Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:147/05.7BEFUN
Secção:CT
Data do Acordão:05/16/2024
Relator:SUSANA BARRETO
Descritores:IRC
DESCONSIDERAÇÃO DE CUSTOS OU GASTOS
GASTOS INDEVIDAMENTE DOCUMENTADOS
Sumário:I - A contabilidade dos sujeitos passivos, desde que se mostre organizada segundo a lei comercial ou fiscal, goza da presunção de veracidade.
II - Com efeito, nos termos do artigo 75/1 da Lei Geral Tributária (LGT), o contribuinte beneficia da presunção de veracidade das suas declarações fiscais e dos dados e apuramentos inscritos na sua contabilidade ou escrita, quando estas estiverem organizadas de acordo com a legislação comercial e fiscal.
III - Nos termos do artigo 74/1 da Lei Geral Tributária (LGT): "o ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque."
IV - Cabe à Autoridade Tributária e Aduaneira o ónus de prova da existência de todos os pressupostos do ato de liquidação adicional, designadamente a prova da verificação dos pressupostos que a determinaram a efetuar as correções técnicas que suportam essa liquidação
V - Recaía sobre a Impugnante e ora Recorrida fazer a contraprova sobre os pressupostos e justificação do gasto e suscitar a dúvida.
Votação:Unanimidade
Indicações Eventuais:Subsecção Tributária Comum
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes que constituem a Subsecção Tributária Comum do Tribunal Central Administrativo Sul:


I - Relatório

A Autoridade Tributária e Aduaneira e assuntos fiscais da região autónoma da madeira (AT-RAM), notificada da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Funchal, que julgou parcialmente procedente a impugnação deduzida por M… - Futebol, SAD, após o indeferimento tácito das reclamações graciosas apresentadas contra as liquidações adicionais de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC) n.° 20046420002739, no montante de € 1 047,48 e de juros compensatórios n.° 200400001551531, no valor de € 154,84, e liquidação de IRC n.° 2004 8310024202, no montante de € 545 099,75, incluindo juros compensatórios, respeitantes ao exercício de 2001, dela veio recorrer para este Tribunal Central Administrativo Sul, na parte em que julgou procedente a impugnação judicial e que lhe é desfavorável.

Nas alegações de recurso apresentadas, a Recorrente, AT-RAM, formulou as seguintes conclusões:

A) «Quanto à despesa indevidamente documentada, relativa à fatura de € 1.592,00, registada na conta “62271 – Deslocações e Estadas, referente à fatura n.º 13236, atinente ao pagamento duma viagem à esposa do atleta F…, C…, à Venezuela, entendeu o Meritíssimo Tribunal a quo que prosseguindo um clube de futebol objetivos desportivos, os mesmos encontram-se necessariamente dependentes do rendimento dos seus atletas, pelo que o que clube faça no sentido de providenciar por os atletas disporem das melhores condições possíveis, como sucede in casu com assegurar a um atleta a presença e companhia da respetiva esposa, e desde que tal, necessariamente, se apresente como aceitável segundo o padrão do homem médio (adequação e normalidade), não pode deixar de ser considerado um custo fiscalmente relevante, e, portanto, dedutível.

B) Dito isto, é nosso entendimento que a sentença recorrida procedeu, neste particular, a um erro de julgamento na subsunção dos factos à legislação aplicável, o qual se invoca para os devidos efeitos.

C) Ora, cumpre-nos antes de mais ter em consideração os pressupostos legais relativos à dedutibilidade de custos, para efeitos de enquadramento desta situação em particular.

D) Com efeito, o artigo 23.º do CIRC define que se considerarão como custos ou perdas aqueles que, devidamente comprovados, sejam indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora.

E) Cumpre notar que são requisitos legais de dedutibilidade a comprovação - justificação documental do custo – e a indispensabilidade – justificação finalística do custo ou nexo causal com a realização de proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou com a manutenção da fonte produtora.

F) No caso concreto releva a justificação documental do custo, uma vez que a AT, ora recorrente, concluiu tratar-se dum custo indevidamente justificado.

G) Por custo indevidamente justificado temos aquele em que a documentação existe mas é insuficiente ou deficiente, caso em que exige-se a colaboração do contribuinte, cabendo-lhe o dever de orientação na exposição documentável dos contornos da operação.

H) No caso concreto, consta de fls. 40 dos presentes autos (fls. 33 do relatório de inspeção) que, em 17/10/2003, a recorrida foi notificada para “no que diz respeito aos encargos com as viagens detalhadas no anexo 1, indicar relativamente a cada um dos intervenientes nele identificados, os que são funcionários/desportistas e qual o grau de parentesco com o funcionário/desportista, e existindo outros intervenientes qual a sua ligação com a SAD. Detalhar relativamente a cada uma das viagens qual a sua conexão com a atividade desenvolvida pela SAD”.

I) A viagem detalhada no “anexo 1” é a da fatura n.º 13236, que a Administração Tributária (AT) identifica como tendo sido emitida pela “Agência de viagens W… – S… SA” (fls. 48 dos presentes autos, correspondente a fls. 41 do Relatório de Inspeção). Não consta dos autos um qualquer documento que comprove que tais elementos solicitados tenham sido apresentados à AT, pelo que haverá que concluir que não o foram.

J) No decurso da ação inspetiva, foram pedidos os esclarecimentos referidos supra, não tendo os mesmos sido apresentados.

K) Só aquando da presente impugnação, veio a Impugnante, ora recorrida, apresentar a fatura n.º 13236, de 18/12/2001 (doc. 5 junto ao requerimento da Impugnante com o n.º de registo 7168 de 22/03/2006), que foi emitida pela agência V…, C.A., na qual consta que a beneficiária foi C…. Também só na petição inicial veio a recorrida informar que se trata da esposa do jogador F….

L) Com efeito, reportando-nos ao momento da ação inspetiva, o montante de € 1.592,00, registado na conta - 622271 – Deslocações e Estadas, integrando um encargo contabilizado como custo, constitui um encargo não devidamente documentado.

M) Não obstante as exigências legais, no que respeita aos documentos justificativos, para efeitos de IRC, apresentarem alguma flexibilidade, reportando-nos à fase do procedimento inspetivo, a documentação constante do anexo 1 (fls. 48 dos presentes autos, correspondente a fls. 41 do Relatório de Inspeção) não poderia ser considerada suficiente para possibilitar à Fazenda Pública, ora recorrente, o controlo da legalidade da dedução para efeitos fiscais do gasto.

N) Com respeito pelo Princípio da liberdade de gestão e autonomia da vontade do sujeito passivo, há que analisar o caso concreto, numa perspetiva económico-empresarial, procurando estabelecer uma relação de causa-efeito entre o encargo e a realização do interesse da empresa. Havendo dúvidas por parte da AT, é nosso entendimento que impende sobre o contribuinte o ónus da prova.

O) No caso em concreto, veio a recorrida apresentar a fatura n.º 13236, de 18/12/2001 (doc. 5 junto ao requerimento da recorrida com o n.º de registo 7168 de 22/03/2006), que foi emitida pela agência V…, C.A., na qual consta que a beneficiária foi C…, esposa do atleta F…. Temos, portanto, um custo contabilizado que diz respeito à viagem da esposa de um jogador. A prova realizada nos autos, mormente testemunhal, permitiu concluir que é usual, no caso de jogadores estrangeiros, o clube providenciar pelo pagamento de viagens aos seus familiares, por forma a assegurar um certo ambiente familiar que permita ao jogador um certo bem-estar psicológico, com vista a um maior rendimento/melhor performance.

P) O jogador F… era venezuelano, pelo que o custo contabilizado com a viagem da sua esposa teria o intuito de lhe dar bem-estar e, consequentemente, um melhor rendimento do atleta.

Q) Constatámos que, no âmbito da ação inspetiva, não haviam sido apresentados, pela SAD recorrida, os documentos/informações solicitados, carecendo o “anexo 1” de concretização, pelo que é nosso entendimento que estamos em presença de uma despesa estritamente não documentada, pelo que deverá ter-se por correto o entendimento preconizado pela Administração Fiscal, ora recorrente, aquando da correção ao lucro tributável, colocando-se a questão de saber se, em função do desempenho probatório da recorrida, poderia tal afirmação ser afastada.

R) Como se disse, a recorrida, em complemento da informação constante no “anexo 1” do relatório de inspeção, veio juntar, aos presentes autos, a fatura n.º 13236, de 18/12/2001, que permite concluir que a beneficiária foi C…. Em sede de prova testemunhal, foi possível verificar que se trata da esposa de um jogador estrangeiro, F…. Essa despesa visou uma maior performance do jogador, ao promover o seu bem-estar, o que constitui prática comum do clube. Muito embora os depoimentos tenham advindo do Secretário de Administração, do Secretário Técnico, do Diretor de Departamento de Futebol e do Técnico Oficial de Contas, todos da Impugnante, assentando em afirmações algo vagas, a roçar a opinião, certo é que afirmaram convictamente, não deixando margem para dúvidas, de que a beneficiária da referida viagem, constante da fatura, é a esposa do jogador F…. E que é prática usual do clube pagar viagens aos familiares mais próximos de jogadores estrangeiros, de modo a garantir um certo ambiente familiar ao jogador, que lhe permita ter um alto rendimento.

S) Cumpre-nos assim questionar se o custo com a viagem, comprovada com um documento emitido nos termos legais – a fatura – foi um custo comprovadamente indispensável para a realização do proveito, para efeitos do disposto no artigo 23.º, n.º 1, do CIRC, pelo que a correção em causa padece de vício invalidante? A resposta a esta questão é, em nosso entendimento, negativa.

T) Exarou a este propósito o (Acórdão n.º 08225/14 do Tribunal Central Administrativo Sul, datado de 24/09/2015, disponível em www.dgsi.pt que: “A definição fiscal de custo (…) parte de uma perspetiva ampla de atividade e de necessidade da empresa, assim estabelecendo uma conexão objetiva entre a atividade desta e as despesas que, inevitavelmente, daqui decorrerão. E fá-lo com uma finalidade claramente fiscal, a qual consiste em distinguir entre custos que podem ser aceites para fins fiscais e que, por isso, vão influenciar o cálculo do lucro tributável e os que não podem ser aceites para tal efeito).

U) Como já se disse supra, um custo, para ser relevante fiscalmente, tem de ser afeto à exploração, tendo que existir uma relação causal entre tal custo e os proveitos da empresa e não uma relação meramente indireta e demasiado subjetiva, como é o presente caso.

V) A relevância fiscal de um custo depende assim da prova da sua necessidade, adequação, normalidade ou da produção (ligação a um negócio lucrativo). A dedutibilidade fiscal dependerá de uma relação causal e justificada com a atividade produtiva da empresa.

W) Assim, não serão indispensáveis os custos que não tenham relação causal e justificada com a atividade produtiva da empresa. A indispensabilidade deve ser interpretada como subsunção no interesse da empresa, e a motivação última para a obtenção do lucro, o que no caso concreto é, em nosso entendimento, indeterminável.

X) A dedutibilidade fiscal do custo depende, apenas, de uma relação causal e justificada com a atividade produtiva da empresa.

Y) Não obstante o princípio da dedutibilidade dos custos, a lei prevê alguns limites, que decorrem, conforme nos ensina António Moura Portugal - em A dedutibilidade dos custos na jurisprudência fiscal portuguesa, Janeiro de 2004, Coimbra Editora, pp. 148-294 e 298-299 - “quer do facto de se tratar de despesas que, embora relacionáveis com a atividade do sujeito passivo, podem igualmente beneficiar entidades que com ele se relacionam (como os acionistas, os membros dos órgãos sociais ou os empregados), quer da impossibilidade prática de determinar o benefício que deverá ser afetado a cada um (…).”

Z) Ora, no caso, não serão de considerar as despesas que, para além de não se mostrarem ser despesas da atividade e esfera da recorrida, também não permitem estabelecer qualquer grau de conexão com a atividade da empresa suficientemente concretizado.

AA) Com efeito, resulta dos documentos em causa despesas incorridas com viagens do seu agregado familiar de colaborador da recorrida. E a recorrida não comprovou, no nosso entendimento, nem em sede graciosa nem judicial, a existência de uma relação de causalidade económica indispensável à obtenção de lucros, não juntou documento ou evidência dos deveres profissionais da beneficiária das viagens, não relevando – nem estando demonstrado que o bem-estar do jogador, causado pela vinda da sua mulher, tenha tido efeitos sobre a sua performance em jogos ou no seu desempenho.

BB) Aceitar tal custo, implicaria introduzir critérios de subjetividade que a lei claramente quis afastar.

CC) O que na realidade se verificou, nos presentes autos, foi a existência de despesas em relação às quais inexistem elementos reveladores da conexão entre a deslocação de familiar e a sua indispensabilidade para a obtenção dos proveitos, bem concluindo a Inspeção Tributária em as não considerar custo fiscal pois, caso contrário, estava-se a criar a possibilidade de a sociedade, de forma propositada, contabilizar custos da esfera privada na sua escrita, o que não é possível.

DD) A essa luz, a posição exarada pela AT no relatório inspetivo é consentânea e legal, contrariamente à posição adotada pela douta sentença, ora recorrida, que deverá ser revogada.

EE) No que concerne aos custos na aquisição de direitos de imagem dos jogadores e respetivos proveitos, designadamente à desconsideração do montante de € 1.714 330,43, relativo a alegados encargos suportados pela SAD recorrida à empresa P…, sediada no Reino Unido, que diriam respeito à aquisição dos direitos de imagem dos jogadores e equipa técnica da M… Futebol SAD, concluiu o Tribunal a quo que os custos em discussão na presente questão encontram-se justificados através de um conjunto de documentos (contratos, faturas e cheques), tendo também sido confirmados pela prova testemunhal produzida, e a característica da indispensabilidade não pode deixar de ser vista de uma forma holística e/ou de conjunto, sob pena de facilmente se impossibilitar a dedução de todos os custos que não tenham uma relação forte, direta e imediata com a atividade produtiva do sujeito passivo.

FF) Assim, tendo-se concluindo que os custos incorridos eram aptos e tinham relação com a atividade produtiva, só se a Autoridade Tributária e Aduaneira demonstrasse que, ao invés, não tinham qualquer relação com a atividade produtiva ou não serviam qualquer interesse da Impugnante, é que seria possível a sua desconsideração. O que a Autoridade Tributária e Aduaneira não terá feito.

GG) Termos em que se considerou que os custos na aquisição dos direitos de imagem dos jogadores/técnicos se enquadra na previsão do art.º 23.º do CIRC, procedendo, portanto, esta questão, e ordenando a correção a esse respeito efetuada.

HH) É nosso entendimento que a sentença recorrida procedeu, neste particular, a um erro de julgamento na subsunção dos factos à legislação aplicável, o qual se invoca para os devidos efeitos.

II) No caso dos autos, a primeira questão que se coloca neste particular é se o custo existiu e se é verdadeiro quanto à sua existência e montante.

JJ) O custo contabilizado (na escrita da recorrida) corresponde à realidade dos factos tributários?

KK) O contribuinte tem que fazer a prova da materialidade das operações efetuadas e demonstrar que os gastos correspondem à realidade dos factos, caso isso seja fundadamente posto em causa pela AT, como ocorreu no caso concreto.

LL) Se a Administração Fiscal duvidar, fundadamente, da inserção do custo no interesse societário de determinada despesa, concluindo pela falta de ligação aparente entre ambos, o que aconteceu no caso sub judice, impende sobre o contribuinte o ónus de prova de que tal operação se insere no respetivo escopo societário.

MM) No nosso sistema fiscal, tal como configurado na legislação aplicável à situação sub judice, vigora o princípio da declaração do contribuinte no apuramento da matéria tributável, o que implica um acréscimo dos deveres de colaboração do sujeito passivo para com a AT, entre os quais avultam os de manter uma contabilidade organizada nos termos da lei comercial e fiscal e que permita o apuramento e fiscalização do IVA e do IRC (artigo 58.º do CPPT) e o da entrega da declaração periódica.

NN) Do princípio da declaração no apuramento da matéria tributável decorre a presunção de veracidade dos dados e apuramentos decorrentes, caso o contribuinte disponha de contabilidade organizada segundo a lei comercial ou fiscal, exceto se se verificarem erros, inexatidões ou outros fundados indícios de que ela não reflete a matéria tributável efetiva do contribuinte (artigo 75.º n.º 2, al. a) da LGT), como ocorre no caso concreto.

OO) A obrigação de demonstrar quantitativamente o montante dos gastos incorridos, com base em documentos justificativos, resulta do princípio estabelecido no artigo 74.º da LGT que dispõe que “o ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque”.

PP) Se o contribuinte não satisfizer este ónus, a Administração tributária poderá excluir esse gasto, ainda que a atividade desenvolvida pelo contribuinte justifique realmente tal gasto.

QQ) A Administração tributária tem o ónus da prova da verificação dos indícios ou pressupostos da tributação – pressupostos constitutivos de direitos que legitimam a sua atuação -, e o contribuinte a obrigação de provar a existência dos factos tributários relativos às transações efetuadas.

RR) A questão enunciada no relatório de inspeção tributária, da indispensabilidade dos custos e do ónus da sua prova, é uma questão que tem, na verdade, mais a ver com a prova da realização da despesa do que com a prova da indispensabilidade.

SS) O que está em causa nos autos é o valor da contrapartida pecuniária paga pela SAD à P….

TT) Ou seja, a questão que se coloca é se os valores pagos à P… advêm ou se fundam, exclusivamente, na exploração desses direitos de imagem ou se, ao invés, contemplam ou englobam outras quantias. As quantias pagas à P…, são-no relativamente a cada jogador, individualmente. Só depois se poderia discutir se era de admitir que a aquisição dos direitos de imagem de cada jogador, individualmente, seria essencial para a SAD, para a obtenção de proveitos.

UU) No caso dos autos, a AT requereu informações à recorrida, no sentido de compreender a natureza dos montantes inscritos na contabilidade na conta 62298, que versa sobre o custo da aquisição dos direitos de imagem. E porquanto detetou, designadamente, que as faturas emitidas pela P… à SAD não discriminavam as verbas pagas, por colaborador da SAD.

VV) Em face do disposto nos contratos, traçar correspondência entre as contrapartidas previstas nos contratos celebrados entre a Impugnante e a P… e as faturas por esta emitidas, implicaria a verificação das condições previstas nos contratos, que teriam um suporte documental, assim como de documentos que comprovassem o “depósito ou transferência para uma conta bancária da P…”. (Sublinhado nosso).

WW) Quanto à informação constante da tabela identificada no anexo 2 como ¯contratos celebrados com a P… que não justificam encargos contabilizados na época 2001/2002 - fl. 32 do relatório de inspeção -, na qual a AT identifica uma série de contratos - há que referir que aos presentes autos só foi junto o contrato respeitante a R… (doc. 56), uma vez que apenas neste caso o período de início e termo do contrato coincidem. Da lista de jogadores aí referida, apenas constam nos autos, além do contrato respeitante a este jogador, os contratos respeitantes a A… (doc. 22), D… (doc. 25), J… (doc. 34), G… (doc. 50) e R… (doc. 56). Todavia, a data de início e termo dos respetivos contratos não coincidem com os referidos naquela tabela. Os contratos juntos aos presentes autos abrangem o exercício de 2001.

XX) Ora, perante a factualidade supra exposta, é nosso entendimento que as dúvidas da AT eram perfeitamente justificáveis, pelo que caberia à recorrida – e não à AT, conforme defende a sentença ora recorrida - comprovar a origem dos custos que inscreveu na sua contabilidade, colaborando com a Administração Fiscal no sentido de fornecer os elementos solicitados aquando das notificações elaboradas em 17/10/2003 e em 27/11/2003 ou apresentando a este Tribunal documentos que permitissem a verificação das condições previstas nos contratos, que influenciariam o valor da contrapartida a pagar pela recorrida à P… pela utilização do nome e imagem do respetivo jogador, que justificassem os valores a pagar, bem como os contratos estritamente correlacionados com as faturas apresentadas.

YY) A Administração Fiscal, ora recorrente, concluiu em sede de relatório inspetivo que, da leitura dos contratos apresentados, “o apuramento da contrapartida pecuniária dos direitos adquiridos poderá variar em função dos desempenhos desportivos individuais dos jogadores/técnicos”, no entanto “não foi demonstrada a verificação dos pressupostos”,

ZZ) referindo, ainda, que “não se identificam na contabilidade proveitos diretamente conexos com a exploração dos direitos de imagem adquiridos (…)”, “(…) revelou-se de primordial importância aceder aos cheques utilizados para pagamento das operações, de forma a validar a efetividade das operações e o circuito dos fluxos financeiros associados (…),

AAA) e tendo sido identificado pela recorrente que os valores foram depositados em conta bancária domiciliada nas Ilhas Cayman, sem que tenha sido possível obter números de conta de depósitos à ordem em que foram efetuados os depósitos dos valores e as respetivas fichas de assinaturas.

BBB) Aquando da ação inspetiva, a recorrida não logrou fazer prova/justificar os valores inscritos na contabilidade. Note-se que os contratos e as faturas juntas não comprovam os valores efetivamente transferidos a título de contrapartida pecuniária dos direitos adquiridos, não comprovam a verificação das condições de que dependia a contrapartida adicional a pagar pela Impugnante à P…. Como se disse, da descrição das faturas apenas consta a referência a “our fees related the contracts of exploration of image rights related to the month of (…)”.

CCC) E é na própria fatura que deveriam constar os elementos que estão nas tabelas anexas a cada uma (com os nomes dos jogadores/técnicos e os montantes) que foram juntas a estes autos, mas que não fazem parte integrante daquele documento. Antes se destinam, a justificar o valor inscrito nas faturas, a posteriori, sendo impossível estabelecer uma equiparação entre tais documentos.

DDD) E não se diga que não releva o facto de as faturas não conterem a menção discriminada e justificativa dos montantes delas inscrito.

EEE) Como já referido, é sabido que em sede de IRC, o documento comprovativo e justificativo dos custos não tem de assumir as formalidades essenciais exigidas para as faturas em sede de IVA, uma vez que a exigência de prova documental não se confunde nem se esgota na exigência de fatura, bastando tão-só um documento escrito, em princípio externo e com menção das características fundamentais da operação, uma vez que, ao contrário do que se passa com o IVA, em sede de IRC, a justificação do custo consubstancia uma formalidade probatória e, por isso, substituível por outro género de prova.

FFF) Porém, é perfeitamente razoável a AT tenha questionado a veracidade dos valores inscritos nos documentos, uma vez que pouco dizem a respeito das operações concretas que pretendem titular.

GGG) Encontramo-nos, pois, na presença de documentos que patenteiam uma informação marcadamente insuficiente para, com certeza e segurança, se poder concluir pela efetiva realização das operações aí referenciadas, nos exatos termos em que foram inscritas na contabilidade, circunstâncias que nos levam a discordar frontalmente do entendimento vertido neste particular pela sentença recorrida.

HHH) Assim, face à insuficiência dos documentos apresentados, passou a caber ao contribuinte a prova da veracidade dos mesmos. Passou a recair sobre a Impugnante o ónus da prova no sentido de demonstrar a realidade das operações. E, para tanto, sempre teria que juntar aos autos os documentos, pedidos pela AT, que comprovam que a P… era detentora dos direitos de imagem dos jogadores/técnicos que alienou, o que, de resto, não seria difícil, uma vez que, sendo contratos subscritos por jogadores/técnicos ao seu serviço, sempre seriam do seu conhecimento e estariam na sua disponibilidade. Não tendo, desde logo sido comprovado a existência de um contrato entre os jogadores/treinadores/técnicos que tenham cedido os seus direitos de imagem a outra entidade que não a M… SAD.

III) A recorrida não juntou tais documentos, nem demonstrou qualquer impossibilidade na sua obtenção, antes concluiu que os mesmos não seriam de exigir. O que não é correto.

JJJ) Quanto à prova testemunhal produzida no âmbito dos presentes autos de Impugnação, contrariamente ao que vertido na setença ora recorrida, é nosso entendimento que a mesma é manifestamente insuficiente, porque vaga e genérica, para comprovar o alegado.

KKK) Com efeito, as testemunhas limitaram-se a alegar que a recorrida adquire direitos de imagem dos jogadores à P…, o que se afigura primordial para a projeção da imagem da M… Futebol SAD, de onde advêm oportunidades de negócio e, com isso, lucros. Através do depoimento das testemunhas, julgamos que não produzida prova sobre quais os jogadores, quando os adquiriu, qual o seu custo. Antes de provar a realização de proveitos, havia que provar a realização dos custos, alegadamente reportados ao exercício de 2001.

LLL) Quanto à prova documental, há que referir que os doc. 1 e 2 juntos aos presentes autos pela recorrida através do requerimento datado de 18/06/2008, com o n.º de registo 15530 [fls. 109 do processo 72/06.4BEFUN] - e que foram fornecidos pela Liga Portuguesa de Futebol - permitem aferir do preenchimento ou verificação das condições apostas nos contratos celebrados pela SAD e pela P…, de que dependia o acréscimo de contrapartida a pagar à P…, pois que descriminam os jogos em que cada um dos jogadores foi convocado.

MMM) Todavia, há que referir que os valores constantes das tabelas anexas às faturas não coincidem com os valores constantes das respetivas faturas. Além disso, há valores que, previstos nos contratos, encontram-se previstos nas tabelas anexas às faturas como “valores não contemplados na fatura”.

NNN) Acresce que a simples existência de contratos celebrados entre a recorrida e a P…, e a faturação emitida, não implicam necessariamente a existência da exploração dos direitos de imagem adquiridos, pelo que nada provam, no que diz respeito à existência das operações e dos benefícios retirados pela recorrida da exploração desses direitos, em concreto. Isto é, não se prova que os montantes em causa advenham da exploração dos direitos de imagem, em concreto.

OOO) Note-se que está em causa a contabilização de valores concretos, inscritos em faturas que, alegadamente, servem para os justificar, mas sem que seja possível estabelecer entre as mesmas e os valores contabilizados e os contratos de suporte, uma relação causal.

PPP) No que respeita aos eventos sociais em que os jogadores participaram, dos quais foram enviadas cópias da publicitação feita desses eventos (docs. 64 a 97), referidos também de forma genérica e vaga pelas testemunhas, não logrando a recorrida demonstrar ter efetuado a sua exploração comercial individualmente e por um determinado preço - não apresentou qualquer fatura/nota de débito a cobrar pela participação deste ou daquele jogador nesses eventos, não resultando, assim, qualquer proveito concretizável como incremento patrimonial da M… SAD relativamente a um jogador em concreto. Daqui não resulta que tenha havido qualquer exploração comercial da imagem dos jogadores, individualmente considerados, que justifique os encargos concretamente assumidos.

QQQ) A recorrida não apresentou quaisquer documentos/elementos que permitissem concluir deter uma exploração comercial individual de cada um dos atletas que justificasse a contabilização, só no exercício de 2001, a título de encargos com a aquisição de direitos de imagem, pagos à P…, de € 1.714.330,43 (independentemente deste valor ser ou não exagerado).

RRR) Ora, é nosso entendimento que a recorrida não fez prova suficiente de que tais custos, que os montantes inscritos na contabilidade tiveram lugar a título de aquisição de direitos de imagem, pelo que, perante o esforço instrutório que houve por parte da AT, no sentido de apurar se o montante inscrito na contabilidade corresponde ao montante das transações efetuadas e não tendo chegado à conclusão de que, efetivamente, a P… era detentora dos direitos de imagem e que os alienou à recorrida, cabia a esta fazer essa prova inequívoca. Havia lugar a uma inversão do ónus da prova. No caso dos autos, não se comprovou, desde logo, que a P… fosse detentora dos direitos de imagem, que pudesse ceder à recorrida e, portanto, os pagamentos feitos àquela a título dessa aquisição e inscritos na contabilidade como custos, têm de ser justificados. Como não se provou que o teor das faturas diga respeito a concretos jogadores e quais os montantes pagos a título individual, pelo que julgamos que a sentença recorrida laborou em erro de julgamento.

SSS) A dedutibilidade fiscal depende de um nexo causal e justificado com a atividade produtiva da empresa. Assim, só não serão indispensáveis os custos que não tenham relação causal e justificada com a atividade produtiva da empresa. Contudo, previamente a esta questão, coloca-se outra nos autos, a da existência do custo, nos termos e montantes declarados.

TTT) Face às dúvidas evidenciadas e fundadas da Administração Fiscal, cabia à recorrida provar a existência dos factos tributários que subjazem à contabilização dos custos por si efetuada, o que, em nosso entendimento, não fez, pelo que não poderiam ser fiscalmente aceites os encargos suportados no valor de € 1.714.330,43, registados na conta 62298 — "Outros fornecimentos e serviços externos – direitos & Imagem".

UUU) Tudo visto, é nosso entendimento que a sentença ora recorrida padece de erro de julgamento, por errada subsunção dos factos dados como provados à legislação fiscal aplicável no caso concreto, pelo que pugnamos pela sua anulação e manutenção do ato tributário controvertido na ordem jurídica.

Nestes termos, e nos mais de direito cujo douto suprimento se invoca, deve ser julgado procedente o presente recurso e a decisão recorrida ser revogada.»


Notificado para o efeito, o Recorrido apresentou contra-alegações, nas quais formulou as seguintes conclusões:

A. «O Tribunal a quo decidiu, e bem, a anulação das liquidações levadas a efeitos da AT.

B. Os encargos foram devidamente documentados por forma a possibilitar à AT quer o controlo da legalidade da dedução para efeitos fiscais do gasto, quer da respetiva tributação dos montantes auferidos pelos prestadores de serviços”.

C. O Tribunal a quo conclui que os custos incorridos eram aptos e tinham relação com a atividade produtiva, só se a Autoridade Tributária e Aduaneira demonstrasse que, ao invés, não tinham qualquer relação com a atividade produtiva ou não serviam qualquer interesse da Impugnante, é que seria possível a sua desconsideração.

D. O que a Autoridade Tributária e Aduaneira não fez.

E. Da não dedução dos prejuízos fiscais obtidos nos exercícios de 1999 e 2000, ao abrigo do artigo 47.°, n.° 1, do CIRC:

F. Dispunha o artigo 47.°, n.° 1, do CIRC na redação aplicável que “os prejuízos fiscais apurados em determinado exercício (...) são deduzidos aos lucros tributáveis, havendo-os, de um ou mais dos seis exercícios posteriores”.

G. A Impugnante, ora Recorrida alegou que, tendo tido prejuízos fiscais nos montantes de € 959.320,82 e € 188.125,24 em 1999 e 2000, respetivamente, os mesmos não foram deduzidos ao lucro tributável apurado no exercício de 2001.

H. Esse prejuízo por vários exercícios mas para terem a possibilidade de o fazer em vários exercícios caso não tenha lucro tributável suficiente logo no primeiro ou segundo ano posteriores à existência do referido prejuízo” Devendo a dedução ocorrer imediatamente no exercício seguinte desde que haja lucros tributáveis a que possam ser deduzidos tais prejuízos, havendo prejuízos que excedam o lucro tributável, serão deduzidos no exercício seguinte, e assim sucessivamente, com o limite de 6 anos então previsto no artigo 47.° do CIRC. Assim, tendo sido corrigido o lucro tributável, haverá que alterar-se a dedução dos prejuízos fiscais em conformidade, os quais ascendem a € 833 934,07, com respeito pelos limites impostos pelo disposto no artigo 47.° do CIRC (lucro tributável), significando uma redução do valor da liquidação em € 238 883,01 procedendo a impugnação também nestoutra questão, atendendo-se, contudo, necessariamente, ao resultado final do presente processo.

I. Noutro segmento, destaca-se que os custos na aquisição dos direitos de imagem dos jogadores/técnicos se enquadra na previsão do art.º 23.º do CIRC, procedendo, portanto, esta questão, e sendo de anular a correção a esse respeito efetuada.

J. Tendo sido corrigido o lucro tributável, haverá que alterar-se a dedução dos prejuízos fiscais em conformidade, os quais ascendem a € 833 934,07, com respeito pelos limites impostos pelo disposto no artigo 47.° do CIRC (lucro tributável), significando uma redução do valor da liquidação em € 238 883,01 procedendo a impugnação também nestoutra questão, atendendo-se, contudo, necessariamente, ao resultado final do presente processo.

K. Razão pela qual deve improceder o recurso do Ilustre Representante da Fazenda Pública.

TERMOS EM QUE, deve o presente recurso ser julgado improcedente, mantendo-se, consequentemente, a douta sentença recorrida, que não merece censura, com a consequente a anulação dos atos tributários em crise, com as devidas e legais consequências, nos termos peticionados, assim se cumprindo com o DIREITO e a JUSTIÇA!»

O recurso foi admitido com subida imediata nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.

Os autos foram com vista ao Ministério Público, que emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.


II – Fundamentação

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pelo Recorrente, as quais são delimitadas pelas conclusões das respetivas alegações, que fixam o objeto do recurso, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que sejam de conhecimento oficioso, conforme previsto nos artigos 635/4 e 639/1.2 do Código de Processo Civil (CPC), sendo as de sabe se sentença padece erro de julgamento na apreciação e valoração da matéria de facto e na aplicação do direito ao considerar parcialmente procedente a impugnação, no que respeita à legalidade das correções dos custos (gastos) contabilizados pela Impugnante e ora Recorrida:
- Da correção no montante de € 1 592,00 respeitante a despesa indevidamente documentada;
- Da correção dos custos relativos à aquisição de direitos de imagem.


II.1- Dos Factos

O Tribunal recorrido considerou como provada a seguinte factualidade:

A. «Pela ordem de serviço n.° 03/1/206, datada de 07/07/2003, foi ordenada inspeção à Impugnante, em sede de IRC, ao exercício de 2001 (cfr. documento n.º 3 junto à petição inicial dos presentes autos);

B. Na sequência da ação de inspeção, foi elaborado Relatório de Inspeção Tributária, do qual consta, designadamente, o seguinte:


«Imagem em texto no original»

«Imagem em texto no original»

«Imagem em texto no original»

«Imagem em texto no original»

«Imagem em texto no original»

«Imagem em texto no original»

«Imagem em texto no original»

«Imagem em texto no original»

«Imagem em texto no original»


(cfr. Relatório de Inspeção Tributária a fls. 421 e ss. dos autos em suporte papel);

C. Na sequência do relatório de inspeção foram emitidos os seguintes atos tributários relativos ao IRC do exercício de 2001, impugnados nesta sede:

- Liquidação de IRC n.° 2004 6420002739, no valor de 1047,48 e de juros compensatórios n.° 2004 00001551531, no valor de € 154,84;

- Liquidação de IRC n.° 2004 8310024202, no valor de € 545.099,75, incluindo juros compensatórios (cfr. documento n.º 1 junto à petição inicial do processo apenso e teor das p.i. apresentadas em ambos os processos);

D. Ao elaborar a liquidação de IRC n.° 2004 8310024202, e tendo o lucro tributável sido corrigido para € 2.107.038,08, a AT apenas considerou prejuízos fiscais no valor de € 340.612,00 (cfr. documento junto aos autos pela Fazenda Pública, por requerimento datado de 23/12/2015, com n.° de registo 53176);

E. A Impugnante não pagou a comissão de serviço pela transferência do jogador Ferrer, registando um saldo devedor em conta corrente de € 10182,04 (cfr. documento n.º 4 junto com a p.i. do processo n.º 147/05.7BEFUN e depoimento das testemunhas J… e M…);

F. Na época desportiva de 2001/2002 a Impugnante celebrou com I…, representante do jogador H…, contrato de cessação de direitos onerosos (cfr. contrato de cessação de direitos onerosos do jogador, junto em sede de audiência de julgamento de 16/04/2013);

G. A Impugnante pagou a I…, representante do jogador H…, a quantia de 160 000 dólares (cfr. documentos n°s 3 a 7 juntos por requerimento de 13/12/2016, a que acresce relativamente ao documento n.º 3 a cópia legível junta por requerimento de 14/09/2020, a fls. 945 dos autos em suporte papel);

H. A Impugnante entregou nos cofres do Estado o imposto que reteve relativamente a tal pagamento no valor total de € 25.048,60, considerando a taxa de retenção de 15% (cfr. pags. 15 e 16 do Relatório de Inspeção Tributária a fls. 421 e ss. dos autos em suporte papel);

I. A Impugnante contabilizou como imobilizado incorpóreo na conta "435 - Passes" o valor de € 192.039,27, ou seja correspondente à quantia de € 166.990,67, acrescida do valor da retenção na fonte (cfr. pags. 15 e 16 do Relatório de Inspeção Tributária a fls. 421 e ss. dos autos em suporte papel);

J. A Impugnante amortizou, no exercício de 2001/2002, o montante total de €38.407,85, por aplicação da taxa legalmente prevista de 20%, tendo em conta que o contrato celebrado entre a Impugnante e o jogador em questão tinha o prazo de 5 anos (cfr. pags. 15 e 16 do Relatório de Inspeção Tributária a fls. 421 e ss. dos autos em suporte papel);

K. A Impugnante pagou a C…, esposa do atleta F…, de nacionalidade venezuelana, uma viagem na companhia aérea TAP entre Caracas e o Funchal, visando assegurar estabilidade emocional ao atleta (cfr. documento n° 5 da p.i. do processo n.º 72/06.4BEFUN - fatura n.° 13236 emitida pela V…, C.A. - e depoimento das testemunhas J…; J… (Cassete n.° 1 - Lado A - rotações 00.00 a 24.08 do lado A da mesma cassete, conforme o CD junto com referência a essa cassete); J… (Cassete 1, Lado A, rotações 24.18 a 18.32, lado B da mesma cassete, conforme o CD junto com referência a essa cassete) e C… (Cassete 1, Lado B, rotações 18.33 a 02.63, lado A da cassete 2, conforme o CD junto com referência a essa cassete);

L. A Impugnante pagou à P… € 1.714.330,43, respeitante a direitos de utilização do nome e imagem dos seus colaboradores A…, A…, B…, D…, D…, E…, E… F…, G…, I…, J…, J…, J…, J…, J…, L…, M…, N…, N…, P…, R…, R…, H…, J…, E…, J…, D…, J…, G…, F…, J…, M…, P…, M…, R…, R…, J… e N…, pelo período entre agosto de 2001 e julho de 2002 (cfr. documentos n.° 6 a 59 da p.i. e cheques juntos em sede de inspeção tributária, os quais vêm referenciados no anexo 3 do relatório, documento n.° 1 junto por requerimento de 17/06/2008 e depoimento da testemunha J…);

M. No exercício económico em causa (2001/2002) os jogadores/técnicos, cujos direitos de imagem foram adquiridos pela Impugnante, participaram em eventos sociais diversos a nível nacional e internacional, designadamente em ações de marketing e sessões fotográficas, realizadas fora de campo e para além da prática desportiva de futebol, que foram, inclusivamente, publicitados nos órgãos de comunicação social (cfr. documentos n.°s 61 a 97 da P.I. do processo apenso e depoimento da testemunha J…, o qual se encontra gravado na Cassete 1, Lado A, rotações 24.18 a 18.32, lado B da mesma cassete);

N. Os patrocínios são uma das fontes de receita da Impugnante (Cfr. documento n.° 96 da P.I. do processo apenso e depoimento da testemunha J…, o qual se encontra gravado na Cassete 1, Lado A, rotações 24.18 a 18.32, lado B da mesma cassete);

O. A Impugnante retira proveitos com a aquisição/divulgação da imagem dos jogadores/técnicos, pois tal permite-lhe obter receitas dos seus patrocinadores (cfr. depoimentos das testemunhas J… e J…);

P. No exercício económico em causa, a Impugnante conseguiu obter patrocínios do I…, da P….. - Publicidade … S.A., da Empresa de C…, da empresa J…, Lda., e da F…-Representações, SA., representante exclusiva em Portugal da L…, S.p.A. (cfr. documentos n.°s 3, 4 e 5 juntos por requerimento datado de 18/06/2008, com o n.° de registo 15530; documento n.° 9 junto por requerimento datado de 13/12/2016, com n.° de registo n.° 59272; e depoimento da testemunha J…).»



Quanto a factos não provados, na sentença exarou-se o seguinte:

«Não se provou que:
1 – Tenha sido por dolo ou negligência da Impugnante que as liquidações não se tenham concretizado atempadamente.
Inexistem outros factos não provados com relevo para a decisão da causa.»


E quanto à motivação da decisão de facto, consignou-se:

«A convicção do Tribunal assentou na apreciação crítica dos documentos autênticos e particulares juntos, os quais não foram impugnados, conforme referenciado em cada alínea do probatório, tudo fundamentado no n.º 2 do art.º 34.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, no n.º 1 dos art.ºs 369.º, 370.º e 371.º, todos do Código Civil (documentos produzidos pela Autoridade Tributária e Assuntos Fiscais da Região Autónoma da Madeira e Autoridade Tributária e Aduaneira) e no n.º 1 dos art.ºs 373.º, 374.º e 376.º, todos também do Código Civil (documentos particulares).

Tomou-se ainda em consideração, no que foi possível, a prova testemunhal produzida (cfr. art.ºs 392.º e ss. do Código Civil), apenas ouvida em suporte áudio pelo signatário, de onde, necessariamente, decorreram limitações ao nível do princípio da imediação, não podendo o signatário afirmar de forma cabal que a prova testemunhal se afigurou ou não como credível e/ou prestada de forma espontânea, dado que tal perceção só se pode formar em contexto presencial.

Ainda assim, e discriminando:

J…, técnico oficial de contas, cuja razão de ciência advém de fazer a contabilidade da Impugnante desde 1999.

Afirmou que a comissão relativa à aquisição do jogador V… nunca foi paga, pelo que não foi efetuada a retenção. Manteve-se em dívida até, pelo menos, 2005.

Confrontado com o documento 4 junto à petição inicial, referiu que se o valor se encontrasse numa conta a débito teria de ter sido retido o imposto. Referiu que o valor de € 58.608,75 é respeitante ao passe do jogador, sendo € 6.983,17 referente à comissão. Mais referiu, em síntese, que os débitos registados (€ 26.032,83, € 4.015,33, € 12.534,06 e € 12.827,66) são relativos aos passes e existe um saldo de € 10.807,66, que não foi pago a F… e que inclui a comissão e uma parte do passe em dívida.

Quanto ao pagamento pela Impugnante da viagem da esposa do atleta F…, considera ser indispensável para o rendimento do jogador, porquanto todos precisam de apoio familiar.

No que diz respeito à aquisição do direito de imagem dos jogadores, refere que a Impugnante mensalmente realizava pagamentos à P… - Promotion a…, Ltd.

Apensadas às faturas encontra-se a relação do que era pago a cada jogador. Os patrocínios são importantes para a estabilidade da Impugnante. Aquando da entrega no Modelo 22 em 1999 e 2000, a Administração Fiscal não teve em consideração os prejuízos fiscais. M…, cuja razão de ciência advém de ter sido escriturário na parte financeira da Impugnante desde 1994.

Afirmou que a comissão de intermediação do jogador V… não foi paga, muito embora tenha sido lançado na contabilidade, uma vez que o jogador foi embora muito antes do termo do contrato.

J…, cuja razão de ciência advém de ter sido Diretor do Departamento de Futebol da Impugnante desde 1997.

Afirmou que é usual que os clubes paguem viagem aos familiares dos jogadores do estrangeiro, porque considera que contribuem para a sua estabilidade, aumentando o seu rendimento. F…, em concreto, era venezuelano, estava desenquadrado, pelo que dado um certo ambiente familiar, ele começou a jogar melhor.

A Impugnante adquiriu à P… - Promotion a…, Ltd. os direitos de imagem dos jogadores, uma vez que vive dos “sponsors”. É normal os jogadores terem outros contratos e quererem publicitar a sua marca, todavia, estes não podem colidir com os “sponsors” do M…, daí que a Impugnante adquira os direitos de imagem dos jogadores.

É necessário, muito embora possa não estar previsto nos contratos. O clube, durante a época, usa esses direitos de imagem para fazer, nomeadamente, ações junto das escolas, junto com os “sponsors” a publicitar, em que os jogadores usam, por exemplo, adereços ou produtos dos “sponsors” do clube. J…, cuja razão de ciência advém de ter sido Secretário Técnico da Impugnante desde 1991.

Afirmou que constitui procedimento normal pagar viagens aos familiares dos jogadores. Faz parte do criar um conjunto de condições de modo a assegurar um bem-estar ao jogador.

A Impugnante adquire os direitos de imagem dos jogadores à P… - Promotion a…, Ltd., para que não haja conflitos entre os “sponsors” do jogador e os “sponsors” do clube, em face da exposição pública a que são sujeitos.

C…, cuja razão de ciência advém de ter sido secretário da Administração da Impugnante desde 1998, referiu que, quando a Impugnante contrata um jogador estrangeiro sabe que vai suportar custos com viagens e encargos com viagens dos familiares. F… não desempenhava as funções para as quais havia sido contratado, tendo inclusive apanhado um avião sem autorização do clube, havia que lhe dar um ambiente familiar.

No que respeita à aquisição dos direitos de imagem à P… - Promotion a…, Ltd reiterou, no essencial, o afirmado pelas restantes testemunhas.

Quanto ao facto não provado, por simplesmente dos autos não dimanarem elementos que permitam perceção diferente, sendo que constituía ónus da AT a demonstração da responsabilidade da Impugnante no atraso da liquidação.»


Por se entender relevante à decisão a proferir, na medida em que documentalmente demonstrado, adita-se o seguinte:

B.1) Do anexo II ao Relatório a que se refere a alínea B) dos factos provados, constante de fls. 7 e seguintes dos autos (doc. nº 003132998), transcreve-se:





II.2 Do Direito

Notificada da sentença que julgou parcialmente procedente a impugnação apresentada pela Impugnante e ora Recorrida, contra as liquidações adicionais de IRC do exercício de 2001, veio a Recorrente apresentar o presente recurso restrito às questões em que decaiu e que sinteticamente dizem respeito a correções efetuadas à matéria tributável declarada e relativas à desconsideração de custos.

Na sentença recorrida a impugnação foi julgada parcialmente procedente e, em consequência, decidiu-se:
«Anula[r] a liquidação de IRC n.º 2004 6420002739, no valor de € 1.047,48 e de juros compensatórios n.° 2004 00001551531, no valor de € 154,84;
Relativamente à liquidação de IRC n.° 2004 8310024202, no valor de € 545.099,75, incluindo juros compensatórios:
- não anula[r] a correção no valor de € 5.009,72, relativa a reintegrações e amortizações aceites como custo;
- anula[r] a correção no valor de € 1.592,00, relativa a despesas documentadas;
- anula[r] a correção no valor de € 1 714 330,43, relativa a custos na aquisição de direitos de imagem dos jogadores e técnicos;
- anula[r] a parte relativa à desconsideração dos prejuízos fiscais;
- anula[r] a parte relativa aos juros compensatórios.»


Embora a ora Recorrente não impugne expressamente a matéria de facto fixada na sentença, a verdade é que nas conclusões JJJ) e KKK) das alegações de recurso defende que a prova testemunhal produzida no processo foi vaga e genérica e logo insuficiente para comprovar o alegado pela Impugnante e ora Recorrida e na conclusão LLL) insurge-se contra o entendimento vertido na sentença quanto à matéria de facto por não terem sido retiradas da prova documental as devidas ilações, mormente dos documentos fornecidos pela Liga Portuguesa de Futebol.

Todavia, quando impugna a matéria de facto, a ora Recorrente tem de cumprir os ónus que sobre si impendem, sob pena de rejeição do recurso nesta parte.

Vejamos o que nos diz o artigo 640º Código de Processo Civil (CPC) aplicável ex vi artigo 281º CPPT:

Artigo 640.º
(Ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto)
1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.
3 - O disposto nos n.os 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636.º.

Desde já adiantaremos que estes ónus não foram cumpridos pela ora Recorrente.

Nas alegações de recurso a Recorrente não indicou nas respetivas conclusões, nem nas alegações, com a precisão que lhe era exigida, os factos que considera incorretamente julgados, os concretos meios probatórios que imporiam decisão diferente, e a decisão que, no seu entender pretende aditar, pelo que, desde já diremos que não se considera cumprida esta obrigação que sobre si recaía.

Com efeito, incumbe à Recorrente cumprir este ónus, identificando os factos que entende terem sido mal julgados: quer por terem sido dados como provados quando o não deveriam ter sido, quer os que foram desconsiderados e considera serem relevantes à decisão, com indicação dos meios de prova que suportam esta sua pretensão de alteração do probatório.

Assim, quando os meios de prova invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravadas, incumbe à Recorrente, transcrevê-las ou indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso [artigo 640/2.a) CPC].

Cabe à Recorrente cumprir este ónus, identificando os factos que entende terem sido mal julgados: quer por terem sido dados como provados quando o não deveriam ter sido, quer os que foram desconsiderados e considera serem relevantes à decisão, com indicação dos meios de prova que suportam esta sua pretensão de alteração do probatório.

Nas alegações de recurso, porém, a Recorrente não indicou nas respetivas conclusões, nem nas alegações, com a precisão que lhe era exigida, os factos que considera incorretamente julgados, os concretos meios probatórios que imporiam decisão diferente, e a decisão que, no seu entender pretende alterar ou aditar, pelo que, desde já diremos que não se considera cumprida esta obrigação que sobre si impendia.

Iniciando a apreciação por esta última, na impugnação da matéria de facto fixada na sentença a Recorrente não indica as concretas as alíneas do probatório cuja alteração pretendem por confronto com a prova testemunhal produzida não requerem qualquer aditamento por complementação ou substituição, apenas convoca um erro de julgamento no sentido de que deveria ter valorado de forma diferente.

A Recorrente não cumpriu o ónus probatório que sobre si recaía, limitando-se a remeter, em bloco, para o depoimento das testemunhas, apresentando como argumento em que funda esta sua pretensão, em que os depoimentos das testemunhas ouvidas e arroladas pela Impugnante e ora Recorrida, foi manifestamente insuficiente, porque vaga e genérica, para comprovar o alegado. [cf. conclusão LLL) das alegações de recurso]. E ainda: as testemunhas limitaram-se a alegar que a recorrida adquire direitos de imagem dos jogadores à P…, o que se afigura primordial para a projeção da imagem da M… Futebol SAD, de onde advêm oportunidades de negócio e, com isso, lucros. Através do depoimento das testemunhas, julgamos que não produzida prova sobre quais os jogadores, quando os adquiriu, qual o seu custo [cf. conclusão kkk) das alegações de recurso].

Com efeito, a Recorrente procura desvalorizar os depoimentos, mas não indica as passagens da gravação que pretende ver analisadas limitando-se a remeter em bloco para as declarações das testemunhas ouvidas.

Por outro lado, a Recorrente na impugnação da matéria de facto decorrente da prova documental, também não requer qualquer aditamento por complementação ou substituição, apenas convoca um erro de julgamento no sentido de que deveria ter valorado de forma distinta a prova documental constante dos autos, referindo: que os doc. 1 e 2 juntos aos presentes autos pela recorrida através do requerimento datado de 18/06/2008, com o n.º de registo 15530 [fls. 109 do processo 72/06.4BEFUN] - e que foram fornecidos pela Liga Portuguesa de Futebol - permitem aferir do preenchimento ou verificação das condições apostas nos contratos celebrados pela SAD e pela P…, de que dependia o acréscimo de contrapartida a pagar à P…, pois que [dis]criminam os jogos em que cada um dos jogadores foi convocado, mas também quanto a este ponto não cumpre os ónus que sobre si recaíam, i. é, não identifica as alíneas do probatório cuja alteração pretende [cf. conclusão LLL) das alegações de recurso].

Em suma, a Recorrente não indicou nas respetivas conclusões, nem nas alegações, os factos que considera incorretamente julgados, os concretos meios probatórios que imporiam decisão diferente, e a decisão que, no seu entender pretende aditar, complementar ou substituir, limitando-se a apresentar razões de discordância com o decidido na sentença, não requer qualquer alteração ou aditamento, seja por complementação, seja por substituição, apenas argui o erro de julgamento, o qual, nessa medida, será analisado infra.

Assim, e sem necessidade de mais fundamentar, improcede o alegado erro de julgamento da matéria de facto, rejeitando-se, nesta parte, o recurso.


Vejamos agora:

Nas conclusões A) a DD) das alegações de recurso insurge-se a Recorrente contra o decidido na sentença quanto à anulação da correção no montante de € 1 592,00, defendendo, em suma, a legalidade da correção porquanto enquanto durou a ação de inspeção não foram identificados os beneficiários, tendo assim sido desconsiderada por se tratar de despesa indevidamente documentada, e logo, por não ser possível aferir da sua indispensabilidade para a realização dos proveitos ou ganhos ou manutenção da fonte produtora.

Na sentença recorrida foi dado como provado que este montante diz respeito à fatura nº 13236, emitida por uma agência de viagens e relativa ao pagamento de uma viagem à mulher de um atleta do clube, de nacionalidade estrangeira.

Com efeito, apenas em sede de impugnação judicial e através do depoimento das testemunhas ouvidas e identificadas na alínea k) dos factos provados foi identificado o utilizador ou beneficiário da viagem como sendo a mulher de um dos jogadores do clube de futebol e que teve como finalidade a reunião familiar.

A ora Recorrente não se conforma com o entendimento vertido na sentença de que se trata de despesa ou gasto dedutível defendendo não ter ficado demonstrada a sua indispensabilidade à formação de proveitos ou ganhos da sociedade ou manutenção da fonte produtora.

Vejamos:

A determinação do lucro tributável era feita de acordo com o disposto no artigo 17/1 CIRC, nos termos do qual o lucro tributável das pessoas coletivas e outras entidades mencionadas na alínea a) do nº 1 do artigo 3º é constituído pela soma algébrica do resultado líquido do exercício e das variações patrimoniais positivas e negativas verificadas no mesmo período e não refletidas naquele resultado, determinados com base na contabilidade e eventualmente corrigidos nos termos do CIRC.

No artigo 23º do mesmo Código, especificavam-se quais gastos [antes, custos ou perdas] que a lei relevava. Assim, após uma ampla definição do conceito de gastos fiscais - os que comprovadamente sejam indispensáveis para a realização dos rendimentos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora, o preceito fazia uma enumeração meramente exemplificativa.

Define, assim, de forma ampla, a noção de custos ou perdas como englobando todas as despesas efetuadas pela empresa que, comprovadamente, sejam indispensáveis para a realização dos proveitos ou para a manutenção da fonte produtiva e procede a uma enumeração meramente exemplificativa de várias despesas deste tipo.

Serão, assim, indispensáveis, os custos que apresentem conexão com a realização de proveitos ou ganhos sujeitos a imposto (critério do fim) ou, em alternativa os custos que apresentem conexão com a fonte produtora (critério da fonte).

Sobre o conceito de indispensabilidade transcrevemos o seguinte excerto tirado do Acórdão do Pleno da Seção do CT, de 2018.06.27, Proc. nº 01402/17, disponível em www.dgsi.pt, com o qual concordamos:

Como ficou exarado no Acórdão deste Supremo Tribunal Administrativo de 28.06.2017, proferido no recurso 627/16, «no entendimento que a doutrina e a jurisprudência têm vindo a adoptar para efeito de averiguar da indispensabilidade de um custo (cfr. art. 23.º do CIRC na redação em vigor em 2001), a AT não pode sindicar a bondade e oportunidade das decisões económicas da gestão da empresa, sob pena de se intrometer na liberdade e autonomia de gestão da sociedade.
Assim, um custo ou perda será aceite fiscalmente caso, num juízo reportado ao momento em que foi efetuado, seja adequado à estrutura produtiva da empresa e à obtenção de lucros, ainda que se venha a revelar uma operação económica infrutífera ou economicamente ruinosa, e a AT apenas pode desconsiderar os que não se inscrevem no âmbito da atividade do contribuinte e foram contraídos, não no interesse deste, mas para a prossecução de objetivos alheios (quando for de concluir, à face das regras da experiência comum que não tinha potencialidade para gerar proveitos)» - neste sentido vide também os Acórdãos Secção de Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo de 30 de Novembro de 2011, recurso n.º 107/11, e de 24.09.2014, recurso 779/12.

Assim e como tem sido decidido por este TCAS, o juízo de comprovada indispensabilidade é um juízo casuístico que deve ser efetuado subjetivamente, pois só analisando em concreto cada gasto poder-se-á aferir da respetiva indispensabilidade para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora – cf. nomeadamente Ac. TCAS de 2021.07.08, Proc nº 311/03.3BTLRS, de 2020.12.16, Proc nº 331/07.9BELSB e de 2016.03.17, Proc nº 07451/14.

Tal como tem sido decidido por este TCAS, da qual citamos apenas o Ac. de 2021.07.08, Proc nº 311/03.3BTLRS o requisito de indispensabilidade do “custo” (gasto) do art. 23.º do CIRC tem de ser aferido através de um juízo casuístico, não podendo associar-se ao êxito de gestão, não se confundindo com a sua oportunidade ou conveniência, não abrangendo apenas custos que direta e imediatamente conduzam à obtenção de ganhos ou à manutenção da unidade produtiva (nexo causal), antes abarcando igualmente custos que mediatamente visam esse fim. Portanto, mais do que uma análise objetiva do custo, tem de se aferir subjetivamente a sua indispensabilidade. Este requisito legal de indispensabilidade associa-se ao facto de um custo ser necessário, de se apresentar como habitual à obtenção de proveitos ou ganhos ou à manutenção da unidade produtiva - (v. por todos, o acórdão do TCAS de 09/07/2020, 138/04.5BELSB e jurisprudência aí citada).

Acaso a Autoridade Tributária e Aduaneira coloque fundadamente em dúvida a indispensabilidade do gasto, cabe depois ao contribuinte o ónus da prova da indispensabilidade dos custos ou ganhos.

No caso, foi posta em causa a insuficiência da documentação destinada a comprovar ou identificar os respetivos utilizadores ou beneficiários, e nessa justa medida, que o custo ou gasto fosse indispensável à realização de proveitos, como referido já supra.

Assim sendo, não foi posto diretamente em causa a questão sobre se o custo suportado tem ou não relação com o escopo empresarial, i. é, com atividade que esta desenvolve. Com efeito, esta questão apenas foi suscitada pela AT - RAM em sede de contestação e não consta da fundamentação contemporânea do ato, não tendo os Serviços de Inspeção Tributária levantado diretamente a controvérsia. Nesse sentido, configura, pois, uma fundamentação do ato a posteriori e logo, como tal, proibida.

Ora, como é consabido, é à luz da fundamentação contextual e integrante do próprio ato, levada ao relatório, que a correção em causa deve ser apreciada.

Relembremos que consta do relatório que a despesa foi contabilizada na conta 62271 – Deslocações e Estadas e que durante o procedimento inspetivo não foram apresentados os documentos que permitissem identificar o utilizador ou beneficiário do gasto, apesar de terem sido solicitados.

Alegou a Impugnante e ora Recorrida que a despesa ou gasto se inseria no âmbito da motivação do trabalhador e de incentivo à produtividade, e a sentença recorrida deu-lhe razão, considerando que o custo contabilizado com a viagem da sua esposa teve o intuito de criar dar bem-estar e, consequentemente, um melhor rendimento do jogador. Não é, pois, assim tão claro e evidente que o gasto não tenha enquadramento na atividade prosseguida pelo Clube, como defende a ora Recorrente. Para o efeito ter-se-ia que ponderar, nomeadamente, sobre se a despesa se insere ou não no conceito de team building ou mesmo se constituía ou não rendimento em espécie auferido por aquele jogador. De todo o modo, insiste-se, tal não consta da fundamentação do ato, tal como foi notificado ao Impugnante e ora Recorrido.

Ora, o gasto foi desconsiderado por se tratar de despesa indevidamente documentada, todavia, já em sede de impugnação judicial foi feita a prova sobre a identidade do utilizador ou beneficiário.

Recordemos que foi dado como assente na alínea k) dos factos provados: [a] Impugnante pagou a C…, esposa do atleta F…, de nacionalidade venezuelana, uma viagem na companhia aérea TAP entre Caracas e o Funchal, visando assegurar estabilidade emocional ao atleta.

Com efeito, apenas em sede de impugnação judicial foi apresentada documentação que permitiu identificar o utilizador ou beneficiário do gasto, assim como testemunhas que depuseram sobre a finalidade da despesa ou gasto, sendo certo que nada obsta a que se provem no âmbito da impugnação judicial factos que não foram apurados no âmbito do procedimento de inspeção.

Assim, não tendo sido impugnada com eficácia a matéria de facto dada como provada na sentença recorrida, a pretensão da ora Recorrente estava condenada ao fracasso.

Termos em que improcedem as alegações de recurso quanto a esta questão.


Vejamos agora quanto à desconsideração do montante de € 1 714 330,43, relativo a alegados encargos suportados pela SAD recorrida à empresa P…, sediada no Reino Unido, que diriam respeito à aquisição dos direitos de imagem dos jogadores e equipa técnica da M… Futebol SAD [cf. conclusões EE) e seguintes das alegações de recurso].

Insurge-se a Recorrente contra o decidido na sentença recorrida defendendo não estar comprovado se o custo existiu e se é verdadeiro quanto à sua existência e montante [cf. conclusão II) das alegações de recurso].

Será que o alegado pela Fazenda Pública é de molde a afastar a veracidade de que goza a contabilidade da Impugnante e ora Recorrida?

Vejamos:

Na motivação do relatório elaborado pelos Serviços de Inspeção Tributária, além de ser colocado em causa a razoabilidade dos montantes faturados, que se afiguravam excessivos refere-se ainda que alguns dos contratos diriam respeito a direitos de imagem de jogadores (identificados no Anexo II do relatório de inspeção tributária) cujo vínculo laboral com a Impugnante e ora Recorrida teria já cessado (cf. ponto III – 1.1.1 do relatório de inspeção parcialmente transcrito na alínea B) dos factos provados]. E ainda que não estava detalhado e individualizado nas faturas emitidas pela empresa P… quais as verbas respeitantes a cada jogador e/ou membro da equipa técnica.

Solicitados os elementos considerados necessários a Impugnante e ora Recorrida nada disse até ao termo do procedimento inspetivo, tendo sido efetuadas diligências em ordem a validar a efetividade das operações e o circuito dos fluxos financeiros (Id. - ponto III – 1.1.1 do relatório de inspeção).

Tendo assim sido colocada em causa a efetividade do custo.

Alega a ora Recorrente que a Autoridade Tributária e Aduaneira colocou fundadamente em causa a materialidade das operações e que cabia à Impugnante e ora Recorrida demonstrar que os gastos correspondem à realidade dos factos (cf. conclusão KK) das alegações de recurso].

Com efeito e como também legado, a contabilidade dos sujeitos passivos e, logo a da Impugnante, ora Recorrida, desde que se mostre organizada segundo a lei comercial ou fiscal, goza da presunção de veracidade.

Com efeito, nos termos do artigo 75º da Lei Geral Tributária (LGT), na redação anterior à introduzida pela Lei nº 80-C/2013, de 31 de dezembro:

1 - Presumem-se verdadeiras e de boa-fé as declarações dos contribuintes apresentadas nos termos previstos na lei, bem como os dados e apuramentos inscritos na sua contabilidade ou escrita, quando estas estiverem organizadas de acordo com a legislação comercial e fiscal.
2 - A presunção referida no número anterior não se verifica quando:
a) As declarações, contabilidade ou escrita revelarem omissões, erros, inexactidões ou indícios fundados de que não reflectem ou impeçam o conhecimento da matéria tributável real do sujeito passivo;
(…)

Nos termos do artigo 74/1 da Lei Geral Tributária (LGT): "o ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque."

Assim, nos termos do citado artigo 74/1 LGT, no procedimento de liquidação da iniciativa da Administração Tributária, esta terá de demonstrar a verificação dos factos de que deriva o direito à liquidação (os factos, pressupostos da sua existência, qualificação e quantificação do facto tributário) e o sujeito passivo terá o ónus de demonstrar os factos impeditivos, modificativos ou extintivos desse direito.

E citando a título meramente exemplificativo o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 2011.09.28, proferido no processo nº 094/11, disponível em www.dgsi.pt: “actuando a Administração Tributária no uso de poderes estritamente vinculados, submetida ao princípio da legalidade, cabe-lhe o ónus de prova da existência de todos os pressupostos do acto de liquidação adicional, designadamente a prova da verificação dos pressupostos que a determinaram a efetuar as correções técnicas que suportam essa liquidação”.

Alega, pois, a Recorrente o erro de julgamento porquanto tendo a matéria tributável sido apurada através de correções técnicas, era sobre a Impugnante e ora Recorrida que recaia em sede de impugnação judicial o ónus probatório.

No caso estamos perante correções técnicas, por desconsideração de gastos com a aquisição de direitos de imagem de jogadores e equipa técnica e vem alegado não estarem devidamente justificados os respetivos pressupostos.

Compete assim à Autoridade Tributária e Aduaneira demonstrar os factos constitutivos do direito à liquidação impugnada, de acordo com a regra geral constante do citado artigo 74/1 da LGT.

Para o efeito, defende a ora Recorrente, que dos excertos do relatório elaborado pelos Serviços de Inspeção e Anexos transcritos nas alíneas B) e B1) dos factos provados, as datas de início e termo dos contratos dos jogadores e em face da informação insuficiente constante das faturas, que tal não permitia fazer uma correspondência com os contratos de cada um dos jogadores e as inconsistências detetadas com as datas de início e termo dos contratos e ainda do circuito do fluxo financeiro da Impugnante com as entidades envolvidas.

Todavia na alínea L) da matéria assente foi dado como provado que aquele montante dizia respeito à utilização do nome e da imagem dos colaboradores nela discriminados e identificados.

Ora, do confronto dos nomes entre os nomes constantes da alínea L) e da alínea B1), só há coincidência relativamente a três deles, J…, G… e R…, sendo certo que relativamente a este último (R…), se diz que o contrato teve início em 2000.08.01 e termo a 2003.07.31 e logo dentro do período de tributação considerado, acrescentando-se que não consta das folhas mensais de processamento de salários.

Aliás, a própria Recorrente na conclusão WW) das alegações de recurso reconhece que relativamente a R… o período de início e termo do contrato coincidem.

Todavia, as irregularidades detetadas relativamente a dois dos colaboradores não autorizava a desconsideração da totalidade do gasto.

Recaía, pois, sobre a Impugnante e ora Recorrida, fazer a contraprova sobre os pressupostos e justificação do gasto e suscitar a dúvida, o que consideramos que fez, tanto mais que também relativamente a este ponto a ora Recorrente não conseguiu convencer com a impugnação da matéria de facto.

No mais, consideramos que o gasto com a aquisição dos direitos da imagem individual dos jogadores e técnicos prende-se com a sua utilização em eventos e campanhas de publicidade e de promoção ou marketing, para atrair patrocínios e novos adeptos e logo contribuir para o aumento dos proventos do Clube, melhorando também a sua “imagem” ou representatividade na comunidade onde se insere, tratando-se, pois, de custos ou gastos que só mediatamente implicam a obtenção ou aumento de proveitos ou receitas.

Improcede também o recurso quanto a esta questão.

Relativamente à condenação em custas importa considerar que nos termos dos artigos 527/1 CPC: a decisão que julgue a ação ou algum dos seus incidentes ou recursos condena em custas a parte que a elas houver dado causa (…).

Assim, atento o princípio da causalidade, consagrado no artigo 527/2, do CPC, aplicável por força do artigo 2º, alínea e), do CPPT, as custas são pela Recorrente, que ficou vencida.

Por fim, e tendo em consideração que o valor da causa foi fixado em € 546 302,07, considerando a conduta processual das partes a atividade desenvolvida no processo, visto o princípio da proporcionalidade, concluímos que no caso vertente se verificam os pressupostos para a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça do artigo 6/7 do RCP.


Sumário/Conclusões:

I - A contabilidade dos sujeitos passivos, desde que se mostre organizada segundo a lei comercial ou fiscal, goza da presunção de veracidade.
II - Com efeito, nos termos do artigo 75/1 da Lei Geral Tributária (LGT), o contribuinte beneficia da presunção de veracidade das suas declarações fiscais e dos dados e apuramentos inscritos na sua contabilidade ou escrita, quando estas estiverem organizadas de acordo com a legislação comercial e fiscal.
III - Nos termos do artigo 74/1 da Lei Geral Tributária (LGT): "o ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque."
IV - Cabe à Autoridade Tributária e Aduaneira o ónus de prova da existência de todos os pressupostos do ato de liquidação adicional, designadamente a prova da verificação dos pressupostos que a determinaram a efetuar as correções técnicas que suportam essa liquidação
V - Recaía sobre a Impugnante e ora Recorrida fazer a contraprova sobre os pressupostos e justificação do gasto e suscitar a dúvida.


III - Decisão

Termos em que, face ao exposto, acordam em conferência os Juízes da Subsecção Tributária Comum deste Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao recurso, e confirmar a sentença recorrida.

Custas pela Recorrente, que decaiu, com dispensa do remanescente da taxa de justiça, nos termos expostos.

Lisboa, 16 de maio de 2024.

Susana Barreto

Margarida Reis

Vital Lopes