPT; exigência suplementar de fundamento de facto que não encontra correspondência no processo civil, conforme decorre do artigo 607.º do CPC), pelo que a falta de discriminação da matéria de facto não provada será equiparável à falta de indicação da matéria de facto provada, para efeitos da nulidade prevista no n.º 1, do artigo 125.º do CPPT.

No que concerne à falta de exame crítico das provas e à fundamentação de direito, a doutrina e jurisprudência maioritárias consideram que esta nulidade só acontece quando ocorre a sua omissão total, não ocorrendo quando a fundamentação é escassa, incompleta, não convincente, deficiente ou errada.

Como ponderou Jorge Lopes de Sousa, «No entanto, a falta de discriminação dos factos não provados, como a dos factos provados, só será necessária relativamente a factos que possam relevar para a apreciação da causa, segundo as várias soluções plausíveis de direito (arts. 508.º-A, n.º 1, alínea e), 511.º e 659.º do CPC), o que é corolário da norma genérica vigente no nosso direito processual da proibição da prática de actos inúteis (art. 137.º do CPC). Por isso, só existirá nulidade de sentença por falta de indiciação dos factos não provados relativamente a factos alegados que não se tenham sido dados como provados nem não provados e que possam relevar para a decisão da causa.

Porém, mesmo que assim não se entenda, tal falta poderá, em certos casos, implicar insuficiência da fundamentação de facto da sentença, susceptível de conduzir à necessidade de uma ampliação da matéria de facto, com consequente anulação da decisão.» (in Código de Procedimento e de Processo Tributário, anotado e comentado, 6.ª edição, 2011, II vol., nota 7 ao artigo 125.º, pág. 358).

A nulidade da decisão por falta de fundamentação supõe a não indicação dos fundamentos de facto ou de direito que justifiquem a decisão, e consubstancia-se, essencialmente, na falta de indicação de factos provados e não provados relevantes para a decisão, assim como das normas e institutos jurídicos em que assenta a decisão.

Prosseguindo.

A decisão impugnada não fixou factos para apreciação das execpções suscitadas pela ora Impugnante. Após o conhecimento das excepões suscitadas que julgou improcedentes, identificou as questões de fundo a apreciar, e na fundamentação de facto, deu como provado 3 factos e relativamente aos factos não provados utilizou o mecanismo de declarar que não há factos não provados relevantes para a decisão da causa.

Como já se deixou expresso supra, alega a Impugnante que a decisão arbitral não identifica qual a orientação genérica emitida pela AT para a emissão das autoliquidações de IUC, e que se impunha que tivesse fundamentado e especificado os requisitos para a dispensa de apresentação prévia de reclamação graciosa antes do escrutínio por parte do tribunal dos actos de autoliquidação.

Diga-se, desde já, antecipando o sentido da decisão, que a Impugnante tem razão.

O artigo 4.º, n.º 1 do RJAT dispõe que «a vinculação da administração tributária à jurisdição dos tribunais constituídos nos termos da presente lei depende de portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da justiça, que estabelece designadamente, o tipo e o valor máximo dos litígios abrangidos.»

Com a Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, e como se lê no seu preâmbulo, a administração tributária vincula-se à jurisdição do CAAD, nos termos do n.º 1, do artigo 4.º, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, associando-se a este mecanismo de resolução alternativo de litígios e nos termos e condições estabelecidas, atendendo à especificidade e valor das matérias em causa (vide artigo 2.º da Portaria).

Os poderes de cognição dos tribunais arbitrais limitam-se à apreciação da legalidade dos actos indicados nas diversas alíneas do n.º 1, do artigo 2.º do RJAT, e a vinculação da administração tributária à jurisdição dos tribunais arbitrais para apreciação de todas as pretensões dos contribuintes conexas com actos de liquidação, de autoliquidação, de retenção na fonte e do pagamento por conta que tenham por objecto impostos que administre, fora dos casos excepcionados (cfr. artigos 2.º e 3.º da Portaria n.º 112-A/2011).

O artigo 2.º, alínea a) da Portaria n.º 112-A/2012, dispõe o seguinte:

«Os serviços e organismos referidos no artigo anterior vinculam-se à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD que tenham por objecto a apreciação das pretensões relativas a impostos cuja administração lhes esteja cometida referidas no n.º 1 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, com excepção das seguintes:

a) Pretensões relativas à declaração de ilegalidade de actos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa nos termos dos artigoa 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário.»

Por sua vez, o artigo 131.º do CPPT preceitua:

1 - Em caso de erro na autoliquidação, a impugnação será obrigatoriamente precedida de reclamação graciosa dirigida ao dirigente do órgão periférico regional da administração tributária, no prazo de 2 anos após a apresentação da declaração.

2 - Em caso de indeferimento expresso ou tácito da reclamação, o contribuinte poderá impugnar, no prazo de 30 dias, a liquidação que efectuou, contados, respectivamente, a partir da notificação do indeferimento ou da formação da presunção do indeferimento tácito.

3 - Sem prejuízo do disposto nos números anteriores, quando o seu fundamento for exclusivamente matéria de direito e a autoliquidação tiver sido efectuada de acordo com orientações genéricas emitidas pela administração tributária, o prazo para a impugnação não depende de reclamação prévia, devendo a impugnação ser apresentada no prazo do n.º 1 do artigo 102.º.

Conforme resulta das normas acabadas de transcrever, a competência dos Tribunais Arbitrais compreende a apreciação da legalidade dos actos de autoliquidação, desde que tenham sido precedidos de recurso à via administrativa prévia. Porém, o n.º 3, do artigo 131.º do CPPT, determina que a impugnação judicial não depende de prévia reclamação graciosa nos casos em que o fundamento da impugnação for exclusivamente de direito e a autoliquidação for efectuada com base em orientações genéricas.

Assim sendo, a existência de uma orientação genérica é essencial para a decisão da excepção suscitada.

Ora, no caso em apreço a decisão arbitral não especificou, em absoluto, os fundamentos de facto que justificam o preenchimento dos requisitos do n.º 3, do artigo 131.º do CPPT.

Com efeito, como bem salienta a Impugnada, a decisão impugnada depois de ter transcrito uma citação de Jorge Lopes de Sousa, limitou-se a afirmar que «tais condições estão preenchidas no caso ora em análise, conclui-se que não era obrigatória a reclamação graciosa prévia, pelo que os actos em causa são susceptíveis de serem sindicados.»

Tal fundamentação nem sequer se pode dizer que seja insuficiente ou medíocre. É uma mera aparência de fundamentação que se traduz em um mero juízo conclusivo, sem nada esclarecer quanto à efectiva decisão da matéria de facto.

De acordo com o entendimento jurisprudencial, para efeitos do n.º 3, do artigo 131.º do CPPT, constituem «orientações genéricas» os «actos do poder de direcção típico da relação de hierarquia administrativa, os quais dão a faculdade de emanar circulares interpretativas, ou seja, instruções gerais, vinculativas, dirigidas aos órgãos da administração tributária, funcionários e agentes subalternos, acerca do sentido em que devem – mediante interpretação ou integração – entender-se as normas e princípios jurídicos que, no âmbito do exercício das suas funções, lhes caiba aplicar.» (cfr. Ac. STA de 31/05/2006, proc. n.º 026622, disponível em www.dgsi.pt.).

No caso em apreço a decisão impugnada não identifica a orientação genérica, nem a transpõe, padecendo de falta de fundamentação de facto, por total omissão de especificação dos fundamentos de facto em que assenta a decisão de não ser obrigatório a prévia dedução de reclamação graciosa.

Face ao expendido, impõe-se concluir que a decisão arbitral não cumpre as regras legais que presidem à sua elaboração, pois, demite-se do dever de especificar os fundamentos de facto e de direito no caso concreto.

Concluindo, procedendo as conclusões de recurso relativamente à questão analisada, impõe-se a baixa dos autos ao Tribunal Arbitral tendo em vista a supressão da nulidade cometida.

Termos em que procede, nesta parte, a argumentação da Impugnante, impondo-se a procedência da impugnação.

Em face do exposto, fica prejudicado o conhecimento das demais questões suscitadas.


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Conclusões/Sumário:

I. As decisões proferidas pelo CAAD podem ser impugnadas junto do Tribunal Central Administrativo Sul (TCAS) com fundamento nos vícios previstos no artigo 28.º, n.º 1 do RJAT.

II. A procedência da impugnação implica a anulação da decisão arbitral e dos actos que dela dependam (cfr. artigo 27.º, n.º 1 do RJAT).

III. A nulidade da decisão por falta de fundamentação supõe a não indicação dos fundamentos de facto ou de direito que justifiquem a decisão, e consubstancia-se, essencialmente, na falta de indicação de factos provados e não provados relevantes para a decisão, assim como das normas e institutos jurídicos em que assenta a decisão.


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IV – DECISÃO

Termos em que, face ao exposto, acordam os juízes da Subsecção Tributária Comum do Tribunal Central Administrativo Sul, em julgar procedente a presente impugnação e, em consequência, anular a decisão arbitral proferida no âmbito do processo n.º 169/2014-T, devendo o processo baixar ao CAAD para que seja proferida nova decisão, se nada mais obstar.

Custas pela Impugnada.

Notifique.

Lisboa, 16 Novembro de 2023.



Maria Cardoso - Relatora
Jorge Cortês – 1.º Adjunto
Susana Barreto - 2.º Adjunto
(assinaturas digitais)