Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:3551/23.SBELSB
Secção:CA
Data do Acordão:03/27/2025
Relator:ANA CRISTINA LAMEIRA
Descritores:INTIMAÇÃO PARA PRESTAÇÃO DE INFORMAÇÕES E PASSAGEM DE CERTIDÃO
PEDIDO PERANTE A ADMINISTRAÇÃO/PEDIDO JUDICIAL
ART. 15º, Nº 3 DA LADA
DESPROPORCIONALIDADE
PEDIDO SUBSIDIÁRIO
Sumário:I - O requerimento dirigido à Administração delimita a causa de pedir e o pedido deduzidos na intimação: quando não seja dada integral satisfação a pedido formulado no exercício do direito à informação procedimental ou não procedimental (causa de pedir) o interessado pode requerer a correspondente intimação (pedido) (n.º 1 do artigo 104.º do Código do Processo nos Tribunais Administrativos).
II - O pedido deduzido pelo Recorrente/Requerente e a condenação do tribunal devem conter-se nos limites do pedido que foi dirigido à Entidade Requerida, e cuja não satisfação integral fundamenta o pedido de intimação.
III- Nem se põe em crise que o requerimento em causa, se apresenta no âmbito do exercício do direito à informação, pois o Recorrente veio solicitar informação que está na disponibilidade da Entidade Requerida, isto é, em documentos que estão na sua posse, e tem um interesse pessoal e direto no acesso à respectiva informação, por estarem em causa elementos relacionados com o exercício da sua actividade de investigação enquanto jornalista.
IV- Todavia, para satisfazer a pretensão requerida, considerando a concreta informação que é requerida, é exigível uma tarefa de organização e manuseamento de múltiplos ficheiros informáticos, num esforço de meios desmesurado para qualquer serviço público, considerando, designadamente a dimensão e a amplitude da informação requerida e a circunstância de a mesma incidir num período temporal também vasto (14 anos) e cuja documentação abrange também vários milhares de processos e que se encontra dispersa fisicamente e organizada, nem sempre de modo individual (como no caso das comunicações – vide pontos 7. a 14 e 21 do probatório).
V – A demonstração por parte da entidade administrativa de factos que ilustram o prejuízo para o serviço, ou nas palavras do Recorrente, na versão do facto 17 que pretendia alterar “constrangimentos ao normal funcionamento dos serviços”, que in casu se prolongaria por vários meses, para satisfazer um único pedido que envolve no mínimo 9811 processos de despesa a validar individualmente – vide factos 9, 10, 19, 20 e 21 do probatório.
VI – Então, no caso sub iudice o princípio da proporcionalidade assume um especial alcance no regime de acesso à informação administrativa, no sentido de vedar as pretensões que ultrapassem ou excedam os limites do direito de acesso (vide art. 15º, nº 3 da LADA).
VII - Em todo o caso, a Recorrida/Entidade Requerida forneceu as listagens possíveis numa tentativa de auxiliar o Recorrente em novo pedido ou de modo a que este pudesse adaptar o seu pedido.
VIII - Na petição inicial o Recorrente não formulou qualquer pedido subsidiário, sede própria onde devem ser formulados os respectivos pedidos considerando o princípio da estabilidade da instância (artigo 260º do CPC) e a tramitação simplificada prevista no artigo 107º do CPTA, sem prejuízo do direito da parte ao contraditório, nos termos do artigo 3º, nº 3 do CPC.
Votação:Voto vencido
Indicações Eventuais:Subsecção Administrativa Comum
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, na Subsecção Comum da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul
I. RELATÓRIO

M.... , Requerente no presente processo de intimação para a prestação de informações e passagem de certidão, contra o Município de Lisboa (Entidade Requerida) interpôs o presente recurso da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa – Juízo Comum, em 24 de Julho de 2024, pela qual foi julgada improcedente e absolvida a Entidade Requerida do pedido de disponibilização de documentos por este originalmente formulado em 19.04.2023.

Na sua Alegação de recurso formula as seguintes conclusões:

“A. Vem o Recorrente interpor recurso da sentença proferida no dia 24 de julho de 2024 pelo Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, no âmbito do processo n.º 3551/23.5BELSB e impugnar a decisão sobre a matéria de facto provada e não provada (com recurso a reapreciação da prova gravada), bem como recorrer dos fundamentos de direito da sentença proferida, nos termos e com os fundamentos que infra melhor se exporão;
B. Primeiro, o Recorrente impugna a decisão sobre a matéria de facto provada e não provada, por considerar que:
B.1. Tendo em consideração a prova testemunhal produzida, concretamente o depoimento da testemunha C... constante da gravação da audiência de julgamento realizada no dia 25/06/2024 entre os minutos 00:07:32 e 01:02:36, sendo de relevar as passagens supratranscritas entre os minutos 00:17:46 a 00:19:36, 00:50:43 a 00:51:05, 00:21:15 a 00:22:17 e 00:43:15 a 00:45:48, cumpre concluir que resulta um facto diferente daquele que foi dado por provado na sentença recorrida, pelo que, mais se requer que este douto Tribunal proceda à alteração da redação do facto provado no ponto 16 para: “As consultas aos diferentes arquivos implicam deslocações de funcionários do departamento financeiro do Requerido que, dependendo do pedido, podem demorar alguns dias ou alguns meses”.
B.2. Tendo em consideração a prova testemunhal produzida, concretamente o depoimento da testemunha C... constante da gravação da audiência de julgamento realizada no dia 25/06/2024 entre os minutos 00:07:32 e 01:02:36, sendo de relevar as passagens supratranscritas entre os minutos 00:17:28 a 00:18:12, 00:53:45 a 00:54:11 e 00:47:23 a 00:50:36, cumpre concluir que resulta um facto diferente daquele que foi dado por provado na sentença recorrida, pelo que, mais se requer que este douto Tribunal proceda à alteração da redação do facto provado no ponto 17 para: “Com a deslocação de funcionários para os locais onde os processos físicos se encontram ficam os serviços a que esses funcionários estão afetos com diminuição de pessoal, o que causa constrangimentos ao normal funcionamento daqueles serviços”.
B.3. Tendo em consideração a prova testemunhal produzida, concretamente o depoimento da testemunha C... constante da gravação da audiência de julgamento realizada no dia 25/06/2024 entre os minutos 00:07:32 e 01:02:36, sendo de relevar as passagens supratranscritas entre os minutos 00:51:05 a 00:52:33 e 00:47:23 a 00:50:36, e uma vez que tal factualidade é absolutamente relevante para a questão principal a decidir nos presentes autos, concretamente a de saber se o pedido de informação formulado pelo Recorrente, incluindo o pedido reduzido formulado na sua Réplica, é exequível para os serviços do Recorrido (circunstância que foi tida em consideração pelo Tribunal a quo na decisão proferida), vem o Recorrente requerer que este douto Tribunal ad quem se digne a proceder ao aditamento de dois novos factos, concretamente: (i) “A consulta aos documentos pode ser feita através da deslocação de um funcionário ao respetivo arquivo, em conjunto com o Requerente, o que facilitará a triagem dos documentos pretendidos”; (ii) “O pedido reduzido às despesas elencadas nos documentos intitulados “PAGAMENTOS 01/08/2007 A 2014 (FUNDO DE MANEIO)” e “PAGAMENTOS 2015- 2021 (FUNDO DE MANEIO)” comporta um menor número de documentação e, consequentemente, demoraria menos tempo e seria exequível;
C. Segundo, o Recorrente impugna a conclusão a que chega o douto Tribunal a quo quanto ao pedido de informação formulado pelo Recorrente – de que se trata de um pedido abusivo e desproporcional, incluindo o pedido subsidiário (e que foi reduzido) formulado em sede de réplica – por considerar que esta assenta numa errada análise à matéria de facto.
D. No caso, por considerar que da factualidade tida por provada (incluindo os factos ora alterados e aditados), resulta claro que todos reconhecem, incluindo o Recorrido, que o pedido primitivo formulado pelo Recorrente é adequado ao fim a que se destina e que os documentos em questão são documentos “públicos”, de livre acesso, que sempre poderão ser consultados.
E. Resulta também provado que apenas se deve ao facto de o Município não dispor dos recursos e dos meios organizacionais necessários à ágil tramitação daquele pedido (no caso, os arquivos estão dispersos por três locais da cidade distintos, diferentes daqueles onde se encontra o serviço financeiro do Recorrido), que a organização e disponibilização da informação solicitada se torna de difícil execução.
F. Assim, e pese embora se considere que esta argumentação do Recorrido nunca poderá proceder (por consistir numa manifesta violação do direito ao acesso à informação, conforme adiante melhor se concluirá), o Recorrente decidiu reduzir o seu pedido em sede de réplica, circunscrevendo o seu pedido de informação aos documentos intitulados “PAGAMENTOS 01/08/2007 A 2014 (FUNDO DE MANEIO)” e “PAGAMENTOS 2015- 2021 (FUNDO DE MANEIO)”
G. Sendo certo que, também resultou manifestamente provado (cf. conclusão B) que a redução do pedido permite com que a rastreabilidade dos documentos seja mais simples e rápida, principalmente caso o Recorrente se desloque ao local dos arquivos juntamente com o funcionário do Recorrido, por forma a facilitar essa “triagem”.
H. Nesse sentido, e ao contrário do que concluiu o douto Tribunal a quo, não é certo quanto tempo demorará, em concreto, a consulta a estes documentos (do pedido subsidiário), tendo resultado manifestamente provado que tal é exequível.
I. Razão pela qual, vem o Recorrente requerer a este douto Tribunal ad quem que altere a conclusão extraída deste elenco factual (incluindo os factos ora alterados e aditados) e, consequentemente, revogue a decisão proferida, julgando desde já procedente o pedido subsidiário que foi formulado pelo Recorrente em sede de Réplica e que foi reduzido e circunscrito aos documentos intitulados “PAGAMENTOS 01/08/2007 A 2014 (FUNDO DE MANEIO)” e “PAGAMENTOS 2015- 2021 (FUNDO DE MANEIO). Sem prescindir,
J. Considera o Recorrente que o douto Tribunal a quo errou, ainda, na apreciação que fez do direito aplicável aos presentes autos – e que se estende quer ao pedido principal e primitivo que foi formulado, quer ao pedido subsidiário, reduzido em sede de réplica.
K. Em concreto, errou o Tribunal a quo ao considerar que o pedido de acesso formulado pelo Recorrente constitui um pedido manifestamente desproporcional e abusivo, mostrando-se, no seu entendimento, legítima a recusa do Recorrido em disponibilizar-lhe os documentos em causa.
L. E errou por considerar que um pedido de informação/acesso a documentos é “desproporcional” e “abusivo”, para efeitos de aplicação do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, e 15.º, n.º 3, da LADA, tendo em consideração a falta de capacidade dos serviços do Recorrido – i.e., pelo simples facto de a entidade pública (Recorrido) não ter as condições (de recursos humanos e organizacionais) necessárias à satisfação desse pedido.
M. O que, com todo o respeito que sempre lhe é merecido, consubstancia uma clara violação dos princípios constitucionalmente consagrados nos artigos nos artigos 37.º, n.º 1 (liberdade de informação), 48.º (participação na vida pública) e 268.º, n.º 2 (direito do acesso aos arquivos e registos administrativos, para além de uma manifesta violação do disposto nos artigos 2.º e 5.º da LADA e dos artigos 6.º, alínea b), e 8.º, n.º 1, alínea a), do Estatuto do Jornalista – e que, no fundo, são corolários daqueles princípios constitucionais.
N. Primeiro, sempre se diga que também é entendimento da CADA que a análise da (des)proporcionalidade ou da (des)razoabilidade de um pedido de informação deve ser feita tendo em consideração o próprio pedido: isto é, um pedido, realizado ao abrigo do regime de livre acesso, só será desproporcional e desrazoável quando é formulado sem um propósito definido e implica um obstáculo ao normal funcionamento dos serviços das entidades requeridas (grosso modo, quando o pedido é realizado com a clara intenção de causar um constrangimento na administração) – cf. Parecer n.º 184/2024 (por alusão ao Parecer n.º 400/2023) da CADA.
O. Segundo, e no sobredito parecer, a CADA é perentória ao afirmar que “a invocada extensão do pedido e do esforço «desproporcional» que a sua satisfação possa implicar para os serviços da entidade requerida, observe-se que o direito de acesso se encontra particularmente imbuído dos princípios de cooperação, da boa-fé e colaboração entre os envolvidos (…) Reiterando a doutrina acabada de enunciar, acrescenta-se, na presente circunstância, que se entende a dificuldade operacional que possa existir por parte da entidade requerida. 8. Mas observa-se também que o requerente, ora queixoso, colocou a possibilidade de consulta presencial” - cf. Parecer n.º 184/2024 (por alusão ao Parecer n.º 400/2023) da CADA.

P. O que, salvo devido respeito, nunca poderia ser de outra forma, na medida em que: P.1. A informação solicitada diz respeito a dinheiros públicos, razão pela qual pode e deve ser escrutinada por qualquer interessado, não sofrendo, desta forma, restrições de acesso decorrentes da proteção da intimidade da vida privada – cf. Acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo Sul em 01.08.2024 no âmbito do Processo n.º 1154/23.3BESNT.
P.2. O Recorrente é jornalista de profissão, pelo que o acesso à informação representa um exercício do seu direito fundamental de informar e de se informar, de participar na vida pública e de aceder aos arquivos e registos administrativos, conforme se encontra consagrado nos artigos 37.º, n.º 1, 48.º e 268.º, n.º 2 da CRP.
P.3. o direito de acesso aos arquivos e registos administrativos constitui um direito fundamental de natureza análoga aos direitos, liberdades e garantias, pelo que, conforme resulta do artigo 17.º da CRP, é-lhe aplicável o regime destes direitos.
Q. Posto isto, por se tratar de informação que se enquadra no regime de livre acesso, o pedido só pode ser recusado quando se mostre ser absolutamente desproporcional.
R. E, ao contrário da interpretação levada a cabo pelo douto Tribunal a quo, o juízo de proporcionalidade que se faz quanto a um pedido desta natureza [e à eventual recusa de acesso a informação sujeita ao regime do livre acesso], sempre implica a restrição de um direito fundamental de natureza análoga aos direitos, liberdades e garantias, pelo que este (direito) só não pode ser satisfeito quando “a quantidade ou a qualidade dos encargos impostos excede o que é legitimamente tolerável pela liberdade e autonomia pessoal em Estado de Direito” - cf. JORGE REIS NOVAIS, em “Os princípios constitucionais estruturantes da República Portuguesa”, págs. 187-190, da ed. de 2004, da Coimbra Editora.
S. O que, salvo devido respeito, não é o caso dos presentes autos, porquanto:
S.1. Realizando-se um juízo de proporcionalidade, este (i) demonstra-se ser adequado para a prossecução dos fins visados, (ii) é necessário para alcançar os referidos fins (o Recorrente não tem outra forma de aceder à informação pretendida e realizar a sua investigação jornalística) e (iii) é o meio apropriado para obtenção dessa mesma informação.
S.2. Não são impostos ao Recorrido encargos tais que excedam o que é legitimamente tolerável – tal como resulta cabalmente provado, tal pedido apenas implica a deslocação de um funcionário aos locais onde os documentos se encontram arquivados, devidamente acompanhado do Recorrente.
T. E, nesse sentido, a jurisprudência já foi chamada a pronunciar-se, incluindo este douto Tribunal ad quem, no seu acórdão de 01.08.2024 no âmbito do Processo n.º 1154/23.3BESNT, para o qual, por falta de melhores palavras, se remete.
Posto isto,
U. Ao concluir desta forma, o douto Tribunal a quo olvidou que o Recorrente solicitou o acesso e consequente disponibilização dos documentos aos quais pretende aceder há mais de um ano, quando formulou o seu pedido pela primeira vez junto do Recorrido;
V. Olvidou, também, que o Recorrente sempre se mostrou disponível para, caso se verificasse que a disponibilização dos documentos constituísse um esforço desproporcionado para o Recorrido, se deslocar para consultar presencialmente os referidos documentos, nos diferentes locais onde os mesmos se encontrassem;
W. Igualmente, olvidou que o Recorrente formulou um pedido subsidiário que incidia sobre apenas dois dos quatro pedidos que tinha formulado inicialmente;
X. Tal como olvidou que o Recorrente solicitou o acesso à informação no exercício de direitos fundamentais de que é titular, entre os quais o direito de informar, de se informar, de participar na vida pública e de aceder aos arquivos e registos administrativos, tal como se encontra consagrado na CRP, no artigo 37.º, n.º 1, 48.º, 268.º, n.º 2 da CRP.
Y. Pelo que, a sentença recorrida padece de um erro relativo à matéria de direito, uma vez que o Tribunal a quo violou as normas jurídicas constantes dos artigos 37.º, n.º 1, 48.º, 268.º, n.º 2 da CRP, artigo 5.º, n.º 1 da LADA e artigo 6.º, alínea b) e 8.º, n.º 1, alínea a) do Estatuto do Jornalista que, em síntese, tutelam os direitos fundamentais do Recorrente, postos em causa.
Z. Razão pela qual se requer a este douto Tribunal ad quem que a mesma seja revogada e substituída por outra que condene o aqui Recorrido a facultar os documentos solicitados ao Recorrente, ainda que faseadamente, por forma a tentar encontrar um equilíbrio entre a disponibilização da informação solicitada e o funcionamento e operacionalidade dos respetivos serviços.
Nestes termos e nos demais de Direito, sempre com o douto suprimento de V. Exas., deve ser concedido provimento ao presente recurso e, em consequência, ser revogada a decisão recorrida e substituída por outra que condene o aqui Recorrido a facultar a informação solicitada ao Recorrente ou, caso assim não se entenda, por mero dever de patrocínio, seja o Recorrido condenado a facultar a informação solicitada pelo Recorrente no pedido subsidiário por si formulado.

*
A Entidade Requerida, ora Recorrida, nas suas contra-alegações formulou as seguintes conclusões:
“1) o Recorrido acompanha integralmente o entendimento vertido na douta sentença recorrida, não merecendo a Douta Sentença nem de facto nem de direito qualquer censura ou reparo.
2) O recorrido mantém tudo quanto foi alegado na sua resposta à intimação,
3) Os factos dados como provados nos pontos 16 e 17 deverão manter-se inalterados.
4) Tendo em consideração a prova testemunhal produzida, concretamente o depoimento da testemunha C... constante da gravação da audiência de julgamento realizada no dia 25/06/2024 em momento algum da sua prova testemunhal a testemunha C... disse ou afirmou que no caso dos presentes autos a recolha de informação seria possível em dois ou três dias,
5) O que a testemunha C... esclareceu foi “que para um processo, dois processos, três, quatro processos, seja uma questão de dois ou três dias” cfr. Depoimento entre os minutos [00:50:43 a 00:51:05]:
6) A testemunha C... esclareceu precisamente o contrário, ou seja, informou o tribunal que “vai levar meses certamente, eu quase com 63 anos acho que se fosse eu sozinho a fazer isso, consultar o sistema, ir ao arquivo, tratar, voltar outra vez a pôr no sítio certo eu atingia a reforma” cfr. Depoimento entre os minutos [00:19:24 a 00:22:17]
7) Pelo Recorrente foi pedido cópia digital de documentação que se reporta a um período temporal de 14 anos (entre 2007 até Outubro de 2021)
8) O pedido do Recorrente é um pedido desproporcional, desrazoável e abusivo, que só relativamente às rubricas orçamentais “Ajudas de Custo” e “Representação dos Serviços” e “Fundo de Maneio”, que apenas dizem respeito ao pedido nas alíneas a) e b) perfazem mais de 9811 processos
9) Os processos físicos, de despesa relativamente aos anos de 2007, 2008, 2009, 2010, 2016 e 2017, encontram-se à guarda da Divisão de Arquivos, no arquivo do Alto da Eira sito na freguesia da Penha de França) e os processos relativamente aos anos de 2011 a 2015 encontram-se em arquivo externo/EAD à Câmara Municipal de Lisboa, e os processos físicos respeitantes aos anos de 2018 até ao presente, encontram-se no Campo Grande
10) Todos os processos de despesa são processos individuais o que significa que só o pedido constante das alíneas a) e b) se contabilizam mais de 9811 processos, que podem estar em 9811 caixas diferentes nos vários arquivos a consultar.
11) A redação do facto dado por provado no ponto 16 da sentença recorrida não deve ser alterada devendo manter-se a sua redação tal como consta e bem na Douta Sentença, concluindo-se sem margem para duvidas que não se trata de dias, mas sim de muitos meses ou anos.
12) A testemunha C... no seu depoimento esclareceu com toda a clareza possível todos os procedimentos adotados pelo Recorrido relativamente aos processos de despesas e esclareceu ainda o tribunal, sem deixar margem para qualquer duvida, de que o serviço da contabilidade fica com menos funcionários quando os mesmos se deslocam para os arquivos, deixando o serviço de contabilidade “ a descoberto” ou seja prejudicado, cfr. Depoimento entre os minutos Cfr. prova gravada na audiência de julgamento no dia 25/06/2024, entre os minutos [00:16:35-00:17:28]
13) A redação do facto dado por provado no ponto 17 da sentença recorrida não merece qualquer censura, devendo o mesmo manter a sua redação tal como consta da Douta Sentença com a menção de “com consequente prejuízo para o serviço”.
14) Não deverá ser aditado 1 (um) novo facto, porquanto não é verdade que a consulta aos documentos pode ser feita através da deslocação de apenas um funcionário ao respetivo arquivo, em conjunto com o Requerente.
15) Para o pedido do recorrente é necessário todo um conjunto de recursos humanos e meios a alocar à tarefa em causa tendo em consideração que para cada processo é necessário identificar o numero da autorização de pagamento, identificar a caixa onde esse documento está arquivado, ulterior recolha, disponibilização e tratamento de dados de acordo com a proteção de dados (RGPD) eventual cópia, e novamente arquivar
16) Não estamos a falar da consulta em arquivo de um, dois ou três processos, cuja documentação pode ser tratada antecipadamente, estamos sim a falar de a 9811 processos de despesa a tratar individualmente e que implica consultas aos diferentes arquivos e consequentemente deslocações de vários funcionários do departamento financeiro do Requerido, durante vários meses, ou mesmo vários anos,
17) A dimensão e os exatos termos em que este pedido foi feito, só os registos referentes ao pedido da alínea a) e b) do requerimento correspondem, no mínimo, a 9811 processos de despesa a tratar individualmente conforme referido supra, pelo que, é impensável, que este pedido pudesse ser satisfeito com a deslocação ao arquivo de apenas um funcionário, pelo que não deverá ser aditado 1 (um) novo facto.
18) Não deverá ser admitido o aditamento de 1 (um) novo facto, a dar por provado tendo em consideração os depoimentos prestados pelas testemunhas (reapreciação da prova gravada), e que o Recorrente entende ser essencial para a correta decisão da causa, concretamente: “O pedido reduzido às despesas elencadas nos documentos intitulados “PAGAMENTOS 01/08/2007 A 2014 (FUNDO DE MANEIO)” e “PAGAMENTOS 2015- 2021 (FUNDO DE MANEIO)”
19) A Testemunha C... em sede de prova testemunhal informou o tribunal que este pedido “Continua a ser extenso o volume porque o alvo é o nosso arquivo todo, cfr. depoimento constante na prova gravada na audiência de julgamento no dia 25/06/2024, entre os minutos [00:45:48 - 00:49:06]
20) Esse facto cujo aditamento o Recorrente requer já foi devidamente apreciado pelo Douto Tribunal, tendo o Tribunal entendido que a consulta dos originais das facturas correspondentes às despesas elencadas nos documentos intitulados “PAGAMENTOS 01/08/2007 A 2014 (FUNDO DE MANEIO)” e “PAGAMENTOS 2015-2021 (FUNDO DE MANEIO)”, por referência à rubrica “Fundo de Maneio” continua a ser um pedido desproporcional, desrazoável e abusivo tendo em consideração que estamos a falar de um total de 3528 processos (cf. cópias dos mapas juntas a fls. 240-294 dos autos no SITAF)
21) Não assiste qualquer razão de direito para o recurso interposto pelo Recorrente,
22) O Tribunal fez uma correta aplicação, apreciação e interpretação das normas aplicáveis, inclusive de todas as normas agora entendidas pelo Recorrente como violadas, pelo que, bem andou o Douto Tribunal ao decidir como decidiu,
23) A Sentença não deve ser alterada porquanto a mesma não merece qualquer censura nem reparo quer quanto à matéria de facto quer quanto à matéria de direito
24) O presente recurso encontra-se destituído de qualquer sustentação
25) O caso dos presentes autos não poderia ser solucionado de forma diferente do decidido.
26) Deve ser negado provimento ao recurso interposto, confirmando-se a decisão recorrida

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O Digno Magistrado do Ministério Público, notificado ao abrigo do disposto no artigo 146º, nº 1 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, não emitiu pronúncia.

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Com dispensa dos vistos legais, atento o carácter urgente dos autos, vem o processo submetido à conferência para decisão.
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I. 1- Do objecto do recurso / Das questões prévias e a decidir:

Em conformidade com o disposto nos artigos 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil (CPC), é pelas conclusões do recorrente jurisdicional que se define o objecto e se delimita o âmbito do presente recurso, sem prejuízo das questões de que este tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, que inexistem, estando apenas adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso.
As questões a decidir neste processo, tal como vêm delimitadas pelas conclusões de recurso, cingem-se em aferir:
i) Da impugnação do julgamento de facto;
ii) Do erro de julgamento de Direito.

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II – Fundamentação
II. 1 - De facto:

Na decisão recorrida foi fixada a seguinte factualidade que, de seguida, se reproduz:

1. O Requerente é jornalista (cf. cópia da carteira profissional junta a fls. 28-29 dos autos no SITAF, documento que se dá por integralmente reproduzido).
2. Em 19.04.2023, o Requerente apresentou um requerimento junto do Requerido, cujo teor se transcreve parcialmente infra:
“M.... , jornalista portador da carteira profissional nº 4424 A, com residência profissional na Rua .... , n.º3, em Lisboa, vem, ao abrigo do disposto nos artigos 5.º e 12.º da Lei n.º 26/2016, de 22 de agosto (que aprovou o regime de acesso à informação administrativa e ambiental e de reutilização dos documentos administrativos, transpondo a Diretiva 2003/4/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 28 de Janeiro, e a Diretiva 2003/98/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 17 de Novembro) e em exercício do direito de acesso aos documentos administrativos, solicitar o seguinte:
1 - Cópia digital de todos os Boletins Itinerário – ou outro documento de registo equivalente - das ajudas de custo e de transporte existentes entre 1 de agosto de 2007 e 15 de outubro de 2021 na presidência da Câmara Municipal de Lisboa, bem como em todos os gabinetes de vereação com pelouro atribuído.
2- Cópia digital dos mapas de processamento – ou outro documento de registo equivalente - do fundo de maneio que tenham sido produzidos, com base mensal, semanal ou outra, entre 1 de agosto de 2007 e 15 de outubro de 2021 na presidência da Câmara Municipal de Lisboa, bem como em todos os gabinetes de vereação com pelouro atribuído.
3- Cópia digital dos mapas de pagamento – ou outro documento de registo equivalente – das despesas de comunicações fixas e móveis que tenham sido produzidas/apresentadas pelo presidente da Câmara Municipal de Lisboa, pelos vereadores com pelouro, bem como pelo pessoal dos respetivos gabinetes, entre 1 de agosto de 2007 a 15 de outubro de 2021, e que tenham sido liquidadas/pagas pela Câmara Municipal de Lisboa, independentemente da rubrica orçamental ou contabilística em que essas despesas tenham sido classificadas.
4- Cópia digital de todos os documentos de despesa (faturas, recibos, talões ou qualquer documento administrativo de suporte) apresentados entre 1 de agosto de 2007 e 15 de outubro de 2021 pelo presidente da Câmara Municipal de Lisboa, pelos vereadores com pelouro, bem como pelo pessoal dos respetivos gabinetes, que não estejam associados ou sido feitas com recurso a qualquer cartão bancário emitido no âmbito da CML (recordamos que sobre este assunto dos cartões bancários existe um processo em andamento entre a CML e a SÁBADO, que teve inclusive decisão judicial) e que tenham sido apresentados a pagamento pelas pessoas atrás referidas no âmbito do fundo de maneio, bem como no âmbito do regime de ajudas de custo e de transporte, de despesas de representação, ou outro âmbito (por exemplo, mas não exclusivamente, despesas de comunicações fixas e móveis).
Se tal constituir um esforço desproporcionado, a SÁBADO aceita e disponibiliza-se para a consulta presencial dos referidos documentos de despesa com a salvaguarda de uma hipotética seleção de qualquer um deles para correspondente pedido de cópia digital. Mais se informa que, o ora solicitado, fundamenta-se também no disposto no artigo 8º da Lei n.º 1/99, de 13 de Janeiro (que aprovou o Estatuto do Jornalista) e que consagra o direito de acesso às fontes de informação assegurado aos jornalistas.
Solicito ainda que, se não for possível disponibilizar a informação solicitada, se proceda à fundamentação da recusa nos termos da lei.” (cf. cópia da mensagem electrónica junta a fls. 16-17 dos autos no SITAF, documento que se dá por integralmente reproduzido).
3. Em 10.05.2023, o Requerente solicitou a emissão de parecer à CADA “sobre a ausência de resposta da Câmara Municipal de Lisboarelativamente ao requerimento que se alude no ponto anterior (cf. cópia da mensagem electrónica junta a fls. 16 dos autos no SITAF).
4. Em 13.09.2023, foi emitido foi emitido parecer pela CADA, cujo teor se transcreve parcialmente infra:
“(…) 1. A CADA pronunciou-se sobre matéria similar à aqui em apreço mormente nos seus pareceres nº 166 a 169, 224 a 235 de 2023 (disponíveis, como todos, em www.cada.pt) referentes a pedidos de acesso junto de autarquias. E também em vários pareceres referentes a pedidos de acesso junto de ministérios: por exemplo, nos pareceres n.º 171 a 183 e 223 de 2023. 2. A substância do que aí foi dito aplica-se ao caso em aqui em análise.
3. Quanto à documentação solicitada concluiu-se naqueles pareceres, e aqui, se reitera, que é, no essencial, livremente acessível.
4. Para melhor compreensão reproduz-se em seguida a doutrina exposta no Parecer n.º 168/2023: «1. Considera-se, para efeitos da Lei n.º 26/2016, de 22 de agosto (LADA), documento administrativo ―qualquer conteúdo ou parte desse conteúdo, que esteja na posse ou seja detido em nome dos órgãos e entidades referidas no artigo seguinte, seja o suporte de informação sob forma escrita, visual, sonora, eletrónica ou outra forma material.‖/2. A regra em relação aos documentos administrativos é o livre acesso e consta no artigo 5.º, n.º 1, da LADA: ―Todos, sem necessidade de enunciar qualquer interesse, têm direito de acesso aos documentos administrativos, o qual compreende os direitos de consulta, de reprodução e de informação sobre a sua existência e conteúdo.‖/3. Esta regra comporta exceções, que são aquelas que estão previstas no artigo 6.º da LADA, designadamente o acesso a documentos nominativos. /4. Documentos nominativos são documentos administrativos que contenham dados pessoais, na aceção do regime jurídico de proteção das pessoas singulares [alíneas a) e b) do n.º 5 e nº 9 do artigo 6.º, conjugadas com a alínea b) do n.º 1 do artigo 3.º da LADA]./5. Por Dados pessoais entende-se «[a] informação relativa a uma pessoa singular identificada ou identificável («titular dos dados»); é considerada identificável uma pessoa singular que possa ser identificada, direta ou indiretamente, em especial por referência a um identificador, como por exemplo um nome, um número de identificação, dados de localização, identificadores por via eletrónica ou a um ou mais elementos específicos da identidade física, fisiológica, genética, mental, económica, cultural ou social dessa pessoa singular» — n.º 1 do artigo 4.º do Regulamento Geral sobre a Proteção de Dados [Regulamento (UE) 2016/679 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 27 de abril de 2016, relativo à proteção das pessoas singulares no que diz respeito ao tratamento de dados pessoais e à livre circulação desses dados]./6. Dispõe o artigo 6.º da LADA: «5 – Um terceiro só tem direito de acesso a documentos nominativos: / a) Se estiver munido de autorização escrita do titular dos dados que seja explícita e específica quanto à sua finalidade e quanto ao tipo de dados a que quer aceder; / b) Se demonstrar fundamentadamente ser titular de um interesse direto, pessoal, legítimo e constitucionalmente protegido suficientemente relevante, após ponderação, no quadro do princípio da proporcionalidade, de todos os direitos fundamentais em presença e do princípio da administração aberta, que justifique o acesso à informação. (…) / 9 – Sem prejuízo das ponderações previstas nos números anteriores, nos pedidos de acesso a documentos nominativos que não contenham dados pessoais que revelem a origem étnica, as opiniões políticas, as convicções religiosas ou filosóficas, a filiação sindical, dados genéticos, biométricos ou relativos à saúde, ou dados relativos à intimidade da vida privada, à vida sexual ou à orientação sexual de uma pessoa, presume-se, na falta de outro indicado pelo requerente, que o pedido se fundamenta no direito de acesso a documentos administrativos.»./7. Os documentos sujeitos a restrições de acesso são objeto de comunicação parcial sempre que seja possível expurgar a informação relativa à matéria reservada – artigo 6.º, n.º 8, da LADA. /8. Feito o enquadramento geral da LADA, vejamos./9. Não haverá dúvida quanto a natureza de documentos administrativos da informação a cujo acesso foi solicitado./10. (…)./11. (…)/12. Quanto à natureza da demais informação solicitada [(2), (3), (4) e (5)], nomeadamente relativa a cartões bancários, extratos, despesas e ajudas de custos, veja-se o racional expandido por esta Comissão no Parecer n.º421/2022, que por sua vez cita outros, (…) relativo a pedido de jornalista junto de uma Câmara Municipal, em que se pode ler: «3. A assunção de compromissos deve obedecer ao preceituado no Regime da Administração Financeira do Estado (RAFE), aprovado pelo Decreto-Lei nº 155/92, de 28 de Julho, referente ao registo do cabimento prévio (artigo 13º), autorização da despesa (artigo 22.º e 26º) e registo do compromisso (artigos 10º e 13º). Deverá ainda submeter-se à disciplina nº 1 e 2 do artigo 22º do RAFE e artigo 5.º da Lei dos Compromissos e dos Pagamentos em Atraso (LCPA), aprovada pela Lei n.º 8/2012, de 21 de Fevereiro, bem como ao ponto 5 da NCP26 – Contabilidade de Relato Orçamental, do Sistema de Normalização Contabilística para a Administração Pública (SNC-AP), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 192/2015, de 11 de setembro./4 A CADA já se pronunciou sobre extratos de cartões de crédito, no Parecer 23/2019 (disponível como todos em www.cada.pt): «(…) não poderá haver dúvidas de que a documentação pretendida é documentação administrativa – cfr. artigo 3.º, n.º 1, alínea a), da mesma Lei. A questão que se coloca é, pois, a de saber se será livre e generalizadamente acessível, ou seja, se recai no âmbito do artigo 5.º, n.º 1, da LADA./Ora, um extrato de cartão de crédito contém, por regra, não apenas os valores que entram e saem de determinada conta, mas, igualmente, a data, hora e local desses movimentos. Em suma, um extrato que reflita toda essa informação configura-se como um documento nominativo - artigo 3.º, n.º 1, alínea b), da LADA. /Todavia – e uma vez que se trata de cartões de crédito de uso funcional, ou seja, usados no exercício de funções -, entende-se que condição de vereador é título bastante para, na ponderação que o acesso a documentos nominativos sempre exige (artigo 6.º, n.º 5, da LADA), fazer pender a ―balança‖ para o acesso. /É uma questão que se prende com o controlo dos gastos de dinheiros públicos e, assim, também de transparência da atividade administrativa./ De facto, o cartão de crédito mais não é do que um meio de pagamento de despesa pública que, excecionalmente, está dispensada de procedimentos pré-contratuais, por se revestir, na generalidade das circunstâncias, como despesa urgente e inadiável, num regime equivalente ao fundo de maneio e se circunscrever no limite do ajuste direto. Em tudo o mais, está-se perante despesa pública, sujeita às regras e nomenclatura do POCAL, que não prevê a existência de despesas confidenciais e não documentadas. Pelo contrário, na perspetiva do POCAL, toda a despesa está sujeita ao princípio da especificação, assim como está subordinada ao princípio da transparência, consignado no art.º 7.º da Lei n.º 73/2013, de 3 de setembro, com a redação dada pela Lei n.º 51/2018, de 16 de agosto, segundo o qual, ―A atividade financeira das autarquias locais está sujeita ao princípio da transparência, que se traduz num dever de informação mútuo ente estas e o Estado, bem como no dever de divulgar aos cidadãos, de forma acessível e rigorosa, a informação sobre a sua situação financeira.‖. /Isto é, sendo a despesa realizada num regime equivalente ao fundo de maneio, conforme previsto no POCAL (2.3.4.3), está sujeito ao ciclo da despesa, devendo a(s) respetiva(s) natureza(s) estar(em) previamente tipificada(s) e cabimentada(s) em dotações orçamentais, as quais foram aprovadas pelos órgãos municipais.» /5. No mesmo sentido foi concluído no Relatório n.º 03/2015 – FS/SRATC do Tribunal de Contas:/―As despesas pagas com cartões de crédito e ou cartões de débito devem respeitar as disposições legais e contabilísticas previstas no POCAL e na Lei dos Compromissos e dos Pagamentos em Atraso. / A alínea d) do ponto 2.3.4.2 do POCAL determina que as despesas só podem ser cativadas, assumidas, autorizadas e pagas se, para além de serem legais, estiverem inscritas no orçamento e com dotação igual ou superior ao cabimento e ao compromisso, respetivamente. / O ponto 2.6.1 do POCAL dispõe, ainda, que no decurso da execução orçamental, à utilização das dotações de despesa deve corresponder o registo das fases de cabimento (cativação de determinada dotação visando a realização de uma despesa) e compromisso (assunção, face a terceiros, da responsabilidade de realizar determinada despesa)‖. /6. A mesma linha de raciocínio aplica-se aos cartões de débito./7. Atualmente encontra-se em vigor o SNC-AP, que revogou o POCAL, com exceção dos pontos 2.9, 3.3 e 8.3.1;/8. O SNC-AP vem exigir igualmente a disciplina orçamental conforme previsto no ponto 5 da NCP26 do anexo II;/9. O Ponto 2.9.10.1.11 do POCAL vem definir que:/10. ―Para efeitos de controlo dos fundos de maneio o órgão executivo deve aprovar um regulamento que estabeleça a sua constituição e regularização, devendo definir a natureza da despesa a pagar pelo fundo, bem como o seu limite máximo, e ainda:/a) A afetação, segundo a sua natureza, das correspondentes rubricas da classificação económica;/b) A sua reconstituição mensal contra a entrega dos documentos justificativos das despesas;/c) A sua reposição até 31 de Dezembro.‖ / 11. No caso, o pedido é apresentado por jornalista, não por vereadores, como no parecer citado./12. Ainda assim, deve atender-se, na ponderação, ao disposto no artigo 6.º, n.º 9, da LADA: ―Sem prejuízo das ponderações previstas nos números anteriores, nos pedidos de acesso a documentos nominativos que não contenham dados pessoais que revelem a origem étnica, as opiniões políticas, as convicções religiosas ou filosóficas, a filiação sindical, dados genéticos, biométricos ou relativos à saúde, ou dados relativos à intimidade da vida privada, à vida sexual ou à orientação sexual de uma pessoa, presume-se, na falta de outro indicado pelo requerente, que o pedido se fundamenta no direito de acesso a documentos administrativos.‖/13. As movimentações dos cartões usadas em funções não constituem dados sensíveis, e por isso, têm um grau de proteção inferior aqueles./14. Além de que o uso que é dado aos cartões de crédito e débito, não é pessoal, mas funcional, o seu titular é a Câmara Municipal de Lisboa./15. Estando em causa um ente público e sendo a atividade relacionada com a utilização de dinheiros públicos, pode ser escrutinada, e o direito de ser informado, para poder informar, que resulta da condição indicada pelo requerente, suplanta, assim, o direito à proteção dos dados em causa». /13. E na idêntica lógica de informação funcional e despesa pública se incluirá também a que respeita a «boletins itinerário, mapas de processamento»./14. De qualquer forma, como se disse, os documentos sujeitos a restrições de acesso são objeto de comunicação parcial sempre que seja possível expurgar a informação relativa à matéria reservada./15. Vejamos, finalmente, a perspetiva, das «implicações logísticas» do pedido./16. Não se revela que a entidade requerida tenha cumprido o dever de resposta a que está adstrita, nos termos do disposto no artigo 15.º da LADA./17. No quadro do dever de colaboração a que está adstrita a entidade administrativa, e que também regula o exercício do direito de acesso, será em primeira linha perante o requerente que a entidade requerida deve explicitar os seus fundamentos e dificuldades existentes na satisfação do pedido para que o mesmo possa, se for o caso, modificá-lo e/ou reduzi-lo./18. É de lembrar, também, que se há documentação que pode ser mais difícil de localizar e cuja dimensão e esforço de obtenção ultrapasse o razoável, haverá, com certeza, outra que poderá ser fornecida sem esse grau de dificuldade ou esforço, ainda que faseadamente. Tudo, portanto, a confluir na conveniência de diálogo com o ora queixoso, de modo a intentar alcançar-se o equilíbrio entre o direito de acesso e as exigências de funcionamento geral da entidade requerida».
5. Agora, recebido o presente parecer, a entidade requerida deverá comunicar ao requerente a sua posição final fundamentada, nos termos do artigo 16.º, n.º 5, da LADA.
III – Conclusão –
Não se revela cumprido o dever de resposta;
- Deverá ser facultado o acesso, no quadro exposto.” (cf. cópia do parecer junta a fls. 18-27 dos autos no SITAF, documento que se dá por integralmente reproduzido).
5. Em 18.09.2023, o Requerente apresentou novo requerimento junto do Requerida, solicitando o “acesso documental nos termos do pedido” a que se alude no ponto 2. supra, em “conformidade com o parecer da CADA” (cf. cópia da mensagem electrónica junta a fls. 12-14 dos autos no SITAF, documento que se dá por integralmente reproduzido).
6. Em 16.10.2023, o Requerente apresentou a juízo o r.i. dos presentes autos de intimação (cf. comprovativo de entrega junto a fls. 1-3 dos autos no SITAF, documento que se dá por integralmente reproduzido).
7. A satisfação do pedido do Requerente implica a consulta em arquivo / papel de cada processo de despesa onde se encontra a informação completa referente a cada registo (cf. prova testemunhal).
8. Todos os processos de despesa são processos individuais (cf. prova testemunhal).
9. Os documentos de despesa são arquivados de forma sequencial à medida que são finalizados na contabilidade do Requerido sem atender a qualquer critério de proveniência (cf. prova testemunhal).
10. A consulta do suporte físico de uma determinada factura implica a pesquisa em computador, a identificação da respectiva autorização de pagamento e do lugar onde a caixa está arquivada, a deslocação até ao local onde a caixa estiver arquivada, a identificação do documento dentro da caixa e o tratamento do documento (cf. prova testemunhal)
11. Os processos físicos de despesa relativamente aos anos 2007 a 2010, 2016 e 2017 encontram-se na Divisão de Arquivos do Alto da Eira, na Penha de França (cf. prova testemunhal).
12. Os processos físicos de despesa relativamente aos anos 2011 a 2015 encontram-se em arquivo externo ao Requerido (cf. prova testemunhal).
13. Os processos físicos de despesa relativamente aos anos 2018 até ao presente encontram-se no Campo Grande (cf. prova testemunhal).
14. Os documentos físicos de despesa são arquivados em pastas com cerca de 15cm de largura (cf. prova testemunhal).
15. Cada ano de documentação financeira ocupa normalmente mais de 100 metros lineares de arquivo (cf. prova testemunhal).
16. As consultas aos diferentes arquivos implicam deslocações de funcionários do departamento financeiro do Requerido durante vários meses (cf. prova testemunhal).
17. Com a deslocação de funcionários para os locais onde os processos físicos se encontram ficam os serviços a que esses funcionários estão afectos com diminuição de pessoal, com consequente prejuízo para o serviço (cf. prova testemunhal).
18. A gestão da maioria dos documentos dos gabinetes da presidência e vereação é primacialmente efectuada pela Secretaria Geral e pelo Departamento de Apoio aos Órgãos e Serviços do Município, que processam localmente as despesas que lhes são apresentadas pelos membros daqueles gabinetes e remetem à equipa central de contabilidade para ulterior processamento e arquivamento (cf. prova testemunhal).
19. Com a sua resposta, o Requerido juntou listagens dos pagamentos que foram efectuados pelo orçamento das orgânicas “Secretaria-geral” e “Departamento de Apoio aos Órgãos e Serviços do Município”, por referência às rubricas “Ajudas de Custo” e “Representação dos Serviços”, daí constando o ano de exercício, a designação, o número do documento, o valor, a referência, o texto do cabeçalho e a descrição económica, com um total de 6283 registos (cf. cópia do mapa junta a fls. 111-239 dos autos no SITAF, documento que se dá por integralmente reproduzido).
20. Com a sua resposta, o Requerido juntou duas listagens dos pagamentos que foram efectuados pelo orçamento das orgânicas “Secretaria-geral” e “Departamento de Apoio aos Órgãos e Serviços do Município”, por referência à rubrica “Fundo de Maneio”, daí constando o ano de exercício, o nome, a designação do fornecedor, o respectivo NIF, o número do documento, o valor, a referência e o texto do cabeçalho, com um total de 3528 registos (cf. cópias dos mapas juntas a fls. 240-294 dos autos no SITAF, documentos que se dão por integralmente reproduzidos).
21. As despesas de comunicações fixas são contabilizadas por edifício (cf. prova testemunhal).
22. A fornecedora de serviços de comunicações móveis do Requerido apenas preserva a informação relativa aos resumos de comunicações e consumos mensais e anuais por um período de 6 meses (cf. cópia da mensagem electrónica junta a fls. 77-78 dos autos no SITAF, documento que se dá por integralmente reproduzido).
23. Com a sua resposta, o Requerido juntou cinco listagens, relativas aos anos de 2016 a 2021, contendo o número do telemóvel, a identificação do gabinete, a data de atribuição, a modalidade de acesso e o valor total com IVA e sem IVA (cf. cópias dos mapas juntas a fls. 79-90 e 97-107 dos autos no SITAF, documentos que se dão por integralmente reproduzidos).
A prova dos factos fixados supra assenta no meio probatório que é especificado a respeito de cada um deles. Assim, a prova da factualidade inscrita nos pontos 7. a 14. e 16. a 18. decorre, exclusiva ou concorrencialmente, do depoimento da testemunha C.... , funcionário do Requerido que exerce as funções de director do departamento de contabilidade e que, não obstante tal facto, logrou responder de forma credível e imparcial às questões que lhe foram colocadas, descrevendo com clareza e manifesta razão de ciência os procedimentos adoptados pela edilidade no processamento de documentos de despesa, permitindo, então, a este órgão jurisdicional dar por assentes as conclusões fácticas que ali se inscreveram.

(…)
Finalmente, e no que tange aos pontos 16. e 17. da matéria de facto assente, alegados, em termos essenciais, pelo Requerido, na douta oposição deduzida – e mostrando-se, por conseguinte, algo mais conclusivos –, salienta este Tribunal que não só os mesmos foram reiterados, em termos expressos, pela testemunha C... como, de resto, não podem deixar de resultar corroborados pelas demais declarações prestadas pelas testemunhas relativamente ao modo de organização e funcionamento do departamento financeiro do Requerido, no que concerne ao processamento e arquivamento dos documentos aqui em apreciação, bem como do demais meios de prova carreados aos autos, decorrendo, de igual modo, os juízos fácticos que ali se inscreveram de presunção judicial.
Com efeito, e considerando que, tendo unicamente por referência as entradas já identificadas pelo Requerido, num total de 6283 e 3528 registos (cf. factos 19. e 20. firmados supra), isso implicará a pesquisa, no limite, de 9811 processos de despesa, por forma a aí identificar o pertinente documento (cf. facto 10. firmado supra), os quais, por seu turno, se encontram, em três locais de arquivo distintos (cf. factos 11. a 13. firmados supra), afigura-se perfeitamente crível que tal tarefa implique deslocações de funcionários do seu departamento financeiro durante vários meses e que, consequentemente, os serviços de onde esses funcionários provenham fiquem com diminuição de pessoal, com consequente prejuízo para o serviço.

*
II.2 De Direito

Cumpre decidir conforme delimitado em I.1.

Ø Da impugnação do julgamento de facto

A reapreciação da decisão de facto exige ao recorrente, sob pena de imediata rejeição, o cumprimento do ónus de fundamentação da discordância quanto a decisão de facto proferida, fundamentando os pontos da divergência, o que implica a analise critica da valoração da prova feita em primeira instancia, abarcando a totalidade da prova produzida em primeira instância (cfr. artigo 640º, nº. 1 b) e nº 2 do CPC).
Portanto, quando impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnadas diversa da recorrida;
c) e, quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda, sem prejuízo da possibilidade de, por sua iniciativa, proceder a respectiva transcrição.
No caso em concreto, o Recorrente cumpriu tal ónus.
Em todo o caso, a garantia do duplo grau de jurisdição da matéria de facto não subverte o princípio da livre apreciação da prova, consagrado no artigo 607º, nº 5, 1ª parte, do CPC: o juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto”. O que está deferido ao tribunal da 1ª instância. Certo é que na reapreciação da matéria de facto apenas cabe ao tribunal de recurso um papel residual, limitado ao controle e eventual censura dos casos mais flagrantes, como sejam aqueles em que o teor de algum ou alguns dos depoimentos prestados no tribunal a quo lhe foram indevidamente indiferentes, ou, de outro modo, eram de todo em todo inidóneos ou ineficientes para suportar a decisão a que se chegou (sobre esta questão, v.g o Ac. do TR de Guimarães de 30.11.2017, rec. 1426/15).
Ou seja, a modificação da matéria de facto dada como provada pela 1ª instância, o Tribunal de recurso só deve intervir quando a convicção desse julgador não seja razoável, isto é, quando seja manifesta a desconformidade dos factos assentes com os meios de prova disponibilizados nos autos, dando-se, assim, a devida relevância aos princípios da oralidade, da imediação e da livre apreciação da prova, bem como à garantia do duplo grau de jurisdição sobre o julgamento da matéria de facto (entre outros, Ac. do TCA Norte de 25.2.2022, proferido no processo 00222/21.0BEMDL).
No que concerne aos factos provados constantes dos pontos 16. e 17. Do probatório, fundamentou o Tribunal a quo:
“(…)
Finalmente, e no que tange aos pontos 16. e 17. da matéria de facto assente, alegados, em termos essenciais, pelo Requerido, na douta oposição deduzida – e mostrando-se, por conseguinte, algo mais conclusivos –, salienta este Tribunal que não só os mesmos foram reiterados, em termos expressos, pela testemunha C... como, de resto, não podem deixar de resultar corroborados pelas demais declarações prestadas pelas testemunhas relativamente ao modo de organização e funcionamento do departamento financeiro do Requerido, no que concerne ao processamento e arquivamento dos documentos aqui em apreciação, bem como do demais meios de prova carreados aos autos, decorrendo, de igual modo, os juízos fácticos que ali se inscreveram de presunção judicial.
Com efeito, e considerando que, tendo unicamente por referência as entradas já identificadas pelo Requerido, num total de 6283 e 3528 registos (cf. factos 19. e 20. firmados supra), isso implicará a pesquisa, no limite, de 9811 processos de despesa, por forma a aí identificar o pertinente documento (cf. facto 10. firmado supra), os quais, por seu turno, se encontram, em três locais de arquivo distintos (cf. factos 11. a 13. firmados supra), afigura-se perfeitamente crível que tal tarefa implique deslocações de funcionários do seu departamento financeiro durante vários meses e que, consequentemente, os serviços de onde esses funcionários provenham fiquem com diminuição de pessoal, com consequente prejuízo para o serviço.

Ora, tal juízo não se mostra infirmado pelas alegações do Recorrente, no que respeita à pretendida alteração dos factos provados constantes dos pontos 16. e 17. do probatório, nos seguintes termos (sublinhada a parte a alterar):
No que concerne ao Facto 16, que: “As consultas aos diferentes arquivos implicam deslocações de funcionários do departamento financeiro do Requerido durante vários meses

Fique a constar:

“As consultas aos diferentes arquivos implicam deslocações de funcionários do departamento financeiro do Requerido que, dependendo do pedido, podem demorar alguns dias ou alguns meses

Ora, ouvido o depoimento da testemunha C.... , Director da Contabilidade, o que é aí dito é que “vai levar meses” ... se fizesse sozinho atingiria a reforma, o que dá a ideia de anos, como a testemunha alude ao minuto 00.36.44 a 00.36.58, e nunca de dias como pretende o Recorrente. Aliás, a testemunha foi perentória a afirmar que “desde 1963, nunca [houve pedido com] tal com esta magnitude(00.46.30 a 00.47.40). A alusão a dias referiu-se se a consulta fosse de 1, 3 ou 4 processos (00.50.46 a 00.51.11), e quanto ao pedido reduzido “continuaria a ser extenso o volume, porque o alvo é o nosso arquivo todo” (00.48.10 a 00.48.40).
Referiu também que se fosse possível fazer já estaria feito. (00.21.13)
Pelo que nesta parte improcede.

Relativamente ao Facto provado 17 que: “Com a deslocação de funcionários para os locais onde os processos físicos se encontram ficam os serviços a que esses funcionários estão afectos com diminuição de pessoal, com consequente prejuízo para o serviço”.
Pretende o Recorrente que passe a constar:
“Com a deslocação de funcionários para os locais onde os processos físicos se encontram ficam os serviços a que esses funcionários estão afetos com diminuição de pessoal, o que causa constrangimentos ao normal funcionamento daqueles serviços”.

Pretende o Recorrente que se subsitua no facto 17, a parte final em se de alude “com consequente prejuízo para o serviço” para passar a referir "o que causa constrangimentos ao normal funcionamento daqueles serviços”.
Em ambos os casos as expressões usadas correspondem a juízos conclusivos e, portanto, excluídos do âmbito do julgamento da matéria de facto.
Pelo que nesta parte, indefere-se o pretendido pelo Recorrente.

Idênticas razões impõem a eliminação da parte final do facto 17, da matéria assente, ficando apenas a constar: “Com a deslocação de funcionários para os locais onde os processos físicos se encontram ficam os serviços a que esses funcionários estão afetos com diminuição de pessoal.
A devida correcção foi efectuada na transcrição supra da matéria de facto através da função rasurado.

Pelo que também aqui se indefere.
Relativamente ao pretendido aditamento de dois novos factos, concretamente:

(i) “A consulta aos documentos pode ser feita através da deslocação de um funcionário ao respetivo arquivo, em conjunto com o Requerente, o que facilitará a triagem dos documentos pretendidos”;

(ii) “O pedido reduzido às despesas elencadas nos documentos intitulados “PAGAMENTOS 01/08/2007 A 2014 (FUNDO DE MANEIO)” e “PAGAMENTOS 2015- 2021 (FUNDO DE MANEIO)” comporta um menor número de documentação e, consequentemente, demoraria menos tempo e seria exequível.

Desde logo, a alteração da decisão da matéria de facto só se justifica se for útil, isto é, se puder — para o que aqui releva - implicar decisão de mérito também ela diferente, mormente no sentido propugnado pelo impugnante/recorrente — neste sentido, acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 22.10.2020, no proc. n° 5398/18, disponível para consulta em www.dgsi.pt).
Em todo o caso, tais factos (a aditar) não foram alegados pelo Recorrente em sede própria, ou seja, no requerimento inicial ou no pedido de informação dirigido à entidade administrativa, além de serem meramente conclusivos.
Pelo que não estava o Tribunal a quo obrigado a elencar tais factos.

Em todo o caso, como veremos, de seguida, as circunstâncias em causa são irrelevantes.

ü De mérito


O Recorrente apresentou em juízo o requerimento inicial dos presentes autos de intimação para a prestação de informações, a coberto do estatuído nos artigos 104º e segs. do CPTA.
O presente meio processual utilizado pelo Recorrente surge justamente para tutelar o direito à informação dos administrados, destinando-se a efetivar jurisdicionalmente, quer o direito à informação sobre o andamento dos procedimentos e o conhecimento das decisões, que integra o direito à informação procedimental, quer o direito de acesso aos arquivos e registos administrativos, que corresponde a um direito à informação não procedimental. E, neste sentido, o preceito concretiza, no plano processual, os direitos e garantias consagrados no artigo 268º, nº 1 e 2 da CRP, que se encontram regulados, no plano do direito substantivo, respectivamente pelos artigos 82º a 85º do CPA e pela Lei nº 26/2016, de 22 de agosto (cfr. MÁRIO AROSO DE ALMEIDA e CARLOS ALBERTO FERNANDES CADILHA, Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, Almedina, Coimbra, 5.ª Edição, 2021, pág. 903).
Do atrás exposto se depreende que os artigos 104º e 105º do CPTA não distinguem o tipo de informação, procedimental ou não, a que o interessado pretende aceder.
Posto isto, analisemos as principais críticas apontadas à sentença recorrida.
Nas intimações judiciais para a passagem de certidão, com vista ao exercício do direito à informação procedimental, a que se refere o artigo 84.º do Código do Procedimento Administrativo (CPA) e o artigo 12º, nº 1 da Lei nº 26/2016, de 22/08, que aprova o regime de acesso à informação administrativa e ambiental e a reutilização dos documentos administrativos (LADA), podemos identificar um pressuposto processual específico – a existência de um pedido prévio apresentado perante a Administração.
Este pedido formulado perante a Administração delimita a causa de pedir e o pedido deduzidos na intimação: quando não seja dada integral satisfação a pedido formulado no exercício do direito à informação procedimental (causa de pedir) o interessado pode requerer a correspondente intimação (pedido) (n.º 1 do artigo 104.º do Código do Processo nos Tribunais Administrativos).

Da configuração legal deste meio processual resulta, pois, que não pode admitir-se um pedido de intimação à emissão de uma certidão ou envio de documentos com elementos que não foram requeridos previamente à Administração.

O pedido deduzido pelo Recorrente/Requerente e a condenação do tribunal devem conter-se nos limites do pedido que foi dirigido à Entidade Requerida, e cuja não satisfação integral fundamenta o pedido de intimação.
Assim sendo, cabe a este Tribunal aferir se cabia à Recorrida (Entidade Requerida) fornecer ao Recorrente a cópia digital de toda a documentação por este solicitada no requerimento de 19.04.2023 (vide ponto 2 do probatório), ou seja:
1 - Cópia digital de todos os Boletins Itinerário – ou outro documento de registo equivalente - das ajudas de custo e de transporte existentes entre 1 de agosto de 2007 e 15 de outubro de 2021 na presidência da Câmara Municipal de Lisboa, bem como em todos os gabinetes de vereação com pelouro atribuído.
2- Cópia digital dos mapas de processamento – ou outro documento de registo equivalente - do fundo de maneio que tenham sido produzidos, com base mensal, semanal ou outra, entre 1 de agosto de 2007 e 15 de outubro de 2021 na presidência da Câmara Municipal de Lisboa, bem como em todos os gabinetes de vereação com pelouro atribuído.
3- Cópia digital dos mapas de pagamento – ou outro documento de registo equivalente – das despesas de comunicações fixas e móveis que tenham sido produzidas/apresentadas pelo presidente da Câmara Municipal de Lisboa, pelos vereadores com pelouro, bem como pelo pessoal dos respetivos gabinetes, entre 1 de agosto de 2007 a 15 de outubro de 2021, e que tenham sido liquidadas/pagas pela Câmara Municipal de Lisboa, independentemente da rubrica orçamental ou contabilística em que essas despesas tenham sido classificadas.
4- Cópia digital de todos os documentos de despesa (faturas, recibos, talões ou qualquer documento administrativo de suporte) apresentados entre 1 de agosto de 2007 e 15 de outubro de 2021 pelo presidente da Câmara Municipal de Lisboa, pelos vereadores com pelouro, bem como pelo pessoal dos respetivos gabinetes, que não estejam associados ou sido feitas com recurso a qualquer cartão bancário emitido no âmbito da CML (recordamos que sobre este assunto dos cartões bancários existe um processo em andamento entre a CML e a SÁBADO, que teve inclusive decisão judicial) e que tenham sido apresentados a pagamento pelas pessoas atrás referidas no âmbito do fundo de maneio, bem como no âmbito do regime de ajudas de custo e de transporte, de despesas de representação, ou outro âmbito (por exemplo, mas não exclusivamente, despesas de comunicações fixas e móveis) cfr. ponto 2 do probatório.

A este propósito justificou o Tribunal a quo:
“Ora, tendo presente que:
(a) Os documentos solicitados respeitam a um período temporal alargado, espraiando-se ao longo de mais de 14 anos, durante os quais estiveram em exercício de funções diferentes Presidentes e Vereadores da Câmara Municipal de Lisboa bem como, a fortiori sensu, diferentes funcionários afectos aos respectivos gabinetes;
(b) Ficou acima demonstrado que todos os processos de despesa são individuais, sendo os mesmos arquivado de forma sequencial à medida que vão sendo finalizados na contabilidade do Requerido sem atender a qualquer critério de proveniência, significando isto, como tal, que uma pasta de arquivo contém uma miríade de categoria de despesas possíveis, e não só aquelas a que o Requerente aqui procura aceder (cf. factos 8. e 9. firmados supra);
(c) A satisfação do pedido do Requerente implica necessariamente a consulta em arquivo / papel de cada processo de despesa onde se encontra a informação completa referente a cada registo, tendo o(s) funcionário(s) do Requerido que proceder à pesquisa de cada documento em computador, identificar a respectiva autorização de pagamento e o lugar onde a caixa está arquivada, deslocar-se até esse mesmo local onde a caixa estiver arquivada e identificar o documento dentro da caixa (cf. factos 7. e 10. firmados supra);
(d) Os arquivos do Requerido encontram-se em três localizações diferentes, estando os processos referentes aos anos 2011 a 2015 em arquivo externo (cf. factos 11. a 13. firmados supra);
(e) Sendo os documentos de despesa arquivados em pastas com cerca de 15 centímetros de largura, cada ano de documentação financeira ocupa normalmente mais de 100 metros lineares de arquivo (cf. factos 14. e 15. firmados supra);
(f) Só os registos referentes aos pontos 1. e 2. do requerimento que serve de base à presente intimação e ao qual se alude no ponto 2. da matéria de facto fixada correspondem, no mínimo, a 9811 processos de despesa a validar individualmente nos termos acabados de descrever (cf. factos 19. e 20. firmados supra); e
(g) Como tal, é inequívoco que as consultas aos diferentes arquivos implicarão, necessariamente, deslocações de funcionários do departamento financeiro do Requerido durante vários meses, com a consequente diminuição de pessoal nos serviços de onde os mesmos provenham e inevitável prejuízo para o serviço (cf. factos 16. e 17. firmados supra), entende este Tribunal que, não obstante o inegável interesse que o Requerente tem em aceder à informação solicitada, à luz dos termos genéricos que dimanam da LADA e, no caso concreto, dos direitos que especialmente lhe assistem enquanto jornalista (cf. facto 1. firmado supra), de harmonia com o disposto no artigo 38.º, n.os 1 e 2, alínea b), da CRP e no artigo 8.º, n.º 1, alínea a), da Lei n.º 1/99, de 01.01, o pedido de acesso a informação administrativa por si formulado se mostra manifestamente desproporcional e abusivo, mostrando-se, por isso, legítima a recusa do Requerido em disponibilizar-lhe os documentos em apreço, ao abrigo dos supracitados artigos 2.º, n.º 1, e 15.º, n.º 3, da LADA
Efectivamente, sendo inequívoco o direito do Requerente a, em tese, aceder aos documentos solicitados para, desse modo, ser informado para poder informar, como chega a sustentar na douta réplica apresentada, considera este Tribunal que essa função não poderá ser prosseguida às custas do sacrifício absolutamente desproporcionado que pretende impor ao Requerido, que se veria, assim, obrigado a disponibilizar um ou mais dos seus funcionários para obtenção dos documentos vertentes durante um alargado período temporal, com insofismável prejuízo para o seu serviço e, consequentemente, para os fins de interesse público que o próprio deve prosseguir, nos termos constitucionalmente previstos”.
Não se mostra, pois, disputado o direito do Recorrente, em abstrato, à Informação e ao acesso aos arquivos administrativos da Recorrida, decorrente da garantia constitucional do direito à informação administrativa contida no artigo 268.º da Lei Fundamental, segundo o qual:
1. Os cidadãos têm o direito de ser informados pela Administração, sempre que o requeiram, sobre o andamento dos processos em que sejam directamente interessados, bem como o de conhecer as resoluções definitivas que sobre eles forem tomadas.
2. Os cidadãos têm também o direito de acesso aos arquivos e registos administrativos, sem prejuízo do disposto na lei em matérias relativas à segurança interna e externa, à investigação criminal e à intimidade das pessoas”.

Com efeito, o artigo 17.º, juntamente com o artigo 85.º, ambos do CPA, consagram o princípio da Administração aberta, facultando a qualquer pessoa o acesso aos arquivos e registos administrativos, mesmo que não se encontre em curso qualquer procedimento que lhes diga diretamente respeito, sem prejuízo do disposto na lei em matérias relativas à segurança interna e externa, à investigação criminal e à intimidade das pessoas.

Segundo o citado artigo 17.º do CPA:

1. Todas as pessoas têm o direito de acesso aos arquivos e registos administrativos, mesmo quando nenhum procedimento que lhes diga diretamente respeito esteja em curso, sem prejuízo do disposto na lei em matérias relativas à segurança interna e externa, à investigação criminal, ao sigilo fiscal e à privacidade das pessoas.

2. O acesso aos arquivos e registos administrativos é regulado por lei.”.

Essa lei é, como se aludiu, a Lei nº 26/2016, de 22/08 (LADA), transpondo a Directiva 2003/4/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 28 de Janeiro, e a Directiva 2003/98/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 17 de Novembro.

Em face do recorte que é conferido pela Constituição, assim como resultante do CPA, a que acresce a configuração que lhe é dada pelo CPTA, ao prever um meio processual próprio para tutelar o direito à informação, que segue termos sob o processo de intimação para a prestação de informações, consulta de processos ou passagem de certidões, previsto e regulado no artigo 104.º e segs. do CPTA, é seguro que o direito à informação se apresenta e é perspetivado na ordem jurídica como um verdadeiro direito subjetivo, constitucional e legalmente garantido (nºs. 1 e 2 do artigo 268.º da Constituição, artigos 82.º a 85º do CPA e LADA), podendo ser feito valer em juízo, quer como meio processual autónomo, quer com uma função instrumental, destinado a obter elementos à utilização de outro meio administrativo ou processual.

Em geral, o direito à informação procedimental reporta-se a factos, actos ou documentos que integram ou resultam de um concreto procedimento administrativo que se encontre ainda em curso; o direito à informação não procedimental respeita a documentos contidos em arquivos ou registos administrativos, aí se incluindo os documentos existentes em procedimentos já findos, independentemente da correlação com qualquer procedimento administrativo que esteja pendente.
Da prova produzida resulta que o Recorrente/Requerente pretende, no caso em apreço, aceder a documentos contidos em arquivos ou registos administrativos, enquadrando expressamente a pretensão que aqui vem a juízo reclamar na LADA (cf. facto 2. firmado supra).
Não se põe em crise a legitimidade e o interesse do Recorrente, enquanto jornalista, ao pretender aceder à citada informação, atento o disposto nos artigos 6º, alínea b) e 8º, nº 1 al. a) do Estatuto do Jornalista.

Nem se põe em crise que o requerimento apresentado se apresenta configurado sobre o exercício do direito à informação, pois o Recorrente veio solicitar informação que está na disponibilidade da Entidade Requerida, isto é, em documentos de que estão na sua posse, e tem um interesse pessoal e direto no acesso à respectiva informação, por estarem em causa elementos relacionados com o exercício da sua actividade de investigação enquanto jornalista.

Em todo o caso, com pertinência para a decisão do dissídio em apreciação, importa ter presente, desde logo, que o artigo 2.º, n.º 1, da LADA estabelece que “O acesso e a reutilização da informação administrativa são assegurados de acordo com os demais princípios da atividade administrativa, designadamente os princípios da igualdade, da proporcionalidade, da justiça, da imparcialidade e da colaboração com os particulares”.
Em concretização do que antecede, o artigo 15.º, n.º 3, da mesma Lei, preceitua que “As entidades não estão obrigadas a satisfazer pedidos que, face ao seu carácter repetitivo e sistemático ou ao número de documentos requeridos, sejam manifestamente abusivos, sem prejuízo do direito de queixa do requerente”.
Refira-se, aliás, que no considerando 13 da Directiva 2003/98/CE destaca-se:
“(...), No entanto, os organismos do sector público não estão obrigados a fornecer um extracto de documento quando tal implicar um esforço desproporcionado”.
Ideia reforçada no artigo 5º da mesma Directiva:
Formatos disponíveis
1. Os organismos do sector público devem disponibilizar os seus documentos em qualquer formato ou linguagem em que já existam, sempre que possível e adequado por via electrónica. Esse facto não implica, para os organismos do sector público, o dever de criar ou adaptar documentos para satisfazer o pedido, nem a obrigação de fornecer extractos de documentos, caso isso envolva um esforço desproporcionado, que ultrapasse a simples manipulação.”

Discute-se, pois, a alegada desproporcionalidade do pedido indicado em 2. do probatório.

Tal como supra decidido quanto à impugnação da matéria de facto, o Recorrente não conseguiu afastar os pressupostos de facto em que se baseou o Tribunal a quo para concluir que o legítimo direito à informação tem, neste caso, de ser restringindo por se revelar desproporcional e com o consequente prejuízo para os diversos serviços da Recorrida/Entidade Requerida, pois a informação está não só dispersa em termos de espaço físico, como de organização, o que equivaleria a alocar eventualmente durante meses vários funcionários para conseguirem tratar, reunir, organizar em toda a extensão a informação solicitada.
Como vem sendo entendimento da jurisprudência dos tribunais superiores “A alegação de desproporcionalidade e exercício abusivo do direito à informação deve alicerçar-se em factos concretos, também alegados pelo requerido, ou em factos notórios, de conhecimento oficioso [veja-se, a título de exemplo, o Acórdão do TCA Sul de 27/02/2020 (P.2232/18.6BELSB)], sendo que a desrazoabilidade ou desproporcionalidade do pedido apresentado constitui um juízo de direito formulado com base num facto notório, que é apreensível pelos exactos termos da amplitude e da extensão do pedido que tenha sido deduzido pela Requerente (conforme resulta, igualmente, do acórdão do TCA Sul de 16/01/2018 (P.1319/17.7BELSB).
Como é o caso em apreço, em que a Requerida/Recorrida invocou não só a forma de organização da referida informação como a multiplicidade de tarefas e de informação que teria de ser trabalhada para conseguir fornecer toda a informação pretendida pelo Recorrente.

Com efeito, para satisfazer a pretensão requerida, considerando a concreta informação que é requerida, é exigível uma tarefa de organização e manuseamento de múltiplos ficheiros informáticos, num esforço de meios desmesurado para qualquer serviço público, considerando, designadamente a dimensão e a amplitude da informação requerida e a circunstância de a mesma incidir num período temporal também vasto (14 anos) e cuja documentação também vários milhares de processos e que se encontra dispersa fisicamente e organizada nem sempre de modo individual (como no caso das comunicações – vide pontos 7. a 14 e 21 do probatório.

Conforme refere José Renato Gonçalves, “estaremos perante uma destas situações [de abuso do direito de acesso] quando alguém requerer repetitivamente os mesmos documentos ou em número manifestamente “excessivo” de um ou mais serviços públicos sem que nisso se vislumbre qualquer utilidade. (…) Sem prejuízo de não ser negado o direito de acesso, a Administração dispõe de meios, que deve utilizar, para se defender de pedidos que tenham por efeito a paralisação ou o entorpecimento dos seus serviços.”, in Acesso à Informação das Entidades Públicas, Almedina, pp. 45-46.
Tal instituto do abuso do direito mostra-se expressamente acolhido no disposto no n.º 3 do artigo 15.º da LADA quando reconhece que “As entidades não estão obrigadas a satisfazer pedidos que, face ao seu carácter repetitivo e sistemático ou ao número de documentos requeridos, sejam manifestamente abusivos, sem prejuízo do direito de queixa do requerente (sublinhado nosso).
Pelo que, assiste razão à Recorrida/Entidade Requerida quando invoca a desrazoabilidade do pedido formulado, atenta a extensão e a amplitude da informação requerida, para além do período de tempo abrangido, estando em causa um número muito expressivo de documentos, nos exactos termos discriminados no requerimento apresentado pelo Requerente, ora Recorrente, não sendo de admitir a sobreposição do alegado direito de acesso pela Requerente, em face aos princípios pelos quais se rege a actuação normal da Administração.

No caso configurado em juízo o princípio da proporcionalidade assume um especial alcance no regime de acesso à informação administrativa, no sentido de vedar as pretensões que ultrapassem ou excedam os limites do direito de acesso.

Por outro lado, não se invoque que a Recorrida/Entidade Requerida não logrou demonstrar a desrazoabilidade ou a desproporcionalidade do pedido apresentado, por se afigurar estar em causa um juízo de direito formulado com base num facto notório, que é apreensível pelos exatos termos da amplitude e da extensão do pedido que foi deduzido pela Requerente.

Argui o Recorrente em defesa da sua posição o Acórdão deste TCA Sul de 01.08.2024, proferido no Proc. nº 1154/23.3BESNT. Todavia naqueles autos não estava em causa, como nos presentes, a demonstração por parte da entidade administrativa de factos que ilustram o prejuízo para o serviço, ou nas palavras do Recorrente, na versão do facto 17 que pretendia alterar “constrangimentos ao normal funcionamento dos serviços”, que in casu se prolongaria por vários meses, para satisfazer um único pedido que envolve no mínimo 9811 processos de despesa a validar individualmente – vide factos 9, 10, 19, 20 e 21 do probatório.

Em todo o caso, a Recorrida/Entidade Requerida forneceu as listagens possíveis numa tentativa de auxiliar o Recorrente em novo pedido ou de modo a que este pudesse adaptar o seu pedido – vide pontos 19 e 20 do probatório.

Termos em que soçobram também, nesta parte, os argumentos do Recorrente.


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Relativamente ao pedido subsidiário

Tal pedido surgiu em sede de “réplica” (fls. 304-308 SITAF) no âmbito do qual, a parte pugna pela consulta dos originais das facturas correspondentes às despesas elencadas nos documentos intitulados “PAGAMENTOS 01/08/2007 A 2014 (FUNDO DE MANEIO)” e “PAGAMENTOS 2015-2021 (FUNDO DE MANEIO)”.

Como já supra se aludiu o presente pedido de intimação tem como pressuposto o pedido prévio dirigido à Administração e em face do qual se afere se o mesmo deve ser satisfeito ou não. Por outro lado, na petição inicial o Recorrente não formulou qualquer pedido subsidiário, sede própria onde devem ser formulados os respectivos pedidos considerando o princípio da estabilidade da instância (artigo 260º do CPC) e a tramitação simplificada prevista no artigo 107º do CPTA, sem prejuízo do direito da parte ao contraditório, nos termos do artigo 3º, nº 3 do CPC. Nessa medida e com esse alcance foi admitida a “réplica” apresentada pelo Recorrente/Requerente, na sequência do despacho de 21.12.2023, proferido pelo Tribunal a quo (vide fls. 299 SITAF), convidando o Requerente a pronunciar-se sobre as “questões que, a verificarem-se, poderão obstar ao conhecimento do mérito da causa”, suscitadas pelo Recorrido/Entidade Requerida, na sua Oposição. E não para formular outros/novos pedidos.

Termos em que também aqui improcede o presente recurso.


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III. Decisão

Em conformidade com o precedentemente expendido, acordam os Juízes que compõem a Subsecção Comum da Secção de Contencioso Administrativo do presente Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao recurso e, em consequência, manter a sentença recorrida.
Custas a cargo do Recorrente.
R.N.
Lisboa, 27 de Março de 2025

Ana Cristina Lameira, Relatora
Joana Costa e Nora (com voto de vencido, que se anexa)
Mara de Magalhães Silveira

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Declaração de voto
Vencida.
Não acompanho a decisão que fez vencimento por não estar demonstrado que o pedido de informação e acesso a documentos administrativos é manifestamente abusivo.
Decorre do n.º 3 do artigo 15.º da Lei n.º 26/2016, de 22 de Agosto, que regula o acesso aos documentos administrativos e à informação administrativa, que a obrigação de satisfação de pedidos de informação e acesso a documentos administrativos é afastada apenas quando tais pedidos sejam “manifestamente abusivos”, concretizando a norma que o são quando tenham “carácter repetitivo e sistemático” ou quando respeitem a um considerável “número de documentos requeridos”.
O Acórdão considera o pedido desrazoável (e não manifestamente abusivo) “atenta a extensão e a amplitude da informação requerida, para além do período de tempo abrangido, estando em causa um número muito expressivo de documentos, nos exactos termos discriminados no requerimento apresentado pelo Requerente, ora Recorrente”, e, admitindo que a entidade requerida “não logrou demonstrar a desrazoabilidade ou a desproporcionalidade do pedido apresentado”, afirma que está em causa “um juízo de direito formulado com base num facto notório, que é apreensível pelos exatos termos da amplitude e da extensão do pedido que foi deduzido pela Requerente”. Mais assevera que “(…) o legítimo direito à informação tem, neste caso, de ser restringindo por se revelar desproporcional e com o consequente prejuízo para os diversos serviços da Recorrida/Entidade Requerida, pois a informação está não só dispersa em termos de espaço físico, como de organização, o que equivaleria a alocar eventualmente durante meses vários funcionários para conseguirem tratar, reunir, organizar em toda a extensão a informação solicitada.”
Todavia, em primeiro lugar, o Acórdão reporta-se à desrazoabilidade ou desproporcionalidade do pedido, quando a lei, diferentemente, apenas afasta a obrigação de satisfação do pedido de informação quanto a pedidos “manifestamente abusivos”.
Em segundo lugar, a circunstância de os documentos requeridos se reportarem a um período de 14 anos não significa que esteja em causa um considerável “número de documentos requeridos” – pressuposto da qualificação do pedido como manifestamente abusivo -, podendo, até, tratar-se de um número diminuto de documentos, apesar de o período de consulta ser alargado.
Em terceiro lugar, invocando a entidade requerida a referida norma legal para afastar a sua obrigação de satisfazer o pedido do requerente, cabe-lhe alegar e demonstrar factos caracterizadores dos pressupostos de aplicação da norma, ou seja, de uma situação de pedidos “manifestamente abusivos” por terem “carácter repetitivo e sistemático” ou respeitarem a um considerável “número de documentos requeridos”. Tal ónus de alegação decorre do n.º 1 do artigo 5.º do CPC, nos termos do qual às partes cabe alegar os factos essenciais em que se baseiam as excepções invocadas. Efectivamente, a existência de um pedido de informação manifestamente abusivo, ao afastar a obrigação de o satisfazer, impede o efeito jurídico visado pelo requerente do pedido de informação – traduzido na prestação da informação -, com a consequente absolvição da entidade requerida do pedido de intimação para a prestação de informações, consulta de processos ou passagem de certidões. Assim sendo, a existência de um pedido de informação manifestamente abusivo constitui uma excepção peremptória impeditiva, pelo que os factos concretizadores de tal pedido devem ser alegados pela entidade requerida, que invoca a excepção. Discordo, assim, que haja um qualquer “facto notório” (do conhecimento geral) apto a sustentar a verificação dos pressupostos de aplicação do n.º 3 do artigo 15.º da Lei n.º 26/2016, de 22 de Agosto, não podendo retirar-se do requerimento apresentado o “número de documentos requeridos”. Nada tendo sido alegado quanto ao “carácter repetitivo e sistemático” do pedido do requerente, quanto ao “número de documentos requeridos”, a entidade requerida limita-se a alegar, sem quantificar os documentos pretendidos, o seguinte: (i) que a documentação pretendida se reporta a um período temporal de 14 anos, nos quais foram vários os Presidentes da Câmara Municipal de Lisboa, os Vereadores e o pessoal afecto aos respectivos gabinetes; (ii) que, com a organização e sistemas utilizados nos seus serviços, não é possível extrair exclusivamente documentação nos termos solicitados, sendo necessário criar novos documentos ou adaptar os documentos existentes para satisfazer o pedido do requerente; (iii) que a satisfação do pedido implicaria o manuseamento de vários ficheiros informáticos e a consulta em arquivo / papel de cada processo de despesa; (iv) que essa consulta implicaria deslocações de funcionários a diferentes locais de arquivo durante vários meses, para consultar um número de registos muito acima de 1000, com consequente atraso nas tarefas de que aqueles estão incumbidos. Ou seja, a entidade requerida centra a sua argumentação no transtorno que a satisfação do pedido lhe causa. E nada se provou quanto ao número de documentos requeridos – não obstante o Acórdão se referir a “um número muito expressivo de documentos” -, sendo certo que, como se escreve no Acórdão deste Tribunal Central Administrativo Sul de 31.07.2024, proferido no processo n.º 1154/23.3BESNT, “(…) a aplicação da norma do n.º3 do artigo 15.º da LADA não se basta com um elevado número de documentos, antes exige que, por força do número de documentos, o pedido seja manifestamente abusivo.” Não tendo a entidade requerida cumprido o ónus que sobre si impendia de alegar factualidade consubstanciadora de uma situação de pedido manifestamente abusivo, não pode ser afastada a sua obrigação de satisfazer o pedido de informação do requerente, pelo que improcederia a excepção peremptória por aquele invocada.
Finalmente, não pode considerar-se um pedido manifestamente abusivo por a sua satisfação implicar “prejuízo” para o funcionamento dos serviços da entidade requerida. Resulta do probatório (factos 11. a 13. e 21.), relativamente ao modo como se encontram organizados os serviços da entidade requerida, que os processos físicos de despesa se encontram em três locais diferentes (em função do ano a que respeitam) e que as despesas de comunicações fixas são contabilizadas por edifício, concluindo o Tribunal a quo que as consultas aos diferentes arquivos implicam deslocações de funcionários do departamento financeiro da entidade requerida durante vários meses, ficando, assim, os serviços a que esses funcionários estão afectos com diminuição de pessoal, com consequente prejuízo para o serviço. Porém, são circunstâncias que respeitam à organização e ao funcionamento dos serviços da entidade requerida (e, quanto menos bem organizada ela estiver, mais difícil será para a mesma cumprir a obrigação de informação), devendo esta, naturalmente, afectar os meios necessários à satisfação do direito à informação, sem que tais circunstâncias relevem para a caracterização de um pedido como manifestamente abusivo, nos termos legais.
Em suma, na falta de alegação e prova de factos caracterizadores de um “carácter repetitivo e sistemático” do pedido da requerente ou de um considerável “número de documentos requeridos”, não podemos concluir que o pedido é manifestamente abusivo, nos termos e para os efeitos previstos no referido n.º 3 do artigo 15.º, com o que entendo que se mantém a obrigação da entidade requerida de satisfazer o pedido de informação do requerente, pelo que, concedendo provimento ao recurso, julgaria procedente a intimação para a prestação de informações requerida.

Joana Costa e Nora