Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:886/17.0BELRA
Secção:CT
Data do Acordão:11/05/2020
Relator:VITAL LOPES
Descritores:CONTRIBUIÇÕES PARA A SEGURANÇA SOCIAL;
BASES DE INCIDÊNCIA CONTRIBUTIVA;
PRÉMIOS DE GESTÃO;
JUNÇÃO DE DOCUMENTOS COM AS ALEGAÇÕES;
INADMISSIBILIDADE.
Sumário:1. De acordo com o disposto no art.º 68/1 al. a) do Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança Social, integram ainda a remuneração dos membros dos órgãos estatutários os montantes pagos a título de gratificação, desde que atribuídos em função do exercício da atividade de gerência sem adstrição à qualidade de sócio e sem que sejam imputáveis aos lucros, os quais devem ser parcelados por referência aos meses a que se reportam;

2. Os montantes pagos pela entidade empregadora aos seus administradores a título de prémios de gestão pelo bom desempenho da actividade gestionária e com o propósito de o manter, constituem gratificações que compõem a remuneração e, como tal, estão sujeitas à base de incidência contributiva.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:ACORDAM EM CONFERÊNCIA NA 2.ª SUBSECÇÃO DO CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL

1 – RELATÓRIO

S.............., S.A. recorre da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria na parte em que julgou improcedente a impugnação judicial de contribuições para a segurança social liquidadas com base em correcções oficiosas, designadamente por inclusão na base contributiva dos “prémios de gestão” pagos a administradores seus e referenciados aos anos de 2014 e 2015, no valor total de 506.857,65 Euros e respectivos juros compensatórios.

O impugnado Instituto da Segurança Social, I.P., também interpôs recurso da sentença para o Supremo Tribunal Administrativo restrito à parte em que foi condenado no pagamento de juros indemnizatórios sobre o montante da liquidação anulado desde a data do pagamento da parte do tributo até à data de emissão da correspondente nota de crédito à impugnante (fls. 161).

Ambos os recursos foram admitidos com subida imediata nos próprios autos e efeito devolutivo (despacho a fls.176).

Em seguimento, a recorrente S.............., S.A., apresentou alegações que culmina com as seguintes e doutas conclusões:
«
OBJETO
1.ª O presente Recurso vem interposto quanto à parte julgada parcialmente improcedente pela Douta Sentença proferida no processo de impugnação judicial n.º 886/17.0BELRA do Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria, mais concretamente quanto às correções no valor total de € 506.857,65, relativas à sujeição a contribuições dos prémios pagos aos Administradores da RECORRENTE em 2014 e 2015, acrescidos dos respetivos juros compensatórios liquidados (que proporcionalmente se quantificam em € 56.995,26);

2.ª A Douta Sentença recorrida, seguindo a fundamentação do ISS, conclui que estaríamos perante prémios atribuídos pela Comissão de Remunerações da S.............. com base exclusivamente no critério 'qualidade da Administração', transcrevendo, para o efeito, trechos das respetiva Actas dessa Comissão que salientam essa condição, concluindo que tais retribuições estavam sujeitas a contribuições à Segurança Social por preencherem a estatuição prevista na alínea a) do artigo 68.º do Código Contributivo (sendo essa a fundamentação legal do acto e da Douta Sentença aqui recorrida);

DA MOTIVAÇÃO
3.ª Porém, se é verdade que na Douta Sentença recorrida se teve cuidado em salientar menções relativas à 'qualidade da Administração', ignorou-se liminar, total e inaceitavelmente todas as restantes menções feitas quanto ao 'desempenho da empresa', descontextualizando o teor dessas Actas, o que fundamenta per se a errada valoração dos factos;

4.ª Mas mais: (também) ao não se ter percorrido corretamente todo o itinerário normativo aplicável à situação, tal conduziu à citada verificação de um erro de julgamento por deficitária apreciação dos factos subjacentes e, no limite, a um défice instrutório, erros de julgamento que conduzem à anulabilidade da Douta Sentença recorrida que aqui se peticionam.

DO ERRO DE DIREITO
5.ª Tal como sempre se alegou, os prémios atribuídos aos Administradores da S.............. estão, sem dúvida, sujeitos a contribuições à Segurança Social, nos termos e para efeitos do artigo 46.º n.º 2 alínea aa) do Código Contributivo, e não nos termos da alínea a) do artigo 68.º do Código Contributivo, como resulta da fundamentação legal do acto, seguida pela Douta Sentença a quo.

6.ª Valore-se que nessas normas são utilizados conceitos distintos e, apesar de "gratificação" e "prémio" serem conceitos semelhantes - até coincidentes em alguns dos respetivos aspetos definidores -, os mesmos não são (obviamente) equivalentes:

a. Gratificação é uma recompensa, prémio ou remuneração que se dá para além de um serviço recebido, sendo sinónimo de agradecimento, bonificação, emolumento e gorjeta (a qual, por sua vez significa pequena gratificação...); e
b. Prémio, sendo igualmente uma recompensa ou remuneração, não é uma "gratificação", dado ter um sentido (quer qualitativo, quer quantitativo) mais lato de «remuneração; galardão, distinção conferida por certos trabalhos ou certos méritos», tendo como palavras sinónimas ágio, bónus, dádiva, distinção, medalha.

7.ª É consensual que a letra da lei tem que ser a principal referência e ponto de partida do intérprete, distinguindo-se claramente ao longo do Código Contributivo os conceitos de 'gratificação', face aos conceitos de 'prémio', 'comissões', 'participações nos lucros', 'subsídios', entre outros (o que resulta notório do n.º 2, do artigo 46.º do Código Contributivo quando, nas inúmeras alíneas, se delimitam as realidades que constituem a base de incidência contributiva).

8.ª Assim, se o legislador utilizou diferentes conceitos, será porque considerou que os mesmos têm realidades económicas subjacentes - e eventualmente tributárias - autónomas e com sentidos/conteúdos próprios, não podendo tais conceitos serem injustificadamente ignorados ou confundidos aquando da aplicação da lei, sendo certo que «na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados» (artigo 9.º do CC).

9.ª Perante tal enquadramento jurídico, e subsumindo-se a situação concreta aos conceitos previstos nas normas, nos presentes autos só poderá concluir-se estarmos perante a atribuição de prémios - e não de meras gratificações - a cada um dos Administradores, fora do campo de aplicação da alínea a) do artigo 68.º do Código Contributivo que fundamenta o acto, o que se resulta concretamente:
a. Da respetiva forma de cálculo e atribuição;
b. Da regularidade da respetiva atribuição (facto aliás, plenamente referido no teor da Douta Sentença aqui recorrida, e que não é controvertido);
c. Atento o respetivo quantum (rendimentos no valor de € 280.000,00 e de € 254.660,00, por referência a cada Administrador, em 2014 e 2015, respetivamente); e
d. Por não ser possível realizar o respetivo pagamento 'parcelado por referência aos meses a que se reportam', como estatuiu expressamente a previsão norma aplicada;

Duas notas particulares:
10.ª Especificamente quanto à impossibilidade referida em d., supra, valore-se que os prémios são atribuídos e pagos depois de aprovadas as contas de cada um dos exercícios - in casu, são pagamentos de prémios de 2010, 2011 , 2013 e 2014 - refletindo as contas da S.............. a atividade dos anos em causa, como constituem o referencial de atribuição e quantificação desses prémios; consequentemente, é uma 'impossibilidade' o enquadramento desses prémios/factos tributários na norma, dado que os rendimentos pagos nunca poderiam ser imputados 'parcelarmente por referência aos meses a que se reportam' como se estatui expressamente na mesma, pois visaram premiar/remunerar atividades de anos anteriores.

11.ª Já especificamente quanto ao quantum referido em c., supra, não poderá o Douto Tribunal de recurso deixar de valorar a total falta de precisão e informação, quer do ISS nas correções realizadas, quer da Douta Sentença recorrida, quanto à origem (anos a que respeitam) e quantum das correções realizadas, as quais consubstanciarem uma verdadeira falta de fundamentação, que aqui, por cautela, também se peticiona (valore-se que, só mediante a análise agregada de toda a informação, incluindo da documentação que agora se solicitou excecionalmente a respetiva junção aos autos, se consegue especificamente quantificar e identificar a origem de cada prémio).

12.ª Neste contexto, e salvo melhor entendimento, as conclusões já expostas serão suficientes para determinar a anulação da liquidação de contribuições à Segurança Social e juros compensatórios sub judice, dado os factos tributários não terem enquadramento (no conceito utilizado) na norma legal que fundamentou o acto, o que se peticiona para os devidos efeitos legais.

13.ª Em reforço do exposto: respeitosamente se diga que o artigo 68.º do Código Contributivo não visa compreender todas as realidades remuneratórias que os MOE aufiram, para além da 'remuneração normal', conforme interpretação/aplicação da norma que foi perfilhada: o artigo 66.º do Código Contributivo delimita «sem prejuízo do disposto nos artigos 44.º e seguintes» a base de incidência 'normal' dos MOE, e o artigo 68.º estatui, em acréscimo, que existem ainda outras «remunerações especialmente abrangidas» no caso dos MOE (segundo a própria epígrafe desse artigo);

14.ª De forma concreta e mais evidente: a admitir-se que o artigo 68.º teria tal sentido lato, e excluindo-se da letra do mesmo, as 'participações nos lucros' dos Administradores, significaria que esses rendimentos estariam fora da base de incidência contributiva? - claramente que não, determinando-se essa incidência, por remissão do artigo 66.º, nos termos da alínea r) do n.º 2 do artigo 46.º, todos do Código.

15.ª Ou seja, da letra das normas em análise, bem como da respetiva inserção sistemática no Código, resulta que os artigos 66.º e 68.º são normas específicas relativas às remunerações dos MOE, mas que, não obstante, obviamente têm de ser interpretadas em conjugação - ou, se preferível, em harmonia/de acordo -, com as regras gerais relativas à base de incidência contributiva previstas no Código, não restando qualquer dúvida a esse propósito, dada a expressa remissão para as mesmas do artigo 66.º do Código Contributivo.

16.ª Pelo exposto, e sem mais, deverá concluir-se que os prémios sub judice integram a base de incidência contributiva, dado serem «prestações relacionadas com o desempenho obtido pela empresa quando, quer no respetivo título atributivo quer pela sua atribuição regular e permanente, revistam carácter estável independentemente da variabilidade do seu montante», nos termos e para os efeitos da alínea aa) do n.º 2 do artigo 46.º por não estarem concretamente incluídos em nenhuma das normas específicas relativas aos rendimentos dos MOE - em particular, na alínea a) do artigo 68.º aplicada -, e por remissão expressa do artigo 66.º, todos do Código Contributivo.

17.ª Porém, apesar de estarem sujeitos a Segurança Social, nos termos da sobredita alínea aa) do n.º 2 do artigo 46.º do Código Contributivo, importa valorar que tal norma ainda 'não entrou em vigor', na medida que a mesma carece de regulamentação ainda não aprovada pelo Governo, pelo que ainda não produz efeitos para que possa ser validamente aplicada (vd. artigo 4.º, n.º 2 e artigo 6.º n.º 3, ambos da Lei 110/2009, que aprovou o Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança Social).

18.ª Concluindo-se assim, qualquer que seja a perspetiva de direito que analise a situação factual, que devem as contribuições liquidadas pelo ISS, no valor total de € 506.857,65, acrescidas dos respetivos juros compensatórios, ser totalmente anuladas, para todos os devidos efeitos legais.

19.ª Ao nível do direito aplicável, peticiona-se, por fim, em face de tudo o acima exposto, uma omissão de pronúncia, dado que a Douta Sentença recorrida justifica a manutenção do acto pela aplicação do artigo 68.º da Código Contributivo, quando tal enquadramento legal não só não é prejudicial à argumentação/enquadramento de direito apresentada pela RECORRIDA, como, não obstante, tal argumentação foi ignorada ao não ter sido apresentada uma qualquer fundamentação que esclareça as razões da respetiva não aplicação.

DA ERRADA VALORAÇÃO DOS FACTOS
20.ª Num segundo nível de análise, e em acréscimo a tudo o acima exposto, dever-se-á concluir nos autos que as Actas da Comissão de Remuneração sub judice são claras e suficientes para suportar o enquadramento legal sufragado pela RECORRENTE acima enunciado e, nesse contexto, a anulação dos actos administrativos aqui sindicados.

21.ª Verificando-se duas condições - a qualidade da Administração e o bom desempenho da sociedade (numa causa/efeito, pois não existe 'desempenho' sem 'Administração') - importa determinar se os prémios foram primordialmente atribuídos com base numa ou noutra condição,

22.ª A situação factual analisada conduz-nos inquestionavelmente a prémios em que:

a. Os administradores não foram individual, especifica ou concretamente avaliados quanto a nenhum aspeto da respetiva atividade exercida (como seja, competência, produtividade, cobrança, formação realizada ou dada, número de decisões, assiduidade, desempenho, eficácia, eficiência, controle, reconhecimento pelos trabalhadores ou pares, contabilização de tarefas realizadas, etc...);

b. (Pelo contrário) foram prémios atribuídos e calculados exclusivamente com base no cash flow da sociedade, sendo esse um indicador de gestão que reflete/avalia objetivamente um desempenho da atividade da sociedade;

c. Existem várias menções expressas ao desempenho da sociedade nas Actas da Comissão de Remunerações - ignoradas liminarmente na Douta Sentença recorrida - das quais resulta ainda que o único critério que foi analisado e aplicado foi o cash flow obtido pela sociedade no ano «por se ter considerado ser o indicador da atividade da empresa que sintetiza as várias áreas funcionais sobre as quais incidem os trabalhos da administração e dos administradores».

d. (Em reforço do exposto) uma parte significativa - sempre mais de 50% - da atribuição e pagamento de cada um dos prémios anuais foi deferida por um período mínimo de 3 anos, a pagar apenas se verificada a condição de desempenho positivo da empresa nesse período temporal de deferimento, sem qualquer outra condição associada; (neste contexto, e no mínimo, pelo menos quanto ao pagamento dos 50% do prémio aferidos com base no ano/Balanço de 2010 e 2011, pagos em 2014 e 2015, respetivamente - que corresponde sensivelmente metade das correções aqui sindicadas -, nenhumas dúvidas podem subsistir quanto a qual foi o único critério de atribuição e pagamento desses prémios).

e. A única legítima expectativa dos Administradores era a de que, se o desempenho da empresa fosse positivo, quando avaliado e calculado com base no cash flow anual (e em mais nenhum outro critério), teriam direito a prémio; a contrario, mesmo que tivesse existido 'qualidade da Administração', mas um cash flow negativo, resulta claro que não teriam a legítima expectativa a qualquer recebimento. Pelo exposto, não é a 'boa' Administração que condiciona a atribuição dos prémios, mas antes - e só - os bons resultados operacionais (produtividade da empresa, calculada com base no cash flow) que condicionam a única legitima expectativa de atribuição dos prémios aos Administradores.

23.ª Neste enquadramento, e distinguindo-se na lei a "produtividade ou rendimento dos administradores" da 'produtividade da sociedade' - designadamente nas alíneas d) e aa) do n.º 2, do artigo 46 do Código Contributivo -, importa determinar o que está aqui (se preferirem mais) subjacente? A 'performance' de que cada administrador ou da sociedade? -

24.ª E a subsunção dos factos às normas conduz, atento tudo o acima referido, à necessária conclusão de que se trata de um prémio que tem por base a "produtividade da empresa", e nunca uma qualquer avaliação individualizada ou concreta da atividade dos administradores - o que determina o respetivo enquadramento na alínea d) ou na alínea aa) do n.º 2, do artigo 46.º do Código Contributivo, nunca na alínea a) do artigo 68.º do Código Contributivo, dado não serem gratificações e, ainda que assim fosse, os rendimentos terem carácter de regularidade.

25.ª E, com o devido respeito, não se trata de um "mero jogo de palavras", quando é a própria lei que distingue, ao nível das regras de incidência - o tema mais relevante na área dos impostos, sujeito a reserva relativa da Assembleia da República - gratificações ocasionais exclusivamente derivados do exercício das funções de Administração (alínea a) do artigo 68.º do Código Contributivo) vs. prémios/contribuições regulares relacionadas com o bom desempenho obtido pela empresa ou com o bom desempenho do administrador (nos termos das alíneas d) e aa) do n.º 2, do artigo 46.º do Código Contributivo)

26.ª Dever-se-á assim concluir serem prémios que, revestindo carácter regular, são subsumíveis à previsão da alínea aa) do n.º 2, do artigo 46.º do Código Contributivo; no limite, mesmo sufragando-se a interpretação de que seriam prémios atribuídos com base na 'qualidade da Administração'- o que aqui apenas se admite por raciocínio - nunca seriam corretamente enquadráveis na alínea a) do artigo 68.º do Código Contributivo, nem que não fosse pela 'regularidade da respetiva atribuição' que se verifica em concreto, e que não está na previsão dessa norma, antes no artigo 46.º do Código Contributivo.

27.ª Qualquer outra interpretação ou leitura das normas terá, com certeza, respeitosamente se diga, razões que não aquelas que o legislador tratou de diferenciar e que não nos cabe justificar.

28.ª Por fim: mesmo admitindo-se que pudesse existir "alguma ambiguidade" semântica - e por esse motivo fatual - da(s) Acta(s) da Comissão de Remunerações - o que novamente apenas se admite por cautela e raciocínio - como não se está a discutir mera semântica, antes qual a situação fatual real subjacente - i.e., qual a qualificação tributária do rendimento - e, nesse âmbito, qual a tributação,

29.ª No entender da RECORRENTE, e nos melhores termos de direito, o Tribunal a quo ou produzia prova adicional ou, na dúvida, anulava as correções nos termos e para efeitos do artigo 100.º do CPPT, o que aqui se peticiona, para todos os devidos efeitos legais.

30.ª Isto porque, no entender da RECORRENTE sobejamente exposto, o Douto Tribunal a quo nunca poderia, com segurança e plena convicção, concluir no sentido em que concluiu quanto a esta matéria dos prémios dos Administradores, face à prova existente e produzida nos autos.

TERMOS EM QUE,
EM FACE DE TODO O EXPOSTO, DEVE A PRESENTE IMPUGNAÇÃO JUDICIAL SER JULGADA TOTALMENTE PROCEDENTE E, EM CONSEQUÊNCIA, DEVEM SER ANULADAS:
• AS LIQUIDAÇÕES OFICIOSAS REALIZADAS PELOS SERVIÇOS DA SEGURANÇA SOCIAL RELATIVAS AOS PRÉMIOS DE GESTÃO PAGOS NOS ANOS DE 2014 E 2015, NOVALOR TOTAL DE €506.857,65 POR NÃO FUNDAMENTADO LEGALMENTE A RESPETIVA SUJEIÇÃO;
• Os RESPETIVOS JUROS COMPENSATÓRIOS, CALCULADOS EM PROPORÇÃO, NO VALOR TOTAL DE € 56.995,26;

DEVENDO O DOUTO TRIBUNAL CONDENAR OS SERVIÇOS DE SEGURANÇA SOCIAL AO PAGAMENTO DOS JUROS INDEMNIZATÓRIOS DEVIDOS, CALCULADOS DESDE A DATA DE PAGAMENTOS INDEVIDO DOS MONTANTES AQUI IMPUGNADOS, ATÉ EFETIVO REEMBOLSO DOS MESMOS, EM CASO DE PROCEDÊNCIA DA PRESENTE AÇÃO, PARA TODOS OS DEVIDOS EFEITOS LEGAIS

O recorrido INSTITUTO DA SEGURANÇA SOCIAL, I.P., apresentou contra-alegações, que termina com as seguintes e doutas conclusões:

«1 - O presente Recurso vem interposto pela Recorrente, quanto à parte que foi julgada parcialmente improcedente pela douta Sentença, proferida no âmbito do processo judicial n.º 886/17.0BELRA, do Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria, relativamente aos "Prémios de Gestão" pagos aos seus administradores, os quais corresponderiam a 1% do Cash Flow do ano anterior, pagos em Maio e Junho de cada ano e, nessa medida, sujeitos a base de incidência contributiva;

2 - Defende a Recorrente que a douta Sentença do Tribunal a quo "ao não ter percorrido corretamente todo o itinerário normativo aplicável à situação" padece de erro de julgamento por deficitária apreciação dos factos subjacentes e, "no limite, a um défice instrutório" que conduzem à sua anulabilidade. Sem que, contudo, lhe assista qualquer razão;

3 - Com efeito, aduz a Recorrente que, tal como sempre defendeu, os prémios atribuídos aos Administradores da empresa S.............., S.A., estão, de facto, sujeitos a contribuições à Segurança Social. Porém, no seu entender tais prémios estão sujeitos a contribuições nos termos e para os efeitos do artigo 46.º, n.º 2 al. aa) do Código Contributivo (CRC) e não conforme entende o Recorrido nos termos da alínea a) do artigo 68.º do mesmo Código;

4 - Defendendo que, nas sobreditas normas, são utilizados conceitos distintos "e, apesar de "gratificação" e "prémio" serem conceitos semelhantes – até coincidentes em alguns dos respetivos aspetos definidores - os mesmos não são (obviamente) equivalentes", nessa medida "a letra da lei tem que ser a principal referência e ponto de partida do intérprete, distinguindo-se claramente ao longo do Código Contributivo os conceitos de "gratificação, face aos conceitos de "prémio", "comissões", "participações nos lucros", "subsídio" entre outros (o que resulta notório do n.º 2, do artigo 46.º do Código Contributivo quando, nas inúmeras alíneas, se delimitam as realidades que constituem a base de incidência contributiva);

5 - Pelo que, em seu entender, o artigo 68.º do CRC não visa compreender todas as realidades remuneratórias que os MOE aufiram, para além da "remuneração normal”, mas antes em acréscimo "que existem ainda outras remunerações especialmente abrangidas". Vejamos então;

6 - Ora, o CRC, no Capítulo II, enuncia na epígrafe: "Regimes aplicáveis a trabalhadores integrados em categorias ou situações específicas", Secção I "Trabalhadores com âmbito material de proteção reduzido", Subsecção I "Membros dos órgãos estatutários das pessoas coletivas e entidades equiparadas", estabelecendo quem são as pessoas coletivas e entidades equiparadas, obrigatoriamente abrangidas pelo regime geral, com as especificidades previstas nessa subsecção, na qualidade de beneficiários;

7 - Determina o CRC, no artigo 61.º, que são obrigatoriamente abrangidos na qualidade de beneficiários os membros dos órgãos estatutários das pessoas coletivas ou equiparadas;

8 - Mais à frente, determina o n.º 1 do artigo 66.º do CRC, com a epígrafe "Base de incidência contributiva", que "Sem prejuízo do disposto nos artigos 44.º e seguintes, a base de incidência contributiva dos membros dos órgãos estatutários corresponde ao valor das remunerações efetivamente auferidas em cada uma das pessoas coletivas em que exerçam atividade, com o limite mínimo igual ao valor do IAS'';

9 - E, o artigo 68.º do CRC, sob a epígrafe "Remunerações especialmente abrangidas", determina que integram ainda remuneração dos membros dos órgãos estatutários " a) Os montantes pagos a título de gratificação, desde que atribuídos em função do exercício da atividade de gerência sem adstrição à qualidade de sócio e sem que sejam imputáveis aos lucros, os quais devem ser parcelados por referência aos meses a que se reportam";

10 - Na situação em análise, resulta dos factos provados pela douta Sentença do Tribunal a quo que a Recorrente processava e pagava, geralmente, no mês de maio/junho de cada ano, uma verba que designava por "Prémios de Gestão" aos três membros que integram o respetivo Conselho de Administração;

11 - Mais, ficou provado que a atribuição de tais "Prémios de Gestão" e respetiva fundamentação havia sido deliberado pela "Comissão de Remunerações" da Recorrente, como forma de premiar e incentivar o exercício qualitativo dos administradores da empresa;

12 - Ficou ainda provado que o método de cálculo do montante a atribuir aos administradores da Recorrente, a título de "Prémio de Gestão", deliberado pela "Comissão de Remunerações ", era indexando a uma percentagem (1%) do Cash- Flow líquido;

13 - O Cash- Flow é um indicador que permite saber como está a evoluir o fluxo de tesouraria, reflete as entradas e saídas de dinheiro da empresa, num determinado período;

14 - Por conseguinte, o pagamento dos "Prémios de Gestão" não se relaciona com a definição de objetivos específicos de produtividade global da empresa ou de resultados a obter pela mesma, mas ao invés, da necessidade de incentivar a qualidade do exercício da atividade da administração;

15 - Tal, aliás, resulta de forma impressiva do documento elaborado pela "Comissão de Remunerações " ao enunciar que pretende incentivar a qualidade da administração e, por essa via, a produtividade global da empresa, que surge assim como decorrência necessária da qualidade da gestão e não como critério de atribuição do prémio;

16 - Ademais, a referência ao Cash-Flow líquido da Recorrente é concretizada apenas enquanto critério definidor do "quantum" a atribuir aos administradores e não como fundamento da atribuição do prémio, distinguindo-se, por esta via, a razão do pagamento do prémio (exercício da atividade de gestão e incentivo à respetiva qualidade) da definição do montante a pagar, em concreto, a esse título;

17- Por outro lado, a forma de determinação do montante do dito "Prémio de Gestão" também não se relaciona diretamente com os lucros e/ou rentabilidade da empresa, caso contrário a aferição do seu valor seria indexada ao lucro percecionado (no final do ano fiscal) e não à disponibilidade da tesouraria;

18- Nessa medida, os referidos "Prémios de Gestão" integram-se no âmbito do artigo 68.º do CRC e constituem base de incidência contributiva;

19 - Alias, o sobredito preceito legal é em tudo idêntico ao que vigorou antes da entrada em vigor do CRC (Decreto-Lei n.º 327/93, de 25 de Setembro) e que não permite reservas quanto à excecionalidade do mesmo face ao regime geral dos trabalhadores por conta de outrem;

20 - Pelo que, para que integrem a base de incidência contributiva não é sequer requisito que os "Prémios de Gestão" pagos aos membros dos órgãos estatutários assumam carácter de regularidade, bastando apenas que os mesmos sejam pagos em função do exercício de funções de gerência;

21 - Por outro lado, ao contrário do defendido pela Recorrente, os "Prémios de Gestão" atribuídos aos seus administradores não podiam ser alvo de contribuições, ao abrigo do disposto na alínea aa), do n.º 2, do artigo 46.º do CRC, porquanto esta norma condiciona o pagamento de determinadas prestações ao "desempenho obtido pela empresa";

22 - Enquanto a norma ínsita na alínea a) do artigo 68.º do CRC, afeta o pagamento de determinados montantes ao exercício da atividade de gerência, como é o caso;

23 - A condição de a atribuição dos "Prémios de Gestão" não estar diretamente relacionada com os objetivos específicos de produtividade da empresa, mas ao invés com a boa gestão ou qualidade da administração, a acrescer a referência efetuada ao Cash – Flow da empresa como forma de quantificar o prémio anual, constituem elementos, mais do que suficientes para que os sobreditos prémios preencham a estatuição prevista na alínea a) do artigo 68.º do CRC, o qual sujeita à incidência contributiva "Os montantes pagos a título de gratificações, desde que atribuídos em função do exercício da atividade de gerência sem adstrição à qualidade de sócio e sem que sejam imputáveis as lucros, os quais devem ser parcelados por referência aos meses a que se reportam (...) ";

24 - Nessa medida encontra-se manifestamente demonstrado que os "Prémios de Gestão" em apreço estão necessariamente adstritos ao exercício da atividade dos administradores e, nessa medida, integram o âmbito da alínea a) do artigo 68.º do CRC e constituem base de incidência contributiva;

25 - Quanto ao requerido pela Recorrente, em sede de recurso jurisdicional, em que requer a junção aos autos de prova documental, nos termos e para os efeitos do n.º 1 do artigo 651.º do Código de Processo Civil (CPC), por entender que os sobreditos documentos são "imprescindível para boa apreciação da causa, incluindo a determinação e origem dos valores sub judice,

26 - Sempre se diga que as partes apenas podem juntar documentos às alegações nas situações excecionais, legalmente estatuídas, ou no caso de a junção dos documentos ser necessária em virtude do julgamento proferido na 1ª instância;

27 - Desde logo, salvo entendimento diverso, a Recorrente não apresenta argumentos, de facto e de direito, que fundamentem a necessidade de junção desses documentos, quando já estamos em sede de Recurso bastando-se com uma mera alusão lacónica "imprescindível para boa apreciação da causa, incluindo a determinação e origem dos valores sub judice ", que, em nada, justifica uma junção que tem carácter excecional;
27 - Além disso, com a petição inicial deveria ter a Recorrente entregue todos os documentos considerados determinantes para um bom julgamento da causa, o que não fez;

28 - Por outro lado, decorre do disposto no artigo 425.º do CPC, que também seria admissível a junção de documentos de prova, em fase de recurso, quando a sua apresentação não tenha sido possível até à interposição de recurso, o que também não é o caso, pelo que se entende que a junção de meios de prova nesta fase processual já não é possível;

29 - Insurge-se ainda a Recorrente contra o que defende ser uma falta de precisão "quer do ISS nas correções realizadas, quer da Douta Sentença recorrida, dado consubstanciarem as mesmas uma verdadeira falta de fundamentação ";

30 - Sobre o alegado vício de falta de fundamentação, da decisão do Recorrido e da douta sentença, sempre se diga que mais uma vez, não tem razão a Recorrente, pois quer através dos Relatórios do Recorrido (Projeto de Relatório e Relatório Final), quer através da decisão final consta toda a fundamentação jurídica, que esteve na génese da tomada de decisão e que conduziram à prática do ato;

31 - Por seu turno, não podemos deixar de proclamar a discordância com o alegado vício de falta de fundamentação, porquanto o ato em causa se estribou na lei e a fundamentação que o sustentou é clara e suficiente, constando de todo o processo instrutor os fundamentos necessários à sua compreensão;

32 - Nesse conspecto, afigura-se manifestamente demonstrado que a decisão de liquidação das contribuições, a título de "Prémios de Gestão", foi corretamente realizada pelo Recorrido, porquanto o pagamento daqueles prémios preenche a estatuição prevista na alínea a) do artigo 68.º do CRC e, nessa medida, deviam ter sido sujeitos a base de incidência contributiva.

Nestes termos e nos mais de Direito aplicáveis, com o douto suprimento de V. Exa., deverá a decisão recorrida ser mantida, por legal, não se concedendo provimento ao presente recurso.
Tudo com as devidas e legais consequências, como é de inteira, Justiça!».

O Instituto da Segurança Social, I.P. interpôs recurso, mas no seguimento do despacho de admissão não apresentou alegações, pelo que o mesmo deveria ter sido julgado deserto logo no tribunal recorrido (art.º 282/4 do CPPT).

Não tendo sido proferido tal despacho logo no tribunal recorrido, nada obsta a que este tribunal de recurso julgue agora deserto o recurso interposto pelo Instituto da Segurança Social, I.P.

O Exmo. Senhor Procurador-Geral Adjunto emitiu mui douto parecer concluindo que a decisão recorrida deverá ser revista.

Colhidos os vistos legais, vêm os autos à Conferência para decisão.

2 – DO OBJECTO DO RECURSO

Delimitado o objecto do recurso pelas conclusões da alegação do recorrente, são estas as questões que importa conhecer: (i) se a sentença está inquinada de nulidade por falta de fundamentação e omissão de pronúncia na medida em que não se pronuncia sobre os argumentos apresentados pela impugnante no sentido da não aplicabilidade do art.º 68.º do Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança Social (adiante, Código Contributivo) à situação dos autos; (ii) se o acto impugnado carece de fundamentação legal; (iii) se a sentença incorreu em erro de julgamento e deficit instrutório na apreciação que fez do título atributivo das quantias prestadas pela impugnante aos seus administradores; (iv) se ocorre vício de violação de lei por errónea qualificação das quantias prestadas pela impugnante aos seus administradores; (v) se subsistindo dúvidas sobre o sentido da fundamentação vertida no título atributivo das quantias prestadas, as correcções deveriam ter sido anuladas por força do disposto no art.º 100.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, sem olvidar a apreciação da pretendida junção de documentos com as alegações apelatórias.

3 – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Em 1ª instância deixou-se consignado em sede factual:
«
1. A Impugnante, S.............., S.A. foi constituída em 19/3/1943, é uma sociedade comercial que tem por objecto comercial exploração industrial e comercial da indústria do Vidro, na fabricação de vidro de embalagem (cf. relatório a 39 verso dos autos, registo de Sociedade a fls. 7 e 8 do Processo Administrativo Tributário de ora em diante designado de PAT).

2. Em 27/4/2015, a Comissão de Remunerações, dirigiu ao Presidente do Conselho de Administração, S.............. – Vidros SA, a Deliberação constante de fls. 77 e t8 dos autos, cujo conteúdo aqui se dá por reproduzido e da qual consta em síntese o seguinte:
“ (…)
Para os devidos efeitos, informa-se que a Comissão de Remunerações, reunida a 27 de Abril de 2015, apreciou aprofundadamente as condições remuneratórias dos membros dos órgãos sociais da Empresa e dos membros do Conselho de Accionistas, atentas as condições estabelecidas nos Estatutos da Sociedade e, em particular, o seu artigo 20.º. Assim:
1. Considerou conveniente reapreciar as condições globais da remuneração dos administradores, notando que a “produtividade” global da Empresa depende, também, da qualidade do exercício das funções de administração.
2. Considerou que a qualidade das funções de administração deve ser aferida por um indicador global da actividade da Empresa que sintetize as várias áreas funcionais sobre as quais incidem os trabalhos da administração e dos administradores.
3. Considerou ainda a conveniência de, neste ano, atribuir um “prémio de gestão” aos administradores visando incentivar a continuação da referida qualidade da administração e, por essa via, a produtividade global da empresa.
4. Decidiu, conforme os considerandos anteriores, que neste ano esse “prémio de gestão” correspondesse, para cada um dos administradores, a 1 (um) por cento do Cash-flow líquido, como habitualmente definido na Empresa, verificado no exercício social de 2014 (24.366.078,57 €), a que corresponde um montante de 243.660 (duzentos e quarenta e três mil e seiscentos e sessenta) euros.
5. Considerou ainda o espirito e a letra do artigo 88.º, 13b do CIRC e decidiu, que este prémio de gestão deverá ser pago em 118.660 (cento e dezoito mil seiscentos e sessenta) euros no decurso do próximo mês de Maio, ficando os restantes 125.000 (cento e vinte e cinco mil) euros sujeitos a um diferimento mínimo de 3 anos, bem como à observação do desempenho positivo da sociedade neste período.
(…)”

3. Em 27/4/2016, a Comissão de Remunerações, dirigiu ao Presidente do Conselho de Administração, S.............. – Vidros SA, a Deliberação constante de fls. 79 e 78 dos autos, cujo conteúdo aqui se dá por reproduzido e da qual consta em síntese o seguinte:
“ (…)
Para os devidos efeitos, informa-se que a Comissão de Remunerações, reunida a 27 de Abril de 2016, apreciou aprofundadamente as condições remuneratórias dos membros dos órgãos sociais da Empresa e dos membros do Conselho de Accionistas, atentas as condições estabelecidas nos Estatutos da Sociedade e, em particular, o seu artigo 20.º. Assim:
1. Considerou conveniente reapreciar as condições globais da remuneração dos administradores, notando que a “produtividade” global da Empresa depende, também, da qualidade do exercício das funções de administração.
2. Considerou que a qualidade das funções de administração deve ser aferida por um indicador global da actividade da Empresa que sintetize as várias áreas funcionais sobre as quais incidem os trabalhos da administração e dos administradores.
3. Considerou ainda a conveniência de, neste ano, atribuir um “prémio de gestão” aos administradores visando incentivar a continuação da referida qualidade da administração e, por essa via, a produtividade global da empresa.
4. Decidiu, conforme os considerandos anteriores, que neste ano esse “prémio de gestão” correspondesse, para cada um dos administradores, a 1 (um) por cento do Cash-flow líquido, como habitualmente definido na Empresa, verificado no exercício social de 2015 (23.072.760,39 €), a que corresponde um montante de 230.728 (duzentos e trinta mil e setecentos e vinte e oito)) euros.
(…)”

4. Em 2/8/2016, a comissão de remunerações dirigiu ao Presidente do Conselho de Administração, S.............. – Vidros SA, a Deliberação constante de fls. 81 cujo conteúdo aqui se dá por reproduzido e da qual consta em síntese o seguinte:
“ (…)
Para os devidos efeitos, informa-se que a Comissão de remunerações, reunida a 2 de Agosto reconheceu já terem passado mais de três anos desde a fixação do prémio de gestão atribuído aos administradores em 2013 e relativo à actividade da Empresa em 2012, do qual ficou pendente, conforme o espirito e a letra do Artigo 88.º,-13b do CIRC, o montante de 133.978 (cento e trinta e três mil e novecentos e setenta e oito) euros para cada administrador, que agora se decide seja pago no decurso do corrente mês de Agosto, atento o desempenho positivo da Sociedade durante o período do diferimento.
(…)”

5. Em 8/11/2016, o Departamento de Fiscalização do ISS, I.P. emitiu o Projecto de relatório de fiscalização constante de fls. 95 a 108 do PAT, cujo conteúdo aqui se dá por reproduzido, relativo à inspecção realizada à S.............., S.A. na qual foi apurado o seguinte:
“ (…)
Da análise da documentação remetida pela EE
Compulsada a documentação obtida junto da entidade averiguada, nomeadamente, balancete analítico da contabilidade geral dos anos de 2014 e 2015, mapa de quadro de pessoal e mapa de processamento de salários referentes aos meses de janeiros a Fevereiro de 2016, verifica-se que a empresa S.............. processa mensalmente valores referentes a remuneração de base, subsídios de férias e natal, subsídio de turno, feriados, prémio de produção, prémios diversos, complemento mensal de vencimento, isenção de horário, horas extraordinárias, horas de formação, fim de contrato, gratificações SS e férias não gozadas.
Todas as rúbricas elencadas foram consideradas base de incidência contributiva e regularmente incluídas nas declarações de remunerações entregues mensalmente pela entidade averiguada.
Contudo, para além dos pagamentos enunciados, foram identificadas duas rúbricas que, por não terem sido consideradas como base de incidência contributiva por parte da entidade mereceram análise especifica tendente a validar aquele entendimento e respectiva sustentação legal.
Referimo-nos aos valores pagos sob a designação “Prémios de Gestão” e “Prémios de Forno”.
Prémios de Gestão
Neste âmbito, foi apurado que a EE processa e paga, geralmente no mês de Maio/Junho de cada ano, uma verba designada por Prémios de Gestão/Prémios Órgãos Sociais aos 3 membros que integram o respectivo conselho de Administração, conforme tabelas infra apresentadas.
«imagem no original»

Na sequência do referido, foi solicitado junto do Director dos Recursos Humanos (…) esclarecimentos sobre a atribuição destas verbas e respectiva fundamentação tendo sido apurado que as mesmas decorreram de deliberação da “Comissão de remunerações” da entidade averiguada, conforme documento que integra o processo instrutor.
Assim, verifica-se que a mencionada “Comissão de Remunerações” considerou a conveniência de atribuir um prémio de gestão aos administradores notando que a produtividade global da empresa depende, também, da qualidade do exercício de funções de gestão e visando com a atribuição do referido prémio de gestão incentivar a continuação da qualidade da administração e, por essa via, a produtividade global da empresa.
Ainda de acordo com o constante no documento obtido, foi igualmente deliberado o método de cálculo do montante a atribuir aos administradores a este título, indexando-o a uma percentagem (1%) do Cash-Flow líquido.
Do exposto resulta que o pagamento dos prémios em análise não se relaciona com a definição de objectivos específicos de produtividade global da empresa ou de resultados a obter pela mesma.
Com efeito, a relação identificada entre o pagamento dos citados prémios e os resultados da empresa resulta exclusivamente da relevância genérica e abrangente que o exercício de qualquer função de administração sempre assume, por decorrência natural e inelutável face à natureza da mesma, nos resultados obtidos e na produtividade global de qualquer empresa.
Ora, de acordo com o apurado, esse não é o traço definidor das verbas em causa mas antes a reconhecida necessidade de incentivar a qualidade da administração. Tal constatação é, aliás, o que resulta de forma impressiva do documento elaborado pela “comissão de remunerações” ao enunciar que pretende incentivar a qualidade da administração. Tal constatação é, aliás, o que resulta de forma impressiva do documento elaborado pela “comissão de remunerações” ao enunciar que pretende incentivar a qualidade da administração e, por essa via, a produtividade global da empresa, que surge assim como decorrência necessária da qualidade da gestão e não como critério de atribuição do prémio.
A reforçar o sentido dos factos apurados a este respeito, anota-se ainda que a referência ao Cash-Flow líquida da entidade é concretizada apenas enquanto critério definidor do “quantum” a atribuir aos administradores e não como fundamento da atribuição do prémio, distinguindo-se por esta via a razão do pagamento do prémio (exercício da actividade de gestão e incentivo à respectiva qualidade) da definição do montante a pagar, em concreto, a esse título.
Assim, no âmbito em análise, foi demonstrado que os prémios de gestão foram pagos aos membros do conselho de Administração exclusivamente em função do exercício da actividade de gestão, não tendo estado o respectivo pagamento dependente ou directa e especificamente relacionado com determinado resultado a atingir pela empresa.

Prémios de Forno
Já no que se refere à verba identificada no processamento de salários por prémios de Formo constata-se que este valor foi pago anualmente no período compreendido entre 2013 a 2015, geralmente no mês de Fevereiro e sempre aos mesmos trabalhadores.
A fim de esclarecer os valores recebidos a título de prémio de forno, foram notificados os trabalhadores que no período assinalado receberam a referida verba.
Resultou destas inquirições que a S.............. mantém em funcionamento ininterrupto 4 fornos essenciais na fabricação do vidro. Sempre que um destes fornos necessita de renovação/manutenção, o que implica a paragem do mesmo por um período de cerca de 30 dias, verifica-se também um acréscimo de trabalho do mesmo por um período de cerca de 30 dias, verifica-se também um acréscimo de trabalho por parte de todos os trabalhadores envolvidos no processo.
Nesse contexto foi ainda apurado que, de entre todos os trabalhadores que integram o mencionado processo de manutenção dos fornos, apenas os responsáveis de secção e serviços e o Director de serviços de manutenção auferem o designado “prémio de forno”.
De acordo com as declarações prestadas nesse âmbito pelo chefe de secção em máquinas de inspecção automáticas, Sr. A.............., o valor do prémio (…) surge sempre que um dos fornos necessita de reparação, o que implica a paragem do mesmo, sempre que esta situação é identificada, geralmente no final do ano depois de decorrido o tempo de durabilidade dos elementos que o constituem, designadamente as pedras de revestimento, constituem equipa formada por vários trabalhadores, bem como entidades externas, que iniciam o processo de reparação, normalmente levam 1 mês a trabalhar ininterruptamente.
Este prémio é pago para compensar as horas de trabalho dedicadas à reparação do forno, no caso pela disponibilidade, dado que trabalha em regime de isenção de horário, não lhe sendo pagas horas extraordinárias (…).
Já o responsável pela secção de manutenção de máquinas IS, Sr. P.............., declarou, (…) Quanto ao prémio de forno este valor surge sempre que um dos 4 fornos da empresa necessita de reparação/manutenção o que implica a paragem do mesmo. O declarante com a sua equipa, inicia o processo de manutenção o que implica a paragem do mesmo. O declarante com a sua equipa, inicia o processo de manutenção, nomeadamente a substituição de peças, aproveitando a paragem do forno, o que permite dedicar maior atenção às máquinas, também elas paradas. Este processo demora cerca de 1 mês sem interrupção. O declarante entende receber o referido prémio em função da disponibilidade, acréscimo de responsabilidade e de trabalho. Mais declarou, quanto recebeu (prémio de forno) pela primeira vez, foi informado pelo superior hierárquico que receberia este prémio pela disponibilidade e acréscimo de trabalho decorrente da paragem do forno. Quanto à regularidade no pagamento deste prémio, depende sempre da necessidade de reparação/manutenção dos fornos (…).
Inquirido o trabalhador P.............., chefe de serviços da manutenção eléctrica, a propósito do prémio de forno, declarou (…) recebe um valor que identificou por prémio de forno, apenas nos anos de reconstrução dos fornos caso esta reconstrução ocorra dentro dos parâmetros definidos pela administração, tais como: prazo e qualidade da execução.
Estes parâmetros são comunicados previamente pela direcção da empresa. Declarou ainda que em 2013 deu-se a intervenção no forno 3, o pagamento ocorreu em Fevereiro/Março de 2013, situação idêntica para o forno 2 (2014) e para o forno 1 em 2015. Em 2016 não recebeu este valor, dado não ter havido qualquer intervenção em nenhum dos fornos, declarou ainda que em Janeiro de 2017 está agendada uma intervenção para o forno 4, ainda assim espera vir a receber, isto se os objectivos forem alcançados (prazo e qualidade), sendo certo que se não receber o referido prémio, não reclamará junto da administração, porque entende que não existe obrigação no pagamento do mesmo.
Mais declarou, os trabalhadores que não detêm a categoria profissional de chefes e que se encontram sob a responsabilidade do declarante, com intervenção nos fornos, recebem compensação por trabalho suplementar (horas extraordinárias), respeitando inclusivamente as folgas a que têm direito (…).
Foram ainda ouvidos os trabalhadores M.............. (Chefe de Serviços da Zona Fria) e J.............. (Director de Serviços de Manutenção) que afirmaram receber o referido prémio pelo acréscimo de trabalho e disponibilidade manifestada, sempre que um dos fornos é intervencionado. Estando prevista a intervenção em Janeiro de 2017 para o forno 4, foram questionados sobre a expectativa de receberem o referido prémio nessa data, ao que responderam, uma vez que este valor (premio de forno) nunca foi contratualizado com a empresa, não têm a certeza do seu recebimento.
Face ao exposto e em resultado das diligências de averiguação encetadas, verifica-se assim que o pagamento do designado “prémio de forno” ocorre sempre que um dos 4 fornos da empresa necessita de reparação/manutenção, visando o mesmo retribuir ao trabalhador o aumento de disponibilidade, responsabilidade e trabalho assumido em tal tarefa.
Mais se constata que o procedimento da entidade averiguada neste âmbito varia consoante a natureza das funções assumidas por cada trabalhador sendo que, no caso dos que desempenham cargos de chefia, auferem o prémio em análise e relativamente aos restantes trabalhadores são processadas verbas a título de horas extraordinárias.
Dito de outro modo, verifica-se que sempre que surge a necessidade de desempenhar uma tarefa extraordinária face ao funcionamento corrente da empresa (manutenção de fornos), a entidade averiguada processa sob designação diferente verbas que, por natureza, são idênticas e que visam precisamente retribuir o trabalho extraordinário prestado (“prémio de forno” no caso das chefias e “horas extraordinárias” no caso dos restantes trabalhadores).
(…)”

6. Em 28/11/2016, a Impugnante apresentou a sua pronúncia em sede de audição prévia, constante a fls. 127 a 150 do PAT, cujo conteúdo aqui se dá por reproduzido.

7. Em 30/12/2016, o Director do Núcleo de Fiscalização de Beneficiários e Contribuintes da UFC, emitiu o despacho de concordância com o relatório final de Inspecção, constante de fls. 38 (verso) dos autos em suporte de papel, cujo conteúdo aqui se dá por reproduzido.

8. Em 2/1/2017, o Departamento de Fiscalização da Unidade de Fiscalização Centro, enviou à ora impugnante por carta postal registada o oficio n.º PROAVE n.º……….., constante de fls. 38 dos autos em suporte de papel, com o assunto “Notificação da Decisão Final” do qual consta o seguinte (cf. registo e AR a fls. 99 e 100 dos autos):
“ (…)
Fica V. Exa por este meio notificado, nos termos do disposto nos n.º s 3 e 4 do artigo 40.º do Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial da Segurança Social (CRC), aprovado pela Lei n.º 110/2009, de 16 de Setembro, na sua Redacção actual, da última parte do artigo 28.º e do artigo 29.º do Decreto-Regulamentar n.º 1-A/2011, de 3 de Janeiro, e do artigo 160.º do Código de Procedimento Administrativo, do teor da decisão constante do Relatório Final de Fiscalização, elaborado na sequência da acção inspectiva realizada ao abrigo do PROAVE n.º……….
Mias se informa que a execução do acto agora notificado originará posterior notificação dos Serviços do Centro Distrital de Leiria para efeitos de regularização voluntária dos montantes apurados, a qual conterá indicação do prazo para pagamento e dos meios de defesa que lhe assistem nos termos da legislação aplicável.
Da presente notificação e respectiva fundamentação não cabe recurso ou impugnação autónoma.
(…)”

9. Em 27/1/2017, o IGFSS, I.P. enviou à ora impugnante, a mensagem de correio electrónico constante de fls. 56 dos autos em suporte de papel, cujo conteúdo aqui se dá por reproduzido, do qual consta, em síntese o seguinte:
“ (…)
Nesse propósito, informo que está pendente contra V. Exa um novo processo de execução fiscal com o n.º …………. instaurado para cobrança coerciva de divida de contribuições ao sistema de Segurança Social.
(…)”.

10. Em 31/1/2017 a impugnante procedeu ao pagamento da Taxa Social Única no valor de EUR 654.947,67, com a referência de pagamento n.º ………….. (cf. comprovativo a fls. 71 dos autos).

11. Em 1/2/2017, o ISS, I.P. enviou ao ora impugnante por carta postal registada o ofício constante de fls. 36 dos autos em suporte de papel, cujo conteúdo aqui se dá por reproduzido, do qual consta o seguinte:
“ (…)
Fica V. Exa. por este meio notificado que, nos termos do disposto nos n.ºs 3 e 4 do artigo 177.º, n.º 1 do Código do Procedimento Administrativo e do n.º 1 do artigo 29.º e artigo 30º do Decreto-Regulamentar n.º 1-A/2011, de 3 de Janeiro, na sequência da ação inspectiva realizada ao abrigo do PROAVE n.º ……….. e da decisão de liquidação de contribuições proferida nessa sede pela Unidade de Fiscalização Centro, foram registadas oficiosamente as Declarações de Remunerações relativas aos períodos de 2013/02 e de 2013/12 a 2016/09, a que correspondem omissões nas contribuições/quotizações devidas no montante total de €578923,68 acrescidas dos respectivos juros calculados à taxa legal.
Assim, dispõe do prazo de 30 dias para proceder ao pagamento voluntário das contribuições apuradas e respectivos juros calculados à taxa legal, a contar da data da assinatura do aviso de receção, findo o qual, caso seja constatada a ausência de pagamento, será instaurado o competente processo de cobrança coerciva do débito apurado, ao abrigo do disposto no Decreto-Lei n.º 42/2001, de 9 de Fevereiro, na sua redação actual.
(…)”.

12. Em 8/2/2017, a mandatária da ora impugnante enviou ao Centro Distrital de Leiria do ISS, I.P. a mensagem de correio electrónico constante de fls. 67 e 68 dos autos em suporte de papel, cujo conteúdo aqui se dá por reproduzido e da qual consta o seguinte:
“ (…)
Informamos que a notificação da liquidação entretanto recebida tem a data de 2 de Fevereiro (com cópia em anexo para V. melhor identificação) sendo o processo executivo anterior, ao ter sido instaurado em meados de Janeiro.
Com o devido respeito, tal facto não nos faz qualquer sentido, designadamente quando nos foram imputados € 3.019,96 de custas do processo executivo que, salvo melhor entendimento, não são devidos.
(…)”

13. Em 6/6/2017, a presente impugnação deu entrada no TAF de Leiria (cf. fls. 1 dos autos).

*
A decisão da matéria de facto efectuou-se com base no exame dos documentos e informações oficiais constantes dos autos, e especificados nos vários pontos da matéria de facto provada.

*
Inexistem factos não provados com interesse para a decisão em causa, atenta a causa de pedir.».

4 – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

Quanto à requerida junção de documentos com as alegações apelatórias

Determina o artigo 651.º, n.º 1, do CPC que “[a]s partes apenas podem juntar documentos às alegações nas situações excepcionais a que se refere o artigo 425.º ou no caso de a junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1.ª instância”.

Por sua vez, dispõe-se na norma remetida – o artigo 425.º do CPC – que “[d]epois do encerramento da discussão só são admitidos, no caso de recurso, os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento”.
Da leitura articulada destas normas decorre que as partes apenas podem juntar documentos em sede de recurso de apelação, a título excepcional, numa de duas hipóteses: superveniência do documento ou necessidade do documento revelada em resultado do julgamento proferido na 1.ª instância.

Como se esclarece no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 8.11.2011, exarado no proc. 39/10.8TBMDA.C1, relativamente à primeira hipótese, há que distinguir entre os casos de superveniência objectiva e de superveniência subjectiva: aqueles devem-se à produção posterior do documento; estes ao conhecimento posterior do documento ou – acrescentar-se-ia – ao seu acesso posterior pelo sujeito.

Explica Rui Pinto, “Código de Processo Civil Anotado”, volume II, Coimbra, Almedina, 2018, p. 314, que “[a] superveniência objectiva é facilmente determinável: se o documento foi produzido depois do encerramento da discussão em 1.ª instância, ele é necessariamente superveniente. Portanto, só a superveniência subjectiva pode justificar a admissibilidade da junção”.

Constituem exemplos de superveniência subjectiva o caso em que o documento se encontra em poder da parte ou de terceiro, que, apesar de lhe ser feita a notificação, nos termos do artigo 429.º ou 432.º do CPC só posteriormente o disponibiliza, o caso em que a certidão de documento arquivado em notário ou outra repartição pública, atempadamente requerida, só posteriormente é emitida e o caso de a parte só posteriormente ter conhecimento da existência do documento.

Em qualquer caso cabe à parte que pretende oferecer o documento demonstrar a referida superveniência, objectiva ou subjectiva – vd. Rui Pinto, “Código de Processo Civil Anotado”, cit., p. 313.

Ora, constata-se que a impugnação judicial deu entrada no TAF de Leiria em 06/06/2017 e que os documentos que a impugnante pretende juntar com as alegações – actas da comissão de remunerações de 19/05/2014 e de 15/06/2015, bem como mapas dos cálculos subjacentes à atribuição dos prémios de gestão de 2010, 2011, 2012, 2013, 2014 e 2015 – se referem a momentos anteriores, sendo que a recorrente não demonstra a superveniência subjectiva desses documentos, como era seu ónus, sendo por outro lado certo que não se viu confrontada com qualquer decisão surpresa capaz de justificar a admissibilidade dos documentos pretendidos juntar, pois a sentença decidiu unicamente as questões por si inicialmente colocadas, realçando-se que a junção de documentos com as alegações apelatórias não serve para corrigir a jusante eventuais erros de julgamento.

Como assim, rejeita-se a junção dos documentos juntos com as alegações apelatórias, condenando-se a recorrente nas custas do incidente, ao que se provirá no dispositivo do acórdão.

Prosseguindo na apreciação das questões do recurso, vejamos.

Constitui princípio elementar em matéria processual, o de que o tribunal de recurso deve conhecer de todas as questões que, tendo sido ou devendo ter sido objecto de decisão no tribunal recorrido, sejam submetidos à sua apreciação, isto é, constituam objecto de impugnação, a qual se encontra delimitada pelas conclusões da motivação do recurso.

Tal princípio, como a jurisprudência o tem vindo a salientar, comporta, porém, uma ampliação e uma restrição; a ampliação verifica-se perante questões de conhecimento oficioso, que a lei impõe sejam sempre conhecidas pelo tribunal de recurso independentemente de terem sido invocadas; a restrição é a que resulta dos poderes de cognição do tribunal de recurso.

Assim delimitado o âmbito do recurso, pelas conclusões da motivação constata-se que a recorrente começa por invocar nulidade da sentença por falta de fundamentação e por omissão de pronúncia.

A sentença é uma decisão judicial proferida pelos Tribunais no exercício da sua função jurisdicional que, no caso posto à sua apreciação, dirimem um conflito de interesses públicos e privados no âmbito das relações jurídicas administrativo-tributárias. Tem por obrigação conhecer do pedido e da causa de pedir, ditando o direito para o caso concreto. Esta peça processual pode padecer de vícios de duas ordens, os quais obstam à eficácia ou validade da dicção do direito:
1. Por um lado, pode ter errado no julgamento dos factos e do direito e então a consequência é a sua revogação;
2. Por outro, como acto jurisdicional, pode ter atentado contra as regras próprias da sua elaboração ou contra o conteúdo e limites do poder à sombra dos quais é decretada e, então, torna-se passível de nulidade, nos termos do art.º 615.º, do Código de Processo Civil.

No processo tributário, as nulidades da sentença estão tipificadas no n.º 1 do art.º 125.º do CPPT, aí se estabelecendo queConstituem causas de nulidade da sentença a falta de assinatura do juiz, a não especificação dos fundamentos de facto e de direito da decisão, a oposição dos fundamentos com a decisão, a falta de pronúncia sobre questões que o juiz deva apreciar ou a pronúncia sobre questões que não deva conhecer”.

A recorrente vem arguir a nulidade da sentença por falta de fundamentação na medida em que não concretiza, para efeitos de liquidação contributiva, a que anos são imputados os montantes pagos aos seus administradores a título de prémios de gestão em 2014 e 2015, nem o valor exacto dos montantes pagos.

Nos termos do art.º 615º, n.º 1, al. b) do CPC, a sentença é nula quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão, nulidade essa também prevista em processo tributário no citado art.º 125.º, n.º 1, do CPPT.

Como refere Teixeira de Sousa, “esta causa de nulidade verifica-se quando o tribunal julga procedente ou improcedente um pedido (e, por isso, não comete, nesse âmbito, qualquer omissão de pronúncia), mas não especifica quais os fundamentos de facto ou de direito que foram relevantes para essa decisão. Nesta hipótese, o tribunal viola o dever de motivação ou fundamentação das decisões judiciais (cf. art.º 208º, n.º 1 CRP; art.º 158º, n.º 1 do CPC [corresponde ao actual 154.º])”.

E acrescenta o mesmo autor: “o dever de fundamentação restringe-se às decisões proferidas sobre um pedido controvertido ou sobre uma dúvida suscitada no processo (...) e apenas a ausência de qualquer fundamentação conduz à nulidade da decisão (...); a fundamentação insuficiente ou deficiente não constitui causa de nulidade da decisão, embora justifique a sua impugnação mediante recurso, se este for admissível” [In “Estudos sobre o Processo Civil”, pg. 221].

Ou, como refere Lebre de Freitas, “há nulidade quando falte em absoluto indicação dos fundamentos de facto da decisão ou a indicação dos fundamentos de direito da decisão, não a constituindo a mera deficiência de fundamentação” [In CPC, pg. 297].

No mesmo sentido diz o Conselheiro Rodrigues Bastos, que “a falta de motivação a que alude a alínea b) do n.º 1 é a total omissão dos fundamentos de facto ou dos fundamentos de direito em que assenta a decisão; uma especificação dessa matéria apenas incompleta ou deficiente não afecta o valor legal da sentença” [in "Notas ao Código de Processo Civil", III, 194].

E como advertia o Professor Alberto dos Reis “há que distinguir cuidadosamente a falta absoluta de motivação da motivação deficiente, medíocre ou errada. O que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação; a insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, afecta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade.

Por falta absoluta de motivação deve entender-se a ausência total de fundamentos de direito e de facto. Se a sentença especificar os fundamentos de direito, mas não especificar os fundamentos de facto, ou vice-versa, verifica-se a nulidade do n.º 2.° do art. 668.°” (actual 615.º) [in "Código de Processo Civil Anotado", V, 140].

Deste modo, face à doutrina exposta, se conclui que a nulidade da sentença não se verifica quando apenas tenha havido uma justificação deficiente ou pouco persuasiva, antes se impondo, para a verificação da nulidade, a ausência de motivação que impossibilite o anúncio das razões que conduziram à decisão proferida a final.

Vertendo aos autos, o que se constata é que nem a imputabilidade temporal dos montantes pagos aos administradores a título de prémios de gestão em 2014 e 2015, nem a errónea quantificação dos montantes pagos constituíam fundamento do pedido, mas antes a ilegalidade das correcções por erro na qualificação jurídica dos montantes atribuídos aos administradores da impugnante a título de prémios de gestão. Ou seja, em vista do disposto no art.º 154.º, n.º 1 do CPC, só poderá ocorrer falta de fundamentação relevante para efeitos de nulidade sobre questão controvertida que o juiz deva pronunciar-se, o que não se entrevê ser o caso.

Por outro lado, basta atentar nos pontos 2. e 3. da matéria assente para logo resultar evidente que a sentença não deixou de fundamentar de facto, ou seja, de indicar a fonte probatória dos montantes pagos aos administradores a título de prémio de gestão; se os valores ali referidos se mostram desconformes com a realidade ou a fonte probatória, tal poderá inquinar a sentença de erro de julgamento, mas não do vício mais gravoso da nulidade.

Improcede a arguida nulidade da sentença por falta de fundamentação.

Outrossim, vem a recorrente arguir nulidade da sentença por omissão de pronúncia na medida em que não apreciou os argumentos por si apresentados no sentido da não aplicabilidade do art.º 68.º do Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança Social aos montantes pagos aos seus administradores a título de prémios de gestão.

A nulidade da sentença por omissão ou por excesso de pronúncia, resulta da violação do disposto no n.º 2 do art.º 608.º do CPC, nos termos do qual “o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.".

Expressando o entendimento de há muito consolidado na jurisprudência dos tribunais superiores, escreveu-se no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 29/11/2005, tirado no proc.º 05S2137:

«É a violação daquele dever que torna nula a sentença e tal consequência justifica-se plenamente, uma vez que a omissão de pronúncia se traduz, ao fim e ao cabo, em denegação de justiça e o excesso de pronúncia na violação do princípio dispositivo que contende com a liberdade e autonomia das partes.

Todavia, como já dizia A. Reis [Código de Processo Civil anotado, Volume V, Coimbra Editora, 1981 (reimpressão), pág. 143], há que não confundir questões suscitadas pelas partes com motivos ou argumentos por elas invocados para fazerem valer as suas pretensões. "São, na verdade, coisas diferentes: deixar de conhecer de questão de que devia conhecer-se, e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzida pela parte. Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão."

Deste modo, o julgador não tem que analisar e a apreciar todos os argumentos, todos os raciocínios, todas as razões jurídicas invocadas pelas partes em abono das suas posições. Apenas tem que resolver as questões que por aquelas lhe tenham sido postas [A. Reis, ob. cit., pág. 141 e A. Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, 2.ª edição, Coimbra Editora, pág. 688.]. Por isso, como se disse no acórdão desta secção de 23.6.2004 [proferido no proc. n.º 387740/04, de que foi relator o Ex.mo Conselheiro Fernandes Cadilha], não pode falar-se em omissão de pronúncia quando o tribunal, ao apreciar a questão que lhe foi colocada, não toma em consideração um qualquer argumento alegado pelas partes no sentido de procedência ou improcedência da acção. O que importa é que o julgador conheça de todas as questões que lhe foram colocadas, excepto aquelas cuja decisão tenha ficado prejudicada pela solução dada a outras.

Deste modo, só haverá nulidade da sentença por omissão ou por excesso de pronúncia, quando o julgador tiver omitido pronúncia relativamente a alguma das questões que lhe foram colocadas pelas partes ou quando tiver conhecido de questões que aquelas não submeteram à sua apreciação. Nesses casos, só não haverá nulidade da sentença se a decisão da questão de que não se conheceu tiver ficado prejudicado pela solução dada à(s) outra(s) questões, ou quando a questão de que se conheceu era de conhecimento oficioso.

A dificuldade está em saber o que deve entender-se por questões, para efeitos do disposto nos artigos 660, n.º 2 e 668, n.º 1, d), do CPC. A resposta tem de ser procurada na configuração que as partes deram ao litígio, levando em conta a causa de pedir, o pedido e as excepções invocadas pelo réu, o que vale por dizer que questões serão apenas, como se disse no já citado acórdão de 21.9.2005, "as questões de fundo, isto é, as que integram matéria decisória, tendo em conta a pretensão que se visa obter." Não serão os argumentos, as motivações produzidas pelas partes, mas sim os pontos de facto ou de direito relevantes no quadro do litígio, ou seja, os concernentes ao pedido, à causa de pedir e às excepções» (fim de cit.)

Tendo em conta as considerações expostas, constatando-se que a sentença não deixou de conhecer da questão controvertida da qualificação jurídica dos montantes pagos pela impugnante aos seus administradores a título de prémios de gestão nos anos de 2014 e 2015, necessariamente tem de improceder a arguida nulidade por omissão de pronúncia, pois para este vício não releva a circunstância de a sentença não ter ponderado e rebatido cada um dos argumentos de que a impugnante se socorreu para sustentar uma diferente qualificação jurídica dos factos.

Improcede também a arguida nulidade da sentença por omissão de pronúncia.

Quanto à invocada falta de fundamentação das correcções, nomeadamente, no que respeita à quantificação dos montantes pagos pela impugnante aos seus administradores nos anos de 2014 e 2015 e incluídos na base de incidência contributiva, trata-se de questão nova, isto é, não colocada na instância recorrida.

Ora, como é consensual na jurisprudência e na doutrina, os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo acto recorrido.

Na verdade, Miguel Teixeira de Sousa “Estudos Sobre o Novo Processo Civil”, 2ª ed., LEX, Lisboa 1997, pág. 395, ensina que no direito português, os recursos ordinários visam a reapreciação da decisão proferida dentro dos mesmos condicionalismos em que se encontrava o tribunal recorrido no momento do seu proferimento. Isto significa que, em regra, o tribunal não pode ser chamado a pronunciar-se sobre matéria que não foi alegada pelas partes na instância recorrida ou sobre pedidos que nela não foram formulados. Os recursos são meios de impugnação de decisões judiciais e não meios de julgamento de questões novas.

E como repetidamente o tem salientado a jurisprudência dos tribunais superiores, os recursos ordinários visam o reexame da decisão proferida dentro dos mesmos pressupostos em que se encontrava o tribunal recorrido no momento em que a proferiu. Por conseguinte, os recursos são meios de impugnação e de correcção de decisões judiciais e não constituem instrumentos processuais para obter decisões novas e daí não pode o tribunal de recurso ser chamado a pronunciar-se sobre questões não suscitadas ao tribunal recorrido.

No entanto, essa mesma jurisprudência superior não deixa de salientar que, não obstante, está também firmada uma linha jurisprudencial que adianta que «o tribunal de recurso pode – e deve – conhecer das questões novas – ou seja, não levantadas no tribunal recorrido – desde que não tenham sido decididas com trânsito em julgado e versem sobre questões de conhecimento oficioso» (vd. Acórdão deste TCA Sul, de 22 de Março de 2012, tirado no proc.º 8609/12), sublinhando igualmente Amâncio Ferreira, “Manual dos Recursos em Processo Civil”, 6ª ed., Almedina, Coimbra, 2005, pág. 151, que o tribunal de recurso pode «conhecer de questões novas, ou seja, não levantadas no tribunal recorrido, desde que de conhecimento oficioso e ainda não decididas com trânsito em julgado».

Ora, a falta de fundamentação das correcções, quanto àquele aspecto particular da justificação dos montantes pagos pela impugnante aos seus administradores a título de prémio de gestão nos anos de 2014 e 2015 que foram levados à base de incidência contributiva não constitui matéria de conhecimento oficioso e, nessa medida, não tendo sido antes suscitada nos autos, dela não pode este tribunal de recurso conhecer.
Pelas indicadas razões, não se conhece deste fundamento do recurso.

Prosseguindo, alega a recorrente que, em seu entender, “ao não se ter percorrido correctamente todo o itinerário normativo aplicável à situação, tal conduziu ainda à verificação de um erro de julgamento por deficitária apreciação dos factos subjacentes e, no limite, a um deficit instrutório, erros de julgamento que conduzem à anulabilidade da douta sentença recorrida que aqui se peticionam e que seguidamente melhor se detalham”.

Só que, de uma leitura atenta do que a recorrente seguidamente alega, logo se alcança que os apontados erros de julgamentos e/ou deficit instrutório se prendem com a circunstância de não ter sido ponderado na sentença o conteúdo dos documentos 1 e 2 pretendidos juntar aos autos com as alegações de recurso, a saber, cópias das actas da comissão de remunerações de 19 de Maio de 2014 e de 15 de Junho de 2015, bem como mapas dos cálculos subjacentes à atribuição e pagamento dos prémios de gestão de 2010, 2011, 2012, 2013, 2014 e 2015.

Ora, este tribunal de recurso não pode sindicar erros de julgamento da sentença com base em elementos probatórios pretendidos juntar com as alegações de recurso, mas cuja admissão foi rejeitada.

Note-se, por outro lado, que para haver deficit instrutório com relevância anulatória, era imprescindível que este tribunal de recurso se convencesse terem sido omitidos no processo actos instrutórios cujo resultado seria susceptível de influir no exame ou na decisão da causa (art.º 195.º, n.º 1, do CPC), muito concretamente, que fora omitida prova de que poderiam resultar elementos conducentes a uma diferente leitura dos pressupostos das normas de incidência contributiva cuja aplicabilidade resulta controvertida, o não se vislumbra.

Alega ainda a recorrente, doutro passo, que ou tribunal a quo produzia prova adicional ou, na dúvida, anulava as correcções nos termos e para efeitos do artigo 100.º do CPPT.

Dispõe o n.º 1 daquele preceito que “sempre que da prova produzida resulte a fundada dúvida sobre a existência e quantificação do facto tributário, deverá o acto impugnado ser anulado”.

Saber se, perante a prova produzida, há dúvidas sobre a existência de um facto tributário é uma questão essencialmente de facto. Assim, se o tribunal decidiu dar como provada a existência ou inexistência de um facto tributário não haverá lugar à aplicação desta norma. Só em situações em que não houver a certeza se existe ou não o facto deverá fazer-se aplicação desta regra sobre o ónus de prova, decidindo a questão contra quem tem tal ónus – vd. Jorge Lopes de Sousa, “CPPT – anotado”, 4.ª ed. (2003), pág.449.

Ora, salvo o devido respeito, não há nos autos qualquer situação de dúvida sobre a existência ou inexistência dos factos, a demandar a aplicação daquela norma do n.º 1 do art.º 100.º do CPPT.

A haver uma situação de dúvida, ela radica na qualificação jurídica dos factos e essa é uma questão jurídica que deve ser julgada com recurso aos critérios interpretativos previstos no art.º 11.º da Lei Geral Tributária.

Improcedem, pelo exposto, os segmentos do recurso que se prendem com o erro de julgamento, a existência de deficit instrutório e a aplicabilidade do disposto no art.º 100.º do CPPT.

Por último, quanto à questão central dos autos, vejamos o que se nos oferece dizer.

Ressalta do probatório e dos autos que em acção inspectiva se constatou que a impugnante, aqui recorrente, atribuía anualmente determinados montantes aos seus administradores sob a designação de prémios de gestão, os quais, não vinha incluindo nas declarações contributivas no pressuposto entendimento de que tais montantes não estavam abrangidos em qualquer norma de incidência contributiva vigente.

Diferentemente, a entidade impugnada e ora recorrida, sustenta que os prémios de gestão em causa foram atribuídos pela impugnante aos seus membros do conselho de administração em função do exercício da actividade de gerência sem adstrição à qualidade de sócio e sem que sejam imputáveis aos lucros, integrando, por isso mesmo e nos exactos termos previstos no art.º 68.º do Código Contributivo, a base de incidência contributiva, justificando assim a correcção oficiosa correspondente.

Contrapõe a recorrente que, quando muito, os montantes pagos poderiam integrar a base de incidência do art.º 46.º, n.º 2 alínea aa), do Código Contributivo, mas cuja vigência se encontra condicionada à aprovação de diploma regulamentar pelo Governo (cf. art.º 6.º da Lei n.º 110/2009, de 16 de Setembro) e, em qualquer caso, a correcção feita com base no art.º 68.º do Código Contributivo enferma de erro nos pressupostos de direito, a demandar a anulação da liquidação impugnada.

E de facto assim é. Não cabe ao tribunal indagar se a situação mereceria enquadramento em diferente norma de incidência contributiva; no âmbito do contencioso de mera anulação, em que se compreende a impugnação judicial, apenas interessa ver se os montantes pagos pela impugnante aos seus administradores sob a designação de prémios de gestão preenchem os pressupostos da norma de incidência contributiva do art.º 68.º, n.º 1 alínea a) do Código Contributivo, que serviu de fundamento jurídico à correcção contestada.

Vejamos as normas pertinentes do Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança Social, aprovado pela Lei n.º 110/2009, de 16 de Setembro:

«Artigo 46.º
Delimitação da base de incidência contributiva

1 – Para efeitos de delimitação da base de incidência contributiva consideram-se remunerações as prestações pecuniárias ou em espécie que nos termos do contrato de trabalho, das normas que o regem ou dos usos são devidas pelas entidades empregadoras aos trabalhadores como contrapartida do seu trabalho.
2 – Integram a base de incidência contributiva, designadamente, as seguintes prestações:
a) A remuneração base, em dinheiro ou em espécie;
b) As diuturnidades e outros valores estabelecidos em função da antiguidade dos trabalhadores ao serviço da respetiva entidade empregadora;
c) As comissões, os bónus e outras prestações de natureza análoga;
d) Os prémios de rendimento, de produtividade, de assiduidade, de cobrança, de condução, de economia e outros de natureza análoga que tenham caráter de regularidade;
e) A remuneração pela prestação de trabalho suplementar;
f) A remuneração por trabalho noturno;
g) A remuneração correspondente ao período de férias a que o trabalhador tenha direito;
h) Os subsídios de Natal, de férias, de Páscoa e outros de natureza análoga;
i) Os subsídios por penosidade, perigo ou outras condições especiais de prestação de trabalho;
j) Os subsídios de compensação por isenção de horário de trabalho ou situações equiparadas;
l) Os valores dos subsídios de refeição, quer sejam atribuídos em dinheiro, quer em títulos de refeição;
m) Os subsídios de residência, de renda de casa e outros de natureza análoga, que tenham caráter de regularidade;
n) Os valores efetivamente devidos a título de despesas de representação desde que se encontrem pré-determinados e dos quais não tenham sido prestadas contas até ao termo do exercício;
o) As gratificações, pelo valor total atribuído, devidas por força do contrato ou das
normas que o regem, ainda que a sua atribuição esteja condicionada aos bons serviços dos trabalhadores, bem como as que, pela sua importância e caráter regular e permanente, devam, segundo os usos, considerar-se como elemento integrante da remuneração;
p) As importâncias atribuídas a título de ajudas de custo, abonos de viagem, despesas de transporte e outras equivalentes, na parte em que excedam os limites legais ou quando não sejam observados os pressupostos da sua atribuição aos servidores do Estado;
q) Os abonos para falhas;
r) Os montantes atribuídos aos trabalhadores a título de participação nos lucros da empresa, desde que ao trabalhador não esteja assegurada pelo contrato uma remuneração certa, variável ou mista adequada ao seu trabalho;
s) As despesas resultantes da utilização pessoal pelo trabalhador de viatura automóvel que gere encargos para a entidade empregadora nos termos do artigo seguinte;
t) As despesas de transporte, pecuniárias ou não, suportadas pela entidade empregadora para custear as deslocações em benefício dos trabalhadores, na medida em que estas não se traduzam na utilização de meio de transporte disponibilizado pela entidade empregadora ou em que excedam o valor de passe social ou, na inexistência deste, o que resultaria da utilização de transportes coletivos, desde que quer a disponibilização daquele quer a atribuição destas tenha caráter geral;
u) Os valores correspondentes às retribuições a cujo recebimento os trabalhadores não tenham direito em consequência de sanção disciplinar;
v) A compensação por cessação do contrato de trabalho por acordo apenas nas situações com direito a prestações de desemprego;
x) Os valores despendidos obrigatória ou facultativamente pela entidade empregadora com aplicações financeiras, a favor dos trabalhadores, designadamente seguros do ramo «Vida», fundos de pensões e planos de poupança reforma ou quaisquer regimes complementares de segurança social, quando sejam objeto de resgate, adiantamento, remição ou qualquer outra forma de antecipação de correspondente disponibilidade ou em qualquer caso de recebimento de capital antes da data da passagem à situação de pensionista, ou fora dos condicionalismos legalmente definidos;
z) As importâncias auferidas pela utilização de automóvel próprio em serviço da entidade empregadora;
aa) As prestações relacionadas com o desempenho obtido pela empresa quando, quer no respetivo título atributivo quer pela sua atribuição regular e permanente, revistam caráter estável independentemente da variabilidade do seu montante.
bb) O valor mensal atribuído pela entidade patronal ao trabalhador em “vales de transportes públicos coletivos”.
3 – As prestações a que se referem as alíneas l), q), u), v), z) e bb) do número anterior estão sujeitas a incidência contributiva, nos mesmos termos previstos no Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares.
4 – Para as prestações a que se referem as alíneas p), q), v) e z) do n.º 2, o limite legal previsto pode ser acrescido até 50%, desde que o acréscimo resulte de aplicação, de forma geral por parte da entidade empregadora, de instrumento de regulação coletiva de trabalho.
5 – Constituem base de incidência contributiva, além das prestações a que se referem os números anteriores, todas as que sejam atribuídas ao trabalhador, com caráter de regularidade, em dinheiro ou em espécie, direta ou indiretamente como contrapartida da prestação do trabalho.
Artigo 68.º
Remunerações especialmente abrangidas

Integram ainda a remuneração dos membros dos órgãos estatutários:
a) Os montantes pagos a título de gratificação, desde que atribuídos em função do exercício da atividade de gerência sem adstrição à qualidade de sócio e sem que sejam imputáveis aos lucros, os quais devem ser parcelados por referência aos meses a que se reportam;
b) Os montantes pagos a título de senhas de presença».

Pode afirmar-se que o Código Contributivo tem como preocupação subjacente ao seu normativo prevenir a fraude e evasão contributivas, tanto assim que quaisquer prestações devidas em função do exercício da actividade profissional são passíveis de desconto para a segurança social (art.º 44.º do Código Contributivo); ponto é que a lei o preveja, dispondo que para efeitos de contribuições para a segurança social tais prestações estão sujeitas à respectiva base de incidência.

Tendo isso presente, mostra o probatório que a comissão de remunerações da sociedade impugnante/recorrente, deliberou atribuir um prémio de gestão aos seus administradores, notando que a produtividade global da empresa depende, também, da qualidade do exercício de funções de gestão e visando com a atribuição do referido prémio de gestão incentivar a continuação da qualidade da administração e, por essa via, a produtividade global da empresa.
Contrariamente ao que pretende a recorrente e tanto quanto é possível apreender do probatório, os montantes pagos aos administradores a título de prémios de gestão, não dependem dos resultados/ lucros da empresa, ou seja, não estão condicionados a algo que não dependa exclusivamente do desempenho dos beneficiários. O que está subjacente à deliberação da comissão de remunerações de pagamento dos designados prémios de gestão é a avaliação positiva da própria actividade gestionária, cuja qualidade se pretende ver assegurada a bem da produtividade da empresa e cuja quantificação se indexou a uma percentagem do cash-flow líquido.

Não acompanhamos o entendimento de que os montantes em causa se compatibilizam mal com o conceito normativo de gratificação, a tal ponto que sairia beliscada a regra interpretativa do art.º 9.º, n.º 2 do Código Civil, aplicável ex vi do art.º 11.º, n.º da LGT, segundo a qual, “Não pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso”.

Com efeito, recorrendo ao elemento histórico de interpretação, já o art.º 88°, n.º 1, do Regime do Contrato Individual do Trabalho, aprovado pelo DL n. 49.408, de 24/11/69, compreendia no conceito de gratificações os montantes concedidos pela entidade patronal como recompensa ou prémio pelos bons serviços do trabalhador.

De todo o modo, recorrendo ao critério exegético da Lei Geral Tributária, dispõe o n.º 3 do seu art.º 11.º que “persistindo a dúvida sobre o sentido das normas de incidência a aplicar, deve atender-se à substância económica dos factos tributários”, assim rejeitando o legislador fiscal o critério interpretativo in dubio contra fisco.

E olhando à substância económica dos montantes em causa, não descortinamos razões interpretativas válidas para excluir das gratificações previstas no art.º 68.º, n.º 1 do Código Contributivo os montantes atribuídos pela entidade empregadora aos seus administradores a título de prémio, recompensa ou bónus em função do bom desempenho da actividade gestionária, cuja continuidade a empresa pretende ver assegurada.

Note-se que a circunstância de o preceito referir que os montantes pagos “devem ser parcelados por referência aos meses a que se reportam” em nada contende com a circunstância de tais montantes serem atribuídos com regularidade entre Maio e Junho. Isso não impede que para efeitos de liquidação contributiva eles sejam parcelados por referência aos meses a que se reportam.

Concluindo, sobre os montantes pagos pela impugnante aos seus administradores a título de prémios de gestão devem incidir contribuições para a segurança social, assim se validando o julgado quanto à legalidade das correcções contributivas na base das liquidações impugnadas.

O recurso não merece provimento.


5- DECISÃO

Por todo o exposto, acordam em conferência os juízes da 2.ª Subsecção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em:

i. Julgar deserto o recurso interposto pelo Instituto da Segurança Social, I.P.;
ii. Ordenar o desentranhamento dos autos dos documentos juntos pela recorrente com as alegações do recurso jurisdicional interposto;
iii. Não conhecer do recurso jurisdicional na parte em que se funda em questões novas aduzidas com a sua interposição;
iv. No mais, confirmar integralmente a sentença recorrida que, desta forma, se mantém integralmente válida na ordem jurídica.

Condena-se a recorrente em custas, fixando as do incidente (ii) em 2 UC.;

Custas do incidente (i) a cargo do Instituto da Segurança Social, I.P., que fixo igualmente em 2UC.

Lisboa, 05 Novembro de 2020

[O Relator consigna e atesta, que nos termos do disposto no artigo 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13.03, aditado pelo artigo 3.º do DL n.º 20/2020, de 01.05, têm voto de conformidade com o presente Acórdão os restantes Juízes–Desembargadores integrantes da formação de julgamento, LUÍSA SOARES e CRISTINA FLORA].
VITAL LOPES