Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1752/24.8BELSB
Secção:CA
Data do Acordão:08/28/2024
Relator:PEDRO NUNO FIGUEIREDO
Descritores:INTIMAÇÃO PARA A PRESTAÇÃO DE INFORMAÇÕES
FACTOS FUTUROS
DIREITO DE INFORMAÇÃO PROCEDIMENTAL
Sumário:No pedido de informações relativas à data expectável para a recolha dos dados biométricos e data expectável com a antecedência mínima de 4 meses estão em causa factos futuros, que não cabem no âmbito do direito de informação procedimental.
Votação:Unanimidade
Indicações Eventuais:Subsecção COMUM
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, no Tribunal Central Administrativo Sul

I. RELATÓRIO
I...instaurou a presente intimação para a prestação de informações, consulta de processos ou passagem de certidões contra a Agência para a Integração, Migrações e Asilo, I.P. (AIMA, I.P.), na qual pede seja esta entidade intimada para, relativamente à candidatura do requerente ao Programa ARI, informar do (i) ponto de situação sobre o andamento do seu processo; (ii) data para a recolha dos seus dados biométricos; (iii) eventuais deficiências no procedimento que sejam necessárias suprir; e (iv) outras informações relevantes para que o requerente possa ter a exata noção do tempo expetável para a conclusão do processo.
Por sentença de 10/04/2024, o Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa - Juízo Administrativo Comum julgou extinta a instância, por inutilidade superveniente da lide, quanto ao pedido relativo à existência de deficiência ou irregularidade no processo que seja necessária suprir e/ou que esteja a impedir o andamento do processo dentro dos prazos legalmente previstos, e improcedente quanto ao demais.
Inconformado, o autor interpôs recurso, terminando as alegações com a formulação das conclusões que seguidamente se transcrevem:
“1)
Vem o presente Recurso interposto da sentença proferida pelo tribunal a quo em 10.04.2024, a qual, embora tendo reconhecido que o Recorrente possuía um interesse na obtenção da informação requerida, acabou por decidir “extinta a instância, por inutilidade superveniente da lide, quanto ao pedido identificado no ponto 2)”, e pela improcedência da ação “quanto ao demais”, isto é, quanto aos pedidos formulados em 1) e 3) do Requerimento Inicial, absolvendo a Entidade Recorrida desses pedidos.
2)
Entende a decisão de que ora se recorre, relativamente ao ponto 2) do pedido, que a pretensão do Recorrente se encontra, agora, na pendência dos presentes autos, integralmente satisfeita, decidindo-se pela extinção da instância por inutilidade superveniente, no que concerne a tal pedido de informação, nos termos do disposto no artigo 277.º, alínea e) do CPC aplicável ex vi artigo 1º do CPTA.
3)
A decisão de que ora se recorre entende ainda quanto aos pontos 1) a 3) do pedido formulado pelo Recorrente que a informação que o mesmo pretende ver satisfeita pela Recorrida reporta-se a “factos futuros, reportada a vicissitudes e a atos administrativos inexistentes”, não cabendo, por isso, “no âmbito do direito de informação procedimental” e, por conseguinte, considera que não está a Entidade Requerida obrigada a produzir ou praticar novos atos para satisfazer a pretensão do Requerente, pugnando pela improcedência da presente intimação quanto a estes pedidos.
4)
Salvo o devido respeito, que é muito, conforme adiante se demonstrará, a decisão recorrida é manifestamente contrária à lei, tendo o Tribunal recorrido feito uma errada interpretação sobre matéria de direito, colocando em causa diversas normas jurídicas que, dessa forma violou, mais concretamente, o que se julga disposto no artigo 268.º, n.ºs 1 e 2 da Lei Fundamental e no artigo 82.º do CPA.
5)
O Tribunal a quo ao considerar na decisão de que ora se recorre que “parte do pedido formulado foi satisfeito pela Entidade Requerida” atua em manifesto o erro de julgamento, uma vez que a resposta apresentada pela Entidade Recorrida não possui a virtualidade de satisfazer o direito de informação procedimental do Recorrente, nem tão pouco, apresenta qualquer justificação razoável para não o fazer.
6)
A decisão a quo encontra-se ainda ferida de erro de julgamento quando pugna pela improcedência dos pedidos formulados pelo Recorrente nos pontos 1) e 3) do Requerimento Inicial, na medida em que, a satisfação de tais pedidos não implica a produção ou prática de novos atos, como entende, erroneamente, o Tribunal a quo.
7)
No que concerne à pretensão informativa do Recorrente quanto a obter informação sobre “se existe alguma deficiência ou irregularidade no processo que seja necessária suprir e/ou que esteja a impedir o andamento do processo dentro dos prazos legalmente previstos”, nada refere, concretamente a Entidade Recorrida.
8)
No entanto, tal não poderá significar que estamos perante uma resposta de teor negativo, por parte da Requerida, quando se questiona sobre a eventual existência de deficiências ou irregularidades no processo de candidatura ARI do Recorrente.
9)
Aliás, da interpretação conjugada da resposta apresentada pela Recorrida com a sentença que ora se recorre, parece resultar que entendeu o douto tribunal que a resposta da Recorrida foi esclarecedora sobre a eventual existência de deficiências ou irregularidades no processo de candidatura ARI do Recorrente quando declarou que a sua candidatura ainda não foi objeto de formalização, pelo que ainda não foi também objeto da análise necessária para que se pudesse encontrar alguma deficiência ou irregularidade.
10)
No entanto, não resulta de qualquer normativo, nem sendo, sequer, a prática comum dos serviços, que as candidaturas ARI só sejam formalizadas com a entrega física, junto dos serviços da Entidade Demandada, dos documentos legalmente exigidos, sendo que tal interpretação consubstancia uma manifesta violação do princípio da legalidade.
11)
Dispõe o artigo 81.º da Lei n.º 23/2007, de 4 de julho, sob a epígrafe “Pedido de autorização de residência” que, “O pedido de autorização de residência pode ser formulado pelo interessado ou pelo representante legal e deve ser apresentado junto do SEF”.
12)
Por sua vez, dispõe o n.º 1 do artigo 51.º do Decreto-Lei n.º 84/2007, de 05 de Novembro, na sua versão atualizada pelo Decreto regulamentar n.º 4/2022, de 30 de setembro (Regulamenta o Regime jurídico de entrada/permanência/saída/afastamento dos estrangeiros) que “O pedido de concessão e de renovação de autorização de residência ou de cartão azul UE é formulado em impresso próprio e assinado pelo requerente ou pelo seu representante legal e pode ser apresentado em qualquer direção ou delegação regional do SEF, que o pode remeter, após instrução e decisão, para a direção ou delegação regional da área de residência do requerente”.
13)
Adicionalmente, prevê o n.º 9 do mesmo preceito legal que “Os pedidos de renovação de autorização de residência e de concessão de autorização de residência podem ser apresentados através da plataforma eletrónica, sendo dispensada a entrega de documentos e recolha de dados biométricos já integrados no fluxo de trabalho eletrónico do SEF, sem prejuízo de poder ser solicitada a sua exibição no momento da deslocação do SEF”. (negrito e sublinhado nosso)
14)
O teor da norma acabada de citar evidencia que o pedido de autorização de residência para atividade de investimento (ARI) pode ser apresentado por via eletrónica, constituindo a exibição e entrega dos documentos já transmitidos no sítio da plataforma online e a recolha dos dados biométricos um mero procedimento de finalização do pedido, o qual ocorre em momento posterior à sua efetiva submissão.
15)
Aliás, o requerimento para a obtenção de autorização de residência para atividade de investimento inicia-se e conclui-se quase integralmente online, uma vez que os seus Requerentes estão obrigados a juntar toda a documentação essencial para a apreciação do seu pedido.
16)
Tanto assim é que, no momento da submissão dos seus pedidos de autorização de residência para atividade de investimento, através da plataforma online, devem os Requerentes, obrigatoriamente, juntar o comprovativo do investimento já realizado em território nacional nos termos do nº 12 do artigo 65º-A do Decreto Regulamentar nº 84/2007, de 5 de novembro.
17)
Do acabado de expor resulta claro que a interpretação segundo a qual só se verificaria a efetivação do pedido de residência após a entrega de documentos complementares no dia designado para a recolha dos dados biométricos dos Requerentes junto da Entidade Requerida, o que muitas das vezes ocorre decorridos mais de dois/três/quatro anos sobre a realização do investimento, seria gravemente (ainda mais) atentatório dos direitos dos Requerentes se tivessem que aguardar por este intervalo de tempo para dar formalmente início ao procedimento, após terem afetado uma parte significativa das suas economias no investimento realizado em Portugal.
18)
Entendimento diferente sempre colidiria com o disposto no artigo 86º, nº 1, do CPA, que expressamente impõe aos órgãos administrativos que se pronunciem, na falta de disposição especial, no prazo máximo de 10 dias.
19)
Mais, atento o teor do Manual de Procedimentos Relativo à Autorização de Residência para Investimento, o qual foi objeto de aprovação pelo membro do Governo responsável pela área de Administração interna, resulta expressamente do ponto 1.1.2 que “Os comprovativos da realização do investimento devem ser apresentados no momento da apresentação do pedido ARI”.
20)
E atento o facto de inexistir, na legislação que regula a autorização de residência para atividade de investimento em Portugal, qualquer definição expressa relativamente ao momento em que se deve considerar formalizado ou efetivamente submetido o “pedido” de autorização de residência, a concretização desse elemento essencial à correta interpretação da lei deverá seguir o preceituado no artigo 9º do CC.
21)
Resultando do preâmbulo do Decreto Regulamentar nº 84/2007, de 5 de novembro, na sua última versão introduzida pelo Decreto Regulamentar nº 4/2022, de 30 de setembro, que o regime jurídico de entrada, permanência, saída e afastamento de cidadãos estrangeiros do território nacional, “assenta numa opção realista e equilibrada: favorecer a imigração legal, desincentivar e contrariar a imigração ilegal, combater a burocracia, tirar partido das novas tecnologias para simplificar e acelerar os procedimentos, inovar nas soluções”.
22)
Constando igualmente do preâmbulo relativo ao regime jurídico acabado de citar que “reduziram-se ao mínimo indispensável os requisitos da prova documental e outros que devam ser apresentados e criaram-se canais céleres que facilitam os fluxos de informação interserviços”.
23)
A adoção do Decreto Regulamentar n.º 84/2007, de 5 de novembro, na sua atual versão de 30 de setembro de 2022, mais não visa se não a simplificação e agilização tecnológica de todos os procedimentos relativos a pedidos de visto ou de residência a cidadãos estrangeiros, uma vez que o próprio Governo deixou claro que “o novo regime de concessão de autorização de residência a estrangeiros que queiram investir ou desenvolver uma actividade empresarial no país, contribuindo, assim, para a atração de investimento criador de emprego e de riqueza” é fundamental para a economia nacional.
24)
Assim, a única interpretação que vai de encontro aos fins preconizados pelo Governo (expressos no Decreto Regulamentar nº 84/2007, de 5 de novembro) é aquela que permite que o pedido se considere submetido e formalizado pelo Requerente, ou pelo seu Representante legal, aquando da sua submissão online acompanhado de todos os documentos exigidos, e após o pagamento da competente taxa de análise.
25)
Entendimento diverso, sempre colidiria com a vontade do legislador, quando alterou o artigo o artigo 15.º, n.º 4 da Lei da Nacionalidade de forma a contemplar que para efeitos de contagem do prazo para pedir a nacionalidade será considerado “o tempo decorrido desde o momento em que foi requerido o título de residência temporária, desde que o mesmo venha a ser deferido”.
26)
O que antecede serve para dizer que, o entendimento sufragado pela Recorrida consubstancia, por isso, uma negação dos elementos históricos e teleológicos necessários à correta interpretação das normas nesta matéria, resultando ainda numa clara violação dos princípios da legalidade, da prossecução do interesse público, da boa administração, da proporcionalidade, da justiça, razoabilidade e boa-fé, com os quais a Entidade Demandada deve conformar a sua atuação nos termos dos artigos 3.º a 8.º e 10.º do CPA.
27)
Conforme já mencionado supra, a correta interpretação das leis apela também à consideração do seu elemento sistemático, a saber, a sua integração no regime jurídico que o enquadra e nomeadamente a sua adequação com as restantes normas que o compõem.
28)
Por todos estes motivos, verifica-se que a interpretação defendida pela Recorrida não tem qualquer suporte legal ou interpretativo.
29)
Continuando por esclarecer, e por satisfazer o direito à informação procedimental da titularidade do Recorrente, no que concerne ao pedido de informação disposto sob o ponto “2. Se existe alguma deficiência ou irregularidade no processo que seja necessária suprir e/ou que esteja a impedir o andamento do processo dentro dos prazos legalmente previstos”.
30)
Ao ter determinado a inutilidade superveniente da lide o Tribunal recorrido interpretou e aplicou mal o que se encontra disposto no artigo 95.º do CPA que, dessa forma, violou e, ao ter decidido como decidiu, o Tribunal a quo coartou definitivamente ao Recorrente o direito à informação procedimental de que é titular, em clara violação do disposto no artigo 268.º, n.ºs 1 e 2 da Lei Fundamental e do artigo 82.º do CPA, disposições igualmente colocadas em causa.
31)
Razão pela qual se verifica um manifesto erro de julgamento do Tribunal a quo quanto a esta matéria.
32)
Já no que concerne à pretensão informativa do Recorrente quanto a obter informações sobre “a data expectável para a recolha dos seus dados biométricos” e, na falta de previsão atual e concreta sobre a data a indicação da mesma com uma antecedência de 4 meses, cumpre apreciar a decisão do tribunal a quo quando declara que tais informações incidiam “sobre factos futuros, reportados a vicissitudes e a atos administrativos inexistentes”, concluindo que “não cabe no âmbito do direito de informação procedimental, pois este direito abrange os procedimentos e atos que já tenham sido praticados, que já existam”.
33)
No entanto, ao contrário do que é defendido na decisão a quo, o pedido de informação procedimental que foi dirigido à Recorrida não implica a prática de novos atos administrativos.
34)
Note-se que o Recorrente solicitou, sob o ponto 1) do seu pedido: informações/esclarecimentos quanto à “data expectável para a recolha dos seus dados biométricos”, sendo que a resposta a tal informação é solicitada sob a uma perspetiva de ‘expectabilidade’ e, por conseguinte, não implica a produção de quaisquer efeitos jurídicos externos. Tratando-se, meramente, de um pedido de estimativa, para o qual bastará um mínimo de organização e planeamento tendo por base aquilo que são os procedimentos da Entidade Recorrida, para responder.
35)
Não terá a Recorrida de tomar qualquer decisão, nem praticar qualquer novo ato, mas apenas terá de organizar os processos semelhantes que tem “em mão” e distribuí-los, de maneira adequada, conforme a disponibilidade que espera ter nos próximos tempos.
36)
Trata-se, portanto, de exigir à Recorrida um mínimo de organização em termos práticos que possibilite a prestação de estimativas consoante um planeamento procedimental diligente, não sendo necessário, para tal, a prática de qualquer ato administrativo.
37)
O mesmo se aplica, mutatis mutandis, quanto ao pedido de esclarecimento que resulta do ponto 3).
38)
Importa assim referir que para responder a tais questões a Recorrida não tem de adotar comportamentos criativos ou vinculativos, tendo apenas de olhar para o processo do Recorrente, numa perspetiva individual e objetiva, e transmitir as informações relativas ao mesmo que possam interessar ao Recorrente, considerando a necessidade manifestada de satisfação do seu direito à informação procedimental.
39)
Assim sendo, e no que concerne ao indeferimento das questões solicitadas sob os pontos alíneas 1) e 3), não se pode concluir que a satisfação de tais questões implique a produção ou prática de novos atos.
40)
A satisfação de tais pretensões apenas exige à Recorrida que execute o trabalho a que ficou adstrita quando o Recorrente submeteu o seu pedido na plataforma dentro do prazo que a lei prevê, sendo esta a sua contra obrigação face às obrigações, cumpridas, do Recorrente, nomeadamente, a disponibilização da documentação necessária ao procedimento ARI, a realização do respetivo investimento (de trezentos e cinquenta mil euros) e a junção de outros documentos/elementos e informações ao processo, pelo que deverá a Recorrida responder às questões solicitadas, pois as mesmas não implicam a prática de atos novos, mas apenas a obrigam a dar continuidade a um processo que há muito se encontra pendente com grave prejuízo para o Recorrente.
41)
Como suporte a este entendimento, no que concerne ao indeferimento das questões solicitadas nas alíneas b) a d), veja-se o disposto no Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, relativo ao processo n.º 684/21.6BELSB e datado de 21.04.2022 (consultável em www.dgsi.pt), que dispõe, conforme se cita, parcialmente, que:
“I - Perante pedido de prestação de informações relativamente ao qual a entidade requerida antecipa implicar trabalho desproporcionado e desrazoável, cabe-lhe alegar e demonstrar que a respetiva pesquisa implica de antemão uma sobrecarga de trabalho administrativo, em função designadamente da quantidade de procedimentos que teriam de ser objeto da mesma.
II - Caso os pedidos formulados pelo requerente não impliquem a criação ou adaptação de documentos, ou o fornecimento de extratos de documentos, não se encontram no âmbito de aplicação do esforço desproporcionado justificativo da denegação do direito de acesso, previsto no artigo 13.º, n.º 6, da LADA.”
42)
Resulta do supra exposto que os pedidos dispostos sob os pontos 1) e 3) cabem no âmbito da presente intimação, pelo que o tribunal a quo, ao ter decidido como decidiu, coartou definitivamente ao Recorrente o direito à informação procedimental de que é titular, em clara violação do disposto no artigo 268.º, n.ºs 1 e 2 da Lei Fundamental e do artigo 82.º do CPA, disposições igualmente colocadas em causa, atuando também nesta parte em manifesto erro de julgamento.
43)
Enfatiza-se ainda que o Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa já proferiu outras sentenças sobre matéria idêntica à dos presentes autos em que pugnou pela procedência da intimação para a prestação de informações e, em consequência, condenou a Entidade Recorrida a prestar as informações solicitadas pelos aí Requerentes, informações essas, que eram em tudo idênticas às que foram solicitadas pelo Recorrente no âmbito dos presentes autos e que ora se enunciam:
Em 19.05.2023 a Unidade Orgânica 1 do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa (Processo nº 1157/23.8BELSB) decidiu, em suma, o seguinte:
“Em concreto, a informação pretendida versa sobre o andamento do seu processo de autorização de residência para investimento, concretamente, a estimativa de quando irão proceder ao agendamento da recolha dos seus dados biométricos, eventuais deficiências no procedimento que sejam necessárias suprir e outras informações relevantes para que os Requerentes possam ter a exata noção do tempo expectável para a conclusão do processo.
(…)
O alegado pela Entidade Requerida na resposta apresentada não cumpre o peticionado pelos Requerentes, na medida em que se trata de uma resposta vaga sobre a tramitação do pedido de autorização de residência para investimento em termos gerais, que não esclarece os Requerentes de modo completo e claro sobre o seu processo em concreto, particularmente, a data aproximada da recolha dos seus dados biométricos, se existem deficiências no procedimento, e qual o tempo previsto para a conclusão do aludido processo. (…)” (negrito e sublinhado nosso)
Ainda nesse sentido importa ter em conta a sentença proferida em 03.09.2023, pela Unidade Orgânica 3 do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, no âmbito do Processo 1663/23.4BELSB que numa situação idêntica ao do processo que ora se recorre concluiu, em suma, no seguinte sentido:
“No caso concreto, verifica-se que os Requerente solicitaram, relativamente ao seu pedido de autorização de residência e reagrupamento familiar, que lhe fossem prestadas as seguintes informações (conforme factos assentes em 3) e 5) do probatório):
i. Qual o andamento do seu processo;
ii. Quando será possibilitado aos interessados o agendamento da recolha de dados biométricos;
iii. Eventuais deficiências no procedimento que sejam necessárias suprir;
iv. Informações relevantes para ter a exata noção do tempo expetável para a conclusão do processo.
(…)
Considerando que não se antevê qualquer circunstância que impeça o acesso às informações pretendidas por parte dos Requerentes sem a necessidade de mais amplas considerações, será de intimar a Entidade Requerida à prestação das informações solicitadas”. (negrito e sublinhado nosso
Também neste sentido decidiu, em 09.10.2023, a Unidade Orgânica 3 do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, no âmbito do Processo 268923.3BELSB, quando determinou, em suma, que:
“O requerente pediu à entidade requerida que o informasse sobre:
a) o ponto da situação sobre o andamento do procedimento de concessão de autorização de residência para atividade de investimento;
b) a data para agendamento da recolha dos dados biométricos;
c) a existência de deficiências no procedimento que seja necessário suprir;
d) outros aspetos relevantes para que possa ter a exata noção do tempo expetável para conclusão do processo [cfr. ponto 1), da matéria de facto].
(…)
Por outro lado, as pretensões formuladas pelo requerente supra descritas nas alíneas b) e d) encontram cobertura nas referidas disposições do CPA2015 que confere ao interveniente no procedimento o direito de ser informado sobre “quaisquer outros elementos solicitados, mas na estrita medida em que as mesmas resultem de elementos que se encontrem na posse da entidade requerida. (negrito e sublinhado nosso)
(…)
Por este motivo, e quanto às pretensões elencadas nas alíneas b) e d), a entidade requerida deverá, a final, ser intimada a informar o requerente da “data para agendamento da recolha dos dados biométricos” caso essa informação conste do procedimento ou a informar o requerente de que não dispõe da informação. Por motivos idênticos, a entidade requerida deverá ser intimada a informar o requerente da data previsível para a decisão de concessão de ARI dos conexos pedidos de concessão de autorizações de residência ao abrigo do instituto do reagrupamento familiar, caso disponha de elementos para o efeito, devendo, na hipótese inversa, informar o requerente de que não dispõe dos referidos elementos.” (negrito e sublinhado nosso)
44)
Atento ao teor dos citados Acórdãos que, reitera-se, têm por base uma situação em tudo idêntica à dos presentes autos, nomeadamente quanto aos pedidos formulados pelos Requerentes, os mesmos revelam à saciedade que mal andou o Tribunal a quo ao decidir como decidiu, coartando o direito do Recorrente a ser esclarecido quanto aos pedidos que formulou.
45)
Assim, ao decidir como decidiu, o Tribunal a quo violou o disposto no artigo 268.º, n.ºs 1 e 2 da Lei Fundamental e também o disposto no artigo 82.º do CPA, disposições que igualmente violou.
46)
Certo é que, a lide mantém a sua utilidade, devendo a decisão em crise ser revogada e substituída por outra que ordene o prosseguimento da lide intimando a entidade requerida a prestar ao Requerente as informações solicitadas nos termos do artigo 104º e ss. do CPTA.”
Não foram apresentadas contra-alegações.
O Ministério Público emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso, por sufragar na íntegra os fundamentos de direito vazados, de forma exaustiva e criteriosa, na sentença a quo.
*

Perante as conclusões das alegações da recorrente, sem prejuízo do que seja de conhecimento oficioso, cumpre aferir dos erros de julgamento da decisão recorrida quanto a:
- considerar satisfeito o pedido formulado no ponto 2;
- julgar improcedentes os pedidos formulados pelo recorrente nos pontos 1) e 3) do requerimento inicial, não implicando a satisfação de tais pedidos a produção ou prática de novos atos.

Dispensados os vistos legais, atenta a natureza urgente do processo, cumpre apreciar e decidir.
*

II. FUNDAMENTOS
II.1 DECISÃO DE FACTO
Na decisão recorrida foram considerados provados os seguintes factos:
A. Em 12.12.2023, os mandatários do Requerente remeteram ao Ministério da Administração Interna / AIMA, I.P. missiva, com a referência “Proc. nº 03594/ARI/ 094/20” sob o assunto “Autorização de Residência para Atividade de Investimento – Pedido de Informações V..., cidadão nacional do Zimbabué , nascido em 09.05.1959”, de onde se extrai o seguinte:
“Exmºs Senhores,
Na qualidade de mandatários do Exm º Senhor VI..., cidadã o nacional do Zimbabué, requerente de uma autorização de residência para atividade de investimento no âmbito do processo em referência, vimos solicitar a V. Exªs a prestação de informações sobre o estado do identificado processo.
Em 15.12.2020 o Requerente deu entrada do pedido, também conhecido como “ARI”, na plataforma disponibilizada pelo SEF (http://ari.sef.pt). Também nesta data, foi paga a correspondente taxa de análise, no valor de € 533,00 (quinhentos e trinta e três euros ) , e o processo passou a correr termos sob o n.º 03594/ARI/094/20.
A candidatura foi instruída com todos os documentos exigidos a 08.04.2021, tendo sido aceite.
Ao abrigo do identificado programa ARI , V...realizou em Portugal um investimento no valor de € 3 45 .000,00 (trezentos e quarenta e cinco mil euros) através da aquisição e realização de obras de reabilitação na fração autónoma designada pela letra B, correspondente ao primeiro andar, destinada a habitação, do prédio urbano sito na Rua ...., Lisboa, descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o n.º 811, afeto ao registo da propriedade horizontal registada pela apresentação 6 de 02.07.1983 e inscrito na respetiva matriz predial urbana sob o artigo 901 da freguesia do Areeiro.
Em 28.12.2021, o Requerente foi notificado por V. Exªs. para aceder à plataforma e proceder ao agendamento dos seus dados biométricos entre os dias 28.12.2021 e 07.01.2022.
Em cumprimento da informação enviada por V. Exªs. o ora Requerente acedeu à plataforma ARI mas apenas existiam vagas para os primeiros 5 (cinco) dias de Janeiro de 2022, o que atendendo ao curto espaço de tempo não lhe permitia obter o necessário visto para viajar para Portugal nos dias disponíveis.
Por essa razão, optou por não selecionar uma data para os primeiros cinco dias de Janeiro de 2022.
Desde esse email de 28.12.2021, o Requerente não voltou a ser notificado por V. Exªs. para novo atendimento.
O Requerente pretende residir em Portugal, mas tal situação não se tem mostrado possível considerando que, apesar da sua candidatura já ter sido aceite, a mesma não teve qualquer andamento desde 28.12.2021 , designadamente, com o necessário agendamento para recolha dos seus dados biométricos.
O Requerente V...afetou grande parte das suas economias ao investimento realizado em Portugal e fundou legítimas expectativas na obtenção de um direito de residência para si.
Por este motivo vê agora gorados os seus objetivos de vida, vivendo na incerteza sobre o que o futuro lhe reserva.
Tanto quanto se julga saber, no caso concreto do Requerente não existe qualquer impedimento legal ou outro que obstaculize a aprovação do pedido ou, quando muito, a AIMA ainda não informou sobre qualquer impedimento ao regular andamento do seu processo.
Desde a apresentação da candidatura e da sua aceitação pelos serviços, o Requerente não recebeu qualquer atualização sobre o seu andamento.
Pelo que solicita a V. Exªs, ao abrigo do disposto no artigo 82.º do Código do Procedimento Administrativo, se dignem prestar as devidas informações sobre o andamento do seu processo, nomeadamente, para quando estimam proceder ao agendamento da recolha dos seus dados biométricos, quaisquer eventuais deficiências no procedimento que sejam necessárias suprir, e outras informações relevantes para que o interessado possa ter a exata noção do tempo expetável para a conclusão do processo.
Nos termos do artigo 82º, nº 3, do CPA as referidas informações deverão ser prestadas no prazo máximo de 10 dias, prazo este que, face ao protelamento excessivo do processo (mais de 2 anos), deverá ser impreterivelmente cumprido.
(…).” – [cfr. documento n.º 8 junto com o requerimento inicial];
B. Em 17.02.2024, os mandatários do Requerente remeteram ao Ministério da Administração Interna / AIMA, I.P. e-mail, sob o assunto “Autorização de Residência para Atividade de Investimento - V...- Pedido de Informações”, de onde se extrai o seguinte:
“Exmos. Senhores,
Na qualidade de mandatários do Exmº Senhor V..., cidadão nacional do Zimbabué, requerente de uma autorização de residência para atividade de investimento no âmbito do processo 03594/ARI/094/20, vimos solicitar a V. Exªs o seguinte.
Em 12.12.2023, o Sr. V..., ao abrigo do disposto no artigo 82.º do Código do Procedimento Administrativo, solicitou a prestação das devidas informações sobre o andamento do seu suprarreferido processo (cfr. doc. 1 que ora se junta e se dá por integralmente reproduzido).
Até ao momento os V/ serviços nada disseram quanto à informação solicitada.
Conforme preceitua o artigo 82.º do Código do Procedimento Administrativo, os interessados têm o direito de ser informados pelo responsável pela direção do procedimento, sempre que o requeiram, sobre o andamento dos procedimentos que lhes digam diretamente respeito, bem como o direito de conhecer as resoluções definitivas que sobre eles forem tomadas, e ainda os atos e as diligências praticados, as deficiências a suprir pelos interessados, as decisões adotadas e quaisquer outros elementos solicitados.
Considerando que o referido procedimento se encontra pendente há mais de 3 anos, a necessidade de resposta quanto às informações solicitadas mostra-se urgente face aos direitos e interesses colocados em causa por esta já longa pendência.
Importa referir que desde que iniciou o processo em Portugal, a vida do Sr. VI... encontra-se em suspenso, sem que possa perspetivar o futuro ou fazer planos.
O Sr. V... carece de obter informações concretas acerca do seu processo para que possa, com a necessária segurança e certeza, planear a sua vida e a do seu agregado familiar.
No essencial, o Requerente precisa de saber:
1. Qual a data expectável para a recolha dos seus dados biométricos;
2. Se existe alguma deficiência ou irregularidade no processo que seja necessária suprir e/ou que esteja a impedir o andamento do processo dentro dos prazos legalmente previstos;
3. Caso não seja possível prever uma data concreta, considerando que a sua deslocação implica a promoção de um outro procedimento administrativo com vista à concessão de um visto de entrada no país que, por natureza, leva cerca de 4 meses a obter, a fim de poder organizar a sua viagem e garantir a comparência nos V/ serviços, muito agradece que lhe seja indicada uma data expectável com essa antecedência mínima.
4.O Sr. V... encontra-se disponível para prestar qualquer esclarecimento ou fornecer quaisquer documentos que se mostrem necessários, mas requer a V. Exªs se dignem prestar as informações pertinentes para que possa organizar a sua vida e planear o seu futuro.
(…).” – [cfr. documento n.º 9 junto com o requerimento inicial];
C. Em 19.02.2024, em resposta ao e-mail identificado na alínea B) que antecede, a AIMA, I.P., endereçou aos mandatários do Requerente missiva, através da qual informou que “(…) deverá proceder ao agendamento para formalização do pedido” – [cfr. documento n.º 10 junto com o requerimento inicial];
D. Em 06.03.2024, deu entrada neste Tribunal Administrativo de Círculo o requerimento inicial da presente intimação – [cfr. fls. 1 do SITAF].
*

II.2 APRECIAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO

Conforme supra enunciado, as questões a decidir neste processo cingem-se a saber se ocorrem erros de julgamento da sentença recorrida ao considerar satisfeito parte do pedido formulado, no ponto 2), e ao julgar improcedentes os pedidos formulados pelo recorrente nos pontos 1) e 3) do requerimento inicial, não implicando a satisfação de tais pedidos a produção ou prática de novos atos.
Consta da decisão recorrida a seguinte fundamentação:
[O] Requerente peticionou a seguinte informação:
“1. Qual a data expectável para a recolha dos seus dados biométricos;
2. Se existe alguma deficiência ou irregularidade no processo que seja necessária suprir e/ou que esteja a impedir o andamento do processo dentro dos prazos legalmente previstos;
3. Caso não seja possível prever uma data concreta, considerando que a sua deslocação implica a promoção de um outro procedimento administrativo com vista à concessão de um visto de entrada no país que, por natureza, leva cerca de 4 meses a obter, a fim de poder organizar a sua viagem e garantir a comparência nos V/ serviços, muito agradece que lhe seja indicada uma data expectável com essa antecedência mínima.” – cfr. alínea B) dos factos provados.
A Entidade Requerida não respondeu ao requerimento formulado pelo Requerente, limitando-se, no e-mail enviado, a enunciar a tramitação genérica dos procedimentos deste tipo – cfr. alínea C) dos factos provados.
Todavia, a informação requerida pelo Requerente, tal e qual como foi configurada extrajudicialmente, não pode ser, in totum, obtida através do presente meio processual, desde logo porque não pode este Tribunal intimar a Entidade Requerida nos termos pretendidos.
De facto, tem vindo a entender a jurisprudência que a informação sobre a “data previsível para a conclusão do procedimento” – aqui extensível à data previsível para a resolução do erro na plataforma ou a data previsível para a conclusão da renovação do título de residência – consubstancia uma informação “(…) sobre factos futuros, reportada a vicissitudes e a atos administrativos inexistentes (…) [que] não cabe no âmbito do direito de informação procedimental, pois este direito abrange os procedimentos e atos que já tenham sido praticados, que já existam.” – neste sentido, vide o Acórdão do TCA Sul, no âmbito do processo n.º 1950/20.3BELSB, datado de 04.03.2021 (Dora Lucas Neto), disponível para consulta em www.dgsi.pt (sublinhados nossos).
Neste sentido, relatou-se no sobredito acórdão que “(…) no âmbito do direito de informação não cabe o dever da Administração de fornecer, ulteriormente e independentemente de novo requerimento, todas as informações que possam interessar ao Requerente”.
Nestes termos, os pedidos elencados extrajudicialmente sob os números 1) e 3) respeitam a informação sobre factos futuros, conforme descrito, razão pela qual não cabem no âmbito da presente intimação, pelo que improcedem.
Ademais, quanto ao pedido identificado em 2), é de entender que, considerando os termos em que a Entidade Requerida respondeu na pendência dos autos, foi dada cabal satisfação ao mesmo – cfr. artigo 82.º, n.º 1 e 2 do CPA”.
À questão elencada no ponto 2 supra, se existe alguma deficiência ou irregularidade no processo que seja necessária suprir e/ou que esteja a impedir o andamento do processo dentro dos prazos legalmente previstos, respondeu a entidade recorrida que deveria o recorrente proceder ao agendamento para formalização do pedido.
Daqui se retira o necessário esclarecimento quanto à formalidade a cumprir para efeito de andamento do processo, sendo precisamente esse o objeto da aludida questão.
Pelo que censura alguma merece a decisão recorrida ao entender que se encontrava satisfeita esta pretensão.
No que concerne às questões elencadas nos demais pontos, data expectável para a recolha dos dados biométricos e data expectável com a antecedência mínima de 4 meses, como se afigura evidente estão efetivamente em causa factos futuros, conforme se aduz na decisão objeto de recurso.
Factos estes que não cabem no âmbito do direito de informação procedimental.
Conforme se salientou no acórdão deste Tribunal Central Administrativo Sul, já aí trazido à colação, datado de 04/03/2021, proferido no processo n.º 1950/20.3BELSB, e no qual o aqui relator foi um dos signatários, o direito de informação procedimental apenas abrange os procedimentos e atos que já tenham sido praticados, que já existam (no mesmo sentido, veja-se, v.g., o recente acórdão deste Tribunal de 11/04/2024, proferido no processo n.º 2806/23.3BELSB, ambos disponíveis em www.dgsi.pt).
Daqui decorre que necessariamente improcede a intimação da entidade recorrida quanto à prestação dos aludidos esclarecimentos.

Em suma, cumpre negar provimento ao recurso e manter a sentença recorrida.
*

III. DECISÃO
Pelo exposto, acordam os juízes desembargadores deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso e manter a sentença recorrida.


Lisboa, 28 de agosto de 2024
(Pedro Nuno Figueiredo)

(Frederico Branco)

(Isabel Vaz Fernandes)