Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1080/13.4BELSB.CS1
Secção:CA
Data do Acordão:11/20/2025
Relator:LUÍS BORGES FREITAS
Descritores:DL 416/99
INTEGRAÇÃO NA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA DO PESSOAL ORIUNDO DE TIMOR-LESTE VINCULADO AO ESTADO OU AOS CORPOS ADMINISTRATIVOS DAQUELE TERRITÓRIO
IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
Sumário:I - Aos funcionários e agentes do Estado e dos corpos administrativos, bem como aos trabalhadores contratados ou assalariados, que exerceram funções em Timor-Leste e estavam vinculados a estas entidades em 22 de janeiro de 1975 foi reconhecido o direito de manutenção do vínculo ou da relação jurídica com a Administração Pública Portuguesa, desde que reunissem os requisitos legalmente previstos.
II - A prova de vinculação é feita através de quaisquer documentos ou publicações oficiais que demonstrem inequivocamente o exercício de funções nos termos legalmente exigidos.
III - Tal natureza – oficial – reporta-se não apenas às publicações, mas também aos documentos.
IV - A declaração emitida por José Ramos Horta, alta individualidade de Timor-Leste, não tem natureza oficial, com a força de documento autêntico, na medida em que não foi emitida por uma autoridade pública nos limites da sua competência.
V - Ainda que se admitisse a idoneidade formal de tal documento para a prova dos factos pretendidos pela Recorrente, não se vê qual teria sido a razão de ciência que justificaria o conhecimento, por parte de tal individualidade, dos factos declarados.
Votação:Unanimidade
Indicações Eventuais:Subsecção Administrativa Social
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na Subsecção Social do Tribunal Central Administrativo Sul:


I
M....... intentou, 29.4.2013, no Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, ação administrativa especial contra o MINISTÉRIO DAS FINANÇAS, formulando o seguinte pedido:

«a) Declarar-se a nulidade ou, assim não se entendendo, anular-se o acto administrativo negativo, acima identificado na PI, notificado à Autora pelo ofício com a referência n.° B - 1333/2012/DGRH, da autoria da Secretaria-Geral do Ministério das Finanças, de 28.01.2013, com a devidas consequências legais, e, consequentemente,
b) Condenar-se o Réu, através do(s) órgão(s) competente(s) a praticar o acto administrativo legalmente devido, i.e., a prolatar decisão administrativa de deferimento do pedido de integração na Administração Pública Portuguesa, ao abrigo do Decreto-Lei n.° 416/99, de 21 de Outubro;
c) Fixar-se prazo não inferior a 10 dias para que o Réu cumpra o dever de proferir a decisão prevista na alínea anterior, sob cominação de pagar, a título de sanção pecuniária compulsória, a quantia de 50,00€ por cada dia de incumprimento».
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Por sentença de 4.4.2018 a ação foi julgada improcedente.
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Inconformada, a Autora interpôs recurso daquela decisão, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões, que se transcrevem:


I. Mediante o presente recurso pretende a Apelante impugnar a douta sentença proferida pelo Tribunal a quo, que julgou a ação improcedente e, em consequência, absolveu o Apelado dos pedidos.
II. Encontram-se preenchidos todos os pressupostos legais necessários ao reconhecimento do direito da Apelante de integração na Administração Pública Portuguesa, mediante afetação à Direcção-Geral da Administração Pública (DGAP), nos termos do Decreto-Lei n.º 13/97, de 17 de janeiro, por referência do n.º 2 do Decreto-Lei n.º 416/99, de 21 de outubro.
III. A Declaração do Sr. Dr. J......., Vice-Presidente do CNRT/CN, emitida a 16 de março de 2001, em Díli, Timor Leste, junta à petição inicial sob documento n.º 3, atesta que a Apelante “(…) completou os seus estudos secundários em Dili, Timor (…)”.
IV. Salvo o devido respeito, com base em tal Declaração – que não foi impugnada, emitida por uma das mais altas individualidades da sociedade civil e política de Timor Leste, e não se olvidando que com a guerra civil e a posterior ocupação da Indonésia, muitos dos documentos oficiais foram destruídos, o Tribunal a quo deveria ter considerado tal documento idóneo para prova plena dos factos que representa. Quando assim não se entenda,
V. Da conjugação da prova documental carreada para os autos, mormente os documentos juntos à petição inicial sob n.ºs 1 a 6, e com base nos ensinamentos da experiência, sempre o Tribunal a quo deveria ter considerado o ponto 1 “provado” por ilação - presunção judicial. Vejamos,
VI. A Certidão de Habilitações (doc. 1 junto à p.i.) refere que a Apelante concluiu o Ciclo Preparatório no ano letivo de 1966/67, com aproveitamento, que esteve matriculada no Curso Geral do Comércio, tendo sido transferida em 06/12/1967 para a Escola Industrial e Comercial de Díli – Timor, facto que também é mencionado na ficha de cadastro nominal dos alunos (doc. 2 da p.i.).
VII. Por sua vez, a Declaração da Escola de Hotelaria e Turismo de Lisboa, emitida em 02.04.1973 (doc. 4 da p.i.), assim como a Certidão emitida em 22.04.2003, pela mesma entidade (doc. 5 da p.i.), referem que a Apelante é aluna bolseira do Ministério do Ultramar pela Província de Timor e que frequentou com aproveitamento o Curso de Formação, secção de Recepção, no ano lectivo de 1972/73.
VIII. Da conjugação de tais documentos, infere-se que a Apelante continuou os seus estudos secundários na Escola Industrial e Comercial de Díli – Timor e que, após sua conclusão (conforme referido na Declaração do Sr. Dr. J....... (doc. 3 da p.i.)), frequentou com aproveitamento o Curso de Formação, secção de Recepção, no ano lectivo de 1972/73.
IX. Destarte, entende a Recorrente que tais documentos permitiam ao Tribunal a quo concluir, com a inerente segurança jurídica, que a Apelante concluiu o Ensino Secundário na Escola Industrial e Comercial de Díli.
X. Nos termos do disposto no artigo 90.º do Estatuto do Funcionalismo Ultramarino, aprovado pelo Decreto n.º 46 982, de 27 de abril de 1966: “As categorias dos funcionários ultramarinos são designados pelas letras A a Z e a cada cargo público corresponderá uma delas.
XI. O cargo da Apelante era de Terceiro Oficial, que correspondia à categoria do grupo Q, cujo vencimento base era de 44.400$00 e o complementar de 16.500$00, totalizando 60.900$00, conforme resulta do Quadro N.º 1 (relativo ao Pessoal dos quadros do Centro de Informação e Turismo) do Suplemento do Boletim Oficial de Timor n.º 52, de 31.12.1974, p. 1069, junto à petição inicial sob documento n.º 11.
XII. Enquanto Terceiro Oficial, a Recorrente desempenhou funções de recepcionista, para a qual obteve habilitação na Escola de Hotelaria e Turismo de Lisboa, por nomeação definitiva do quadro privativo do Centro de Informação e Turismo.
XIII. Do cotejo das declarações juntas à petição inicial sob documento n.º 3 e 7, salvo devido respeito, não se verifica qualquer contradição quanto à categoria detida pela Recorrente. A declaração do Sr. Dr. J....... (doc. 3) menciona o cargo público da Apelante: “(…) de Terceiro-Oficial do Quadro Geral Português durante o período de Setembro de 1973 até Julho de 1975”, enquanto a declaração do Sr. D.......(doc. 7) refere as funções desempenhadas pela Recorrente:“(…) recepcionista de nomeação definitiva do quadro privativo do Centro de Informação e Turismo de Timor.”
XIV. Salvo melhor opinião e com o devido respeito, tais documentos permitiam ao Tribunal a quo concluir, com a inerente segurança jurídica, que o cargo da Apelante era de Terceiro Oficial, que desempenhava funções de recepcionista, por nomeação definitiva do quadro privativo do Centro de Informação e Turismo de Timor e que o vencimento base era de 44.400$00, o complementar de 16.500$00, num total de 60.900$00.
XV. Existiu erro na apreciação da prova produzida, pelo que se impugna a decisão proferida, devendo os pontos 1 a 4 dos factos não provados serem alterados para “provados”, impondo-se uma nova subsunção da matéria de facto ao direito em termos diversos ao preconizado pelo Tribunal recorrido.
XVI. Em consequência, o Apelado deverá ser condenado a praticar um ato administrativo devido, de conteúdo legalmente vinculado, consubstanciado no deferimento do pedido da Apelante de integração na Administração Pública Portuguesa, ao abrigo do Decreto-Lei n.º 416/99, de 21 de outubro.
XVII. Por erro de interpretação e/ou aplicação, não se mostram corretamente observados e, por isso, se consideram violados os comandos legais aplicáveis, mormente o preceituado no artigo 1.º da Lei n.º 1/95, de 14 de janeiro, artigo 1.º e 2.º do Decreto-Lei n.º 416/99, de 21 de outubro, artigo 351.º e 362.º do Código Civil e artigo 67.º do CPTA.
Termos em que, e nos melhores de Direito, e sempre com o Douto Suprimento de V.as Excelências deve o recurso obter provimento, revogando-se a douta sentença em conformidade e, substituída por acórdão a julgar a ação procedente.
JUSTIÇA!


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O Recorrido apresentou contra-alegações, nas quais formulou as seguintes conclusões, que igualmente se transcrevem:

a. Bem andou o douto tribunal a quo ao ter concluído - como concluiu - no sentido de que a Autora não apresentou a prova inequívoca que lhe competia oferecer relativamente ao preenchimento de todos os requisitos legalmente previstos para poder ver reconhecido e efetivado o direito à integração na Administração Pública Portuguesa ao abrigo dos artigos 1° e 2° da Lei n° 1/95, de 14 de Janeiro e do artigo 1° do Decreto-Lei n° 416/99, de 21 de Outubro;
b. Diferentemente do que a Recorrente afirma nas respetivas alegações de recurso, jamais a mesma logrou demonstrar, de forma segura e inequívoca, o preenchimento dos requisitos de habilitação académica que invocou deter (ensino secundário), bem como o respetivo vínculo laboral e categoria profissional que a mesma afirmou manter com a administração do território de Timor-Leste (terceiro oficial de nomeação definitiva) a 22 de janeiro de 1975, como era míster nos termos dos artigos 1° e 2°, ambos do DL n° 416/99;
c. Com efeito, a Recorrente nunca apresentou qualquer documento idóneo para comprovar, de forma inequívoca, a alegada conclusão do ensino secundário, maxime, prova legal ou autêntica da habilitação académica invocada (artigos 271° e 376° do CC);
d. Em concreto, apenas juntou certidão de habilitações literárias datada de 12/10/2012 que atesta a conclusão, com aproveitamento, do ciclo preparatório no ano letivo de 1966/67;
e. Do mesmo modo, não logrou apresentar quaisquer documentos ou publicações oficiais - tal como eram exigidos nos termos do n° 3 do artigo 1° do DL n° 416/99 - que pudessem atestar ou certificar, de forma segura e inequívoca, a existência e o tipo de vínculo laboral constituído a 22 de janeiro de 1975 com a administração portuguesa do território de Timor-Leste (maxime a alegada nomeação definitiva), respetiva duração, categoria e remuneração auferida naquela data; particularmente, as invocadas funções de rececionista na categoria de terceiro-oficial de nomeação definitiva do quadro privativo do Centro de Informação e Turismo, desde 5 de setembro de 1973;
f. Sendo certo que a fixação destes factos seria essencial para efetivar a sua eventual afetação à Administração Pública Portuguesa nos termos dos artigos 2° e 3° do DL n° 416/99;
g. Todavia, conforme concluiu o douto tribunal a quo, é justamente dos elementos probatórios disponíveis e, em particular, do confronto e da conjugação dos documentos carreados para o processo que sobressaem, sobretudo, contradições insanáveis quanto à demonstração do tipo de vínculo e função/cargo exercido, o que afeta a convicção probatória destes meios e, logo, a sua credibilidade objetiva;
h. A insuficiência e as contradições detetadas na descrição e comprovação dos fatos relevantes para a decisão põem em causa o caráter inequívoco do vínculo laboral que a aqui Recorrente diz ter constituído com a Administração do território de Timor Leste a 22 de Janeiro de 1975, no que se refere à respetiva qualificação (modalidade de provimento), categorização funcional e o valor da correspondente remuneração, quando cotejado com a habilitação literária que a mesma afirma deter por ser necessária para a integração na categoria profissional invocada, à luz do disposto no Estatuto do Funcionalismo Público Ultramarino (EFU), aprovado pelo Decreto n° 46982, de 27/04/1966;
i. Perante os indícios contraditórios e as incertezas que dimanam, de forma insuperável, da factualidade descrita pela ora Recorrente e do tipo de prova produzida, os elementos probatórios disponíveis não são suficientes para presumir, com certeza e segurança, a verificação dos pressupostos e requisitos necessários ao reconhecimento do direito de ingresso na Administração Pública Portuguesa ao abrigo do DL n° 416/99, de 21/10;
j. Pelo que nada deve ser censurado à douta sentença sob recurso.
Nestes termos e nos mais de direito que V.Exas decerto doutamente suprirão, deve o presente recurso ser julgado totalmente improcedente mantendo-se a douta sentença recorrida nos seus exatos termos por não ser passível da menor censura, assim se fazendo a costumada Justiça !

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Notificado nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 146.º/1 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, o Ministério Público emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.
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Com dispensa de vistos, mas com envio prévio do projeto de acórdão aos Juízes Desembargadores adjuntos, vem o processo à conferência para julgamento.


II
Sabendo-se que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões do apelante, a questão que se encontra submetida à apreciação deste tribunal de apelação consiste em determinar se existe erro de julgamento sobre a matéria de facto, devendo considerar-se provado que:

a) A Autora/Recorrente concluiu o ensino secundário;
b) A Autora/Recorrente detinha o cargo de terceiro oficial, para o qual foi provida por nomeação definitiva,
c) sendo o seu vencimento base de 44.400$00 e o complementar de 16.500$00, totalizando 60.900$00.


III
A matéria de facto constante da sentença recorrida e a respetiva motivação são as seguintes:

A) A A. frequentou e concluiu, com aproveitamento, o Ciclo Preparatório na Escola Secundária de Pombal no ano de 1966/67, tendo estado matriculada nesse estabelecimento de ensino no Curso Geral de Comércio, 1.º Ano, sob o n.º 3…., tendo sido transferida em 06.12.1967 para a Escola Industrial e Comercial de Díli – Timor, cfr. docs. 1 e 2, juntos com a p.i., cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
B) A Autora frequentou com aproveitamento o Curso de Formação, Secção de Recepção, na Escola de Hotelaria e Turismo de Lisboa, no ano lectivo de 1972/1973, cfr. doc. 7, junto com a p.i., cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
C) Em 18/6/2001, a A. requereu a afectação à Direcção-Geral da Administração Pública, processo a que foi atribuído o nº 3156 de Timor, cfr. doc. 12, junto com a p.i., cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
D) Em 24/4/2003, a A. enviou à DGAP os seguintes documentos, cfr. fls. 83 a 87, do p.a., cujo teor se dá por integralmente reproduzido:
- Boletim Oficial de Timor nº 4… e nº 2…;
- Declaração de D….., datada de 7/1/1994;
- Declaração de J......., datada de 16/3/2001.
E) Por ofício da DGAP nº 3168 e 3828 respectivamente de 24.04.2003 e 27.05.2003, o pedido de afectação foi arquivado por, alegada, falta de junção, dentro do prazo legal, dos documentos solicitados “nomeadamente, um documento oficial que comprove inequivocamente o seu vínculo ao Estado Português em 22 de Janeiro de 1975 e ou em data anterior ou posterior até 31 de Julho de 1975, ou seja, um Boletim Oficial de Timor onde conste expressamente a data e despacho de nomeação, contratação ou assalariamento ao Centro de Informação e Turismo de Timor, nem sequer uma certidão de habilitações de literárias.”, cfr. doc. 13 e 14, junto com a p.i., cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
F) Em 3/6/2003, a A. enviou à DGAP os seguintes documentos, cfr. fls. 88 a 94, do p.a., cujo teor se dá por integralmente reproduzido:
- Certidão da Escola de Hotelaria e Turismo de Lisboa, em como frequentou com aproveitamento o Curso de Formação, Secção de Recepção, no ano lectivo de 1972/73;
- Declaração do Chefe da Secretaria da Escola de Hotelaria e Turismo de Lisboa, atestando que a A. frequentou com aproveitamento o Curso de Formação, Secção de Recepção, no ano lectivo de 1972/73 e lhe foi passado o diploma com o nº 7…., de 8/11/73;
- Carteira Profissional do Sindicato Nacional dos Profissionais na Indústria Hoteleira e Similares do Distrito de Lisboa;
G) Por requerimento de 26.05.2011, a Autora solicitou a reanálise da sua situação jurídico-funcional, juntando ao processo 3 (três) documentos:
-Certificado de Formação Profissional, emitido pelo Turismo de Portugal, através da Escola de Hotelaria e Turismo de Lisboa (doc. n.º 6);
-Boletim Oficial de Timor número 4…., de 9 de Novembro de 1974 (doc. n.º 9) e
-Boletim Oficial de Timor número 2…, de 7 de Junho de 1975 (doc. n.º 10).
H) Por despacho da Secretaria-Geral do Ministério das Finanças, de 19.09.2012, ofício com a referência n.º B-786/2012/DGRH, que se junta sob documento n.º 15, a Autora foi notificada para vir ao processo “(…) esclarecer e comprovar por qualquer documento ou publicação oficial (lista de antiguidade; guias de marcha ou de vencimentos; elementos biográficos constantes de registo) qual a modalidade vinculação constituída com o território de Timor, se foi um ato verbal ou proferido por meio de termo em livro de registo, em qualquer dos casos, que entidade autorizou o exercício das suas funções, a sua duração, bem como a remuneração estabelecida.” e para “(…) esclarecer e demonstrar, dentro do mesmo prazo, qual o seu percurso académico seguido, apresentando certificado de habilitação escolar ou comprovativo de equivalência.”, cfr. doc. 15, junto com a p.i., cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
I) No prazo concedido, a Autora remeteu, por via postal, a missiva que juntou à p.i. como documento n.º 16, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, prestando esclarecimentos e juntando os seguintes documentos:
- Certidão de habilitações, emitida pela Escola Secundária de Pombal, que atesta que a A. concluiu, no ano lectivo de 1966/67, com aproveitamento, neste estabelecimento de ensino o Ciclo Preparatório e que esteve matriculada no Curso Geral de Comércio, 1º ano, sob o nº 3…., tendo sido transferida em 6/12/1967, para a Escola Industrial e Comercial de Dili, em Timor;
- Ficha de cadastro nominal da A., na Escola Industrial e Comercial de Pombal;
- Declaração de J......., datada de 16/3/2001;
- Declaração de D….., datada de 7/1/1994;
- Boletim Oficial de Timor nº 4….e nº 5….;
- Declaração do Chefe da Secretaria da Escola de Hotelaria e Turismo de Lisboa, atestando que a A. frequentou com aproveitamento o Curso de Formação, Secção de Recepção, no ano lectivo de 1972/73 e lhe foi passado o diploma com o nº 7….., de 8/11/73.
J) Em 29/11/2012, a Secretária-Geral, da Secretaria-Geral do Ministério das Finanças apôs despacho de concordância no Parecer nº B-10/DSAJC/2012, cfr. fls. 173 a 180, do p.a., cujo teor se dá por integralmente reproduzido, e onde se refere designadamente o seguinte:
g) Finalmente, em 11 de Outubro de 2012, na sequência de nova diligência instrutória desta Secretaria-Geral realizada ao abrigo do artigos 89º, nº1 e 90º, nº1 do CPA (…), tendente a esclarecer e comprovar a habilitação literária adquirida e as características do vínculo laboral constituído na administração portuguesa de Timor Leste, logrou a Requerente remeter novos elementos informativos (carta recebida em 16/11/2012) com que pretende demonstrar a habilitação académica detida e a modalidade de vinculação, funções, categoria profissional e remuneração auferida em Timor, reiterando o pedido de reconhecimento do seu direito de integração na administração pública portuguesa.
K) Pelo ofício datado de 28/1/2013, com a referência B-1333/2012/DGRH, a Secretaria-Geral do Ministério das Finanças concluiu “(…) pela impossibilidade de dar seguimento ao procedimento administrativo subjacente tomando uma decisão justa e exequível sobre a pretensão formulada.” e determinou o arquivamento do processo com vista à integração da Autora na Administração Pública Portuguesa, cfr. doc. 17, junto com a p.i., cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
L) Do Boletim Oficial de Timor número 4…., de 9 de Novembro de 1974, consta o seguinte, cfr. doc. 9, junto com a p.i.:
“(texto integral no original; imagem)”
M) Do Boletim Oficial de Timor número 2…., de 7 de Junho de 1975, consta o seguinte, cfr. doc. 10, junto com a p.i.:
“(texto integral no original; imagem)”

N) Na Declaração do Sr. Dr. J......., então Vice Presidente do VNRT/CN, emitida a 16 de Março de 2001, em Díli, Timor Leste, consta que a Autora “(…) trabalhou no Centro de Informação e Turismo em Díli, Timor-Leste, no tempo da Administração portuguesa na capacidade de Terceiro-Oficial do Quadro Geral Português durante o período de Setembro de 1973 até Julho de 1975”, cfr. doc. 3, junto com a p.i., cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
O) Na Declaração do Sr. D......., emitida a 07 de Janeiro de 1994, que exerceu funções de Primeiro Oficial de nomeação definitiva do quadro privativo do Centro de Informação e Turismo de Timor desde 1973 (vide doc. n.º 8), consta que a Autora “(…)prestou serviço ao Estado na referida Província, no período de 5 de Setembro de 1973 a 31 de Julho de 1975, como recepcionista de nomeação definitiva do quadro privativo do Centro de Informação e Turismo de Timor. Recebeu, ininterruptamente, os seus vencimentos e sofreu os descontos legais para a compensação de aposentação, mantendo-se durante o mesmo período em efectividade de serviço.”, cfr. doc. 7, junto com a p.i., cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

Factos não provados
1. Na Escola Industrial e Comercial de Díli – Escola Técnica Professor Silva Cunha – a Autora, no ano de 1972, concluiu o Ensino Secundário.
2. Concluído o Curso, a Autora, como decorria das condições da referida candidatura, regressou a Timor para exercer as funções de recepcionista, do Centro de Informação e Turismo de Timor.
3. De 5 de Setembro de 1973 a 31 de Julho de 1975, a Autora, habilitada com o curso de Recepcionista, exerceu funções de Terceiro Oficial de nomeação definitiva do quadro privativo do Centro de Informação e Turismo de Timor.
4. O vencimento base da Autora era de 44.400$00 (quarenta e quatro mil e quatrocentos escudos), o vencimento complementar de 16.500$00 (dezasseis mil e quinhentos escudos), auferindo uma remuneração total de 60.900$00 (sessenta mil e novecentos escudos).

Motivação da matéria de facto
Quanto aos factos provados, o tribunal assentou a sua convicção nos documentos juntos aos autos e ao processo administrativo, não impugnados, conforme referido em cada alínea do probatório.
Relativamente aos factos não provados, os documentos apresentados para prova desses factos não são idóneos para esse efeito. Na realidade, do confronto das declarações apresentadas sob doc. 3 e doc. 7, regista-se, desde logo, uma contradição quanto à categoria detida pela A., porquanto no doc. 3 é declarado que a A. foi Terceiro-Oficial do Quadro Geral Português durante o período de Setembro de 1973 até Julho de 1975 e no doc. 7 é declarado que a A., no período de 5 de Setembro de 1973 a 31 de Julho de 1975, foi recepcionista de nomeação definitiva do quadro privativo do Centro de Informação e Turismo de Timor. Também os docs. 9 e 10 referem que a A. seria recepcionista assalariada, o que contraria as declarações em que se afirma que era recepcionista de nomeação definitiva.
Acresce que o doc. 3 não é um documento idóneo a provar a habilitação académica da A., quanto à conclusão do ensino secundário, uma vez que não consta de uma publicação oficial, nem consta de certidão emitida pela entidade onde a A. alegadamente concluiu os seus estudos.
Desconhecendo-se qual o cargo desempenhado pela A. e qual a forma de provimento também não é possível dar como provado o valor do salário auferido.


IV
1. Como se viu, o tribunal a quo considerou não ter sido feita prova de que:

«1. Na Escola Industrial e Comercial de Díli – Escola Técnica Professor Silva Cunha – a Autora, no ano de 1972, concluiu o Ensino Secundário.
2. Concluído o Curso, a Autora, como decorria das condições da referida candidatura, regressou a Timor para exercer as funções de recepcionista, do Centro de Informação e Turismo de Timor.
3. De 5 de Setembro de 1973 a 31 de Julho de 1975, a Autora, habilitada com o curso de Recepcionista, exerceu funções de Terceiro Oficial de nomeação definitiva do quadro privativo do Centro de Informação e Turismo de Timor.
4. O vencimento base da Autora era de 44.400$00 (quarenta e quatro mil e quatrocentos escudos), o vencimento complementar de 16.500$00 (dezasseis mil e quinhentos escudos), auferindo uma remuneração total de 60.900$00 (sessenta mil e novecentos escudos)».

2. Motivou tal decisão nos seguintes termos:

«Relativamente aos factos não provados, os documentos apresentados para prova desses factos não são idóneos para esse efeito. Na realidade, do confronto das declarações apresentadas sob doc. 3 e doc. 7, regista-se, desde logo, uma contradição quanto à categoria detida pela A., porquanto no doc. 3 é declarado que a A. foi Terceiro-Oficial do Quadro Geral Português durante o período de Setembro de 1973 até Julho de 1975 e no doc. 7 é declarado que a A., no período de 5 de Setembro de 1973 a 31 de Julho de 1975, foi recepcionista de nomeação definitiva do quadro privativo do Centro de Informação e Turismo de Timor. Também os docs. 9 e 10 referem que a A. seria recepcionista assalariada, o que contraria as declarações em que se afirma que era recepcionista de nomeação definitiva.
Acresce que o doc. 3 não é um documento idóneo a provar a habilitação académica da A., quanto à conclusão do ensino secundário, uma vez que não consta de uma publicação oficial, nem consta de certidão emitida pela entidade onde a A. alegadamente concluiu os seus estudos.
Desconhecendo-se qual o cargo desempenhado pela A. e qual a forma de provimento também não é possível dar como provado o valor do salário auferido».

3. A Recorrente insurge-se contra tal julgamento. Relativamente ao cargo desempenhado e à forma de provimento, alega o seguinte:

«Na fundamentação da motivação expendida para a decisão, quanto à referida matéria de facto, o Tribunal a quo considerou que do confronto das declarações prestadas sob doc. 3 e doc. 7 da petição inicial, resulta uma contradição quanto à categoria detida pela Recorrente, que no doc. 3 é declarado que a Apelante foi Terceiro-Oficial do Quadro Geral Português e que no doc. 7 é declarado que foi recepcionista de nomeação definitiva do quadro privativo do Centro de Informação e Turismo de Timor.
Salvo devido respeito, tal contradição não existe. Vejamos,
Conforme deflui do artigo 90.º do Estatuto do Funcionalismo Ultramarino, aprovado pelo Decreto n.º 46 982, de 27 de abril de 1966: “As categorias dos funcionários ultramarinos são designados pelas letras A a Z e a cada cargo público corresponderá uma delas.”
O cargo da Apelante era de Terceiro Oficial, que correspondia à categoria do grupo Q, cujo vencimento base era de 44.400$00 e o complementar de 16.500$00, totalizando 60.900$00, conforme resulta do Quadro N.º 1 (relativo ao Pessoal dos quadros do Centro de Informação e Turismo) do Suplemento do Boletim Oficial de Timor n.º 52, de 31.12.1974, p. 1069, junto à petição inicial sob documento n.º 11.
Enquanto Terceiro Oficial, a Recorrente desempenhou funções de recepcionista, para a qual obteve habilitação na Escola de Hotelaria e Turismo de Lisboa, por nomeação definitiva do quadro privativo do Centro de Informação e Turismo.
Do cotejo das declarações juntas à petição inicial sob documento n.º 3 e 7, salvo devido respeito, não se verifica qualquer contradição. A declaração do Sr. Dr. J....... (doc. 3) menciona o cargo público da Apelante: “(…) de Terceiro-Oficial do Quadro Geral Português durante o período de Setembro de 1973 até Julho de 1975”, e a declaração do Sr. D.......(doc. 7) refere as funções desempenhadas pela Recorrente:“(…) recepcionista de nomeação definitiva do quadro privativo do Centro de Informação e Turismo de Timor.”
No que concerne à forma de provimento, conforme decorre da declaração junta à petição inicial, sob documento n.º 7, foi por “(…) nomeação definitiva do quadro privativo do Centro de Informação e Turismo de Timor.”
Assim, entende a Apelante que tais documentos permitiam ao Tribunal a quo concluir, com a inerente segurança jurídica, que o cargo da Apelante era de Terceiro Oficial, que desempenhava funções de recepcionista, por nomeação definitiva do quadro privativo do Centro de Informação e Turismo de Timor, que o vencimento base era de 44.400$00 e o complementar de 16.500$00, totalizando 60.900$00.
Existiu, por isso, erro na apreciação da prova produzida, pelo que se impugna a decisão proferida, devendo os pontos 2 a 4 dos factos não provados serem alterados para “provado”».

4. Tem razão a Recorrente quando alega que não existirá contradição entre o documento n.º 3 – que declara a categoria – e o documento n.º 7 – que declara as funções.

5. Sucede que a motivação da decisão sobre a matéria de facto não se ficou por ali. O tribunal a quo ainda evidenciou que «[t]ambém os docs. 9 e 10 referem que a A. seria recepcionista assalariada, o que contraria as declarações em que se afirma que era recepcionista de nomeação definitiva». E quanto a isto a Recorrente não aduz qualquer palavra. Ou melhor, limita-se a dar conta de que «[n]o que concerne à forma de provimento, conforme decorre da declaração junta à petição inicial, sob documento n.º 7, foi por “(…) nomeação definitiva do quadro privativo do Centro de Informação e Turismo de Timor.”».

6. Tal significa que não considerou o facto de o Boletim Oficial de Timor de 7.6.1975 não confirmar, de modo algum, a «nomeação definitiva» a que alude a declaração de D......., ex-funcionário do Centro de Informação e Turismo de Dili. Pelo contrário, tal documento oficial classifica a Recorrente como rececionista assalariada. E nada mais se consegue saber.

7. Note-se, aliás, que o Decreto-Lei n.º 416/99, de 21 de outubro, estabelece que «[a] prova de vinculação é feita através de quaisquer documentos ou publicações oficiais que demonstrem inequivocamente o exercício de funções (…)». Tal natureza – oficial – reporta-se não apenas às publicações, mas também aos documentos.

8. Ora, as declarações constantes dos documentos n.ºs 3 e 7 juntos com a petição inicial não têm, evidentemente, essa natureza. É certo que, e como refere a Recorrente, a declaração contida no documento n.º 3 é de J......., «uma das mais altas individualidades da sociedade civil e política de Timor Leste». Veio, aliás, a ser eleito Presidente da República Democrática de Timor-Leste.

9. No entanto, tal documento não tem natureza oficial, com a força de documento autêntico, na medida em que não foi emitido por uma autoridade pública nos limites da sua competência (artigo 363.º/2/1.ª parte do Código Civil). A competência que relevava para o efeito. Trata-se, portanto, de um documento particular.

10. Ora, ainda que se admitisse a idoneidade formal de tal documento para a prova dos factos pretendidos pela Recorrente, não se vê qual teria sido a razão de ciência que justificaria o conhecimento, por parte de tal individualidade, dos factos declarados.

11. De notar, aliás, que a declaração é emitida quase 30 anos depois dos factos declarados. Por outro lado, reporta-se a factos de natureza bem distinta, ou seja, tanto se reporta ao percurso académico, como ao profissional. E não existe uma única linha que nos permita apreender a razão pela qual o declarante seria conhecedor, direto ou indireto, de tais percursos, e com os pormenores declarados. Bem alega, aliás, o Recorrido ao evidenciar que fica «por perceber se os factos e situações constatados são do conhecimento direto dos declarantes no exercício de cargo público adequado (superior hierárquico ou chefia funcional) na administração pública de Timor Leste ou se são fundados em processo administrativo ou livro de registo, uma vez que o texto destas declarações não o evidencia».

12. Portanto, de modo algum se poderá considerar provado, como pretende a Recorrente, que a mesma era terceiro oficial, por nomeação definitiva. E o mesmo terá de se entender quanto à alegada conclusão do ensino secundário.

13. É certo que a Recorrente parece admitir uma via alternativa para alcançar a prova pretendida quanto à conclusão do ensino secundário. Por isso alega que ainda que se entenda que «[a] Declaração do Sr. Dr. J......., Vice-Presidente do CNRT/CN, emitida a 16 de Março de 2001, em Díli, Timor Leste, junta à petição inicial sob documento n.º 3, [que] atesta que a Apelante “(…) completou os seus estudos secundários em Dili, Timor (…)”», não é «documento idóneo para prova plena dos factos que representa, (…), da conjugação da prova documental carreada para os autos, mormente os documentos juntos à petição inicial sob n.os 1 a 6, e com base nos ensinamentos da experiência, sempre o Tribunal a quo deveria ter considerado o ponto 1 “provado” por ilação - presunção judicial». No entanto, e afinal, essa via alternativa acaba por convocar, também ela, a referida declaração, pois o que se alega é o seguinte: «da conjugação de tais documentos [os oficiais], infere-se que a Apelante continuou os seus estudos secundários na Escola Industrial e Comercial de Díli – Timor e que, após sua conclusão (conforme referido na Declaração do Sr. Dr. J....... (doc. 3 da p.i.)), frequentou com aproveitamento o Curso de Formação, secção de Recepção, no ano lectivo de 1972/73». Ou seja: os documentos oficiais atestam a frequência dos estudos secundários, mas a prova da sua conclusão assenta na declaração de J........ O que, como já se viu, não consubstancia documento idóneo para esse efeito.

14. Improcedendo o recurso da matéria de facto, não poderá ser alcançado o efeito jurídico pretendido pela Recorrente.


V
Em face do exposto, acordam os Juízes da Subsecção Social do Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso.

Custas pela Recorrente (artigo 527.º/1 e 2 do Código de Processo Civil).


Lisboa, 20 de novembro de 2025.

Luís Borges Freitas (relator)
Maria Julieta França
Rui Fernando Belfo Pereira