Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1433/10.0BEALM
Secção:CT
Data do Acordão:11/13/2025
Relator:ISABEL SILVA
Descritores:HABITAÇÃO PRÓPRIA E PERMANENTE
DOMICÍLIO FISCAL
Sumário:Para efeitos do disposto no artigo 10º nº 5 do CIRS, o conceito de habitação própria permanente não equivale ao conceito de domicílio fiscal
Votação:UNANIMIDADE
Indicações Eventuais:Subsecção Tributária Comum
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
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Acordam, em conferência, os Juízes que constituem a Subsecção Tributária Comum do Tribunal Central Administrativo Sul:
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I – RELATÓRIO

Nuno ……………………….., ora recorrente, deduziu recurso contra a sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada, que julgou improcedente a Impugnação Judicial que deduziu na sequência do indeferimento de reclamação graciosa e da subsequente decisão que negou provimento ao recurso hierárquico que interpusera contra o ato de liquidação de Imposto sobre o Rendimentos das Pessoas Singulares (IRS), com o nº ……………..050, referente ao ano de 2004.

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O Recorrente apresenta as suas alegações de recurso, com as seguintes conclusões: “

A) ÂMBITO DO RECURSO

- O presente recurso foi interposto da sentença de fls. 249 e segs. dos autos, proferida pelo Tribunal a quo em 09.12.2015, retificada através de despacho de 27.01.2016, através da qual foi julgada improcedente a impugnação deduzida pelo Recorrente contra o ato de indeferimento da reclamação graciosa referente ao IRS de 2004, e bem assim, contra o ato de liquidação daquele imposto, requerendo a sua nulidade ou a sua anulação;

2ª - A ação sub judice teve por objeto a impugnação da liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares nº ……………..050, referente ao rendimento auferido pelo Recorrente no ano de 2004, emitida pelo Serviço de Finanças de Palmela, em 04.06.2008, junta a fls. 30 dos autos, bem como, da decisão de indeferimento expresso do recurso hierárquico que incidiu sobre o indeferimento da reclamação da liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares nº …………………050, referente ao rendimento auferido pelo Recorrente no ano de 2004, emitida pelo Serviço de Finanças de Palmela, em 04.06.2008, junta de fls. 166 a 176 dos autos;

3ª - A motivação da impugnação daqueles atos residiu no facto da Administração Tributária e Aduaneira ter indevidamente desconsiderado a exclusão de tributação dos ganhos provenientes da transmissão onerosa de um imóvel, pertença do Recorrente, destinado à habitação própria e permanente do sujeito passivo, que foram reinvestidos pelo Recorrente na aquisição de um outro imóvel também ele destinado à habitação própria e permanente do adquirente;

4ª - Conforme resulta do processo instrutor e demais elementos juntos aos autos, a referida desconsideração daquele benefício fiscal por parte da AT residiu, apenas e só, na circunstância do Recorrente não ter inscrita a morada do imóvel alienado como o seu domicílio fiscal no momento em que ocorreu a referida venda, pelo que, socorrendo-se do ínsito legal previsto no artigo 19º, n°3, da LGT, entendeu que o facto de a habitação própria e permanente do Recorrente se situar efetivamente no imóvel alienado à data da respetiva venda seria irrelevante para efeitos da aplicação do disposto no artigo 10º, n°5, alínea a), do CIRS, que determina a exclusão da tributação das mais-valias reinvestidas na aquisição de outro imóvel destinado à habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar.

5ª - AT tinha e sempre teve em seu poder todos os elementos demonstrativos de que o imóvel sito na freguesia do E.................. e alienado pelo sujeito passivo constituía a habitação própria e permanente do mesmo à data da sua venda, conforme resultou, aliás, provado, através dos documentos carreados para os autos, e bem assim, pela prova testemunhal produzida em sede de julgamento;

6ª- A douta sentença recorrida enferma de manifestas nulidades e erros de julgamento, tendo violado diversos normativos legais, sendo certo que, face à factualidade apurada nos autos, não era possível ao Douto Tribunal a quo ter julgado improcedente a impugnação dos atos supra descritos;

B) IMPUGNAÇÃO DA DECISÃO SOBRE O FACTO CONSTANTE DO PONTO 8 DOS FACTOS PROVADOS

7ª - Nos termos do artigo 662 n.°1 do CPC, aplicável ex vi do disposto no artigo 2º, alínea e), do CPPT, “a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa”;

8ª - Por seu turno, dispõe o artigo 640º do CPC, aplicável ex vi do disposto no artigo 2º, alínea e), do CPPT, que quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição, a) os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados; b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo;

9ª - Nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 662 n.°1 do CPC, a Recorrente impugna e pretende ver modificados os factos constantes dos pontos 8, 9 e 12 dos factos provados que constam da douta sentença recorrida, porquanto da prova produzida nos autos das normas legais aplicáveis in casu impunha-se uma decisão diversa da que foi proferida pelo douto Tribunal a quo;

10ª - Por outro lado, não obstante o teor da sentença sub judice apontar para a constatação feita pelo Tribunal a quo de que o Recorrente possuía a sua residência permanente no imóvel alienado à data da sua venda, o certo é que essa importante factualidade (desde logo apontada na sentença como a questão que se coloca saber) não se encontra expressamente vertida nos “Factos Provados” da sentença, razão pela qual o Recorrente, por mera cautela, pretende ver incluído nos factos provados o alegado nos artigos 5º e 6º da p.i.;

11ª - Conforme resulta do disposto no artigo 19º, n°1, alínea a), da LGT, o domicílio fiscal do sujeito passivo é, salvo disposição em contrário, para as pessoas singulares, o local da residência habitual;

12ª - Sem prejuízo do artigo 10º, n°5, alínea a), do CIRS, convocar o conceito de “residência própria e permanente” e não “domicílio fiscal” ou “residência habitual”, importa constatar que o que consta do referido ponto 8 da fundamentação da matéria de facto carece de qualquer apoio na prova produzida em sede de audiência de discussão e julgamento, e bem assim, daqueloutra que se encontra junta aos autos e que manifestamente apontam para a constatação de que a residência habitual do ora Recorrente em 21.11.2003 e, desde logo, o seu domicílio fiscal, ficava sito na …………….., n°s ………………-A, freguesia do E.................., concelho de Cascais;

13ª - Quanto muito, poderia o Tribunal a quo considerar que a morada do Recorrente inscrita no cadastro informático da AT em 21.11.2003 era, de facto, Rua …………., lote …… — Edifício …………, BL B — R/C Dt° …………., C…………, mas não o domicílio fiscal em si, porquanto ficou amplamente demonstrado que a residência habitual do Recorrente ficava sita na Avenida …………, n°s ………..-A, freguesia do E.................., concelho de Cascais e é a residência habitual que constitui o domicílio fiscal do sujeito passivo e não o inverso;

14ª- Aliás, segundo o suporte da convicção do Tribunal que consta da sentença recorrida, “não se duvida que o Impugnante residia com a sua mãe e o seu padrasto na referida morada”;

15ª - Os meios concretos de prova que determinariam uma resposta diversa ao ponto 8 dos factos provados constantes da sentença sub judice, são os depoimentos das testemunhas JOÃO ……………………….., empresário, identificado na ata de audiência de julgamento de 03.09.2014, junta aos autos a fls 202 e segs. e cujo depoimento foi gravado em cassete áudio, da volta 0012 até à volta 0775, do lado A, HÉLDER ………………., gestor, identificado na ata de audiência de julgamento de 03.09.2014, junta aos autos a fls. 202 e segs. e cujo depoimento foi gravado em cassete áudio, da volta 0780 até à volta 1093, do lado A; FERNANDA …………………., mediadora imobiliária, identificada na ata de audiência de julgamento de 03.09.2014, junta aos autos a fls. 202 e segs. e cujo depoimento foi gravado em cassete áudio, da volta 1095 até à volta 1802, do lado A e MARIA ……………………………, engenheira, identificada na ata de audiência de julgamento de 03.09.2014, junta aos autos a fls. 202 e segs. e cujo depoimento foi gravado em cassete áudio, da volta 1803 até à volta 2430, do lado A;

16ª - Os depoimentos das testemunhas inquiridas nos autos, todos eles considerados “claros e credíveis” pelo Tribunal a quo, atestam que a residência habitual do Recorrente na data da venda do imóvel, e desde há longos anos a essa data, ficava situada na morada do imóvel alienado (Av. …………., n°s ………..-A, E..................) pelo que, salvo o devido respeito, não era possível ao douto Tribunal recorrido responder a este facto nos termos em que o fez na douta sentença recorrida, incorrendo em erro de julgamento;

17ª - As testemunhas Fernanda ……….. e Maria ………………. deixaram claro que o imóvel sito na Rua …………., lote …….. - Edifício ………….., BL B - R/C Dt° …………., Cascais era utilizado pelo Recorrente como forma de geração de rendimento, através do respetivo arrendamento a terceiros, pelo que dúvidas não subsistiam que a residência habitual do Recorrente em 21.11.2003 e, logo, o seu domicílio fiscal, nunca poderia ficar localizado na morada que se encontrava inscrita no cadastro fiscal do Recorrente junto da base de dados da AT-Rua …………., em Cascais;

18ª - Acresce ainda a existência de numerosos e importantes documentos juntos aos autos, elaborados pela AT ou acessíveis a esta, que atestam que o Recorrente residia efetivamente no imóvel do E.................., nomeadamente, recibos modelo 6 do CIRS, emitidos ao longo de 2004 (art°115 IRS), com indicação da morada do imóvel do E.................. como sua residência, de fls. 58 a 73 dos autos, Serviços de Identificação Civil de Lisboa, aí indicando a morada do imóvel do E.................. como sua residência aquando da emissão do bilhete de identidade em 29.01.2003, de fls. 75 a 77 dos autos, caderneta predial urbana do artigo matricial …………, fração G, Freguesia de ………, efetuada pela AT (Serviço de Finanças de Cascais 1) em 15.04.2004, ali estando indicado como residência do Recorrente a morada do imóvel do E.................., de fls. 78 a 82 dos autos, caderneta predial urbana do artigo matricial ……., Freguesia do E.................., efetuada pela AT (Serviço de Finanças de Cascais 1) em 21.07.2004, ali estando indicado como residência do Recorrente a morada do imóvel do E.................., de fls. 83 a 85 dos autos;

19ª - Também se encontram carreados para os autos importantes documentos que atestam que o Recorrente não possuía residência habitual no imóvel sito na Rua das ………….s, lote …….. - Edifício …………., BL B - R/C Dt°, …………, Cascais, local indicado no cadastro do Recorrente junto da AT como sendo o seu domicílio fiscal, nomeadamente, contratos de arrendamento do referido imóvel, celebrados em 27 de Novembro de 2000, 30 de Maio de 2003 e 1 de Março de 2005, e bem assim, contrato de mediação imobiliária sobre o referido imóvel, celebrado em 14.05.2004, de fls. 86 a 111 dos autos e documento junto pela testemunha FERNANDA …………………… durante o decurso da audiência de inquirição de testemunhas realizada em 03.09.2014 e, em especial, o documento de renúncia à isenção de IMI relativo ao referido imóvel localizado em Cascais, submetido perante a AT pelo Recorrente em 10.08.2001, no qual este informa que não reúne os pressupostos estipulados no artigo 52º, n°1 e 5 do EBF, a fls. 112 dos autos;

20ª - O douto Tribunal a quo, perante o teor dos depoimentos das testemunhas acima mencionadas, e bem assim, face à relevante documentação junta aos autos, teria necessariamente de concluir que o domicílio fiscal do Recorrente (enquanto conceito que faz apelo à residência habitual do sujeito passivo), ficava sito, pelo menos, desde o ano 2000 até Outubro de 2004, no imóvel localizado na Av. ………….., n°s …………….., E..................;

21ª - Termos em que o ponto 8 dos factos provados da sentença sub judice, deverá ser alterado nos seguintes termos: “A morada do domicílio fiscal do Impugnante inscrita no cadastro informático da A T, em 21/11/2003. era na Rua ………….., lote 18 - Edifício …………. BL B - R/C Dt°. ……………. Cascais, sendo que essa morada não correspondia à sua residência habitual, a qual ficava sita na Avenida ……….., n°s ……………, freguesia do E.................., concelho de Cascais”;

C) IMPUGNAÇÃO DA DECISÃO SOBRE O FACTO CONSTANTE DO PONTO 9 DOS FACTOS PROVADOS

22ª- pela razões e fundamentos supra aduzidos a propósito da impugnação do ponto 9 dos factos provados e com base nos elementos probatórios identificados nas conclusões 15a, 18a e 19a, é manifesto que não se afigurava possível ao Tribunal a quo ter concluído que em 31/12/2004 o domicílio fiscal do Recorrente ficava sito na Rua ………….., lote ……….— Edifício ……….., BL B — R/C Dt° ……………, Cascais, porquanto dos depoimentos supra citados e dos elementos documentais juntos aos autos conclui-se que tal imóvel não era habitado pelo Recorrente, pelo que não poderia ser considerado como o seu domicílio fiscal;

23º- Deste modo, o ponto 9 dos factos provados da sentença sub judice, deverá ser alterado nos seguintes termos: “A morada do domicílio fiscal do Impugnante inscrita no cadastro informático da AT, em 31/12/2004, era na ……………, lote ………..- Edifício ……….. BL B - R/C Dt°, ………... Cascais, sendo que essa morada não correspondia à sua residência habitual”.

D) IMPUGNAÇÃO DA DECISÃO SOBRE O FACTO CONSTANTE DO PONTO 12 DOS FACTOS PROVADOS

24ª - Na resposta ao ponto 12 da matéria de facto, o Tribunal recorrido limita-se a referir que “para efeitos bancários e de estudo” o Impugnante tinha a sua residência no imóvel localizado na Av. …………, n°s ……….., E.................., quando é certo que a prova produzida, nomeadamente o depoimentos das testemunhas inquiridas em sede de audiência de discussão e julgamento, as quais, relembre-se, foram consideradas “claras e credíveis” pelo Tribunal recorrido, apontaram unanimemente para o facto da residência permanente do Recorrente ficar localizada no imóvel localizado na Av. ……………, n°s ………….., E..................';

25ª - Afigura-se assim indevidamente lacónica a conclusão alcançada pelo Tribunal quanto ao facto da residência do Recorrente ficar localizada na Av. ……………, n°s ………….., E.................., para efeitos bancários e de estudo, quando é certo que dúvidas não subsistiram em ter concluído o Tribunal a quo que o Recorrente residia com a sua mãe e o seu padrasto na referida morada;

26ª - Importava, pois, ao Tribunal recorrido, clarificar na resposta ao ponto 12 da matéria de facto que o Recorrente residia no imóvel sito na Av. ………….., n°s ……….., E.................. até à data da respetiva alienação e não somente “para efeitos bancários e de estudo”, pelo que tendo em consideração as razões supra aduzidas nos pontos 11 a 20 das presentes conclusões, em especial os meios probatórios referidos nas conclusões 15ª, 18ª e 19ª, o ponto 12 dos factos provados da sentença sub judice, deverá ser alterado nos seguintes termos: “O Recorrente residiu de forma permanente com a sua mãe e o seu padrasto no imóvel sito na ……………... n°s ……………., E.................. até à data da respetiva alienação, o que também resulta, além do mais, da correspondência bancária e académica junta de fls. 41 a 57 dos autos”;

E) IMPUGNAÇÃO DA DECISÃO SOBRE A NÃO INCLUSÃO DO FACTO CONSTANTE DO ARTIGO 5° DA P.I. DO ELENCO DOS FACTOS PROVADOS DA SENTENÇA

27ª - Verifica-se que o Tribunal a quo não elenca nos factos provados a matéria de primordial relevância invocada pelo Recorrente no artigo 5º da p.i., que tratava de saber se desde a data da respetiva aquisição até ao momento da sua venda, o imóvel do E.................. foi exclusivamente afeto pelo A. à sua habitação própria e permanente;

28ª- Face à prova produzida, nomeadamente os depoimentos das testemunhas inquiridas em sede de audiência de discussão e julgamento indicados na conclusão 15ª, e bem assim, dos documentos referidos nas conclusões 18ª e 19ª, foi amplamente confirmado que a residência permanente do Recorrente ficava localizada no imóvel localizado na Av. ………….., n°s ……………., E.................. até ao momento da venda daquele bem, tendo o Recorrente inclusivamente conseguido demonstrar, como facto instrumental, que nunca a sua residência permanente poderia ficar situada no identificado imóvel da Rua ……………, em Cascais (morada indicada como domicílio fiscal no cadastro da AT), pela simples razão de que esse bem sempre fora utlizado como forma de geração de rendimentos prediais (sendo os contratos de arrendamento e respetivos rendimentos devidamente declarados à própria AT);

29ª - Afigura-se errada e indevida a omissão daquele importante facto da matéria de facto provada que consta da sentença, porquanto, aliás, o Tribunal considerou que a questão que se colocava saber era se o Impugnante tinha a sua residência permanente no imóvel alienado em 2004, e bem assim, que “não se duvida que o Impugnante residia com a sua mãe e o seu padrasto na referida morada”;

30ª - Deste modo, pelas razões supra aduzidas nos pontos 11 a 20 das presentes conclusões, em especial os meios probatórios referidos nas conclusões 15ª, 18ª e 19ª, a matéria invocada pelo Recorrente no artigo 5º da p.i. deverá ser vertida para os factos provados constantes da fundamentação da sentença.

F) IMPUGNAÇÃO DA DECISÃO SOBRE A NÃO INCLUSÃO DO FACTO CONSTANTE DO ARTIGO 6º DA P.I. DO ELENCO DOS FACTOS PROVADOS DA SENTENÇA

31ª - O Tribunal a quo não elencou nos factos provados a matéria de primordial relevância invocada pelo Recorrente no artigo 6º da p.i., que tratava de saber se durante o período em que foi proprietário do imóvel entretanto alienado, o Recorrente o habitou de forma permanente, tendo ali mantido e estabilizado o seu centro de vida familiar, residindo com os seus familiares e recebendo os seus amigos.

32ª - Porém, face à prova produzida, nomeadamente os depoimentos das testemunhas inquiridas em sede de audiência de discussão e julgamento indicados na conclusão 15ª, e bem assim, dos documentos referidos nas conclusões 18a e 19a, foi amplamente confirmado que o Recorrente habitou de forma permanente o imóvel alienado, tendo ali mantido e estabilizado o seu centro de vida familiar, residindo com os seus familiares e recebendo os seus amigos até ao momento da venda daquele bem, tendo o Recorrente inclusivamente conseguido demonstrar, como facto instrumental, que nunca a sua residência permanente poderia ficar situada no identificado imóvel da Rua ………….., em Cascais (morada indicada como domicílio fiscal no cadastro da AT), pela simples razão de que esse bem sempre fora utlizado como forma de geração de rendimentos prediais (sendo os contratos de arrendamento e respetivos rendimentos devidamente declarados à própria AT);

33ª - Termos em que se afigura errada a omissão daquele importante facto alegado no artigo 6º da p.i. da matéria de facto provada que consta da sentença, porquanto, aliás, o Tribunal considerou que a questão que se colocava saber era se o Impugnante tinha a sua residência permanente no imóvel alienado em 2004, e bem assim, que “não se duvida que o Impugnante residia com a sua mãe e o seu padrasto na referida morada”;

34ª - Deste modo, pelas razões supra aduzidas nos pontos 11 a 20 das presentes conclusões, em especial os meios probatórios referidos nas conclusões 15ª, 18ª e 19ª, a matéria invocada pelo Recorrente no artigo 5º da p.i. deverá ser vertida para os factos provados constantes da fundamentação da sentença;

G) DA NULIDADE DA SENTENÇA RECORRIDA POR OPOSIÇÃO DOS FUNDAMENTOS COM A DECISÃO E POR AMBIGUIDADE E OBSCURIDADE (ARTIGO 615º, Nº1, ALÍNEA C), DO CPC, APLICÁVEL EX VI DO DISPOSTO NO ARTIGO 2º, ALÍNEA E), DO CPPT)

35ª - De acordo com o preceituado na alínea c) do nº 1 do artº 615 do CPC, aplicável ex vi do disposto no artigo 2º, alínea e), do CPPT, a sentença é nula "quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível";

36ª - Verifica-se que o Tribunal a quo enunciou, e bem, que a questão jurídica a solucionar tratava de saber se o Recorrente tinha a sua residência permanente no imóvel alienado em 2004, porém, mais adiante, no decorrer da sua fundamentação, o Tribunal recorrido entende que toda a questão em apreço nos presentes autos se prende, afinal, com a questão de saber se o Impugnante tinha ou não o seu domicílio fiscal no imóvel alienado, porquanto considera que, atento o disposto no artigo 19º da LGT que determina, além do mais, ser ineficaz a mudança de domicílio do sujeito passivo enquanto não for comunicada à administração tributária, que a residência em local diferente daquele que consta para efeitos fiscais é absolutamente ineficaz para efeitos fiscais;

37ª- Não obstante não terem restado dúvidas ao Tribunal a quo que o Recorrente residia com a sua mãe e com o seu padrasto no imóvel alienado, entendeu este, de forma obscura e contraditória, que tal se afigurava irrelevante para determinar se a tributação da mais-valia decorrente alienação em apreço beneficiava do benefício previsto no n°5, alíneas a) e c), do artigo 10º do CIRS, porquanto, o que seria mister aferir, na opinião do Tribunal recorrido, era determinar, aquando da venda de um bem, se esse bem era ou não a residência fiscal do contribuinte para efeitos de apuramento das mais-valias, incorrendo assim em clara e frontal oposição entre os fundamentos de facto da sentença recorrida e a respetiva decisão constituindo, qual silogismo, uma manifesta contradição entre a premissa e a conclusão, nulidade que se invoca para todos os efeitos legais;

38ª- Com base nesse desvio do seu iter cognitivo, o Tribunal recorrido determina que se afigura irrelevante o facto do contribuinte residir em local diferente daquele que consta indicado no cadastro da AT, i.e., a decisão afigura-se totalmente contraditória com os fundamentos e obscura ou ambígua, pois se o Tribunal entendia que a questão essencial a determinar nos autos em apreço era, afinal, saber se a morada do imóvel alienado pelo Recorrente correspondia àquela que se encontrava indicada no cadastro do contribuinte junto da AT, não haveria sequer a necessidade de realização de julgamento, pois essa dissonância nunca foi posta em causa pelo Recorrente e, aliás, constitui a verdadeira causa essencial de todo o conflito jurídico-tributário que nos ocupa;

39ª- Tendo o Tribunal recorrido considerado que a questão essencial era saber se a residência permanente do Recorrente ficava no imóvel alienado (conceito esse que consta, aliás, do artigo 10º, n°5, alíneas a) e c), do CIRS), e bem assim, tendo constatado que a residência do Recorrente ficava efetivamente no imóvel alienado, teria de concluir, necessariamente, pela verificação dos requisitos previstos no artigo 10º, n°5, alíneas a) e c), do CIRS para a exclusão de tributação da mais-valia reinvestida pelo Recorrente na aquisição de um outro imóvel, julgando procedente, por provada, a impugnação deduzida nos autos pelo Recorrente;

40ª- Termos em que se verifica a nulidade da sentença, tanto por oposição dos respetivos fundamentos com a decisão, bem como pela ocorrência de obscuridades que a tornam ininteligível, devendo a mesma ser declarada nula nos termos do disposto no artigo 615, n°1, alínea c), in fine, do CPC, aplicável ex vi do disposto no artigo 2º, alínea e), do CPPT;

H) DO ERRO DE JULGAMENTO POR VIOLAÇÃO DO DISPOSTO NOS ARTIGOS 10° DO CIRS E 19° DA LGT

41ª- Nos termos do disposto no artigo 10º, n°1, alínea a) do Código do IRS, “constituem mais-valias os ganhos obtidos que, não sendo considerados rendimentos empresariais e profissionais, de capitais ou prediais, resultem de: a) Alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis e afetação de quaisquer bens do património particular a atividade empresarial e profissional exercida em nome individual pelo seu proprietário”;

42ª- Por seu turno, o n°5, alíneas a) e c), do aludido preceito do CIRS, determina que “são excluídos da tributação os ganhos provenientes da transmissão onerosa de imóveis destinados a habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar”, se “no prazo de 36 meses contados da data de realização, o valor da realização, deduzido da amortização de eventual empréstimo contraído para a aquisição do imóvel, for reinvestido na aquisição da propriedade de outro imóvel, de terreno para a construção de imóvel, ou na construção, ampliação ou melhoramento de outro imóvel exclusivamente com o mesmo destino situado em território português ou no território de outro Estado membro da União Europeia ou do espaço económico europeu, desde que, neste último caso, exista intercâmbio de informações em matéria fiscal” desde que, para tal, o sujeito passivo manifeste “intenção de proceder ao reinvestimento, ainda que parcial, mencionando, na declaração de rendimentos respeitante ao ano da alienação, o valor que tenciona reinvestir”;

43ª- Na situação em presença, o Recorrente preencheu todos e cada um dos pressupostos previstos na citada norma do CIRS para que lhe fosse excluído de tributação, o montante de € 218.847,33 (duzentos e dezoito mil oitocentos e quarenta e sete euros e trinta e três cêntimos) realizado com a mais-valia obtida com a alienação do imóvel do E.................. e utilizado na aquisição de um outro imóvel sito em Palmela;

44ª- A norma que prevê a exclusão de tributação sobre o montante realizado com a mais-valia decorrente da alienação da habitação própria e permanente dos sujeitos passivos e o seu reinvestimento na aquisição de outra imóvel destinado a habitação própria e permanente, não prevê, em parte alguma, que o imóvel alienado tenha de constituir o domicílio fiscal do contribuinte, sendo certo, aliás, que o conceito a que a norma faz apelo é a “residência própria permanente” e não o conceito de “residência habitual” que é convocado na norma prevista no artigo 19a da LGT (domicílio fiscal);

45ª- “ Com esta norma de exclusão, o legislador, à semelhança de outras normas que existem no nosso ordenamento jurídico-tributário, pretendeu excluir de tributação em IRS o produto da realização da venda da habitação própria e permanente do sujeito passivo, desde que esse produto fosse utilizado na aquisição de novo imóvel com o mesmo destino - habitação própria e permanente do sujeito passivo”, protegendo-se desse modo, o “direito fundamental e constitucionalmente consagrado do direito de habitação de cada indivíduo, isentando de tributação as operações que visem a alteração dessa habitação, a substituição dos prédios a ela destinados, ainda que no sentido da progressiva melhoria da sua qualidade, mas, não naturalmente, os negócios sobre a restante propriedade imobiliária do sujeito passivo” (cf Acórdão do TCA Sul, de 02.03.2010, proferido no processo n° 03734/10, in www.dgsi.pt):

46ª- Do mesmo modo, a propósito da apresentação conjunta de declarações de IRS por sujeitos passivos que vivam de facto no mesmo domicílio há mais de dois anos, inexiste qualquer requisito legal que demande a coincidência desse domicílio civil com o domicílio fiscal declarado pelo mesmo período de tempo (cf Acórdão do TCA Sul, de 19.02.2015, processo 08313/14, in www.dgsi.pt).

47ª- A exclusão da tributação de mais-valias provenientes da alienação da habitação própria e permanente que sejam reinvestidas na aquisição de outra habitação própria e permanente do sujeito passivo, “(...) têm como objetivo favorecer a propriedade do imóvel destinado a habitação permanente.” (cfr. José Guilherme Xavier de Basto, IRS: Incidência Real e Determinação dos Rendimentos Líquidos, Coimbra Editora, 2007, p. 413)”, sendo que “o objetivo da lei é claro: eliminar obstáculos fiscais à mudança de habitação, em casa própria, por parte das famílias.” (cfr. Rui Duarte Morais, Sobre o IRS, Almedina, Coimbra, 2006, p. 114)”, em suma “trata-se, naturalmente, de não onerar fiscalmente a efetivação do direito fundamental à habitação” (cfr. André Salgado de Matos, Código do Imposto do Rendimento das Pessoas Singulares (IRS), Anotado, ISG, Coimbra, 1999, p. 168)” (cf. Acórdão do TCA Sul, de 08.10.2015, processo 06685/13, in www.dgsi.pt):

48ª- Conforme doutamente sufragado pelo TCA Sul, “da análise do n.°5 do art. 10.° do CIRS resulta que o legislador não remete para o conceito jurídico fiscal de “domicílio fiscal”, como sucede, por exemplo, para efeitos da concessão da isenção de IMI relativamente a imóveis destinados à habitação própria permanente prevista no n.° 1 do art. 46. ° do EBF considera-se ter havido afectação do prédio à habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar se aí se fixar o respectivo domicílio fiscal (cfr. n.° 9 daquele preceito legal)” (cf. Acórdão do TCA Sul, de 08.10.2015, sup. cit, in www.dgsi.pt);

49ª- Porém, “mesmo nesses casos em que o sujeito passivo não cumpriu com a sua obrigação de comunicação da mudança de domicílio fiscal o STA admite que o sujeito passivo possa demonstrar a sua morada em certo lugar através de “factos justificativos”, pelo que não se vê como no caso em apreço em que o n.° 5 do art. 10. ° do CIRS nem sequer remete para o conceito de domicílio fiscal se poderia entender que obsta à “habitação permanente” a não comunicação da alteração do domicílio fiscal”, concluindo, pois, que “se é legítimo à AT no procedimento tributário opor-se ao reconhecimento de determinado direito do contribuinte derivado de lei substantiva quando este se limita a invocar o seu domicílio fiscal, mas não tenha comunicado a sua alteração, já não é legítimo o não reconhecimento desse direito quando para além da invocação do domicílio fiscal o sujeito passivo prove que à data dos factos constitutivos do seu direito substantivo tinha residência habitual no local em questão” (cf Acórdão do TCA Sul, de 08.10.2015, sup. cit, in www.dgsi.pt).

50ª- “O pressuposto «habitação própria e permanente» é a situação de facto que condiciona a isenção do IMI. O requisito da permanência na “habitação” (a lei não utiliza o termo “residência”), deve ser entendido no sentido de habitualidade e normalidade e não propriamente no sentido cronológico absoluto de estadia sem qualquer solução de continuidade. Para se assegurar a finalidade subjacente à atribuição do benefício fiscal, que consiste em estimular e incentivar o acesso à habitação própria (cfr. al. c) do n°2 do art. 65o da CRP), basta que o beneficiado organize no prédio as condições da sua vida normal e do seu agregado familiar, de tal modo que se veja nele o local da sua habitação”, sendo que, “para este efeito, os atos ou factos que demonstram a ligação do beneficiado ao prédio isento de IMI não se esgotam na ligação à circunscrição fiscal onde se situa o prédio ou na correspondência da habitação com o domicílio fiscal registado nos serviços de finanças” (cf. Acórdão do STA, de 23.11.2011, processo 0590/11, in www.dgsi.pt);

51ª- Conforme se colhe da Informação n° 1169/99 de 02/11/1999 DGI/DSIRS, a própria AT teve oportunidade de se pronunciar sobre a aludida norma prevista no artigo 10º, n°5, do CIRS, determinando que a interpretação da norma fiscal deve, nestas circunstâncias atender... à substância económica do facto sobre o qual incide, pois a "finalidade extra-fiscal identificável neste benefício tem um recorte eminentemente económico, destinando-se a garantir a neutralidade fiscal”.

52ª- Através da análise da ratio legis do citado preceito, verifica-se que o bem cuja alienação gera a mais-valia excluída de tributação pelo legislador, constitui a habitação própria e permanente dos sujeitos passivos, i.e., apela a um conceito cuja factispéci assenta na verificação de pressupostos substanciais e não a um conceito meramente formal — domicílio fiscal stricto sensu, afigurando-se anódino saber se o sujeito passivo, ora Recorrente, tinha a morada do seu domicílio fiscal inscrita no cadastro da AT no imóvel alienado ou noutro qualquer, pois o que releva nesta sede é, e só, aquiescer se o imóvel alienado é o local da residência própria e permanente do Recorrente, o que foi amplamente demonstrado nos autos e, aliás, já o tinha sido em sede da defesa graciosa apresentada pelo Recorrente contra o ato impugnado;

53ª- Sem prejuízo da irrelevância do conceito de domicílio fiscal para a aplicabilidade da exclusão de tributação em análise, sempre se dirá, salvo o devido respeito, que a interpretação efetuada pelo Tribunal (e também pela AT) ao artigo 19º, n°1, alínea a), da LGT, é manifestamente errada porquanto, segundo o referido preceito legal, o domicílio fiscal das pessoas singulares é o local da sua residência habitual e não a morada que conste do registo das mesmas junto do cadastro informático da A T;

54ª- O Tribunal Central Administrativo Sul teve oportunidade de precisar, uma vez mais com inequívoca clareza e fundamentação, que “é a residência habitual que integra o conceito de domicílio fiscal”, pelo que, “verificando-se a residência habitual do sujeito passivo, pessoa singular, num determinado local, então, esse é o seu domicílio fiscal, independentemente da sua comunicação à AT”, ou seja “a previsão legal não faz depender o conceito de domicílio fiscal de qualquer comunicação, mas tão-somente da “residência habitual” ou “dito de outro modo, o domicílio fiscal de um determinado sujeito passivo pessoa singular que é o local da sua residência habitual, não deixa de o ser por não ter sido comunicado à AT”, pelo que “o incumprimento da comunicação prevista no n.°3 do art. 19. ° poderá ter como consequência jurídica a exigência da prova da identidade de domicílio [residência habitual] por parte da AT, pois nos termos do n.°4 o incumprimento daquela obrigação conduz à ineficácia da mudança de domicílio” (cf Acórdão do TCA Sul, de 05.03.2015, processo 05655/12, in www.dgsi.pt);

55ª- Porém, uma vez feita a prova da identidade do domicílio fiscal, como aquela exigência legal não é constitutiva do direito dos Impugnantes, então há que concluir que o incumprimento daquela comunicação não a obsta que os Impugnantes optem pelo regime de tributação dos sujeitos passivos casados e não separados judicialmente de pessoas e bens previsto no n.°1 do art. 14.° do CIRS” (cf. Acórdão do TCA Sul, de 05.03.2015, sup. cit., in www.dgsi.pt).

56ª- O referido artigo 19º, nº6 da LGT, apelando à efectiva correspondência entre o domicílio fiscal dos contribuintes registado e o da sua residência habitual institui a AT no poder-dever de retificar oficiosamente o domicílio fiscal dos sujeitos passivos, se tal decorrer dos elementos ao seu dispor;

57ª- No caso em presença, a AT não só tinha em seu poder elementos que comprovadamente demonstravam que o domicílio fiscal efetivo do Recorrente se situava, em Outubro de 2004, na morada do imóvel do E.................., como isso também lhe fora solicitado pelo próprio Recorrente através do requerimento efetuado junto do Serviço de Finanças de Cascais-1, em 26 de Agosto de 2005, acrescendo ainda o facto de que, conforme resulta da matéria de facto provada e dos documentos e depoimentos das testemunhas, a AT sabia ou devia saber que a morada do domicílio fiscal do Recorrente que se encontrava inscrito na cadastro informático daquela entidade - Rua ……………., edifício …………., fracção B, R/C Dto., ……………, em Cascais - não poderia corresponder à habitação própria e permanente do sujeito passivo, porquanto tal imóvel estava afeto a arrendamento (sendo os respetivos contratos declarados à AT, conforme resulta do depoimento da testemunha Manuela ………………) e sobre esse imóvel havia sido efetuada a renuncia à isenção de IMI por parte do Recorrente “dado o facto de não reunir os pressupostos estipulados no artigo 52º, n°1 e 5 do EBF” já em 2001;

58ª- A AT incorreu, pois, em manifesta má-fé procedimental, ao referir que o deferimento do requerimento de alteração de domicílio fiscal solicitado pelo Recorrente implicaria a violação do disposto no artigo 19º, n°3 da LGT, que determina “ser ineficaz a mudança de domicílio enquanto não for comunicada à administração Tributária”, porquanto aquela entidade era conhecedora de que o domicílio do ora Recorrente se situava no imóvel do E.................., pois fora essa a morada indicada nas cadernetas prediais dos imóveis que era proprietário, contratos de arrendamento celebrados com terceiros (comunicados à AT) que incidiam sobre o imóvel formalmente inscrito como domicilio fiscal do Recorrente, bem como em recibos modelo 6 do CIRS (“recibos verdes”) emitidos pelo Recorrente ao longo do ano de 2004;

59ª- Sendo o expoente máximo da referida situação de má-fé procedimental da AT, a infundada desconsideração por aquela entidade do facto de o Recorrente ter renunciado à isenção de IMI relativa ao prédio no qual se encontrava formalmente inscrito o seu domicílio fiscal, dado o facto de não reunir os pressupostos estipulados no artigo 52º, n°1 e 5 do EBF (cf documento a fls. 112 dos autos);

60ª- Não olvidando o facto de o disposto no artigo 19º, n °3 da LGT pretender assegurar a pronta comunicação dos atos tributários entre a AT e os contribuintes, e tal como reiteradamente suportado por esse douto Tribunal Central Administrativo Sul, não resulta do aludido preceito que o domicilio fiscal não possa, e deva, ser retificado pelos Serviços da AT caso materialmente seja comprovada a residência habitual do sujeito passivo numa morada diferente daquela que foi comunicada à AT, pois é a residência habitual do sujeito passivo que constitui o seu domicilio fiscal e não o inverso;

61ª- É a essa materialidade subjacente do conceito de habitação própria permanente que faz apelo o artigo 10º, n°5, do CIRS, sob pena de, seguindo a errónea construção formal daquele conceito adotada pelo Tribunal a quo, serem criadas situações verdadeiramente iníquas e não almejadas pelo legislador ao ter instituído o benefício fiscal que nos ocupa;

62ª- “A redação do próprio artigo 10. °/5/a) e b) do CIRS é suficientemente clara, não deixando lugar a grandes dúvidas. Com efeito, e desde logo, se o legislador pretendesse que o requisito para o benefício em causa fosse o estabelecimento do domicílio fiscal no imóvel adquirido, tê-lo-ia dito expressamente, como o fez no EBF” (cf Acórdão do CAAD, de 25.11.2013, processo 103/2013-T, in www.caad.org.pt);

63ª- “Uma leitura mais atenta da norma em causa, revela um detalhe adicional. O artigo 10. °/5 refere-se “a habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar”. Esta alternatividade apenas fará sentido, como se verá de seguida, na perspetiva de que a habitação “a habitação própria e permanente” possa não coincidir com o domicílio fiscal”, porquanto “o artigo 13. °/6 do CIRS refere que “As pessoas referidas nos números anteriores não podem, simultaneamente, fazer parte de mais de um agregado familiar nem, integrando um agregado familiar, ser consideradas sujeitos passivos autónomos”. Ou seja, existindo agregado familiar, haverá um domicílio fiscal do próprio agregado familiar, que será o relevante para efeitos de IRS, não podendo, pelo menos para efeitos deste imposto, o agregado familiar ter dois domicílios fiscais” (cf. Acórdão do CAAD, sup. cit, in www.caad.org.pt);

64ª- “Neste contexto, a apontada referência do artigo 10.°/5 do CIRS “a habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar”, apenas poderá ser compreendida como tendo o sentido de a habitação própria permanente poder divergir do domicílio fiscal”, pois “poderá efetivamente ocorrer (ainda mais nestes tempos de elevada mobilidade geográfica, potenciada pela crise que globalmente se atravessa) que um dos membros a quem incumba a direção de um agregado familiar fixe a sua “habitação própria e permanente” num local distinto da do agregado que integra” bastando pensar, “por exemplo, num cônjuge que, por força de dificuldades económicas se veja forçado a largar a casa de morada de família no continente, para ir trabalhar para uma Região Autónoma (ou vice-versa), ou para o território de outro Estado membro da União Europeia ou do espaço económico europeu, onde exista intercâmbio de informações em matéria fiscal, aí ficando a maior parte do ano, e apenas visitando a família duas vezes por ano. Neste caso, a habitação própria e permanente do cônjuge migrante será distinta do seu agregado, que será a que releva para efeitos de domicílio fiscal, pelo menos em sede de IRS” (cf. Acórdão do CAAD, sup. cit, in www.caad.org.pt);

65ª- “Considera-se assim que resulta, suficientemente e desde logo, do próprio artigo 10. °/5 do CIRS a intenção do legislador de não equiparar os conceitos de “habitação própria e permanente e domicílio fiscal. ” sendo certo que “a dissonância entre o que formalmente conste como “domicílio fiscal” de um sujeito passivo, e o que efetivamente seja a sua “residência habitual”, deverá ser resolvida alterando-se o primeiro e fazendo-o coincidir com a segunda, e não o oposto, ou seja, considerar-se que esta corresponde àquele, aplicando-se, na medida em que se verifiquem os respetivos pressupostos, as sanções que no caso caibam aos responsáveis” (cf. Acórdão do CAAD, sup. cit, in www.caad.org.pt);

66ª- Por outro lado, “não se descortina que interesse teria a própria Administração Tributária em ficar prisioneira de uma tal presunção conexa com o preenchimento, ou falta dele, de deveres declarativos dos contribuintes. Por exemplo, que interesse teria ela (ou o credor de imposto que ela representa) de ver-se exposta ao comportamento de sujeitos passivos que, mantendo a aparência do cumprimento formal dos seus deveres declarativos, na prática dificultassem, com presunções conexas à declaração do domicílio fiscal, o conhecimento oficioso da realidade factual da residência habitual - seja para efeitos de incidência de diversos tributos em especial, não somente o IRS, seja mais amplamente para efeitos de conexão dessa realidade factual com a aplicação dos princípios da capacidade contributiva e da proporcionalidade?” (cf. Acórdão do CAAD, sup. cit, in www.caad.org.pt);

67ª- Assim, em bom rigor, uma vez que a AT tinha em seu poder elementos suficientes que demonstravam que o imóvel alienado sub judice era afeto a habitação própria e permanente do Recorrente, tinha o poder e o dever de retificar o domicílio fiscal do sujeito passivo para o imóvel do E.................. e, assim, assumir a exclusão de tributação de IRS em sede de mais-valias sobre o montante efetivamente reinvestido pelo Recorrente na aquisição do imóvel de Palmela;

68ª- Conforme o Supremo Tribunal de Justiça teve oportunidade de se debruçar, em Acórdão proferido em 12.02.2009, no âmbito do processo n°09A144, “o conceito de residência permanente pressupõe uma permanência estável e duradoura no local, com instalação do lar, logística e economicamente organizado para centro de vida do próprio e do seu agregado familiar” (in, www.dgsi.pt)

69ª- Interpretado o conceito de “residência habitual” constante expressamente do artigo 19º, n°1, alínea a) da LGT, à luz do mandamento previsto no artigo 11º, n°2 da referida Lei, é mister concluir que a habitação própria e permanente do Recorrente ficava sita na morada do imóvel do E.................. à data da respetiva alienação;

70ª- Deste modo, mal andou o Tribunal recorrido em sufragar a tese da AT ao afirmar que “a residência em local diferente daquele que consta para efeitos fiscais é absolutamente ineficaz para efeitos fiscais”, violando de forma inapelável o disposto no artigo 19º da LGT, e bem assim, o artigo 10º, n°5, alínea a), do CIRS, porquanto, tendo em conta princípios basilares do Direito Fiscal, como seja o da prevalência da substância sobre a forma ou do seu realismo e da obtenção da verdade material, hoje com assento positivo em várias normas, desde logo na LGT, designadamente nos seus artigos 11º, 58º e 63º, não poderia o Tribunal (bem como a AT) desconsiderar, de modo ilegal e injusto, os elementos na sua posse relativos ao domicílio habitual e permanente do Recorrente, sufragando a tributação do montante reinvestido pelo Recorrente na aquisição do imóvel de Palmela, violando o aludido princípio geral de Direito, e bem assim, as citadas normas previstas na LGT;

71ª- Em matéria de incidência fiscal sobre os factos tributários e garantias dos contribuintes vigora o princípio constitucional da legalidade e os respetivos corolários da tipicidade fechada e do exclusivismo, pelo que, a leitura efetuada pelo Tribunal recorrido (e pela AT) na análise do thema decidendum, ao exigir a coincidência da morada constantes do cadastro informático da DGCI e aqueloutra relativa à habitação própria e permanente do Recorrente, para a concessão da devida exclusão da tributação, viola manifestamente aqueles princípios, na medida em que equivale, na prática, à criação de um requisito a se para operar a exclusão tributária que era devida, exigência esta que não encontra um mínimo de respaldo nos preceitos legais aplicáveis in casu;

72ª- A sentença recorrida (bem como o ato tributário impugnado) violou, além do mais, as normas previstas no artigo 10o, n°5, alíneas a) e c) do CIRS e nos artigos 11º, n°2 e 19º, n°1, alínea a) e n°6 da LGT, tendo a AT, com a prática do ato tributário em apreço, efetuado uma errónea qualificação e quantificação dos rendimentos do Recorrente durante o ano de 2004, nos termos do disposto no artigo 99º, alínea a), do CPPT;

73ª- Pela mais-valia realizada e sujeita a tributação nos termos legais, o Recorrente efectuou o pagamento à AT, até à data da instauração da presente impugnação, do montante de € 49.990,91 (quarenta e nove mil novecentos e noventa euros e noventa e um cêntimos), sendo que € 27.000,00 foram efetuados a título de pagamentos por conta e € 22.990,81 no âmbito do pagamento faseado efetuado no processo de execução instaurado pela AT contra o Recorrente em 22.08.2008 e que, sob o n° ……………507, corre termos no Serviço de Finanças de Palmela, pelo que o imposto devido pelo Recorrente se encontra integralmente pago;

74ª- Sendo assim manifestamente ilegal o ato de liquidação sub judice, que determinou um montante a pagar pelo Recorrente de € 101.824,39, representando um indevido excesso de imposto a pagar na ordem dos € 51.934,19 (cinquenta e um mil novecentos e trinta e quatro euros e dezanove cêntimos);

75ª- Tendo o Recorrente provado ter a sua residência permanente no imóvel alienado, não podia o Tribunal a quo ter deixado de julgar procedente, por provada, a impugnação dos actos sub judice, julgando-a totalmente procedente, tendo o Tribunal a quo incorrido em erro de julgamento por violação, além do mais, do disposto nos artigos 10º, n°5, alíneas a) e c) do CIRS e nos artigos 11º, n°2 e 19º, n°1, alínea a) en°6, ambos da LGT;

I) IMPUGNAÇÃO DO VALOR DA CAUSA

76ª- A toda a causa corresponde um valor processual expresso em moeda legal, o qual representa a utilidade económica imediata do pedido;

77ª- Nos termos do artigo 97-A, n° 1, alínea a), do CPPT, o valor da causa será “quando seja impugnada a liquidação, o da importância cuja anulação se pretende”;

78ª- Nos presentes autos o valor cuja anulação se pretende é o de € 51.934,19, correspondente à diferença entre o montante da liquidação impugnada (€ 101.824,39) e aqueloutro que resulta da exclusão de tributação da mais-valia realizada com a alienação do imóvel sito no E.................. que foi reinvestida pelo Recorrente na aquisição do imóvel para habitação própria e permanente sito em Palmela (€218.847,33), o que resulta mais concretamente no montante de € 49.890,20;

79ª- Pelo que, expressamente se impugna o valor de €101.824,39 fixado na douta sentença à presente demanda, devendo ser atribuído o valor de € 51.934,19.

NESTES TERMOS,

Deve ser dado provimento ao presente recurso e, em consequência:

a) Ser modificada a decisão de facto nos termos da impugnação formulada nas presentes alegações (cf. 612° do CPC, aplicável ex vi do disposto no artigo 2°, alínea e), do CPPT);

b) Ser revogada a douta sentença recorrida, por violação, entre outros, dos artigos 10°, n°5, alínea a), do CIRS e 19° da LGT, com as legais consequências, sendo julgada procedente, por provada, a impugnação deduzida pelo Recorrente contra os atos praticados pela AT.”.

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A recorrida não contra-alegou.

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Os autos tiveram vista do Ministério Público junto deste Tribunal Central Administrativo Sul, nos termos do art. 288.º, n.º 1 do CPPT, o qual emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso.

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Colhidos os vistos legais, nos termos do art. 657.º, n.º 2, do CPC, ex vi art.º 281.º do CPPT, vem o processo à Conferência para julgamento.

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II -QUESTÕES A DECIDIR:

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas, estando o objeto do recurso delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, sem prejuízo da tomada de posição sobre todas as questões que, face à lei, sejam de conhecimento oficioso e de que ainda seja possível conhecer [cf. artigos 608.º, n.º 2, 635.º, n.ºs 4 e 5 do CPC, ex vi artigo 2.º, alínea e) e artigo 281.º do CPPT].
Nesta conformidade, atentos os termos em que foram enunciadas as conclusões de recurso, importa analisar e decidir se a decisão recorrida padece dos vícios que lhe são apontados, nomeadamente:
(i) Nulidade por contradição entre os fundamentos e a decisão;
(ii) Erro de julgamento de facto quanto aos pontos 8, 9 e 12 dos factos provados, por estarem incorretamente julgados e, ainda, por não ter sido incluído no probatório o vertido nos pontos 5 e 6 da PI;
(iii) Erro de julgamento de direito quanto à interpretação e aplicação do artigo 10º do CIRS e artigo 19º da LGT;
(iv) Erro quanto à fixação do valor da ação.

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IV- FUNDAMENTAÇÃO:

A sentença recorrida proferiu a seguinte decisão relativa à matéria de facto:”

1. Em 07/12/1999 foi emitida uma Caderneta Predial do imóvel sito na …………., lote ……, R/C, Cascais, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ………, da qual consta que o imóvel foi adquirido pelo Impugnante e indicando como residência a Av. ………, n° 3………, E.................. (cfr. doc. junto a fls. 78 a 82 dos autos);

2. A caderneta predial indicada no ponto anterior contem uma indicação de "Visto em 15/04/2004” (cfr. doc. junto a fls. 78 a 82 dos autos);

3. Em 27/11/2000 foi celebrado um contrato de arrendamento entre o Impugnante e o Estado Português personalizado no acto pela Guarda Nacional Republicana, na qualidade de segundo outorgante, através do qual o Impugnante deu de arrendamento ao segundo outorgante o imóvel melhor identificado nos dois pontos anteriores, pelo prazo de cinco anos (cfr. doc. junto a fls. 87 a 90 dos autos);

4. Em 10/0/2001, deu entrada no serviço de finanças de Cascais um documento em nome do Impugnante, do qual consta que requer "a anulação da isenção de contribuição autárquica do imóvel em Cascais, art° …….. e Fracção G freguesia de Cascais (R/C Dt°, Rua ……….. lote 1……….), dado o facto de não reunir os pressupostos estipulados no art° 52, n°s 1 e 5 do EBF.” (cfr. doc. junto a fls. 112 dos autos);

5. Em 03/06/2002, foi celebrado entre o Impugnante e Maria …………….. e o Banco ……….., S.A. um contrato de compra e venda, Mútuo com hipoteca e fiança, através do qual o Impugnante adquiriu a Maria ……………….. o prédio urbano destinado à habitação, situado no Alto de Desembargador, atualmente designado por Avenida ……………., n°s ………., freguesia do E.................., concelho de Cascais, descrito na Conservatória do Registo Predial de Cascais sob o n° ………. e inscrito na respectiva matriz predial urbana sob o artigo ………, daquela freguesia, pelo valor de € 99.759,58 e que o impugnante declarou ser para sua habitação própria permanente (cfr. doc. junto a fls. 31 a 40 dos autos);

6. Em 23/12/2002 foi entregue o documento n° …………….., dele constando como apresentante Claude ………., uma declaração de atualização de domicílio fiscal do Impugnante dele constando como Domicílio a ………., lote ………. - Edifício …………, BL B - R/C Dt°, ……………., Cascais (cfr. doc. junto a fls. 18 do processo instrutor referente ao recurso hierárquico);

7. Em 30/05/2003, Maria ………………, na qualidade de senhoria deu de arrendamento o imóvel sito na Costa ……….., lote ……….., R/C, Cascais, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ………. a Franz ………….., pelo prazo de 5 anos (cfr. doc. junto a fls. 97 a 100 dos autos);

8. Em 21/11/2003 o Impugnante tinha domicílio fiscal na Rua ……….., lote ……… - Edifício …………….., BL B - R/C Dt°, ……………., Cascais (cfr. doc. junto a fls. 23 e 24 do processo de recurso hierárquico junto aos autos);

9. Em 31/12/2004 o Impugnante tinha domicílio fiscal na Rua ……………., lote …….. - Edifício …………, BL B - R/C Dt°, ………….., Cascais (cfr. doc. junto a fls. 23 e 24 do processo de recurso hierárquico junto aos autos);

10. Em 05/03/2005 o Impugnante, representado por Maria ………………, celebrou um contrato de arrendamento sobre o imóvel sito na …………., lote 18, R/C, Cascais, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo …….., com E ……………….., Lda. para utilização temporária (cfr. doc. junto a fls. 107 a 111 dos autos);

11. Em 08/08/2005 foi emitida uma declaração pela Freguesia de E.................. da qual consta que entre 2001 até 2004 o Impugnante residio na Av……………., n°s ……….., em E.................. (cfr. doc. junto a fls. 16 do processo referente ao recurso hierárquico junto aos autos);

12. Para efeitos bancários e de estudo o Impugnante tinha a sua residência no imóvel melhor identificado em 5 (cfr. docs. juntos a fls. 41 a 57 dos autos);

13. O Impugnante na qualidade de engenheiro eletrotécnico e desenvolvendo a atividade enquanto trabalhador independente, para efeitos fiscais, indicava como morada o imóvel melhor identificado no ponto 5, nos meses de Junho a Dezembro de 2004 (cfr. docs. juntos a fls. 58 a 73 dos autos);

14. Em 21/06/2004 foi emitida a Caderneta Predial do prédio urbano destinado à habitação, situado no Alto de Desembargador, atualmente designado por Avenida ………….., n°s …………, freguesia do E.................., concelho de Cascais, descrito na Conservatória do Registo Predial de Cascais sob o n° ……….. e inscrito na respetiva matriz predial urbana sob o artigo ……., daquela freguesia, da qual consta o Impugnante como proprietário e tendo como morada a do imóvel (cfr. doc. junto a fls. 83 a 85 dos autos);

15. Em 28/10/2004 o Impugnante, representado por Maria ………………….., vendeu o prédio urbano destinado à habitação, situado no Alto de Desembargador, atualmente designado por Avenida ………….., n°s ………….., freguesia do E.................., concelho de Cascais, descrito na Conservatória do Registo Predial de Cascais sob o n° 3190 e inscrito na respetiva matriz predial urbana sob o artigo ………. (cfr. doc. junto a fls. 119 a 123 dos autos);

16. Em 20/05/2005 o Impugnante procedeu à alteração do seu domicílio fiscal para a Av. ……….. n° …………, E.................., Cascais (cfr. doc. junto a fls. 158 dos autos);

17. Em 08/06/2005, o Impugnante procedeu à entrega da sua declaração de IRS modelo 3 referente ao exercício de 2004 a qual foi composta pelos Anexos C, G e H (cfr. doc. junto a fls. 127 a 133 dos autos);

18. No Anexo G da declaração melhor identificada no ponto anterior o Impugnante declarou ter alienado o imóvel melhor identificado no ponto 5 deste probatório, bem como a intenção de reinvestir o valor da venda (cfr. doc. junto a fls. 130 e 131 dos autos);

19. Em 26/08/2005 deu entrada no Serviço de Finanças de Cascais um requerimento em nome do Impugnante do qual consta que desde junho de 2002 passou a residir na Av. …………., n° …………., no E.................., requerendo que a alteração do domicílio fiscal seja efetuada com efeitos a partir de 2001 (cfr. doc. junto a fls. 117 e 118 dos autos);

20. Em 28/08/2006, o Impugnante representado por Maria ………………, adquiriu conjuntamente com a sua procuradora o prédio urbano, composto por moradia unifamiliar, de dois pisos, para habitação, com logradouro e piscina, designando por lote ………, sito atualmente em P ……………, anteriormente designado por Quinta da ……….., freguesia da ……………., concelho de Palmela, descrito na Conservatória do Registo Predial de Palmela, sob o número ……….. da referida freguesia, e inscrito na respetiva matriz predial urbana sob o artigo provisório …………., pelo preço de € 243.847,33 (cfr. doc. junto a fls. 134 a 141 dos autos);

21. Em 04/06/2008 foi efetuada pela AT a liquidação n° ………..050, referente ao IRS de 2004, da qual resultou IRS a pagar no montante de € 101.824,39 (cfr. doc. junto a fls. 30 dos autos);

22. Em 31/10/2008 o Impugnante apresentou junto do Serviço de Finanças de Palmela um requerimento designado por Reclamação graciosa, da liquidação de IRS identificada no ponto anterior (cfr. doc. junto a fls. 152 a 153 dos autos);

23. Por despacho de 27/10/2009 foi indeferida a reclamação identificada no ponto anterior (cfr. doc. junto a fls. 154 a 156 dos autos);

24. O Impugnante interpôs recurso hierárquico da decisão identificada no ponto anterior (cfr. doc. junto a fls. 162 a 166 dos autos);

25. Por despacho de 14/09/2010 foi indeferido o recurso hierárquico identificado no ponto anterior (cfr. doc. junto a fls. 174 a 177 dos autos);

26. Em 13/04/2010, o Impugnante procedeu à entrega da declaração modelo 3 de IRS referente ao exercício de 2006 a qual foi composta pelos Anexos A, B, F G e H (cfr. doc. junto a fls. 142 a 151 dos autos);

27. Da declaração identificada no ponto anterior, e no seu Anexo G consta que o Impugnante declara ter reinvestido € 218.847,33 proveniente da venda do imóvel melhor identificado no ponto 5 deste probatório);


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A decisão recorrida consignou ainda, quanto aos factos considerados não provados, o seguinte:

“Dos factos constantes da impugnação, todos objetos de análise concreta, não se provaram os que não constam da factualidade supra descrita.”.


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Relativamente à motivação da decisão de facto, o Tribunal a quo disse o seguinte:

“A decisão da matéria de facto efetuou-se com base no exame dos documentos e informações, não impugnados, que dos autos constam, tudo conforme referido a propósito de cada uma das alíneas do probatório, bem como do depoimento das testemunhas arroladas pelo Impugnante que foram testemunhas claras e credíveis.”.


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IV- FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO:

Está em causa nos presentes uma impugnação judicial deduzida contra um ato de liquidação de IRS de 2004 (objeto mediato) que o Tribunal a quo julgou improcedente, mantendo aquele ato na ordem jurídica, na medida em que, pese embora o recorrente residisse no imóvel que alienou (tendo reinvestido o produto da venda/mais-valia na aquisição de outro imóvel para habitação própria e permanente), não era esse o seu domicílio fiscal.

É contra o assim decidido que o recorrente se insurge, advogando, como acima se disse, que a decisão recorrida é nula por contradição e que enferma de erro de julgamento de facto e de direito.

Apreciando.

· Da nulidade da sentença recorrida.

De harmonia com o consignado no artigo 615.º nº.1, alínea c), do CPC, é nula a sentença quando os seus fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível.

A decisão judicial deve comportar clareza no seu discurso fundamentador, o qual deve ser lógico, tal como preconizado pelo artigo 154.º, nº.1, do CPC.

No processo judicial tributário o vício de oposição entre os fundamentos e a decisão, como causa de nulidade da sentença, está previsto no artigo 125, nº.1, do CPPT.

O vício em análise, tem como premissa a eventual violação do necessário silogismo judiciário que deve existir em qualquer decisão judicial, terá lugar somente quando os fundamentos da sentença devam conduzir, num processo lógico, a uma decisão oposta ou, pelo menos, diferente da que foi adotada.

Sublinha o recorrente que o Tribunal a quo, depois de enunciar com acerto a questão a decidir - saber se o Recorrente tinha a sua residência permanente no imóvel alienado em 2004-, mais adiante, entende que toda a questão em apreço nos presentes autos se prende, afinal, com a questão de saber se o Impugnante tinha ou não o seu domicílio fiscal no imóvel alienado, porquanto considera que, atento o disposto no artigo 19º da LGT, é ineficaz a mudança de domicílio do sujeito passivo enquanto não for comunicada à administração tributária, e que a residência em local diferente daquele que consta para efeitos fiscais é absolutamente ineficaz para efeitos fiscais.

Acrescenta ainda que, apesar de não terem restado dúvidas ao Tribunal a quo que o recorrente residia com a sua mãe e com o seu padrasto no imóvel alienado, entendeu “de forma obscura e contraditória”, que tal se afigurava irrelevante para determinar se a tributação da mais-valia decorrente alienação em apreço se inseria no benefício previsto no n°5, alíneas a) e c), do artigo 10º do CIRS, na medida em que, o que se impunha aferir, era determinar, aquando da venda de um bem, se esse bem era ou não a residência fiscal do contribuinte para efeitos de apuramento das mais-valias, incorrendo assim em clara e frontal oposição entre os fundamentos de facto da sentença e a respetiva decisão, existindo uma manifesta contradição entre a premissa e a conclusão.

Prossegue, afirmando que, para o Tribunal recorrido é irrelevante o facto do contribuinte residir em local diferente daquele que consta indicado no cadastro da AT, sendo, também por isso, contraditória, obscura ou ambígua, visto que, sendo a questão essencial a determinar nos autos a de saber se a morada do imóvel alienado pelo recorrente correspondia àquela que se encontrava indicada no cadastro do contribuinte junto da AT, não haveria sequer a necessidade de realização de julgamento porque essa dissonância nunca foi posta em causa.

Conclui, de seguida que, se o Tribunal recorrido considerou que a questão essencial era saber se a residência permanente do recorrente ficava no imóvel alienado, tendo constatado que era essa a sua residência, teria necessariamente de concluir pela verificação dos requisitos previstos no artigo 10º, n°5, alíneas a) e c), do CIRS para a exclusão de tributação da mais-valia reinvestida na aquisição de um outro imóvel, julgando procedente a impugnação.

No caso sub judice, não vislumbra este Tribunal que a decisão recorrida padeça da nulidade em análise, uma vez que, atentando ao seu teor, a mesma não comporta nenhuma contradição, desde logo entre os fundamentos e a decisão que a ela conduziu de um modo coerente, pese embora as razões de discórdia do recorrente.

O facto do recorrente se insurgir contra o ajuizado na decisão recorrida, nos termos em que o densifica neste capítulo, a ocorrer, poderá consubstanciar um erro de julgamento (que adiante analisaremos), mas não já nulidade da sentença por contradição ou ambiguidade.

Porque assim o entendemos, naufraga nesta parte o recurso.

· Do erro de julgamento de facto.
Aduz ainda o recorrente que o Tribunal recorrido ignorou determinada factualidade que deve ser aditada ao probatório, que vai alegada (e documentada) nos pontos 5 e 6 da PI.
Ao mesmo passo, argumenta que foram incorretamente julgados os pontos 8, 9 e 12 da decisão de facto, os quais, no seu entender, devem comportar uma outra redação, que indica, assim como indica os elementos documentais e os depoimentos das testemunhas que impunham uma redação diversa.
Importa, primeiramente, convocar o vertido nos artigos 640º e 662º do CPC para aferir do erro de julgamento de facto e bem assim da necessidade de ser recolhida outra prova.
Estabelece o artigo 640º do CPC o seguinte:
“1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.
3 - O disposto nos n.os 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636.º.”
Assim, no que respeita à disciplina da impugnação da decisão de 1ª. instância relativa à matéria de facto, a lei processual civil impõe ao recorrente um ónus rigoroso, cujo incumprimento implica a imediata rejeição do recurso, quanto ao fundamento em causa. Ele tem de especificar, obrigatoriamente, na alegação de recurso não só os pontos de facto que considera incorretamente julgados, mas também os concretos meios probatórios, constantes do processo ou do registo ou gravação nele realizadas, que, em sua opinião, impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados, diversa da adotada pela decisão recorrida.
Na seleção dos factos, repousada em elementos de prova que os atestem ou infirmem, o julgador deve evidenciar o caminho que percorreu, por via da motivação, ou seja, aquilo que o julgador decidiu quanto aos factos/acontecimentos (sobre os quais, posteriormente, se vai fazer repousar a lei), deverá assentar num discurso lógico que permita a sua compreensão, para assim se poder acompanhar ou discordar dessa decisão acerca da realidade factual adquirida.
Com efeito, decorre do artigo 607º do CPC, que o juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto, sem prejuízo dos factos cuja prova seja vinculativa, exigindo formalidade especial (por exemplo, os documentos autênticos, acordo das partes e confissão).
Com a redação do artigo 662º, recorda António Santos Abrantes Geraldes, pretendeu-se que ficasse claro que, sem embargo da correção, mesmo a título oficioso, de determinadas patologias que afetam a decisão da matéria de facto (v.g. contradição) e também sem prejuízo do ónus de impugnação que recai sobre o recorrente e que está concretizado nos termos do artigo 640º, quando esteja em causa a impugnação de determinados factos cuja prova tenha sido sustentada em meios de prova submetidos a livre apreciação, o Tribunal de 2ª instância deve alterar a decisão da matéria de facto sempre que, no seu juízo autónomo, os elementos de prova que se mostrem acessíveis determinarem uma solução diversa, designadamente em resultado da reponderação dos documentos, depoimentos e relatórios periciais (complementados ou não pelas regras da experiência), formulando assim a sua própria convicção, com observância do princípio do dispositivo, no que respeita à identificação dos pontos de discórdia Vd. António Santos Abrantes Geraldes, in Recursos em Processo Civil, 7ª ed. Atualizada, Almedina, pág. 333 e 334.

A nossa lei processual determina e faz impender sobre o julgador um ónus de objetivação da sua convicção, através da exigência da fundamentação da matéria de facto (da factualidade provada e da não provada), devendo analisar criticamente as provas e especificar os fundamentos que foram decisivos para a sua convicção. E isto porque, nessa tarefa, o ajuizado pelo julgador não é arbitrário, nem de simples intuição sobre veracidade ou não de uma certa realidade de facto. Pelo contrário, trata-se de uma convicção adquirida por intermédio dum processo racional, objetivado, alicerçado na análise crítica comparativa dos diversos dados recolhidos nos autos na, e com, a produção das provas e na ponderação e maturação dos fundamentos e motivações, devendo aquela convicção ser explicitada por expressa imposição legal como garante da transparência, da imparcialidade e da inerente assunção da responsabilidade por parte do julgador, que administra a justiça em nome do povo.

A esta luz, para que possa ser atendida nesta sede a divergência quanto ao decidido em 1.ª instância no julgamento de facto, deverá ficar demonstrado, como avançamos já, pelos meios de prova indicados pelo recorrente, a ocorrência de um erro na apreciação do seu valor probatório, exigindo-se, contudo e para tanto, que tais elementos de prova sejam inequívocos quanto ao sentido pretendido por quem recorre, ou seja, neste domínio, a lei processual civil impõe ao recorrente um ónus rigoroso, cujo incumprimento implica a imediata rejeição do recurso, o que significa que o recorrente tem de especificar, obrigatoriamente, na alegação de recurso, não só os pontos de facto que considera incorretamente julgados, mas também os concretos meios probatórios, constantes do processo ou do registo ou gravação nele realizada, que, em sua opinião, impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados, diversa da adotada pela decisão recorrida.

Podemos afiançar que o ónus imposto ao recorrente foi cumprido.

Importa, agora, aferir, se lhe assiste razão.

In casu, o recorrente afronta, em concreto, o teor dos factos provados listados nos pontos 8, 9 e 12 da decisão de facto.

Naqueles pontos do probatório o Tribunal recorrido deu por assente que:

8. Em 21/11/2003 o Impugnante tinha domicílio fiscal na Rua …….., lote …….. - Edifício …………., BL B - R/C Dt°, ………., Cascais (cfr. doc. junto a fls. 23 e 24 do processo de recurso hierárquico junto aos autos);

9. Em 31/12/2004 o Impugnante tinha domicílio fiscal na Rua ……….., lote ……. - Edifício ………., BL B - R/C Dt°, ………………, Cascais (cfr. doc. junto a fls. 23 e 24 do processo de recurso hierárquico junto aos autos);

12. Para efeitos bancários e de estudo o Impugnante tinha a sua residência no imóvel melhor identificado em 5 (cfr. docs. juntos a fls. 41 a 57 dos autos);

Relativamente ao ponto 8, pretende o recorrente que do mesmo passe a constar, em alternativa, que:

8-A morada do domicílio fiscal do Impugnante inscrita no cadastro informático da A T, em 21/11/2003. era na Rua ……………, lote ……… - Edifício …………. BL B - R/C Dt°. …………, Cascais, sendo que essa morada não correspondia à sua residência habitual, a qual ficava sita na Avenida …………, n°s ……….-A, freguesia do E.................., concelho de Cascais”

Sublinhando que, quando muito, o Tribunal a quo poderia consignar, naquele ponto que, a morada do recorrente inscrita no cadastro informático da AT em 21.11.2003 era, de facto, Rua ………….., lote ………..— Edifício …………., BL B — R/C Dt° ………., Cascais, mas não o domicílio fiscal em si, porquanto ficou amplamente demonstrado que a residência habitual do Recorrente ficava sita na Avenida ………., n°s ………….., freguesia do E.................., concelho de Cascais e é a residência habitual que constitui o domicílio fiscal do sujeito passivo e não o inverso, recordando que segundo a convicção do Tribunal que consta da sentença recorrida, “não se duvida que o Impugnante residia com a sua mãe e o seu padrasto na referida morada”.

Argumenta que, quer os elementos documentais dos autos, quer os depoimentos das testemunhas inquiridas, atestam que a residência habitual do recorrente na data da venda do imóvel, e desde há longos anos a essa data, ficava situada na morada do imóvel alienado (situado na Av. ……….., n°s ………..-A, E..................) pelo que, não era possível ao Tribunal recorrido responder a este facto nos termos em que o fez, incorrendo em erro de julgamento.

Já quanto ao ponto 9 dos factos provados, pretende o recorrente que, com base nos mesmos elementos probatórios que indica para a alteração do ponto 8, que do mesmo passe a constar a seguinte redação:

9-“A morada do domicílio fiscal do Impugnante inscrita no cadastro informático da AT, em 31/12/2004, era na Rua ………., lote ….. - Edifício ……….. BL B - R/C Dt°, …….., Cascais, sendo que essa morada não correspondia à sua residência habitual”.

Defende que não se afigura possível ao Tribunal a quo concluir que, em 31/12/2004 o domicílio fiscal do Recorrente ficava sito na Rua ……………, lote ….. — Edifício …………., BL B — R/C Dt° …………., Cascais, uma vez que prova produzida atesta que esse imóvel não era habitado pelo recorrente, não podendo ser considerado como o seu domicílio fiscal.

Vejamos.

Relativamente aos pontos do probatório 8º e 9º dados por assentes, não podemos acudir à pretensão do recorrente, desde logo porque, lida a decisão de facto no seu conjunto, é possível da mesma extrair ilações para se concluir qual era a residência habitual do recorrente (como aliás o concluiu a decisão recorrida ao não colocar em causa que se situava no imóvel vendido – …………, n°s ………-A, E..................), sendo que, a redação que pretende que seja conferida aqueles pontos do probatório é meramente conclusiva, desde logo ao ali pretender alocar, por um lado, o domicílio fiscal (o que consta já dos factos assentes, quer no ponto 8 quer no 9), e ao mesmo tempo, que “essa morada não correspondia à sua residência habitual”.

Assim sendo, uma vez que o facto vertido quer no ponto 8 quer no ponto 9, dos factos provados diz respeito apenas ao domicílio fiscal nas datas ali indicadas, o que não é posto em causa, não se pode concluir que haja erro de julgamento nesta parte. A par disso, não podem ser alocados ao probatório factos conclusivos, como pretende o recorrente, sobretudo quando essas conclusões são passíveis de se extrair da integralidade da decisão recorrida.

Continuando.

No ponto 12 dos factos provados, pretende a recorrente que ali se consigne que:

“O Recorrente residiu de forma permanente com a sua mãe e o seu padrasto no imóvel sito na Av. …….., n°s …..-A, E.................. até à data da respetiva alienação, o que também resulta, além do mais, da correspondência bancária e académica junta de fls. 41 a 57 dos autos”;

A este propósito, insurge-se quanto ao decidido naquele ponto de facto, na medida em que, no seu entender, o Tribunal recorrido se limitou a referir que “para efeitos bancários e de estudo” o Impugnante tinha a sua residência no imóvel localizado na Av. …………, n°s ……..-A, E.................., quando é certo que a prova produzida, nomeadamente o depoimentos das testemunhas inquiridas em sede de audiência de discussão e julgamento, apontaram unanimemente para o facto da residência permanente do Recorrente ficar localizada no imóvel localizado na Av. ………….., n°s ………….-A, E...................

Pela mesma ordem de razões, quanto ao que deixamos dito relativamente aos pontos 8 e 9 acima versados, diremos que, nada há a apontar ao modo como foi feito o recorte factual do ponto 12, nem está em causa que o ali consignado seja incorreto e não esteja atestado pelos meios documentais em que se esteou a decisão. A par disso, continua o recorrente a pretender alocar, também naquele facto, que residia permanentemente naquele local. Porém, consoante avançamos já, essa conclusão é retirada de toda a factualidade que povoa a decisão de facto.

Deste modo, improcede, também aqui, o apontado erro de julgamento.

Por fim, pretende o recorrente que, “por mera cautela” seja vertido no probatório o teor do alegado nos pontos 5 e 6 da PI, que se relaciona com o facto de ter alegado que desde a “ data da respetiva aquisição até ao momento da sua venda, o imóvel do E.................. foi exclusivamente afeto pelo A. à sua habitação própria e permanente” e que “durante o período em que foi proprietário do imóvel entretanto alienado, o Recorrente o habitou de forma permanente, tendo ali mantido e estabilizado o seu centro de vida familiar, residindo com os seus familiares e recebendo os seus amigos”.

Como se disse já, a decisão de facto contém elementos suficientes para concluir se o recorrente residia no imóvel que veio a transmitir, como de resto, o afirma a sentença recorrida quando afirma que “Não se duvida que o Impugnante residia com a sua mãe e o seu padrasto, na referida morada”.

Assim, e uma vez que da decisão de facto apenas devem constar os factos que sejam essenciais e pertinentes para as questões a resolver, nada há a aditar ao probatório, improcedendo, também aqui a pretensão recursiva.

· Do erro de julgamento de Direito.

Alega o recorrente que a decisão recorrida peca ao concluir que o recorrente não preencheu todos e cada um dos pressupostos previstos no artigo 10º nº 5 al. a) do CIRS para que lhe fosse excluído de tributação, o montante de € 218.847, realizado com a mais-valia obtida com a alienação do imóvel do E.................. e utilizada na aquisição de um outro imóvel situado em Palmela, na medida em que, a dita norma não prevê, em parte alguma, que o imóvel alienado tenha de constituir o domicílio fiscal do contribuinte, sendo certo que, o conceito a que a norma faz apelo é à “residência própria permanente” e não ao domicílio fiscal a que alude o artigo 19º da LGT em que se louvou a decisão recorrida, inexistindo obrigatoriedade de coincidir ambos conceitos (habitação própria e permanente e domicílio fiscal).

Acrescenta que, mesmo nas situações em que o sujeito passivo não cumpriu com a obrigação de comunicação da mudança de domicílio fiscal, é de admitir que o mesmo possa demonstrar a sua morada em certo lugar através de “factos justificativos”, pelo que não se entende a razão pela qual, no caso em apreço, em que o nº 5 do art. 10. ° do CIRS nem sequer remete para o conceito de domicílio fiscal, se poderia entender que obsta à “habitação permanente” a não comunicação da alteração do domicílio fiscal.

Aduz ainda que, através da análise da ratio legis do artigo 10º nº 5 do CIRS, verifica-se que o bem cuja alienação gera a mais-valia excluída de tributação pelo legislador, constitui a habitação própria e permanente dos sujeitos passivos, i.e., apela a um conceito cuja factispéci assenta na verificação de pressupostos substanciais e não a um conceito meramente formal — domicílio fiscal stricto sensu, afigurando-se anódino saber se o sujeito passivo, ora Recorrente, tinha a morada do seu domicílio fiscal inscrita no cadastro da AT no imóvel alienado ou noutro qualquer, pois o que releva nesta sede é, e só, aquiescer se o imóvel alienado é o local da residência própria e permanente do Recorrente, o que foi amplamente demonstrado nos autos.

Refere ainda que, o Tribunal além de andar mal na aplicação e interpretação que fez do artigo 10º nº 5 do CIRS, também errou na aplicação e interpretação que fez, na situação em causa, do vertido no nº 1 do artigo 19º da LGT, porquanto, segundo o referido preceito legal, o domicílio fiscal das pessoas singulares é o local da sua residência habitual e não a morada que conste do registo das mesmas junto do cadastro informático da AT.

Conclui, depois, que o Tribunal errou ao sufragar a tese da AT ao afirmar que “a residência em local diferente daquele que consta para efeitos fiscais é absolutamente ineficaz para efeitos fiscais”, violando o disposto no artigo 19º da LGT, e bem assim, o artigo 10º, n°5, alínea a), do CIRS, não fazendo prevalecer a substância sobre a forma ou a verdade material, violando o disposto nos artigos 11º, n°2 e 19º n°6 da LGT.

Vejamos se lhe assiste razão.

Consultando a decisão recorrida a mesma, após elencar o quadro legal a aplicar e de enunciar, com acerto, ab initio, como questão a decidir a de saber se “o Impugnante tinha a sua residência permanente no imóvel alienado em 2004”, conclui pela manutenção do ato de liquidação em crise, louvando-se no seguinte discurso fundamentador:

“(…)

Alega o Impugnante que sempre teve a sua residência própria e permanente no imóvel alienado em 2004 e sito na Av. ………….no E................... Apenas por alguma dificuldade relacionada com a língua, o seu padrasto não efetuou a atualização da sua residência para efeitos fiscais. O imóvel de Cascais sempre esteve arrendado nunca tendo o Impugnante aí tido a sua residência.

Alega a Fazenda Pública que não tendo o Impugnante o seu domicílio fiscal na morada do imóvel alienado, as mais-valias resultantes da venda não podem beneficiar do regime estabelecido no art. 10°, n° 5, alínea a) do CIRS.

(…)

Assim toda a questão em apreço nos presentes autos se prende com a questão de saber se o Impugnante tinha ou não o seu domicílio fiscal no imóvel alienado.

O Impugnante alega que muito embora não tivesse sido comunicado tal facto à AT, a verdade é que o domicílio fiscal do Impugnante era a morada do imóvel alienado em 2004 e sito no E...................

O artigo 19° da LGT determinava, na redação em vigor à data dos factos que:

"1. O domicílio fiscal do sujeito passivo é, salvo disposição em contrário:
a) Para as pessoas singulares, o local da sua residência habitual; (...)
2. É obrigatória, nos termos da lei, a comunicação do domicílio do sujeito passivo à administração tributária.
3.É ineficaz a mudança de domicílio enquanto não for comunicada à administração tributária.
(...)
6. A administração tributária poderá retificar oficiosamente o domicílio fiscal dos sujeitos passivos se tal decorrer dos elementos ao seu dispor.”

Este preceito estabelece, por um lado, o conceito de domicílio fiscal, definindo como tal aquele em que o contribuinte tem a sua residência habitual, ou seja, aquele em que o contribuinte desenvolve a sua vida pessoal e familiar. Por outro lado, este preceito estabelece uma obrigatoriedade de comunicação de alteração do domicílio fiscal por parte do sujeito passivo de imposto, sendo que o seu n° 3 estabelece a sanção, para além de eventuais coimas a que possa haver lugar, determinando que quando a alteração de domicílio não for atempadamente comunicada à AT esta mudança não produz efeitos no que respeita aos impostos. É o art. 43° do CPPT que estabelece os termos em que se concretiza essa obrigação (ou seja, tem de ser comunicado no prazo de 15 dias contados da alteração).

De acordo com o normativo supra citado os contribuintes residentes em território português têm o seu domicílio fiscal no local que indicarem como sendo a sua residência habitual e permanente. Este domicílio fiscal possui diversas virtualidades.

Desde logo em sede de notificações a efectuar pela AT. De facto, de acordo com o disposto no artigo 39°, n° 5 do CPPT, os contribuintes são notificados para o seu domicílio fiscal, sendo certo que quando a carta não for recebida cabe ao contribuinte comprovar que procedeu à alteração do seu domicílio fiscal no prazo de 15 dias contados da mudança de domicílio.

No entanto, não é apenas esta a consequência do domicílio fiscal dos contribuintes. Este preceito, serve também para determinar para vários efeitos fiscais, qual o local onde os contribuintes residem.

Muito embora, o artigo 82° do Código Civil Português, afirme que se as pessoas singulares residirem alternadamente em diversos locais, consideram- se domiciliadas em qualquer deles e que na falta de residência habitual, as pessoas singulares, se consideram domiciliadas no lugar da sua residência ocasional, ou, se esta não puder ser determinada, no lugar onde se encontrarem, a verdade é que, para efeitos fiscais, o art. 19° da LGT e 43° do CPPT, estabelecem, de forma clara, o que entende por domicilio fiscal e quais as consequências da falta de comunicação da mesma.

Passando ao caso concreto dos autos verificamos que o Impugnante alega que embora formalmente tivesse a sua residência noutro local, a verdade é que a sua residência habitual e o local onde possuía o centro de toda a sua vida pessoal, familiar e de trabalho era no imóvel sito no E...................

Ficou provado nos autos que o Impugnante adquiriu o imóvel para ser a sua residência habitual, também ficou provado nos autos que o Impugnante em

Quid juris?

A questão fundamental em causa nos autos é a de saber, por um lado, se o Impugnante tinha a sua residência na Avenida ………….., n°s ………….- A, E.................. ou na Rua …………., lote …….., Edifício ………., BL B - R/C Dt°, ……………, Cascais.

Dos documentos juntos aos autos retira-se que, até 20/05/2005, data em que foi entregue a declaração de alterações apresentada pelo Impugnante, este possuía o seu domicílio para efeitos fiscais na Rua …………, lote …, Edifício …………, BL B - R/C Dt°, …….., Cascais (cfr. pontos 6, 8 e 9 do probatório supra).

Resulta do probatório supra, também, que o Impugnante para muitos outros efeitos, possuía o seu domicílio na Avenida ……….., n°s ……..-A, E...................

Não se duvida que o Impugnante residia com a sua mãe e o seu padrasto, na referida morada.

A questão, no entanto, que se coloca é a de saber qual a relevância desse facto em termos fiscais atentos os preceitos supra citados.

De acordo com esses preceitos, a residência em local diferente daquele que consta para efeitos fiscais é absolutamente ineficaz para efeitos fiscais. De facto, um contribuinte pode ter a sua residência num determinado local, e para efeitos fiscais residir num outro local, sendo que se não comunicar no prazo de 15 dias a alteração de residência a mesma não tem efeitos na sua esfera fiscal.

Ora, como já se referiu acima, um dos efeitos para os quais o domicílio fiscal é relevante é exatamente para determinar, aquando da venda de um bem, se esse bem era ou não a residência fiscal do contribuinte para efeitos de apuramento das mais-valias.

No caso concreto, o Impugnante não procedeu a qualquer alteração da sua residência, continuando a mesma a ser a inicial da Rua das Acácias.

Mais, o impugnante apenas em 2005, já depois de vendido o imóvel da Avenida da Holanda, é que procedeu à sua alteração de domicílio em total desobediência ao disposto no art. 43° do CPPT.

Assim sendo, e sem necessidade de mais considerações, julgaremos improcedente a presente impugnação.” (O sublinhado e o destaque é nosso).

Como se vê do supra transcrito, para a decisão recorrida, apesar de não colocar em causa que o recorrente residia no imóvel vendido em outubro de 2004 (AVª ……….., freguesia do E..................), ao afirmar que “Não se duvida que o Impugnante residia com a sua mãe e o seu padrasto, na referida morada”, e que adquiriu, com o produto daquela venda (com a mias valia) um imóvel para a sua habitação própria e permanente em Palmela, entendeu que o mesmo não beneficiava da exclusão de tributação vertida no artigo 10º nº 5 do CIRS, uma vez que o seu domicílio fiscal, situado na C…………… em Cascais, era diferente do local onde residia, só passando a ser naquela morada (o domicílio fiscal) em 2005 (após a venda em outubro de 2004).

Nesta sequência, entendeu o Tribunal recorrido que uma vez que o domicílio fiscal não equivalia ao local de residência, como imposto pelo artigo 19º da LGT, para efeitos fiscais era ineficaz atentar-se a outra morada, desde logo para a obtenção da exclusão de IRS pretendia, proveniente do reinvestimento da mais valia obtida com imóvel adquirido para sua habitação própria e permanente.

Não acompanhamos o assim ajuizado.

Vejamos porque assim o afirmamos.

Apesar de ser incontroverso para o Tribunal recorrido que, não obstante o domicílio fiscal (C ………, Cascais) não corresponder ao local onde habitava o recorrente (Avª ………….., freguesia do E..................), o mesmo residia efetivamente no imóvel alienado (E..................), entendeu que o mesmo não beneficiava da exclusão de tributação nos termos do citado artigo 10º nº 5 do CIRS.

De facto, sobrevoando a factualidade provada é mesmo essa a conclusão que dali se colhe, dali dimanando que, o imóvel alienado havia sido adquirido em 2002 para habitação própria e permanente (cf. ponto 05) dos factos provados); que a própria junta de freguesia atestou que aquele local era a sua residência desde 2001 até 2004 (Cf. ponto 11 dos factos provados); para efeitos bancários a morada do recorrente era no E.................. (cf. ponto 12 dos factos provados); essa era a morada indicada pelo recorrente em vários meses de 2004 (Cf. ponto 13 dos factos provados), sendo esse o local constante da caderneta predial (cf. ponto 14 dos factos provados), assim como a morada constante da declaração de rendimentos apresentada em 2005 (cf. pontos 14) a 18) dos factos assentes), bem como o declarado à AT pelo recorrente (cf. ponto 19) dos factos provados).

Ao mesmo passo, extrai-se do probatório que o domicílio fiscal constante no cadastro da AT era divergente da morada no E.................. onde residia o recorrente (cf. ponto 08) e 09) dos factos provados), estando esse imóvel, correspondente ao domicílio fiscal (C…………. em Cascais) sucessivamente ocupado através de contratos de arrendado, desde logo o contrato datado de maio de 2003 e outro de março de 2005 (cf. ponto 07) e 10) dos factos provados).

Ora, a conjugação destes factos autoriza concluir que apesar do domicílio fiscal se situar na Rua …………….., Cascais, não correspondia, efetivamente, ao local onde residia o recorrente (E..................), como, de resto, concluiu o Tribunal.

Também não está em causa que o imóvel situado no E.................. tivesse sido vendido em 2004, e que, com o produto da venda foi adquirido outro imóvel em Palmela, destinado à habitação própria e permanente do recorrente.

Certo é que, determinava o artigo 10°, n° 5, alínea a) do CIRS que, ficavam excluídas de tributação as mais-valias decorrentes da venda de um imóvel destinado à habitação do sujeito passivo desde que o contribuinte investisse o valor na aquisição de outro imóvel para a sua habitação própria e permanente, no prazo de 24 meses seguintes (redação em vigor à data dos factos).

Assim toda a questão em apreço nos presentes autos se prende com a questão de saber se o recorrente residia ou não no imóvel do E.................. que vendeu, e não se tinha o seu domicílio fiscal no mesmo, como referido na decisão recorrida que, ab initio começou por referir que importava era saber se o recorrente residia no imóvel que vendera.

Tal como se disse no acórdão do STA datado de 25.03.2015, prolatado no processo n.º 0158/13, a respeito da exclusão da tributação vertida na norma aqui em causa (10º nº 5 do CIRS), diremos nós também que: “(…) A exclusão referida só vale pois para as mais valias de imóveis destinados à habitação própria e permanente quando o reinvestimento se opera em imóveis com o mesmo destino. Ou seja o imóvel de "partida" e o de "chegada" têm de ser destinados à habitação própria e permanente. Qualquer outro destino de ambos, ou de só de um deles, destrói as condições de aplicação da exclusão de incidência e a mais valia realizada no imóvel de "partida" será tributável (…)”

A verdade é que, para efeitos de exclusão da tributação das mais valias consagradas no artigo 10.º, nº5 do CIRS, o imóvel de “partida” e o de "chegada" têm de ser destinados à habitação própria e permanente, sendo que, o conceito de habitação própria permanente não equivale ao conceito de domicílio fiscal.

Para efeitos do disposto no artigo 10º nº 5 do CIRS, contrariamente ao entendimento vazado na decisão recorrida, o conceito de habitação própria permanente não equivale ao conceito de domicílio fiscal – Vd. neste sentido, entre outros, o acórdão do STA de 01.07.2025, tirado do processo 0114/15.

Ora, se a decisão recorrida admite que o recorrente residia no imóvel que vendeu (imóvel de partida) e que o imóvel adquirido (imóvel de chegada) foi, também, destinado a habitação do mesmo, não podia ter concluído que não estavam reunidos os pressupostos que autorizavam a exclusão de tributação porque no imóvel de partida não tinha o seu domicílio fiscal à luz do artigo 19º da LGT.

De resto, a presunção (ilidível) de que o domicílio fiscal faz presumir a habitação própria e permanente do sujeito passivo, só foi introduzida pela Lei n.º 82-E/2014, de 31 de dezembro. Não obstante, a verdade é que nem a própria decisão recorrida coloca em causa que a morada ou residência do recorrente fosse outra, diferente daquela que correspondia ao domicílio fiscal, apesar de entender, em nosso ver mal, que o que era determinante e eficaz, para efeitos de exclusão nos termos do artigo 10º nº 5 al. a) do CIRS, era uma correspondência do domicílio fiscal com a residência habitual do recorrente.

Porém, não é assim.

Conforme se discorreu no acórdão deste TCAS de 02.02.2023, tirado do processo nº 126/11.5BELRS, que de perto acompanhamos:

“(…) o conceito de reinvestimento subjacente ao n.º 5, do citado artigo 10.º, é um “conceito económico”, donde, o que o que importa provar é que o produto da alienação obtido na transmissão onerosa de imóvel destinado à habitação do sujeito passivo ou do seu agregado familiar seja reinvestido na aquisição de outro imóvel destinado ao mesmo fim.

(…)

No caso sub judice, como visto, a questão coloca-se apenas quanto ao “imóvel de partida”, não sendo controvertida a habitação própria e permanente do “imóvel de chegada”, porquanto o que importa aferir é se o Tribunal a quo decidiu acertadamente quando concluiu que estavam reunidas as condições para os Recorrentes beneficiarem da exclusão de tributação.

(…)

Dimana das alegações da Recorrente, que a sua argumentação radica, essencialmente, em duas ordens de razão, concretamente, na circunstância fática atinente à falta de correspondência entre o domicílio fiscal e a morada do imóvel alienado, porquanto, advoga que, do ponto de vista fiscal e mediante cotejo dos artigos 19.º da LGT e 43.º do CPPT, tem de existir uma total coincidência entre os conceitos de habitação própria e permanente e domicílio fiscal.

(…)

Contudo, não lhe assiste razão.

Relativamente à alegada coincidência entre domicílio fiscal e habitação própria e permanente, é jurisprudência unânime e inequívoca -citando-se, designadamente, o Acórdão do STA, proferido no processo nº 01077/11, datado de 14 de novembro de 2018- que “para efeitos do disposto neste normativo, o conceito de habitação própria permanente não equivale ao conceito de domicílio fiscal.” [No mesmo sentido, vide o Acórdão prolatado pelo STA, no âmbito do processo nº 0114/15, de 01 de julho de 2020].

Não existe, portanto, e inversamente ao propugnado pela Recorrente, uma equiparação entre o conceito de habitação própria permanente ao conceito de domicílio fiscal.

No concernente à expressão “habitação própria e permanente” pese embora a residência habitual seja o local onde a pessoa normalmente vive e tem o seu centro de vida, e, em regra, não dimanem grandes diferenças entre o “domicílio fiscal” e a sua “habitação permanente”, a verdade é que o conceito de “habitação própria e permanente” previsto no artigo 10.º, nº5, do CIRS assume uma especificidade própria que não se confunde com residência habitual ou domicílio fiscal.

A isso não obstando o disposto no preceito legal 19.º da LGT (ineficácia da mudança de domicílio enquanto não for comunicada à AT), nele se permitindo que a AT continue a considerar o contribuinte residente no domicílio que, porventura, já tenha abandonado (sem prejuízo, ainda assim, da retificação oficiosa do domicílio fiscal do respetivo sujeito passivo, se tal decorrer dos elementos ao dispor da AT, contemplada no nº6 do citado normativo).

E isto porque, neste concreto particular, nos encontramos no âmbito dos pressupostos da incidência do imposto, que, naturalmente, não serão afetados por tal presunção.

Com efeito, e conforme expendido no Aresto do STA já citado, prolatado no processo nº 01077/11:

“[d]iferentemente do que se verifica neste âmbito do rendimento sujeito a IRS, para efeitos do IMI e de isenção (Que não poderá equiparar-se à exclusão tributária aqui em questão.) ali prevista, tratando-se de um benefício fiscal objectivo ("propter rem"), a lei expressamente consigna (n° 9 do art. 46° do EBF) que «para efeitos desse artigo» se considera «ter havido afectação dos prédios ou partes de prédios à habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar se aí se fixar o respectivo domicílio fiscal».

Mas, ainda assim, também aqui estaremos perante presunção ilidível, na consideração de que a circunstância de o sujeito passivo não ter comunicado a mudança de domicílio para o prédio relativamente ao qual pediu a isenção (de IMI), por si só, não indicia que não têm habitação própria e permanente nesse prédio (cfr. o ac. do STA, de 23/11/2011, no proc. n° 0590/11). (Esta foi, aliás, a solução legal que veio a ser adoptada nos n.ºs 10 e ss. do art. 13º do CIRS (aditados pela Lei n° 82-E/2014, de 31/12, na qual se procedeu a uma reforma da tributação das pessoas singulares): apenas se estabeleceu uma presunção no sentido de que o domicílio fiscal faz presumir a habitação própria e permanente do sujeito passivo, mas podendo este apresentar, a todo o tempo, prova em contrário.)

Em suma, no caso presente, provado que o impugnante mantinha no prédio vendido, a sua habitação própria e permanente, com o respectivo agregado familiar, há-de verificar-se o requisito previsto no nº 5 do art. 10° do CIRS, para efeitos da não sujeição a imposto do respectivo valor de realização. Sendo que, como salienta o MP, independentemente do eventual incumprimento, neste âmbito, de alguma obrigação acessória por parte dos sujeitos passivos, o que releva é a comprovação de que o prédio alienado em causa tinha aquela especial afectação.” (destaques e sublinhados nossos).

Note-se, ademais, que à data da prática dos factos tributários, inexistia, tão-pouco, qualquer presunção –ainda que ilidível(7) - no sentido de que o domicílio fiscal faz presumir a habitação própria e permanente do sujeito passivo, em conformidade com o plasmado no atual 13.º, nº12, do CIRS, porquanto a mesma só foi introduzida pela Lei n.º 82-E/2014, de 31 de dezembro.(…)”

A decisão recorrida ao não ter perfilhado este caminho, entendendo, pelo contrário, que deveria existir uma correspondência entre o domicílio fiscal e a habitação permanente do recorrente, não pode ser mantida por erro de julgamento, o que implica, ao mesmo passo, a anulação da liquidação de IRS questionada.

· Da fixação do valor da ação.

Por último, defende o recorrente que o valor dado à causa não pode ser aquele que foi fixado pelo Tribunal a quo.

Recorda que, nos termos do artigo 97-A, n° 1, alínea a), do CPPT, o valor da causa será “quando seja impugnada a liquidação, o da importância cuja anulação se pretende”, e que, nos presentes autos o valor cuja anulação se pretende é o de € 51.934,19, correspondente à diferença entre o montante da liquidação impugnada (€ 101.824,39) e aqueloutro que resulta da exclusão de tributação da mais-valia realizada com a alienação do imóvel sito no E.................. que foi reinvestida pelo Recorrente na aquisição do imóvel para habitação própria e permanente sito em Palmela (€218.847,33).

Pretende, portanto, que seja atribuído o valor de € 51.934,19 à ação, em vez de €101.824,39.

Vejamos.

Por regra, nos processos em que é impugnado um ato de liquidação, o valor do processo é o da importância cuja anulação se pretende, que será o da liquidação cuja anulação foi pedida.

Tal como se sumariou no acórdão deste TCAS de 16.05.2024, processo nº 641/11.0BELRS: “(…)

II- Quando é impugnado um ato de liquidação, o valor do processo é apenas o da importância cuja anulação se pretende, que será o da própria liquidação, se for pedida a anulação total, ou o valor da parte impugnada, se se pretender uma anulação apenas parcial (artigo 97º-A al. a) do CPPT).
III- Como valor da liquidação deverá considerar-se o dos juros compensatórios que eventualmente tiverem sido liquidados, se for pedida a respetiva anulação, pois, de harmonia com o disposto no artigo 38º, nº 8, da LGT, os juros compensatórios integram-se na própria dívida do imposto, com a qual são conjuntamente liquidados”.

Na situação colocada foi impugnada a liquidação de IRS de 2004, emitida em 2008, no montante de 101.824,39 EUR, como refere o recorrente no rosto da sua PI, tendo pedido a sua anulação.

Assim sendo, pese embora as causas em que se esteia para a pretendida anulação, a verdade é que a impugnação tem como objeto (mediato) o ato de liquidação cujo valor se cifra em 101.824,39 EUR.

Portanto, não se vê razão alguma para entender que o mesmo não tenha sido fixado em obediência ao estabelecido no artigo 97º-A do CPPT aplicável, devendo, por isso, ser de manter.

Ou seja, tendo em conta que o valor da impugnação é 101.824,39 EUR, tendo sido pedida a anulação total da liquidação e não a sua anulação parcial, terá de ser necessariamente aquele valor (total) o da causa.

Chegados aqui, assuma concluir que o recurso terá de proceder quanto ao seu mérito, nos termos acima expostos, revogando-se a decisão recorrida e, por via disso, anular a liquidação impugnada tendo em conta o vício que a contamina.


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No que respeita a custas, considerando o princípio da causalidade vertido no artigo 122º nº 2 do CPPT e bem assim no 527º nº 1 e 2 do CPC, as custas ficam a cargo da parte vencida.

Contudo, a recorrida não tendo apresentado contra-alegações não é será responsável pelo pagamento da taxa de justiçaCf. acórdão deste TCAS de 17.09.2020, Processo nº 1505/17.0BELRS, o qual faz referência ao sumariado no acórdão do STA de 13/12/2017, donde se extrai que:

“I - As custas processuais abrangem a taxa de justiça, os encargos e as custas de parte (artigos 529.º n.º 1, do CPC, e 3º, nº 1, do RCP).

II – A taxa de justiça corresponde ao montante devido pelo impulso processual de cada interveniente (artigos 529º, nº 2, e 6º, nº 1, do CPC) e apenas é devida no seu pagamento pela parte que demande (artigo 530.º n. 1, do CPC).

III - O Recorrido que não contra-alegue não é, em caso algum, responsável pelo pagamento de taxa de justiça, o qual não lhe é exigível ainda que no recurso fique vencido (artigos 7º, nº 2, do RCP, e 37º, nº 4, da Portaria nº 419-A/2009, de 17 de Abril);

IV – Se, porém, o Recorrido ficar vencido no recurso é, nos termos gerais, responsável pelo pagamento das custas (artigo 446º do CPC).”


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V- DECISÃO

Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Subsecção de Contencioso Tributário Comum deste Tribunal Central Administrativo Sul, de harmonia com os poderes conferidos pelo artigo 202.º da Constituição da República Portuguesa, em:

- Conceder Provimento ao recurso;

- Revogar a decisão recorrida;

- Anular a liquidação de IRS impugnada;

- Manter o valor da ação fixado pelo Tribunal recorrido.

Custas a cargo da recorrida, sem pagamento de taxa de justiça por não ter contra alegado.


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Lisboa, 13 de novembro de 2025.

Isabel Silva
(Relatora)
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Patrícia Manuel Pires
(1ª Adjunta)
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Margarida Reis
(2ª adjunta)
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