Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1531/24.2BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:04/03/2025
Relator:SUSANA BARRETO
Descritores:ADVOGADO
CONSULTA DE PROCESSO
Sumário:I - Nos termos do nº 1 do artigo 79º, do Estatuto da Ordem dos Advogados (EAO) o advogado, no exercício da sua profissão, e sem necessidade de exibir procuração, tem o direito de solicitar em qualquer tribunal ou repartição pública o exame de processos, livros ou documentos que não tenham caráter reservado ou secreto, bem como de requerer, oralmente ou por escrito, que lhe sejam fornecidas fotocópias ou passadas certidões.
II - Apesar de caber aos serviços da administração tributária a instauração dos processos de execução fiscal e realizar os atos a estes respeitantes [cf. artigo 10/1.f) do CPPT], nos termos do artigo 103/1 da LGT o processo de execução fiscal tem natureza judicial.
Votação:Unanimidade
Indicações Eventuais:Subsecção de Execução Fiscal e de Recursos Contraordenacionais
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
***


Acordam, em conferência, na Subsecção de Execução Fiscal e de Recursos Contraordenacionais da Secção do Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:


I. RELATÓRIO


A Autoridade Tributária e Aduaneira, notificado da sentença proferida em 2025.01.15, pelo Tribunal Tributário de Lisboa, que julgou procedente a reclamação de apresentada por H…, Advogado, portador da cédula profissional número 1…, contra o “despacho proferido pelo chefe de divisão de acompanhamento dos devedores estratégicos, da Direção de Finanças de Lisboa, que indeferiu o pedido de consulta do processo de execução fiscal n.º 3301200701024620 e apensos, instaurado contra a sociedade C… Contabilidade e Comércio, LDA., dela veio recorrer para este Tribunal Central Administrativo Sul.

Nas alegações de recurso apresentadas, o Recorrente formulou as seguintes conclusões:

I. «Vem o presente recurso interposto da sentença proferida pelo tribunal a quo, que julgou procedente a reclamação, apresentada por H… contra a decisão do CHEFE DE DIVISÃO DE ACOMPANHAMENTO DOS DEVEDORES ESTRATÉGICOS, da Direção de Finanças de Lisboa, que indeferiu o pedido de consulta do processo de execução fiscal n.º 3301200701024620 e apensos, instaurado contra a sociedade C… CONTABILIDADE E COMÉRCIO, LDA.”.

II. Por sentença datada de 15-01-2025, ora recorrida, veio a Mma. Juiz do Tribunal a quo, estribando-se na factualidade descrita na secção III, que aqui se dá por inteiramente reproduzida para todos os efeitos legais, conceder provimento à Reclamação apresentada e, consequentemente, determinar “(…) que o órgão de execução fiscal incorreu em erro quanto aos pressupostos de direito, pois a lei concede ao Reclamante, devido à profissão que exerce, a prerrogativa de consultar os processos de execução fiscal, nos termos já descritos e previstos no artigo 163.º, n.º 2 do CPC, pelo que o ato de indeferimento em causa nestes autos padece do vício de violação de lei e, como tal, determinar-se-á a sua anulação.”

III. A douta decisão ora recorrida não perfilhou, com o devido respeito, e salvo sempre melhor entendimento, a acertada solução jurídica no caso sub judice, porquanto, em nosso entendimento e salvo melhor opinião, a douta sentença proferida considera, erradamente, que não se aplica, in casu, o dever de confidencialidade descurando, por um lado, que os autos de execução fiscal contêm dados recolhidos pela AT, nomeadamente sobre a situação tributária da Executada, que se encontram sujeitos ao sigilo fiscal e, por outro, que pelo Reclamante, foi alegado, mas não demonstrado o interesse atendível não tendo feito prova do exercício de mandato judicial.

IV. Estatui o artigo 64.° da Lei Geral Tributária (LGT), que o princípio da confidencialidade e do sigilo fiscal, em respeito pelo princípio constitucional da reserva da intimidade da vida privada, obriga os dirigentes, funcionários e agentes da administração tributária a guardar sigilo sobre:

a) os dados recolhidos sobre a situação tributária dos contribuintes;

b) e os elementos de natureza pessoal que obtenham no procedimento, nomeadamente os decorrentes do sigilo profissional ou qualquer outro dever de segredo legalmente regulado.

Por seu turno, o referido dever de sigilo cessa, apenas, nas situações tipificadas no n.º 2 do artigo 64.º da LGT, de que se destaca na alínea a), a autorização do contribuinte para revelação da sua situação tributária, sem que, contudo, exija qualquer forma específica para o efeito.

V. A confidencialidade fiscal e o segredo profissional fiscal plasmados no referido artigo 64° da LGT privilegiam, fundamentalmente, a tutela da intimidade da vida privada, valor com assento constitucional nos artigos 26.° e 35.° n° 4 da Constituição da República Portuguesa (CRP), que prescrevem que a todos os cidadãos é reconhecido o direito à reserva da intimidade da vida privada e familiar, e nesse sentido, proíbem o acesso a dados pessoais de terceiros, salvo casos excecionais taxativamente previstos na lei. Por esta proibição ficam abrangidas não apenas as informações de natureza estritamente pessoal, mas ainda as referentes à situação económico-financeira, ao património e aos atos jurídico-negociais. Deu-se, por conseguinte, como assente a inclusão, na esfera da intimidade da vida privada, dos dados informativos concernentes à situação tributária dos contribuintes.

VI. Importa, aqui, trazer à colação a Instrução n.º 19 - Instruções relativas ao Dever de Confidencialidade, artigo 64.º da LGT – emitida pela DSJT (Direção de Serviços da Justiça tributária), como, em parte se transcreve:

“1. DADOS SOBRE A SITUAÇÃO TRIBUTÁRIA

Por serem suscetíveis de revelar (total ou parcialmente) a SITUAÇÃO TRIBUTÁRIA dos contribuintes pessoas singulares e coletivas (titulares dos dados), estão abrangidos pelo dever de sigilo, nos termos do n.º 1 do artigo 64.º da LGT, os seguintes dados:

O tipo, natureza e valor dos rendimentos obtidos (do trabalho, lucros, rendas, juros, mais valias, etc.);

Os encargos e deduções;

Os benefícios fiscais;

As forma e montantes de poupança e respetivas aplicações:

A existência, ou não, de débitos ou créditos fiscais;

A existência, ou não, de processos de execução fiscal;

O tipo e valor de bens e serviços produzidos e consumidos;

A estrutura económica e financeira das empresas e setores de atividade:

(…)”

4. ADVOGADOS

- Os advogados no exercício da sua profissão, só podem invocar o disposto no n.º 1 do artigo 79.º do EOA, quando os elementos a “consultar” não tenham carácter reservado ou secreto.

- Por ser norma de caráter genérico, e não conter uma permissão de acesso em concreto aos dados abrangidos pelo dever de sigilo, este normativo não pode fundamentar o acesso pelos advogados, a informação que esteja abrangida pelo dever de sigilo.

- Inexistindo autorização do contribuinte titular dos dados ou norma especial que permita o acesso à informação abrangida pelo dever de sigilo, a qualidade de advogado, por si só, não pode fundamentar o acesso à informação protegida.”

VII. Assim sendo, isto é, por serem dados abrangidos pelo dever de sigilo nos termos do n.º 1 do artigo 64.º LGT, a prestação de informações desta natureza relativas a um determinado contribuinte pessoa singular ou coletiva, só poderá ocorrer caso os serviços concluam que a situação em concreto integra a provisão de uma das alíneas a) a d) do n.º 2 da mesma disposição legal.

VIII. Por sua vez, o artigo 79.º, n.º 1, da Lei n.º 145/2015, de 9 de setembro - Estatuto da Ordem dos Advogados [EOA] dispõe que o Advogado só pode solicitar informações em qualquer Tribunal ou repartição pública, como são os Serviços de Finanças, sem necessidade de exibir procuração, desde que as informações que pretenda não sejam sigilosas.

IX. Com efeito, apesar de o n.º 2 do artigo 64.º da LGT excecionar as situações em que o dever de sigilo cessa, não permite, todavia, a aplicação da norma do artigo 79.º, n.º 1, do EOA, devendo o Advogado, quando pretende informações de natureza sigilosa, juntar procuração, demonstrando que se encontra a representar o contribuinte sobre o qual pretende informações e, portanto, tem autorização para esse acesso. Sendo que, enquanto ato pelo qual alguém (representado) de forma voluntária, atribui a outrem (procurador) poderes representativos num determinado negócio, as procurações podem ser aceites, como autorização do contribuinte titular dos dados para revelação da sua situação tributária ao procurador, nos termos da alínea a) do n.º 1, do artigo 64.º da LGT.

X. Contudo, afigura-se-nos, que a procuração como instrumento através do qual o contribuinte manifesta a sua vontade de ser representado não é admissível ou sequer exigível dos órgãos administrativos uma interpretação da extensão do mandato para além dos termos literais em que este se encontra explicitado. Aliás, uma tal interpretação poderia fazer incorrer os trabalhadores da AT em violação dos deveres de confidencialidade ou sigilo que sobre eles impendem e pôr em risco dados fiscais ou pessoais dos contribuintes que lhes incumbe proteger. Por isso, considera-se que, dos termos e limites da própria procuração forense, ainda que, com poderes gerais (designados como “os mais amplos poderes forenses em direito permitidos”) ou até mesmo especiais (designados como “confessar, transigir e desistir do pedido ou da instância), designadamente dos poderes representativos (forenses) atribuídos, tem que resultar de forma CLARA, EXPRESSA E INEQUÍVOCA, que estes incluem o acesso à informação coberta pelo SIGILO FISCAL, ESPECIFICANDO e EXPLICITANDO O TIPO DE INFORMAÇÃO E/OU OS ATOS que o representante está autorizado a praticar e, nessa medida, a obter por parte da Administração Tributária.

XI. Do explicitado, resulta, assim, que os Advogados que se pretendam mandatar perante a AT, e, deste modo, obter informação a coberto do sigilo fiscal, podem apresentar PROCURAÇÃO FORENSE, para esse efeito, com poderes forenses gerais e/ou poderes forenses especiais, DESDE QUE, do texto da procuração conste de forma clara, expressa e inequívoca, o tipo de informação e/ou os atos que o representante está autorizado (pelo vertido na Instrução de Serviço n.º 60 293 /2021 - Série I - PROCURAÇÕES FORENSES REPRESENTAÇÃO DO CONTRIBUINTE-MANDANTE-PERANTE A AT.

XII. Todavia, não obstante o supra explanado, importa ter presente que, in casu, o Recorrido, não só, não apresentou procuração forense, como tampouco, alegou quaisquer factos de onde resultasse que o interesse nessa consulta se justificaria, concretizando a alegada relevância exigida pelo n.º 1 do artigo 163.º, do Código de Processo Civil (CPC).

XIII. Sobre o que deve entender-se por dados relativos à situação tributária dos contribuintes e os elementos de natureza pessoal que obtenham no procedimento, deverá atender-se ao parecer n° 20/94 de 9/2/95 do Conselho Consultivo da Procuradoria Geral da República, publicado no Volume VII da Coleção dos Pareceres da Procuradoria-Geral da República, que estabelece que "A expressão «dados relativos à situação tributária dos contribuintes, constante da alínea d) do artigo 17° do Código de Processo Tributário, abrange, na sua previsão, quaisquer informações, quaisquer elementos informatizados ou não que reflictam de alguma forma a situação patrimonial dos sujeitos passivos da obrigação de imposto, sejam pessoas singulares, ou pessoas colectivas, comerciantes e não comerciantes. A "confidencialidade" protegida na disposição referida na conclusão anterior não abrange os dados que tenham natureza pública, por serem livremente cognoscíveis por recurso a outras vias jurídico-institucionais, como sejam, v. G., os registos predial, comercial e civil.".

XIV. Neste sentido, veja-se o que também escrevem Carlos Pamplona Corte-Real, Jorge Bacelar Gouveia, e Joaquim Pedro Cardoso da Costa in “Breves Reflexões em Matéria de Confidencialidade Fiscal'', Ciência e Técnica Fiscal, 368, Outubro - Dezembro de 1992, (citação também feita no parecer da PGR acima mencionado): "...não é tanto um dado fiscal isolado que preocupará o legislador quando impõe a confidencialidade fiscal, mas os dados fiscais que digam algo de forma mais ampla acerca da situação patrimonial dos contribuintes". Noutro ponto do parecer supra identificado esclarece-se que "São dados que exprimem a capacidade contributiva: os bens, as actividades, as receitas, os rendimentos, as despesas, os encargos, em suma, tudo o que reflicta ou se prenda com a matéria colectável em causa em cada processo, tudo o que interesse à situação tributária do contribuinte."

XV. No entanto, o n° 2 do supracitado artigo 64°. da LGT, prevê a cessação do dever de sigilo em determinadas situações: “2 - O dever de sigilo cessa em caso de: a) Autorização do contribuinte para a revelação da sua situação tributária; b) Cooperação legal da administração tributária com outras entidades públicas, na medida dos seus poderes (...).” Sendo que a cessação dependerá sempre da existência de uma norma que atribua ao requerente o acesso à informação protegida ou a possibilidade de determinar a quebra do dever de sigilo e a prestação dessa informação.

XVI. Ora, é precisamente na exigência de consagração na lei que o entendimento preconizado pela sentença falha. Efetivamente, não obstante a sentença ter identificado as circunstâncias em que pode ceder o dever de sigilo fiscal, entendemos que a conclusão a que chegou não espelha uma correta interpretação da alínea b) do nº2 do artigo 64º da LGT.

XVII. De facto, para Abílio Morgado in “O Sigilo Fiscal", Ciência e Técnica Fiscal, 2004, n° 414, 7-62, página 38, esta norma do artigo 64° n° 2 da LGT "...não é de aplicação directa, não estabelece ex novo qualquer dever de informação; é sim uma norma remissiva para outras que...afastem...o sigilo fiscal".

XVIII. Sucede que, nos presentes autos, nem o Recorrido invocou qualquer fundamento legal para a sua pretensão, nem nos foi possível encontrar quaisquer normas que atribuam ao requerente acesso a informação protegida ou que determinem a quebra do dever de sigilo e a prestação dessa informação.

XIX. Nestes termos, os elementos solicitados, por serem elementos abrangidos pelo dever de sigilo, nos termos do artigo 64° da LGT, não poderão ser facultados. Afigura-se-nos, assim, que houve uma errónea interpretação das normas aplicáveis ao caso em apreço, designadamente, o artigo 64.º LGT e 74.º EOA.

XX. Face ao exposto, não resta à Fazenda Pública senão concluir, respeitosamente, que a douta sentença proferida pelo Tribunal a quo e ora objeto de recurso, incorreu em erro de julgamento de direito na interpretação dos referidos normativos.

TERMOS EM QUE, CONCEDENDO-SE PROVIMENTO AO PRESENTE RECURSO, DEVE A DOUTA SENTENÇA, ORA RECORRIDA, SER REVOGADA, ASSIM SE FAZENDO A COSTUMADA JUSTIÇA!

Nas contra-alegações o Recorrido veio oferecer o merecimento dos autos.

O recurso foi admitido com subida imediata nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.

Os autos foram com vista ao Ministério Público, que emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.

Com dispensa de vistos legais, atenta a natureza urgente do processo, veem os autos à conferência.


II – Fundamentação

Cumpre, pois, apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, as quais são delimitadas pelas conclusões das respetivas alegações, que fixam o objeto do recurso.

Assim, na falta de especificação no requerimento de interposição do recurso, nos termos do artigo 635/3 do Código de Processo Civil, deve-se entender que este abrange tudo o que na parte dispositiva da sentença for desfavorável ao Recorrente. O objeto, assim delimitado, pode vir a ser restringido (expressa ou tacitamente) nas conclusões da alegação (artigo 635/4 CPC). Assim, todas as questões de mérito que tenham sido objeto de julgamento na sentença recorrida e que não sejam abordadas nas conclusões da alegação do recorrente, mostrando-se objetiva e materialmente excluídas dessas conclusões e devem considerar-se definitivamente decididas e, consequentemente, delas não pode conhecer o Tribunal de recurso.

Atento o exposto, e tendo presentes as conclusões de recurso apresentadas, importa decidir se a sentença padece de erro de julgamento, ao julgar procedente a reclamação judicial e anular o despacho que indeferiu o pedido de consulta do processo de execução fiscal.


II.1- Dos Factos

O Tribunal recorrido considerou como provada a seguinte factualidade:

A) «O Reclamante encontra-se inscrito na Ordem dos Advogados, com a cédula n.º 1… (cfr. fls. 4-36 dos autos [fls. 24 do pdf.], numeração do SITAF, assim como as posteriores referências aos autos);

B) A 02/02/2024, o Reclamante dirigiu ao CHEFE DE FINANÇAS DO SERVIÇO DE FINANÇAS DE LISBOA 4 um requerimento, do qual se extrai, designadamente, o seguinte:

“AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA SERVIÇO DE FINANÇAS DE LISBOA 4-3301 NIF 5… - C… CONTABILIDADE E COMÉRCIO, LDA. Processos de execução n.°s 3301200701024620, 3301200801114832 e demais processos de execução apensos

EXMO. SENHOR CHEFE DO SERVIÇO DE FINANÇAS, H..., advogado, portador da cédula profissional 1..., com domicílio profissional na Avenida S..., n.° ..., .... 1...-2... Lisboa, vem pelo presente, na qualidade de Advogado, requerer ao abrigo do n.° 1 do art. 79.° da Lei n.° 145/2015 de 9 de setembro (Estatuto da Ordem dos Advogados) e dos n.°s 1 e 2 do artigo 163.° CPC, aplicável ex vi da al. e) do artigo 2.° do CPPT, vem requerer a CONSULTA DOS PROCESSOS DE EXECUÇÃO ACIMA IDENTIFICADOS, o que faz nos termos e com os fundamentos seguintes:

(…)

Nesses termos, vem pelo presente requerer que seja autorizado a consulta dos processos de execução acima identificados no qual é executado C… CONTABILIDADE E COMÉRCIO, LDA. (NIF 5…), fixando-se e indicando-se a data, o local e a hora em que o mesmo estará disponível para consulta.

Nos termos do art.° 82.°, n.° 3 do Código de Procedimento Administrativo, aplicável ex vi da al. d) do artigo 2.° do CPPT a presente consulta do processo deverá ser autorizada e realizada no prazo de dez dias. Mais requer, que eventuais notificações a realizar no âmbito do presente processo sejam efetuadas para o e-mail (h...@adv.oa.pt ) do Requerente (cfr. artigo 63.°, n.° 1 do Código de Procedimento Administrativo c 38.°, n.° 9 do CPPT), ou, não sendo possível efetuar uma notificação eletrónica para o escritório sito Avenida S…, n.° …, …. 1…-2… Lisboa.” (cfr. fls. 4-36 dos autos [fls. 22 e 23 do pdf.]);

C) A 27/02/2024, o CHEFE DE DIVISÃO DE ACOMPANHAMENTO DOS DEVEDORES ESTRATÉGICOS, da Direção de Finanças de Lisboa, enviou ao Reclamante o seguinte e-mail:

“Em 05-02-2024, o Sr. Dr. H…, Advogado, veio, através de email, solicitar um pedido de consulta do processo de execução fiscal n.º 3301200701024620 e Aps, no qual é executado o sujeito passivo, C… CONTABILIDADE E COMERCIO LDA, NIF 5…, assim como o respetivo agendamento da data para se promover a consulta.

Tendo em consideração que, por serem suscetíveis de revelar total ou parcialmente a situação tributaria das contribuintes pessoas singulares e coletivas titulares dos dados, a consulta de processos de execução fiscal, está abrangida pelo dever do sigilo fiscal, nos termos do n.º 1 do art.º 64 da LGT.

Existe no entanto uma exceção à regra do n.º 1 do art. 64º da LGT, que consta no n.º 2, que refere que, o dever de sigilo cessa em caso de autorização do contribuinte para revelação da sua situação tributária. Da análise ao requerimento do Sr. Dr. H…, por este é referido ser mandatário de terceiro, com interesse em efetuar o pagamento das dividas exequendas, não tendo apresentado procuração, outorgada pelo executado C… CONTABILIDADE E COMERCIO LDA. NIF 5…, nem tendo efetuado prova de representar terceiro interessado nas referidas execuções. Tendo em conta o referido, a pretensão está a vedada pela Lei Geral Tributária, nomeadamente no seu art.º 64.º, não devendo ser-lhe permitida a consulta aos Processos Executivos em causa.” (cfr. fls. 4-36 dos autos [fls. 19 do pdf.]).



Quanto a factos não provados, na sentença exarou-se o seguinte:

«Não existem outros factos com relevância para a decisão


E quanto à Motivação da Decisão de Facto, consignou-se:

«Para a fixação da matéria de facto provada, a convicção do Tribunal baseou-se na análise crítica de toda a prova produzida nos autos, nos documentos juntos, não impugnados, conforme remissão feita em cada uma das alíneas do probatório.»


II.2 Do Direito


O MI Advogado, ora Recorrido, veio reclamar judicialmente do despacho proferido pelo órgão de execução fiscal que recusou o pedido de consulta do processo de execução fiscal (PEF), com base em que tal consulta, a ser permitida, seria violadora do dever do sigilo fiscal, a que está vinculada a Autoridade Tributária e Aduaneira, nos termos do n.º 1 do artigo 64 da Lei Geral Tributária (LGT).

Notificada da sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa que julgou procedente a reclamação e anulou o despacho de indeferimento do pedido de consulta do processo de execução fiscal, dela veio interpor recurso para este Tribunal Central Administrativo Sul.

Nas conclusões e alegações de recurso a ora Recorrente apresenta os mesmos argumentos que motivaram o indeferimento do pedido e que foram apresentados na contestação e objeto de análise pelo Tribunal a quo na sentença recorrido, atinentes, em suma, a que o processo se encontra abrangido pelo sigilo fiscal. Pretende, pois, a reapreciação da pretensão apresentada pelo ora Recorrido, nesta instância de recurso.

A ora Recorrente não impugna a matéria de facto fixada, nem põe em causa que o ora Recorrido exerce a profissão de advogado e que tem a inscrição em vigor na respetiva Ordem.

Desde já adiantaremos que a sentença recorrida se encontra bem fundamentada e não merece a censura que lhe foi feita.

Diz no segmento que aqui interessa:

«O ato impugnado fundamenta a sua decisão de indeferimento do pedido do Reclamante com base no disposto no artigo 64.º, n.º 1 da Lei Geral Tributária, que prevê o seguinte:
Os dirigentes, funcionários e agentes da administração tributária estão obrigados a guardar sigilo sobre os dados recolhidos sobre a situação tributária dos contribuintes e os elementos de natureza pessoal que obtenham no procedimento, nomeadamente os decorrentes do sigilo profissional ou qualquer outro dever de segredo legalmente regulado.”.
Esta norma, enquadrada no título III, com a epígrafe “Do procedimento tributário”, no capítulo II, com o título “Sujeitos”, na secção I, com a designação “Administração Tributária”, da LGT, prevê a obrigatoriedade de sigilo quanto aos dados recolhidos no âmbito dos procedimentos administrativos/tributários.
Contudo, não obstante a tramitação dos processos de execução fiscal correr no órgão de execução fiscal (cfr. artigo 149.º do CPPT), a natureza judicial deste processo é-lhe atribuída pelo artigo 103.º, n.º 1 da LGT, o que dita o recurso às normas previstas para o processo judicial para a resolução das questões que vão surgindo ao longo da tramitação processual.


Como se vê do excerto transcrito, a sentença recorrida identifica e enquadra juridicamente o ato reclamado, em termos tais que pouco ou nada mais temos a acrescentar.

Prossegue a sentença recorrida:

Assim, entende-se que o órgão de execução fiscal incorreu em erro sobre os pressupostos de direito ao fundamentar a sua decisão com base no artigo 64.º, n.º 1 da LGT, que se aplica ao procedimento tributário, quando existem regras próprias do processo judicial/processo de execução fiscal que disciplinam, designadamente, a viabilidade da sua consulta por quem a pretende (vide SOUSA, Jorge Lopes de, Código de Procedimento e de Processo Tributário Anotado e Comentado, Vol. I, 6.ª Ed., Áreas Editora, 2011, página 327).
Quanto a esta possibilidade, sob a epígrafe “Consulta dos processos administrativos ou judiciais”, o artigo 30.º, n.º 1 do CPPT dispõe o que se passa a transcrever:
Os documentos dos processos administrativos e judiciais pendentes ou arquivados podem ser consultados pelos interessados ou seus representantes.”.
Não sendo possível extrair desta norma o elenco sobre o que deve ser entendido como “interessados ou seus representantes”, para efeitos de permissão da consulta, neste caso, dos processos de execução fiscal, e, como já foi dito, tendo sempre presente a sua natureza judicial (cfr. artigo 103.º, n.º 1 do CPC), aplica-se subsidiariamente o regime previsto no Código de Processo Civil, por remissão da alínea e), do artigo 2.º do CPC (vide SOUSA, Jorge Lopes de, Código de Procedimento e de Processo Tributário Anotado e Comentado, Vol. I, 6.ª Ed., Áreas Editora, 2011, página 327).
Deste modo, o artigo 163.º, n.º 1 do CPC é categórico ao determinar que o “processo civil é público, salvas as restrições previstas na lei.”.
Conforme prevê o n.º 2 do mesmo artigo “[a] publicidade do processo implica o direito de exame e consulta do processo por via eletrónica, nos termos definidos na portaria prevista no n.º 2 do artigo 132.º, e na secretaria, bem como o de obtenção de cópias ou certidões de quaisquer peças nele incorporadas, pelas partes, por qualquer pessoa capaz de exercer o mandato judicial ou por quem nisso revele interesse atendível.”.
Constata-se que a publicidade do processo implica o direito de exame e consulta do processo “por qualquer pessoa capaz de exercer o mandato judicial”.
Nos termos do artigo 66.º-A do Estatuto da Ordem dos Advogados, “constitui ato próprio exclusivo dos advogados o exercício do mandato forense”, considerando-se mandato forense, designadamente, o mandato judicial, de acordo com o artigo 67.º, n.º 1, alínea a), do mesmo Estatuto.
Aplicando a lei ao caso em apreço, verifica-se que o Reclamante é Advogado, inscrito na Ordem dos Advogados (cfr. alínea A) do probatório), pelo que reúne as condições exigidas para exercer o mandato judicial e, consequentemente, tem o direito de exame e consulta, neste caso, do processo de execução fiscal, nos termos do artigo 163.º, n.º 2 do CPC.
Acrescenta-se, ainda, que, ao contrário do preconizado pelo órgão de execução fiscal na sua decisão de indeferimento (cfr. alínea C) do probatório), a redação da norma é clara ao prever que basta a demonstração da capacidade para o exercício do mandato judicial para lhe ser concedido o direito de exame e consulta do processo de execução fiscal, não tendo, neste caso, o Reclamante que demonstrar nteresse atendível, tratando-se de pressupostos alternativos, que atendem às qualidades específicas do interessado na aludida consulta, e não cumulativos, como deixa antever a utilização da interlocução coordenativa “ou” na redação desta norma.
Neste sentido, veja-se a anotação ao artigo 163.º que esclarece que “[o] direito de acesso ao processo pode ser exercido por qualquer pessoa capaz de exercer o mandato judicial (art. 40-2), não obstante não tenha sido constituída mandatária, e por quem revele interesse atendível, seja um interesse pessoal no objeto do processo (máxime paralelo, concorrente ou subordinado ao das partes) seja um interesse de outra ordem (…)” (sublinhado da signatária) (in FREITAS, José Lebre de; ALEXADRE, Isabel, Código de Processo Civil Anotado, Volume 1.º, 4.ª Ed., Almedina, 2018, página 345).
E, também, em anotação ao mesmo artigo, difunde-se o seguinte entendimento: “5. Relativamente a quem pode exercer mandato judicial mas não se encontra constituído como tal nos autos, o regime é o seguinte: pode examinar e consultar o processo na secretaria e obter cópias e certidões (nº 2), mas não tem acesso à prestação de informações precisas pela secretaria (nº 4) ou através de ficheiros informáticos ai existentes ( nº 5); somente pode obter a confiança para exame fora da secretaria relativamente a processos findos, desde que os pudesse ali examinar (art.165º, n.º 2).” (in GERALDES, Abrantes, PIMENTA, Paulo, SOUSA, Luís, Código de Processo Civil Anotado, Vol.I, Almedina, 2019, página 199).
Por outro lado, ainda que o artigo 164.º do mesmo código elenque limitações à publicidade do processo, o caso em apreço não cabe em nenhuma das restrições previstas nesta norma, como se constata pela leitura do seu teor, que se transcreve:
“1 - O acesso aos autos é limitado nos casos em que a divulgação do seu conteúdo possa causar dano à dignidade das pessoas, à intimidade da vida privada ou familiar ou à moral pública, ou pôr em causa a eficácia da decisão a proferir.
2 - Preenchem, designadamente, as restrições à publicidade previstas no número anterior:
a) Os processos de anulação de casamento, divórcio, separação de pessoas e bens e os que respeitem ao estabelecimento ou impugnação de paternidade, a que apenas podem ter acesso as partes e os seus mandatários;
b) Os procedimentos cautelares pendentes, que só podem ser facultados aos requerentes e seus mandatários e aos requeridos e respetivos mandatários, quando devam ser ouvidos antes de ordenada a providência;
c) Os processos de execução só podem ser facultados aos executados e respetivos mandatários após a citação ou, nos casos previstos no artigo 626.º, após a notificação; independentemente da citação ou da notificação, é vedado aos executados e respetivos mandatários o acesso à informação relativa aos bens indicados pelo exequente para penhora e aos atos instrutórios da mesma.
d) Os processos de acompanhamento de maior.
3 - O acesso a informação do processo também pode ser limitado, em respeito pelo regime legal de proteção e tratamento de dados pessoais, quando, estando em causa dados pessoais constantes do processo, os mesmos não sejam pertinentes para a justa composição do litígio.”.
Face ao exposto, conclui-se que o órgão de execução fiscal incorreu em erro quanto aos pressupostos de direito, pois a lei concede ao Reclamante, devido à profissão que exerce, a prerrogativa de consultar os processos de execução fiscal, nos termos já descritos e previstos no artigo 163.º, n.º 2 do CPC, pelo que o ato de indeferimento em causa nestes autos padece do vício de violação de lei e, como tal, determinar-se-á a sua anulação.

Com efeito, nos termos do nº 1 do artigo 79º, do Estatuto da Ordem dos Advogados (EAO) o advogado, no exercício da sua profissão, e sem necessidade de exibir procuração, tem o direito de solicitar em qualquer tribunal ou repartição pública o exame de processos, livros ou documentos que não tenham caráter reservado ou secreto, bem como de requerer, oralmente ou por escrito, que lhe sejam fornecidas fotocópias ou passadas certidões.

Como referido na sentença recorrida, apesar de caber aos serviços da administração tributária a instauração dos processos de execução fiscal e realizar os atos a estes respeitantes [cf. artigo 10/1.F) do CPPT], duvidas não há que o processo de execução fiscal tem natureza judicial (artigo 103/1 da LGT). Pois como referem Diogo Leite de Campos, Benjamim da Silva Rodrigues e Jorge Lopes Sousa (1-Aut. Cit. LEI GERAL TRIBUTÁRIA: Anotada e comentada, Editora Encontro da Escrita, 4ª Ed., 2012, pág. 890):

«O n.º 1 do preceito revela uma opção clara do legislador pela natureza do processo de execução fiscal como processo judicial, como processo que decorre debaixo de um apertado controlo de legalidade do tribunal e em que a intervenção da administração tributária está conformada como de simples participação na realização do seu escopo judicial.

O Código de Processo Civil (CPC) consagra no nº 1 do artigo 163º que o processo civil é público, salvas as restrições previstas na lei.

E, diz o nº2 deste mesmo artigo: A publicidade do processo implica o direito de exame e consulta do processo por via eletrónica, nos termos definidos na portaria prevista no n.º 2 do artigo 132.º, e na secretaria, bem como o de obtenção de cópias ou certidões de quaisquer peças nele incorporadas, pelas partes, por qualquer pessoa capaz de exercer o mandato judicial ou por quem nisso revele interesse atendível.

Com expendem Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Pires de Sousa (2-GERALDES, António Santos Abrantes, PIMENTA, Paulo, Sousa, Luís Filipe Pires de, CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL: Anotado, Almedina, 2ª Ed., Vol. I, pág. 210 e 211)
: «A lei estabelece graduações, distinguindo quem é parte, ou não, e entre quem exerce o mandato judicial ou tem condições para tal.
(…)
Relativamente a quem pode exercer o mandato judicial mas não se encontra constituído como tal nos autos, o regime é o seguinte: pode examinar e consultar o processo na secretaria (…).

Assim se concluindo que o ora Recorrido, na qualidade de advogado, com inscrição em vigor e tendo alegado motivo atendível, pode consultar ao processo de execução fiscal.

A sentença recorrida que decidiu pela procedência da reclamação e anulou o ato reclamado, é de manter.

Termos em que improcedem as conclusões de recurso.


Relativamente à condenação em custas importa considerar que nos termos dos artigos 527/1 CPC: a decisão que julgue a ação ou algum dos seus incidentes ou recursos condena em custas a parte que a elas houver dado causa (…).

Assim, atento o princípio da causalidade, consagrado no artigo 527/2, do CPC, aplicável por força do artigo 2º, alínea e), do CPPT, as custas são pela Recorrente, que ficou vencida.

Por fim, e tendo em consideração que o valor da causa se encontra fixado em € 648 533,36 considerando a conduta processual das partes a atividade desenvolvida no processo, visto o princípio da proporcionalidade, concluímos que no caso vertente se verificam os pressupostos para a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça do artigo 6/7 do RCP.


Sumário/Conclusões:

I - Nos termos do nº 1 do artigo 79º, do Estatuto da Ordem dos Advogados (EAO) o advogado, no exercício da sua profissão, e sem necessidade de exibir procuração, tem o direito de solicitar em qualquer tribunal ou repartição pública o exame de processos, livros ou documentos que não tenham caráter reservado ou secreto, bem como de requerer, oralmente ou por escrito, que lhe sejam fornecidas fotocópias ou passadas certidões.
II - Apesar de caber aos serviços da administração tributária a instauração dos processos de execução fiscal e realizar os atos a estes respeitantes [cf. artigo 10/1.f) do CPPT], nos termos do artigo 103/1 da LGT o processo de execução fiscal tem natureza judicial.


III – Decisão

Termos em que, face ao exposto, acordam em conferência os juízes da Subsecção de Execução Fiscal e de Recursos Contraordenacionais deste Tribunal Central Administrativo Sul, em negar. provimento ao recurso e confirmar a decisão recorrida.


Custas pela Recorrente, que decaiu


Lisboa, 3 de abril de 2025


Susana Barreto

Isabel Vaz Fernandes

Luísa Soares