Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:93/24.5BCLSB
Secção:CA
Data do Acordão:09/20/2024
Relator:LUÍS FERNANDO BORGES FREITAS
Descritores:JUSTIÇA DESPORTIVA
PRESUNÇÕES
FACTO NOTÓRIO
Sumário:I - O princípio da presunção de veracidade dos factos constantes das declarações e relatórios da equipa de arbitragem e do delegado da Liga Portugal, consagrado no artigo 13.º/f) do Regulamento Disciplinar das Competições Organizadas pela Liga Portugal, não retira ao arguido a possibilidade de abalar os fundamentos em que as mesmas se sustentam, mediante a mera contraprova dos factos presumidos.
II - Não é facto notório o de que «todos os jogos da Liga Portugal, com exceção dos que a Sport L..., Futebol SAD disputa na condição de visitado, são televisionados pela operadora Sportv».
III - «Que a Arguida não tem suficiente e eficazmente adoptado e/ou promovido acções de sensibilização e prevenção socioeducativas contra práticas violentas, ofensivas ou perturbadora da ordem pública junto dos seus sócios, adeptos e simpatizantes» não é matéria factual. Os factos a considerar serão as ações tomadas, no caso, pela arguida. Se essas ações são suficientes e eficazes, é matéria conclusiva, a apreciar pelo tribunal em função das concretas ações adotadas.
IV - A constatação de que entraram tochas no estádio – que consubstanciam objeto proibido, nos termos do artigo 35.º/2/f) do Regulamento das Competições Organizadas pela Liga Portuguesa de Futebol Profissional – deve levar-nos a presumir que não foram cumpridos os deveres de garantia das condições de acesso ao recinto desportivo em causa.
V - Não há que efetuar qualquer presunção de incumprimento de deveres in formando a partir do arremesso das tochas por parte dos adeptos do clube adversário.
VI - Sem prejuízo, evidentemente, da crítica que tal comportamento deve merecer – até porque existe a possibilidade de reenviar as tochas para local não ocupado, ao invés de as devolver para o local de onde saíram -, não se julga adequado efetuar a presunção de incumprimento de deveres in formando quando estejam em causa comportamentos de reação dos próprios adeptos, os quais poderão escapar, com facilidade, a todo o conjunto de medidas de incentivo ao espírito ético e desportivo que poderão, e deverão, ser implementadas.
Votação:Unanimidade
Indicações Eventuais:Subsecção SOCIAL
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na Subsecção Social do Tribunal Central Administrativo Sul:


I
V… - FUTEBOL, SAD, apresentou, junto do Tribunal Arbitral do Desporto, contra a FEDERAÇÃO PORTUGUESA DE FUTEBOL, recurso do acórdão de 11.4.2023 do Conselho de Disciplina da Federação Portuguesa de Futebol que, no âmbito do Processo Disciplinar n.° 63-22/23, a condenou pela prática da infração disciplinar p. e p. pelo artigo 118.º/a) do Regulamento Disciplinar das Competições Organizadas pela Liga Portugal, por referência ao artigo 35.º/1/a), b), c), f) e o) e n.º 2/f) do Regulamento das Competições Organizadas pela Liga Portuguesa de Futebol Profissional, na sanção de interdição do seu recinto desportivo por um jogo e na sanção de multa no montante de € 8.920,00.

Por acórdão de 25.3.2024 o Tribunal Arbitral do Desporto julgou procedente a ação arbitral e, em consequência, revogou o referido acórdão de 11.4.2023 do Conselho de Disciplina da Federação Portuguesa de Futebol.

Inconformada, a Federação Portuguesa de Futebol interpôs recurso dessa decisão para este Tribunal Central Administrativo. Formulou as seguintes conclusões, que se transcrevem:

1. O presente recurso tem por objeto o Acórdão Arbitral proferido no âmbito do processo de ação arbitral necessária n.º 29/2023, que declarou procedente a ação interposta pela ora Recorrida e determinou a revogação do acórdão de 11 de Abril de 2023, proferido pelo Pleno do Conselho de Disciplina da Federação Portuguesa de Futebol - Secção Profissional, através do qual, para o que ora interessa, se decidiu aplicar à ora Recorrida a sanção de interdição do recinto desportivo por um jogo e de multa no montante de € 8.920,00 (oito mil novecentos e vinte euros), por aplicação do artigo 118.º do RD da LPFP por referência ao artigo 35.º, n.º 1, alíneas a), c), f) e o) e n.º 2 alínea f) do RCLPFP;
2. Em concreto, a Recorrida havia sido punida pelo Conselho de Disciplina por, sinteticamente, os adeptos a si afetos, identificados através da cor das suas vestes e cachecóis, situados na Bancada Norte Superior (visitados), arremessaram as tochas que lhes foram enviadas pelos adeptos da S… -Futebol, SAD, de volta para a bancada onde estes se encontravam alocados, factos de que resultou uma situação de perigo concreto;
3. A decisão que ora se impugna é passível de censura, porquanto existe factualidade erradamente dada como não provada, bem como erros de julgamento na interpretação e aplicação do Direito invocado, designadamente na aplicação do artigo 13.º, al. f) e 118.º, do RDLPFP, e bem assim, quando se entende que a presunção de veracidade dos relatórios dos Delegados da LPFP foi ilidida e que não se verificou qualquer violação de deveres por parte da Recorrida e que ainda que assim se entenda, dessa violação não resultou a criação de qualquer situação de perigo concreto e ainda quando se entende existir violação dos princípios da culpa e da presunção de inocência da Recorrida;
4. A questão essencial trazida ao crivo deste TCA - responsabilização dos clubes pelos comportamentos incorretos dos seus adeptos - revela uma especial relevância jurídica e social e sem dúvida que a decisão a proferir é necessária para uma melhor aplicação do direito;
5. Assume especial relevância social a forma como a comunidade olha para o crescente fenómeno de violência generalizada no futebol - seja a violência física, seja a violência verbal, seja perpetrada por adeptos, seja perpetrada pelos próprios dirigentes dos clubes;
6. Resulta do quadro normativo nacional desportivo nas últimas décadas, que a prevenção e combate à violência no desporto tem sido nas últimas décadas um valor bem impressivo acautelado juridicamente por várias entidades, sejam elas públicas ou privadas, pelo que, Portugal ao ter recolhido firmemente este valor nas suas normas constitucionais e infraconstitucionais, assumiu o dever da prevenção e combate à violência associado ao desporto - a denominada violência exógena, para além da inerente à prática desportiva presente em algumas modalidades - de forma categórica, implicando que cada entidade assuma e operacionalize cabalmente as suas atribuições e incumbências legais. Assim o tem feito o Conselho de Disciplina da FPF da Recorrente;
7. Em causa nos presentes autos estão, essencialmente, comportamentos dos adeptos relacionados com o arremesso de objetos pirotécnicos – tochas - para uma bancada onde se encontravam adeptos da equipa adversária;
8. São deveres dos clubes, assegurar que os seus adeptos não têm comportamentos incorretos, o que decorre dos regulamentos federativos, é certo, mas também da Lei e da Constituição;
9. O Tribunal a quo, erradamente, dá como não provada diversa factualidade que resulta cristalina da prova produzida nos autos;
10. Com efeito, quanto ao facto não provado 1, deverá ser aditado à factualidade dada como provada o seguinte ponto: "Que a Bancada Norte Superior (fora da ZCEAP), seja afeta exclusivamente aos adeptos da Arguida S… Futebol, SAD", que resulta do depoimento da testemunha P… e dos relatórios de Delegado e de Policiamento Desportivo de fls. 12 a 14, 38 a 41 e 51 a 54, e bem assim, no Acórdão recorrido que afirma expressamente que uma parte da referida bancada é "afeta exclusivamente aos adeptos dos Clubes visitantes";
11. Quanto ao facto não provado 2, deverá alterar-se a factualidade dada como provada, designadamente o seu ponto 3.5, que deve passar a ter a seguinte redação: "Subsequentemente, da zona da Bancada Norte Superior, afecta pela Demandante V… Futebol, SAD ao seu público, aos Patrocinadores da Liga PFP e respetivos convidados, foram arremessadas, por adeptos da Demandante V…, Futebol SAD, para a Bancada onde se encontravam os adeptos afetos ao S…, duas tochas que foram anteriormente arremessadas pelos adeptos da S… -Futebol, SAD para aquela Bancada Norte Superior", factualidade que resulta dos relatórios do delegado da LPFP e de policiamento desportivo - a fls 12 a 14, 38 a 41 e 51 a 54 e do depoimento da testemunha P…, designadamente aos 22m05s e aos 23m,20s da audiência arbitral;
12. Nesta sede, sempre se diga que o facto de o relatório das forças policiais referir que foram arremessadas duas tochas e o relatório de delegado da LPFP aludir apenas ao arremesso de uma tocha, belisque a presunção de veracidade de que ambos os relatórios gozam, porquanto é plausível que o que as forças policiais viram possa não ter sido visto pelo Delegado da LPFP e vice-versa;
13. Não pretendeu o legislador que um relatório sirva para corroborar o outro, mas sim, que os factos nos mesmos descritos tenham presunção de veracidade;
14. Quanto ao facto não provado 3, deve a factualidade dada como provada ser alterada, designadamente o seu ponto 6.5, que deve passar a ter a seguinte redação: "Sucede, que que tais comportamentos ocorreram no decurso do jogo, tendo os adeptos de ambas as Sociedades Desportivas arremessado artigos pirotécnicos (tochas) de/e para as bancadas onde, respetivamente, se encontravam alocados, sendo que, para a bancada onde se encontravam adeptos da V…, Futebol SAD, haviam sido distribuídos por esta SAD convites a patrocinadores da V… -Futebol, SAD", factualidade que resulta do relatório do delegado da LPFP e o relatório da forças policiais, de fls. 12 a 14, 38 a 41 e 51 a 54, e do depoimento da testemunha P…, designadamente aos 17m10s„ aos 18m43s, aos 36m17s, aos 22m05s e aos 23m20s da audiência arbitra! e do depoimento da testemunha N… aos 48m20s, aos 49m45s e aos 50m25s da audiência arbitral;
15. Quanto ao facto não provado 4, deve ser aditada à factualidade dada como provada o seguinte ponto: "Da referida atuação resulta, em especial do arremesso de artigos pirotécnicos (tochas incandescentes), uma situação de perigo, quer para a vida e segurança dos espectadores que assistiam ao jogo, quer para a tranquilidade e a segurança públicas", factualidade que resulta da própria conclusão do Tribunal a quo que afirma que "no caso da S…-Futebol, SAD tal facto individualmente considerado, poderia eventualmente ser mantido", ou seja que o arremesso de tochas por parte dos adeptos do S… na direção da bancada onde se encontravam adeptos da Recorrida, provoca e resulta na criação de uma situação de perigo, sendo forçoso concluir que, o arremesso de tochas por parte de adeptos da Recorrida para uma bancada onde se encontram adeptos do S…, cria também uma situação de perigo quer para a vida e segurança dos espectadores que assistiam ao jogo, quer para a tranquilidade e a segurança públicas;
16. A referida factualidade resulta ainda das regras de experiência e segundo juízos de normalidade e razoabilidade, de acordo com os padrões normais, bem entendido, pelo facto de o arremesso de tochas para uma bancada onde se encontram pessoas, cria uma situação de perigo para aquelas, e bem assim, do depoimento da testemunha P… aos 28m25s e aos 36m17s da audiência arbitral;
17. Quanto ao facto não provado 5, deverá ser aditado à matéria de facto provada o seguinte ponto: "Conforme é de conhecimento público, o jogo em apreço nos autos foi transmitido em direto e teve ampla repercussão mediática, resultando ainda da sobredita atuação grave prejuízo para imagem e bom nome das competições profissionais de futebol", factualidade que resulta da ampla repercussão mediática que o jogo em crise nos autos teve e atendendo aos factos em crise nos presentes autos, e bem assim, do relatório do delegado da LPFP de fls. 7 a 12;
18. A referida factualidade resulta ainda de artigos noticiosos cujos links constam dos autos, porquanto foram indicados em sede de contestação e supra se transcrevem, onde se afirma, designadamente "arremesso de cadeiras, garrafas e tochas levou à intervenção da PSP à bastonada no V… - S…" e "Cadeiras e tochas a voar no dérbi do Minho";
19. Quanto ao facto não provado 6, deve ser aditado à matéria de facto dada como provada, o seguinte ponto: "Que as Arguidas não têm suficiente e eficazmente adoptado e/ou promovido acções de sensibilização e prevenção socioeducativas contra práticas violentas, ofensivas ou perturbadora da ordem pública junto dos seus sócios, adeptos e simpatizantes", factualidade que resulta do cadastro disciplinar da Demandante- a fls. 33 a 37, onde entre outras sanções, constam: 37 sanções pela prática da infração p. e p. no artigo 187.º do RDLPFP - Comportamento incorreto do público; 2 sanções pela prática da infração p. e p. no artigo 186.º do RDLPFP - Arremesso perigoso de objetos; 3 sanções pela prática da infração p. e p. no artigo 182.º do RDLPFP - Agressões graves a espetadores e outros intervenientes; 3 sanções pela prática da infração p. e p. no artigo 183.º do RDLPFP - Arremesso perigoso de objetos com reflexo no jogo; 1 sanção pela prática da infração p. e p. no artigo 180.º do RDLPFP-Invasões e distúrbios coletivos com reflexo no jogo; 1 sanção pela prática da infração p. e p. no artigo 181.º do RDLPFP-agressão simples com reflexo no jogo por período igual ou inferior a 10 minutos, que em concreto motivou a sanção de um jogo à porta fechada, tudo num período inferior a três épocas desportivas;
20. Quanto ao facto não provado 7, deve ser aditado à matéria de facto dada como provada, o seguinte ponto: ''Que as Arguidas agiram assim, de forma livre, consciente e voluntária, bem sabendo que o seu comportamento (omissivo), ao não cumprirem com o seu dever de acautelar, precaver, formar, zelar e incentivar o espírito ético e desportivo junto dos seus sócios/adeptos e simpatizantes, constituía comportamento previsto e punido pelo ordenamento jus-disciplinar desportivo, de que resultou perigo para a vida e segurança dos espectadores e para a tranquilidade e a segurança públicas, bem como prejuízo para a imagem e bom nome das competições de futebol, não se abstendo, porém, de o realizar", factualidade que resulta da análise conjugada de toda a prova produzida e da convicção do julgador, fundada nas regras de experiência e segundo juízos de normalidade e razoabilidade, de acordo com os padrões normais;
21. Ademais, tal factualidade resulta provada porquanto, pela factualidade em crise, designadamente a entrada e arremesso de objetos proibidos, a Recorrida falhou com o dever de assumir a responsabilidade pela segurança, até porque, lhe compete, ainda que com supervisão das forças policiais, assegurar a revista na entrada do recinto desportivo, pelo que, incumpriu com o dever previsto no artigo 35.º, n.º l, al. a) do RCLPFP;
22. E bem assim, não se constatando que a Recorrida tenha aplicado medidas sancionatórios aos seus associados envolvidos em perturbações da ordem pública, designadamente impedindo o acesso aos recintos desportivos nos termos e condições do respetivo regulamento ou promovendo a sua expulsão do recinto. E note-se, atendendo ao cadastro disciplinar, teria muito por onde aplicar medidas, mas tem-se demitido também do cumprimento desse dever previsto no artigo 35.º, n.º 1, al. c) do RDLPFP.
23. Acresce que, mais notório ainda é o incumprimento do dever de garantir que são cumpridas todas as regras e condições de acesso e de permanência de espetadores no recinto desportivo, porquanto só tal incumprimento justifica que tenham entrado no recinto desportivo tochas que foram posteriormente arremessadas na direção de adeptos, verificando-se incumprido também o dever previsto no artigo 35.º, n.º 1, al. f) do RDLPFP;
24. Saliente-se que, para efeito do disposto na aludida al. f) do n.º 1 do artigo 35.º do RDLPFP, são considerados proibidos todos os objetos, substâncias e materiais suscetíveis de possibilitar atos de violência, designadamente "substâncias corrosivas ou inflamáveis, explosivas ou pirotécnicas, líquidos e gases, fogo-de-artifício, foguetes luminosos (very-lights), tintas, bombas de fumo ou outros materiais pirotécnicos", designadamente tochas, cuja entrada no recinto desportivo do jogo em crise nos autos, promovido pela Recorrida, é demonstrativa da falha da Recorrida no cumprimento daquele dever;
25. Queda também por demonstrar que a Recorrida cumpra com o dever de desenvolver ações de prevenção socioeducativa, nos termos da lei, porquanto se tal se verificasse, o cadastro disciplinar que a Recorrida exibe, por mau comportamento dos seus adeptos, não era tão extenso, verificando-se também incumprimento do dever previsto no artigo 35.º, n.º 1, al. o) do RDLPFP;
26. Atendendo ao exposto, no que à alteração da matéria de facto dada como provada diz respeito, andou mal o Tribunal a quo ao considerar que não se encontram preenchidos os elementos do tipo do artigo 118.º do RDLPFP;
27. Os Delegados da Liga e as forças policiais são absolutamente claros ao afirmar que as condutas sub judice foram, sem deixar qualquer margem para dúvidas, perpetradas pelos adeptos da V…, Futebol SAD - cfr. fls. 12 a 14, 38 a 41 e 51 a 54;
28. Tais relatórios gozam de presunção de veracidade nos termos do disposto nos artigos 363.º, n.º 2 e 369.º do Código Civil, e nos termos do disposto no artigo 13.º, f) do RDLPFP no caso dos relatórios dos delegados da LPFP;
29. Para abalar essa convicção cabia à Recorrida, apresentar contraprova. Essa é uma regra absolutamente clara no nosso ordenamento jurídico, prevista desde logo no artigo 346.º do Código Civil. E com o devido respeito, a Recorrida não o fez;
30. Posto isto, nada mais caberia ao Conselho de Disciplina da Demandada provar, designadamente fazer prova de conduta omissiva da Recorrida, porquanto tal seria exigir prova de facto negativo, exigência que tem sido afastada pela jurisprudência dos tribunais superiores;
31. Como tem vindo a ser sublinhado, os clubes, consabidamente, têm que cumprir um conjunto de deveres, legais e regulamentares, enquanto participantes em espetáculos desportivos no âmbito das competições em que estão envolvidos, quer como visitantes quer como visitados, visando prevenir a violência e promover o fair-play, os quais encontramos consignados, desde logo, no artigo 35.º, n.ºs 1, 3 e 6, do RCLPFP2018 e no artigo 6.º do respetivo Anexo VI (Regulamento de Prevenção da Violência) e, de um modo mais abrangente, nos artigos 8.º e 9.º da Lei n.º 39/2009, de 30 de julho que estabelece o regime jurídico do combate à violência, ao racismo, à xenofobia e à intolerância nos espetáculos desportivos, de forma a possibilitar a realização dos mesmos com segurança, (na redação que lhe foi dada pela Lei n.º 40/2023, de 10 de Agosto); os clubes devem, ainda, zelar ativamente pelo cumprimento do estatuído no artigo 35.º, n.º 2, do RCLPFP2018, nos artigos 9.º, 10.º e 11.º do respetivo Anexo VI e nos artigos 22.º, 23.º, 24.º e 25.º da Lei n.º 39/2009, de 30 de julho;
32. No que diz respeito ao cumprimento ou incumprimento dos seus deveres por parte da Recorrida, efetivamente, a Recorrida apenas remete para algumas mensagens escritas nas paredes do estádio, por exemplo, para o cumprimento - ineficiente, como é bom de ver - de algumas obrigações legais, como a contratação de ARD's, a realização - deficiente, e ineficaz, diga-se - de revistas ou o cumprimento das indicações das autoridades policiais, medidas que não são - e não foram - aptas e suficientes para concluir pelo cumprimento dos deveres;
33. Do conteúdo dos Relatórios dos Delegados da LPFP e das Forças de Segurança, é possível desde logo, extrair diretamente duas conclusões: (i) que o V… incumpriu com os seus deveres, senão não tinham os seus adeptos perpetrado condutas ilícitas (violação do dever de formação); (ii) que os adeptos que levaram a cabo tais comportamentos eram apoiantes do V…, o que se depreendeu por manifestações externas dos mesmos (única forma de os delegados identificarem os espectadores), em conjugação com a segregação dos adeptos dos clubes visitantes numa única bancada por indicação das forças policiais e do disposto nos artigos 31.º e 103.º do RCLPFP, o que permite concluir que adeptos estão em cada bancada;
34. Os valores protegidos pela norma constante no artigo 118.º do RDLPFP são valores como a tranquilidade e a segurança públicas - designadamente dos agentes desportivos e espetadores -, evitando a lesão dos princípios da ética desportiva ou da verdade desportiva ou a existência de um grave prejuízo para a imagem e o bom nome das competições de futebol, sendo que, a par disso, visa evitar-se que se verifiquem atos de violência, racismo, xenofobia, intolerância nos espetáculos desportivos, ou qualquer outra forma de discriminação, tudo isto, sob o “chapéu" da prevenção e combate aos fenómenos de violência no desporto;
35. Neste conspecto, as situações a que a referida norma alude, remetem para os valores superiores que o legislador pretende proteger quando prevê a sanção de certas condutas - como as que estão em crise nos presentes autos - e surgem como o expoente máximo do combate aos fenómenos de violência no desporto em geral e em recintos desportivos;
36. No que respeita ao preenchimento dos elementos da norma em crise - artigo 118.º do RD da LPFP - esta refere expressamente que, desde que da conduta levada a cabo pelo agente resulte, "ainda que não intencionalmente" ou "a título de negligência", certo tipo de situações, ali elencadas, que colocam em causa o espetáculo ou a competição desportiva, deve haver lugar à sanção nos termos da referida norma regulamentar, não se exigindo qualquer intensidade de culpa para a aplicação da norma em questão, sendo sim relevante, que o clube tenha incumprido os seus deveres de forma culposa e que desse incumprimento resulte uma situação de perigo;
37. Aquele ilícito disciplinar apresenta-se com os seguintes elementos constitutivos: a) a provocação de uma situação de perigo para a segurança dos agentes desportivos ou dos espectadores de um jogo oficial ou de risco para a tranquilidade e a segurança públicas; b) cometida com dolo ou por negligência;
38. O ilícito tipificado no artigo 118.º, n.º 1, al. a), do RDLPFP configura-se como um ilícito de perigo concreto, ou seja, caracterizado pela exigência de verificação de um concreto pôr-em-perigo, face à previsão no tipo de ilícito da criação de perigo para a segurança dos agentes desportivos ou dos espectadores de um jogo oficial ou de risco para a tranquilidade e a segurança públicas;
39. Nos presentes autos, mostra-se claro e evidente que o arremesso de tochas incandescentes de um lado e para o outro lado de uma bancada, onde se encontram adeptos e simpatizantes da equipa adversária e na direção destes, cria uma situação perigosa e de alto risco, para a saúde, a segurança e a tranquilidade daqueles adeptos em especial e do público em geral;
40. De acordo com o disposto na alínea a) do n.º 1 do ilícito em causa, o clube que incumpra os deveres que lhe são impostos pelos regulamentos e demais legislação aplicável, como acima vimos, sempre que da sua conduta resultar uma situação de perigo para a segurança dos agentes desportivos ou dos espectadores ou de risco para a tranquilidade e a segurança públicas, são punidos com as sanções de multa e com a interdição do seu recinto desportivo;
41. Ao contrário do entendimento do Tribunal a quo, não será pelo facto de os adeptos adversários terem arremessado primeiro os artefactos pirotécnicos - tochas - que a situação de perigo para a segurança ficou excluída;
42. É incontestável que a conduta da Recorrida, conforme era seu dever, nos termos e circunstâncias em que se verificou, é objetiva e subjetivamente ilícita, por omissiva e violadora dos deveres que sobre si impendiam, resultando evidente que a verificação do resultado das descritas condutas se funda num incumprimento do dever de colaborar na prevenção de manifestações antidesportivas, traduzido na violação de deveres a que estava obrigada, pois não acautelou, precaveu, preveniu, formou, zelou e incentivou o espírito ético e desportivo dos seus adeptos, concretamente ao não evitar que os seus adeptos e simpatizantes, alocados nas bancadas exclusivas aos seus sócios e simpatizantes, arremessassem artifícios pirotécnicos - tochas - de uma bancada para a outra, em direção aos adeptos adversários, dessa forma tendo resultado em concreto uma situação de perigo para a segurança dos espectadores presentes no jogo em apreço e, bem assim, para a tranquilidade e segurança públicas, com claros e graves prejuízos para a imagem das competições de futebol profissional, incumprindo assim os deveres previstos no artigo 35.º, n.º l, alíneas a), b), c), f e o) e n.º 2 alínea f) do RCLPFP;
43. Aliás, a Recorrida bem sabe quais os deveres a que se encontra adstrita porquanto o RC e o RD da LPFP são aprovados em Assembleia Geral da LPFP, de que faz parte a Recorrida, assim como todos os outros clubes que integram as ligas profissionais;
44. Com a sua conduta omissiva - traduzida, repete-se, na violação de deveres de formação e vigilância a que estava obrigada, pois não acautelou, precaveu, preveniu, formou, zelou e incentivou o espírito ético e desportivo dos seus adeptos, concretamente ao não persuadir e impedir os seus adeptos e simpatizantes que arremessassem artifícios pirotécnicos de uma bancada para a outra em direção aos adeptos adversários - a Recorrida criou uma situação de perigo para a segurança do público presente, isto é, esse perigo tornou-se concreto e manifesto em consequência do comportamento omissivo referido, designadamente dos espectadores adeptos, com o arremesso das tochas incandescentes, nas circunstâncias de tempo, modo e lugar acima aludidas, apta a criar uma tragédia de consequências imprevisíveis;
45. No que se refere à criação de uma situação de perigo para a segurança dos agentes desportivos ou dos espectadores do jogo sub judice, não temos dúvidas de que o facto de terem sido arremessadas por adeptos da Recorrida, tochas incandescentes na direção de mole humana onde se encontravam adeptos da equipa adversária (S…) constitui uma situação de perigo real, fazendo perigar os espectadores instalados nessa mesma bancada - e noutras -, podendo produzir resultados ainda mais graves se levarmos em conta os comportamentos dos adeptos que ocorreram no jogo em crise nos autos e em vários em que a Recorrida participou - cfr. cadastro disciplinar da Recorrida - fls 33 a 37;
46. Com efeito, a distinção efetuada pelo Tribunal a quo entre "arremessar" e "arremessar de volta", além de não resultar da prova produzida nos autos, para o que interessa, ou seja, para a criação de uma situação de perigo, é irrelevante, porquanto a situação de perigo se verifica de igual modo;
47. As medidas in formando e in vigilando dos adeptos aptas para prevenir o mau comportamento dos mesmos são aquelas que, in casu, são aptas a produzir o resultado;
48. Resulta demonstrado que se mostram inteiramente preenchidos os elementos objetivos e subjetivos da infração disciplinar p. e p. pelo artigo 118.º do RDLPFP;
49. A tese sufragada pelo Tribunal a quo, a vingar é um passo largo para fomentar situações de violência e insegurança no futebol e em concreto durante os espetáculos desportivos, porquanto diminuir-se-á acentuadamente o número de casos em quem serão efetivamente aplicadas sanções, criando-se uma sensação de impunidade em que pretende praticar factos semelhantes aos casos em apreço e ao invés, mais preocupante, afastando dos eventos desportivos, quem não o pretende fazer, em virtude do receio da ocorrência de episódios de violência, sendo que, com o devido respeito, a posição perfilhada pelo Tribunal a quo, a ser acolhida por este Tribunal, levará a uma crescente desresponsabilização por este tipo de atos;
50. Em suma, foi a atitude omissiva - e pelo menos negligente - da Recorrida que deu azo, de forma causal, à prática dos factos perpetrados pelos respetivos adeptos e simpatizantes, com as consequências acima já evidenciadas, isto é, não só a violação dos princípios do fair play e da ética desportiva, mas sobretudo a manifesta criação de uma situação de evidente perigo para a segurança dos espectadores e do público que assistia ao referido jogo, colocando em risco a tranquilidade e a segurança públicas em geral e daquele público ali presente em particular;
51. No âmbito do processo n.º 27/2023, que correu termos no TAD e que teve por base o mesmo PD 62-22/23, em que era Demandante a S…, Futebol SAD, ou seja, que teve por base o mesmo jogo e os mesmos meios de prova, concluiu aquele Colégio Arbitral, por unanimidade considerar provada toda a factualidade que o Conselho de Disciplina da Recorrente havia considerado provada, mantendo a sanção aplicada à S…, Futebol SAD, pelo que, cumpre dizer em jeito de reflexão que, só o facto de perante os mesmos factos e meios de prova se ter verificado uma decisão diametralmente oposta - e por unanimidade - da que ora e recorre, é só por si demonstrativo da necessidade de uma cuidada reapreciação por parte do presente Tribunal;
52. Em suma, o Tribunal a quo deu como não provada factualidade que deveria ter sido dada como provada, incorrendo em erros de julgamento na interpretação e aplicação do Direito invocado, designadamente na aplicação dos artigos 13.º, al. f), 118.º, do RDLPFP, e bem assim, quando se entende que a presunção de veracidade dos relatórios dos Delegados da LPFP foi ilidida e que não se verificou qualquer violação de deveres por parte da Recorrida e que ainda que assim se entenda, dessa violação não resultou a criação de qualquer situação de perigo concreto não se verificando qualquer violação dos princípios da culpa, da presunção de inocência da Recorrida e de proibição da inversão do ónus da prova;
53. Assim, não existindo nenhum vício que possa ser imputado ao acórdão do Conselho de Disciplina que levasse à aplicação da sanção da anulabilidade por parte do Tribunal Arbitral, andou mal o Colégio de Árbitros ao decidir anular a condenação da Recorrida, devendo o mesmo ser revogado.

A Recorrida (V… – Futebol, SAD) apresentou contra-alegações, formulando as seguintes conclusões:

1ª Não há qualquer prova produzida nos presentes autos que permita dar como assentes os factos não provados n.° 1 a 7, pelo que bem andou o tribunal a quo a dar esta factualidade como não provada.
2ª Quanto ao facto não provado n.° 1 e como resulta do depoimento da testemunha P…, a bancada norte superior não é afeta, exclusivamente, a adeptos da recorrida, sendo uma zona de acesso ao público geral e para onde são também distribuídos vários convites de patrocinadores, os quais, por sua vez, são distribuídos de forma indiscriminada pelos próprios patrocinadores.
3ª Não só resulta do depoimento da testemunha P… que a bancada não é exclusivamente afecta a sócios da recorrida, como também decorre do referido depoimento que apenas uma tocha foi “arremessada de volta” para a bancada afecta aos sócios do S…, pelo que muito bem andou a tribunal a quo a dar como não provado o facto n.° 2.
4ª O facto não provado n.° 3 resulta do depoimento da testemunha P… e do próprio relatório do Delegado ao jogo, uma vez que não constam dos autos elementos que permitam aferir que os adeptos da recorrida arremessaram de volta as tochas inicialmente arremessadas pelos adeptos afectos ao S…, uma vez que não resultou provado em que circunstâncias é que os adeptos da recorrida devolveram a referida tocha.
5ª Não resulta dos autos, seja de qualquer relatório das entidades competentes, seja de qualquer outra prova posteriormente produzida quais as concretas circunstâncias em que a tocha em crise foi devolvida, se estava incandescente ou não, como é que foi devolvida, se bateu em algo e fez ricochete, absolutamente nada, pelo que muito bem andou o tribunal a quo a dar como não provado o facto n.° 4.
6ª Não resulta de qualquer prova produzida no presente caso qualquer facto concreto que permita concluir pela ampla repercussão mediática e grave prejuízo para a imagem e bom nome das competições profissionais de futebol, sendo, aliás, resultado do depoimento da testemunha N… precisamente o contrário.
7ª Assim como não resulta dos autos qualquer prova que permita concluir que esta situação específica do jogo em causa teve ampla repercussão mediática com grave prejuízo para a imagem e bom nome do futebol.
8ª A recorrente não pode “apropriar-se” de notícias da comunicação social posteriores ao jogo em causa, para daí retirar presunções e ilações no que ao caso concreto diz respeito, pelo que muito bem andou o tribunal a quo a dar como não provado o facto n.° 5.
9ª O facto não provado n.° 6 resulta quer do depoimento da testemunha P…, quer dos documentos juntos na ação arbitral n.° 3 a 15, os quais evidenciam todas as ações realizadas pela recorrida ao longo da época a que o jogo diz respeito, pelo que muito bem andou o tribunal a quo.
10ª Toda a prova produzida no presente processo não permite concluir que o V… (i) não cumpriu seu dever de acautelar, precaver, formar, zelar e incentivar o espírito ético e desportivo junto dos seus sócios/adeptos e simpatizantes e de que do comportamento em causa (ii) resultou perigo para a vida e segurança dos espectadores e para a tranquilidade e a segurança públicas, bem como prejuízo para a imagem e bom nome das competições de futebol, pelo que bem andou o tribunal a quo a dar como não provado o facto n.° 7
11ª A recorrente não logrou demonstrar qual a situação de perigo concreta que existiu no jogo em crise, sendo que não existe nenhum facto que permita concluir pela ocorrência de perigo no alegado comportamento de “arremessar de volta” uma tocha, pelo que o recurso da matéria de facto terá de improceder totalmente.
12ª Está assente no nosso ordenamento disciplinar desportivo que a presunção de veracidade dos factos constantes dos relatórios do jogo que tenham sido elaborados pelas entidades competentes-árbitros, delegados, policiamento desportivo - e por estes percecionados são suscetíveis de ser abalados pelo arguido mediante a criação de uma incerteza.
13ª No caso em apreço, o relatório do Delegado e o relatório de Policiamento Desportivo têm conteúdos contraditórios entre si e se é certo que não se pode exigir que o conteúdo daqueles seja precisamente igual, também é certo que se ambos os relatórios gozam de presunção de veracidade e contêm factos contraditórios entre si e se resulta da prova testemunhal junta aos autos que os factos aconteceram de determinada forma a presunção de veracidade terá, obrigatoriamente, de cair.
14ª Pelo que muito bem andou o tribunal a quo a considerar que os relatórios, na parte em que dizem respeito ao arremesso de volta das tochas por parte do V…, não gozam de veracidade porquanto o que resulta da prova produzida coloca em dúvida o rigor da factualidade descrita naqueles.
15ª Para que se possa imputar à recorrida a infração prevista e punida pelo artigo 118.° do Regulamento Disciplinar, da atuação concreta tem de resultar uma situação de perigo para a segurança dos agentes desportivos ou dos espetadores de um jogo ou de risco para a tranquilidade e segurança públicas e de uma conduta culposa, ainda que negligente.
16ª Não há factos no processo que permitam o preenchimento do ilícito disciplinar previsto e punido pelo artigo 118.°, alínea a) do RD, porquanto inexistem factos capazes de preencher o elemento típico perigo e o elemento típico culpa.
17ª Com efeito, não resulta dos autos quaisquer factos para o preenchimento do elemento típico, a saber: A tocha que alegadamente foi arremessada de volta pelos adeptos da recorrida ainda estava incandescente? A tocha foi arremessada para uma zona onde se encontravam adeptos? Os adeptos do S… correram algum risco efetivo com o arremesso da tocha? O arremesso de uma tocha é o bastante para criar um resultado de perigo?
18ª No caso concreto, o perigo derivado do alegado arremesso (de volta) de uma tocha - sem saber em que circunstâncias é que o mesmo aconteceu - não resulta da prova carreada para os autos, sendo certo que resulta expresso dos autos que não foi um alegado adepto da recorrida quem procedeu à deflagração da tocha ou procedeu à sua introdução no estádio.
19ª Não resultam dos autos quaisquer elementos que permitam classificar a conduta nos autos como um ilícito de resultado perigo, não se pode concluir que ocorreu perigo para a vida e segurança dos espectadores que assistiam ao jogo, ou mesmo para a segurança pública, pelo que muito bem andou o tribunal a quo a dar por não verificada e existência do perigo concreto.
20ª Ainda que se considere que a factualidade narrada nos relatórios e que culminaram com a condenação da recorrida, constitui a prática pela recorrida de uma infração disciplinar atenta a alegada criação de uma situação de perigo, sempre se dirá que este acto tratou-se, naquela bancada, de um acto isolado, e que terá sido cometido por uma única pessoa, dado ser impossível, ou pelo menos altamente improvável que tivessem sido 2 ou mais pessoas a arremessar a mesma tocha.
21ª E ainda que se admita que cabe à recorrida os deveres in vigilando e in formando, a verdade é que não havia nada que a recorrida pudesse fazer quanto a este ato isolado em causa, e de igual forma, nada que a recorrida pudesse fazer para impedir que tal atuação acontecesse.
22ª Pelo que certamente que a lei e os deveres impostos aos clubes não exigem a formação individualizada de todas as concretas pessoas que entrem num estádio de futebol, muito bem andou o tribunal a quo a absolver a recorrida pela contraordenação que vinha acusada!
23ª Na ausência de factos que permitam concluir que ocorreu uma situação de perigo concreto, sempre se dirá que a conduta preenche o tipo de ilícito previsto e punido pelo artigo 187.°, n.° 1, alínea b) do Regulamento Disciplinar.
24ª O artigo 118.° do RD tem de se considerar de aplicação residual, ou seja, aplicável apenas nos casos em que inexiste um tipo disciplinar que especificamente preveja a violação dos deveres sub judice, o que não se verifica no caso concreto, na medida em que o regulamento disciplinar prevê um ilícito próprio para os casos em que se verifica uma certa atuação, concretizada no arremesso de tochas!!
25ª Resulta, assim, inequívoco que a aplicação do preceito em causa -artigo 118.° - apenas tem lugar “Em todos os outros casos não expressamente previstos” no RDLPFP, pelo que tendo em conta as inevitáveis projeções dos princípios da legalidade, da determinabilidade e da especialidade em sede de direito sancionatório público, é forçoso concluir que a norma prevista no artigo 187.° do RDLPFP prevalece sobre o artigo 118.° RDLPFP, devendo ser reconhecida a sua inaplicabilidade ao caso concreto.
DA AMPLIAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO
26ª Caso este tribunal entenda que deve dar provimento ao recurso apresentado pela Federação Portuguesa de Futebol Profissional a recorrida pretende ver as questões que não foram atendidas devidamente apreciadas, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 636.°, n.° 1 do Código de Processo Civil.
27ª A não aplicação da amnistia no caso concreto - segundo o tribunal a quo — deve-se, única e exclusivamente — ao facto de, alegadamente, a arguida V… ser reincidente e, por isso, nos termos da alínea j) do n.° 7 da referida lei, não beneficiar da amnistia.
28ª O legislador, quando quis restringir a aplicação da amnistia aos reincidentes das infrações disciplinares ou contraordenações, este restringiu, como é exemplo da alínea k) e 1) do n.° 7 da referida Lei.
29ª Todas as outras alíneas do referido n.° 7 referem-se expressamente a crimes cometidos, sendo que o n.° 3 vai mais longe, referindo expressamente que “a exclusão do perdão e da amnistia previstos nos números anteriores não prejudica a aplicação do perdão previsto no artigo 3°eda amnistia prevista no artigo 4. ° relativamente a outros crimes cometidos. ”
30ª O legislador pretendeu restringir a aplicação da amnistia a crimes concretos e devidamente identificados, caso contrário teria referido expressamente que a amnistia não seria aplicada a reincidentes de infrações disciplinares.
31ª Não resultando da matéria de facto dada como provada que as condenações anteriores da recorrida não constituíram suficiente prevenção para a infração disciplinar ora em crise, não pode, esta vir a ser considerada reincidente para efeitos de aplicação da lei da amnistia.
32ª Ainda que se entendesse que a reincidência abrange, também, as infrações disciplinares, sempre se dirá que o legislador não pretendeu, com a Lei 38-A/2023, referir-se ao conceito de reincidência presente em quaisquer regulamentos em vigor, como é o caso do Regulamento Disciplinar, antes sim, ao conceito de reincidente tal como previsto no Código Penal.
33ª Caso a decisão recorrida venha a ser revogada, o que apenas se concebe para efeitos do presente raciocínio, sempre existirá a necessidade de ser aplicada a amnistia à recorrida, o que desde já se requer.

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Notificado nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 146.º/1 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, o Ministério Público não emitiu parecer.
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Com dispensa de vistos, mas com envio prévio do projeto de acórdão aos Juízes Desembargadores adjuntos, vem o processo à conferência para julgamento.


II
Sabendo-se que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões do apelante, as questões que se encontram submetidas à apreciação deste tribunal de apelação consistem em determinar:

a) Se existe erro de julgamento sobre a matéria de facto;
b) Se existe erro de julgamento por se ter considerado não verificada a infração prevista no artigo 118.º/a) do Regulamento Disciplinar das Competições Organizadas pela Liga Portugal, por referência ao artigo 35.º/1/a), b), c), f) e o) e n.º 2/f) do Regulamento das Competições Organizadas pela Liga Portuguesa de Futebol Profissional.
c) Subsidiariamente, e em caso de resposta afirmativa à questão referida na alínea anterior, se existe erro de julgamento por se ter considerado inaplicável a Lei n.º 38-A/2023, de 2 de agosto, pelo facto de se considerar que a Recorrida/V… - Futebol, SAD, é reincidente.



III
A matéria de facto constante da decisão recorrida é a seguinte:


FACTOS PROVADOS
1º - No dia 27 de Fevereiro de 2023, realizou-se no Estádio D. Afonso Henriques o jogo oficialmente identificado sob o n.° 12203 (203.01.192), entre a V…-Futebol, SAD e a S… -Futebol, SAD, a contar para a 22.ª jornada da Liga Portugal BWIN.
2º - Ao minuto 60 do jogo, os adeptos afetos à Arguida S…-Futebol, SAD, identificados através da cor das suas vestes e cachecóis, situados na zona da Bancada Norte Superior (fora da ZCEAP), afecta aos mesmos, arremessaram duas tochas incandescentes para a zona da bancada visitados afecta pela V… Futebol, SAD aos Patrocinadores e respectivos convidados.
3º - Subsequentemente, da zona neutra da Bancada Norte Superior, afecta pela Demandante V… Futebol, SAD aos Patrocinadores da Liga PFP e respectivos convidados foi devolvida (“arremessada de volta”) uma das tochas que foi enviada pelos adeptos da S…-Futebol, SAD, sem atingir ninguém, caindo numa zona sem pessoas e sem público.
4º - Nos termos do Relatório de Delegado elaborado por ocasião do jogo em apreço, descreve-se:
(...) «([o]s adeptos alocados na Bancada Norte superior (fora da ZCEAP), afetos ao S…, melhor identificados através da cor das suas vestes e cachecóis, arremes[s]aram ao minuto 60, duas tochas inca[n]descentes para zona da bancada onde se encontravam adeptos do V…. Os adeptos do V…, arremessaram uma das tochas que foram enviadas pelos adeptos do S… de volta para a Bancada onde se encontravam alocados.».
5º - Por sua vez, consta do Relatório de Policiamento Desportivo elaborado na sequência do jogo supra mencionado que, às «22h38 Arremesso de dois artigos pirotécnicos da Bancada Norte Superior visitantes para Bancada Norte Superior adeptos visitados e posteriormente os visitados arremessaram os mesmos artigos pirotécnicos para os visitantes. NPP 103851/2023.»
6º - Sucede, que tais comportamentos ocorreram no decurso do jogo, tendo os adeptos da S… -Futebol, SAD (clube visitante) arremessado dois artigos pirotécnicos (tochas) na direcção da bancada onde se encontravam alocados os Patrocinadores da V…-Futebol, SAD e respectivos convidados, tendo um artigo pirotécnico (uma tocha) sido devolvido.
7º - Compulsado o extracto disciplinar da Arguida V…-Futebol, SAD, ressalta que existem ocorrências respeitantes a actos de violência perpetrados pelos seus sócios/adeptos e simpatizantes, com alguma regularidade, evidenciando várias condenações disciplinares.
8º - De igual modo, compulsado o extracto disciplinar da Arguida S…-Futebol, SAD ressalta que existem ocorrências respeitantes a actos de violência perpetrados pelos seus sócios/adeptos e simpatizantes, com igual regularidade, evidenciando várias condenações disciplinares.
9º - Concernente ao jogo identificado sob artigo 1.°, foi a Arguida V… Futebol, SAD, já sancionada em sede de processo sumário, no dia 02.03.23, por infrações cometidas pelos seus adeptos, conforme infra se discrimina:

«Imagem em texto no original»


10º - De igual modo, na sequência do jogo identificado sob artigo l.°, foi a Arguida S… -Futebol, SAD já sancionada em sede de processo sumário, no dia 02.03.23, por infrações cometidas pelos seus adeptos, conforme infra se discrimina:

«Imagem em texto no original»
11º - A Demandante V… Futebol, SAD promove regularmente e promoveu para o jogo dos autos realizado no dia 27/02/2023 medidas preventivas, de segurança para evitar a ocorrência de quaisquer distúrbios antes, durante e após os jogos:
a) No jogo de 27/02/2023, realizado no Estádio D. Afonso Henriques o entre a V…-Futebol, SAD e a S…-Futebol, SAD, a Revista de entrada dos adeptos no Estádio foi feita pela Força Policial reforçada ainda por forças de Segurança privada contratadas pela Demandante.
b) No jogo de 27/02/2023, realizado no Estádio D. Afonso Henriques o entre a V…-Futebol, SAD e a S…-Futebol, SAD, foi feito o devido controlo de entradas.
c) No jogo de 27/02/2023, realizado no Estádio D. Afonso Henriques o entre a V…-Futebol, SAD e a S…-Futebol, SAD procedeu-se ao controlo de entradas com PDAS (terminais computacionais portáteis) de auxílio no controle das entradas.
d) No jogo de 27/02/2023, realizado no Estádio D. Afonso Henriques o entre a V…-Futebol, SAD e a S…-Futebol, SAD, procedeu-se ao controle de entradas com torniquete.
e) No jogo de 27/02/2023, realizado no Estádio D. Afonso Henriques o entre a V…-Futebol, SAD e a S…-Futebol, SAD, procedeu-se a Revista de entrada de adeptos no Estádio por visualização e palpação nos termos legalmente previstos e admitidos e visionamento realizada pela PSP.
f) No jogo de 27/02/2023, realizado no Estádio D. Afonso Henriques o entre a V…-Futebol, SAD e a S…-Futebol, SAD, procedeu-se ao controle e revista pessoal para impedir a introdução de objectos e substâncias proibidas ou susceptíveis de possibilitar ou gerar actos de violência.
g) Para o jogo dos autos, de 27/02/2023, foram destacados 319 membros efectivos das Forcas Policiais.
h) Requisitados 130ARDs.
i) 30 ARDs dedicados aos Adeptos visitantes, reforçados pelos elementos das forças Policiais.
j) Foram estabelecidas medidas de vigilância e controlo de modo a impedir o excesso de lotação em qualquer zona do recinto e assegurar que as vias de acesso estejam desimpedidas.
k) Foi feita a divulgação em locais visíveis: da proibição de venda de bebidas alcoólicas no interior do Estádio, substâncias psicotrópicas e estupefacientes e respectivo controlo, bem como da proibição de armas e engenhos explosivos ou pirotécnicos.
l) Encontravam-se definidos e salvaguardados anéis ou perímetros de segurança.
m) Reservadas zonas distintas para efectuar a separação dos grupos de adeptos.
n) Sistema de videovigilância no interior do estádio.
o) O jogo foi previamente classificado como de risco elevado pelas entidades competentes (Prova testemunhal Depoimento da Coordenadora de Segurança do jogo dos autos - N… e Boletim de Segurança constante do PD.
p) O Senhor Comandante de Policiamento considerou estarem reunidas as condições de segurança para a realização do jogo e/ou entendeu que o Director de Segurança fez tudo ao seu alcance para que essas condições fossem garantidas.
q) A Demandante e a Força Policial estabeleceram prévio plano de actuação no Estádio e seus anéis de segurança.
r) Tendo existido previamente planos de reforço de policiamento em caso de distúrbios nas bancadas.
s) A Demandante recorre, a expensas próprias, à contratação dos serviços das Forças Policiamento e de Segurança Privada de reforço por considerar serem as entidades mais aptas e preparadas para fazer a Revista de entrada no Estádio e mais experientes na detecção de artefactos e engenhos pirotécnicos nas bancadas, no dia do jogo, e regularmente.
12º - A Demandante promove regularmente medidas de segurança, de vigilância e de formação e promoveu para o jogo dos autos, realizado no dia 27/02/2023, medidas preventivas:
a) Contrata para todos os jogos e para o jogo de 27/02/2023 um número de ARDS que ultrapassa aquele que resulta da aplicação dos critérios regulamentares;
b) Segue sempre, e seguiu para o jogo realizado no dia 27/02/2023, as indicações do Comando Policial, entidade máxima no que respeita à questão de segurança no recinto, antes, durante após o referido jogo e dos demais jogos.
c) Promove habitualmente, e promoveu para o jogo do dia 27/02/2023, a realização de revistas exaustivas aos adeptos durante a entrada no recinto.
d) Promove activamente, nos sistemas de áudio e vídeo do estádio, antes dos encontros e durante o intervalo, mensagens contra a violência, racismo e xenofobia, o que fez também no jogo do dia 27/02/2023.
e) Promove regularmente vídeos a favor da inclusão, o que igualmente promoveu no jogo do dia 27/02/2023.
f) Promove habitualmente vídeos contra o racismo e xenofobia, incluindo no jogo do dia 27/02/2023.
g) Promove vídeos a dar conta das medidas de segurança adotadas no Estádio D. Afonso Henriques, a apelar para o seu cumprimento e a rejeitar práticas de violência, destruição de património e uso de pirotecnia;
h) Promove vídeos a apelar ao uso da bancada família, iniciativa que foi premiada pela LPFP.
i) A Demandante tem devidamente nomeado um Director de segurança e um Director de segurança adjunto, bem com um OLA, sendo que são estes as pessoas da requerente que interagem com as forças policiais, entidade que assume a supervisão do recinto desportivo.
j) A Demandante acata regularmente, e acatou para o jogo de 27/02/2023, todas as decisões tomadas pela P.S.P., tanto as que foram tomadas no próprio jogo, como as que foram previamente tomadas nas reuniões que precedem a realização do referido jogo e dos demais jogos.
k) A Demandante diligencia pela instauração de processos disciplinares e aplica medidas sancionatórias aos seus sócios de que tem conhecimento ter estado envolvidos em perturbações da ordem pública, impedindo o acesso aos recintos desportivos nos termos e condições do respetivo regulamento ou promovendo a sua expulsão do recinto.
l) A Demandante promove a divulgação sonora de mensagens antes dos jogos realizados no Estádio D. Afonso Henriques, a apelar para o comportamento desportivamente correcto dos adeptos.
m) E promove campanhas de sensibilização junto dos seus sócios e adeptos, quer contra o racismo, quer contra a violência no desporto,
n) A Demandante tem colocadas as seguintes mensagens no Estádio D. Afonso Henriques, designadamente:
"O V… É PRETO E BRANCO. DIZ NÃO AO RACISMO. SAY NO TO RACISM."
- “AQUI SÓ LUTAMOS PELOS 3 PONTOS. DIZ NÃO À VIOLÊNCIA. SAY NO TO VIOLENCE”.
o) Nos ecrãs gigantes do Estádio da Demandante por ocasião dos jogos oficiais do clube, e nas redes oficiais do clube., passam as seguintes mensagens:
E ONDE OS COMPORTAMENTOS INCORRETOS, SEJAM ELES A DESTRUIÇÃO DE PATRIMÓNIO, O ARREMESSO DE OBJECTOS E A DEFLAGRAÇÃO DE PIROTECNIA NÃO ACONTEÇAM E QUE RESULTAM EM MULTAS AVULTADAS PARA O NOSSO CLUBE.
NÃO À VIOLÊNCIA no placard luminoso
V… oficial “O ESTÁDIO D. AFONSO HENRIQUES É DE TODOS OS V…. FAÇAMOS DA NOSSA CASA UM "INFERNO BRANCO”, DE APOIO AOS NOSSOS CONQUISTADORES, E ONDE OS COMPORTAMENTOS INCORRETOS, SEJAM ELES A DESTRUIÇÃO DE PATRIMÓNIO, O ARREMESSO DE OBJECTOS E A DEFLAGRAÇÃO DE PIROTECNIA NÃO ACONTEÇAM E QUE RESULTAM EM MULTAS AVULTADAS PARA O NOSSO CLUBE.
CABE A TODOS NÓS CUIDARMOS DO NOSSO V… E. PARA ISSO, PEDIMOS A COLABORAÇÃO DE TODOS OS V…. À CONQUISTA!"
13º - A Arguida V…-Futebol, SAD apresenta antecedentes disciplinares na época desportiva 2022/2023, bem como no ano anterior à data da prática dos factos.
14º - A Arguida S…-Futebol, SAD apresenta, também, antecedentes disciplinares na época desportiva 2022/2023, bem como no ano anterior à data da prática dos factos.

FACTOS NÃO PROVADOS:
· Facto não provado 1 - Que a Bancada Norte Superior (fora da ZCEAP), seja afecta exclusivamente aos adeptos da Arguida S…- Futebol, SAD.
· Facto não provado 2 - Que os adeptos da V-Futebol SAD, situados na Bancada Norte Superior (visitados), afecta exclusivamente aos mesmos, arremessaram as tochas que lhes foram enviadas pelos adeptos da S-Futebol SAD, de volta para a bancada onde estes se encontravam alocados.
· Facto não provado 3 - Que os adeptos de ambas as Sociedades Desportivas tivessem arremessado artigos pirotécnicos (tochas) de/e para as bancadas onde, respectivamente, se encontravam alocados.
· Facto não provado 4 - Que da referida atuação resulta, (tenha resultado) em especial do arremesso de artigos pirotécnicos (tochas incandescentes], uma situação de perigo, quer para a vida e segurança dos espectadores que assistiam ao jogo, quer para a tranquilidade e a segurança públicas.
· Facto não provado 5 - Que conforme é de conhecimento público, o jogo em apreço nos autos foi transmitido em direto e teve ampla repercussão mediática, resultando ainda da sobredita atuação grave prejuízo para imagem e bom nome das competições profissionais de futebol.
· Facto não provado 6 - Que as Arguidas não têm suficiente e eficazmente adoptado e/ou promovido acções de sensibilização e prevenção socioeducativas contra práticas violentas, ofensivas ou perturbadora da ordem pública junto dos seus sócios, adeptos e simpatizantes
· Facto não provado 7 - Que as Arguidas agiram assim, de forma livre, consciente e voluntária, bem sabendo que o seu comportamento (omissivo), ao não cumprirem com o seu dever de acautelar, precaver, formar, zelar e incentivar o espírito ético e desportivo junto dos seus sócios/adeptos e simpatizantes, constituía comportamento previsto e punido pelo ordenamento jus-disciplinar desportivo, de que resultou perigo para a vida e segurança dos espectadores e para a tranquilidade e a segurança públicas, bem como prejuízo para a imagem e bom nome das competições de futebol, não se abstendo, porém, de o realizar.


IV
Do alegado erro de julgamento sobre a matéria de facto
Quanto ao facto não provado 1
Que a Bancada Norte Superior (fora da ZCEAP) seja afecta exclusivamente aos adeptos da Arguida S- Futebol, SAD

1. A Recorrente/Federação Portuguesa de Futebol, na defesa de que tal facto deveria ter sido dado como provado, alega que isso mesmo «resulta desde logo, do facto de resultar dos autos que os adeptos do Sestarem, por razões de segurança e como bem confirmou a testemunha Pque afirmou que os adeptos do Sestavam todos acondicionados na bancada que as autoridades, por razões de segurança, lhes destinaram, o que à contrario, permite concluir que as restantes bancadas estavam reservadas ao público da Recorrida». E em abono da sua tese chama à colação o conteúdo da própria decisão arbitral, afirmando o seguinte: «Aliás, é o próprio Tribunal a quo a afirmar que os adeptos do B… se encontravam noutra bancada, que não a Bancada Norte Superior (fora da ZCEAP), onde adeptos do V… arremessaram duas tochas na direção dos adeptos do B…, quando afirma que:

Da prova testemunhal produzida nos autos resultou que, se é certo que anteriormente ao "Covid" a toda a Bancada Norte Superior (fora da ZCEAP), se encontrava afecta aos adeptos da equipa visitante, esta afectação sofreu uma alteração desde o pós-Covid, passando a referida bancada a estar dividida em duas metades (duas zonas): uma afecta exclusivamente aos adeptos dos Clubes visitantes e outra neutra, o que ocorreu por aconselhamento das forças de segurança, alteração que incluiu já época 2022-2023.”».

2. Julga-se que não farão muito sentido os fundamentos aduzidos em defesa da referida tese, na medida em que a decisão recorrida vai exatamente no sentido contrário ao pretendido, ao reconhecer que atualmente, e desde o pós-Covid, a Bancada Norte Superior (fora da ZCEAP) passou a estar dividida em duas metades (duas zonas): uma afeta exclusivamente aos adeptos dos Clubes visitantes e outra designada como neutra.

3. Por outro lado, e tal como também se disse na decisão recorrida, os relatórios do Delegado e do Policiamento Desportivo não referem que essa bancada seja afeta exclusivamente aos adeptos dos clubes visitantes, no caso, do S… - Futebol, SAD. Tem razão a decisão recorrida quando refere que «nenhum dos supra mencionados Relatórios de jogo consta o termo “exclusivamente” e muito menos que toda a Bancada Norte Superior seja afecta aos visitantes (S) ou exclusivamente afecta aos mesmos».

4. O facto de se afirmar nesses relatórios «que os factos em crise nos autos foram praticados por adeptos da Recorrida» - palavras da Recorrente/Federação Portuguesa de Futebol – nada nos diz sobre o facto em causa, ou seja, se a bancada era usada em exclusivo ou de modo partilhado. Deste modo, e nesta parte, não assiste razão à Recorrente/Federação Portuguesa de Futebol.

Do arremesso de duas tochas por parte dos adeptos da S- Futebol, SAD

5. É facto assente nos autos, e incontrovertido, que:

Ao minuto 60 do jogo, os adeptos afetos à S…- Futebol, SAD, identificados através da cor das suas vestes e cachecóis, situados na zona da Bancada Norte Superior (fora da ZCEAP), afecta aos mesmos, arremessaram duas tochas incandescentes

6. Isto mesmo consta do facto provado 2.º. No entanto, já se mostra controvertido saber para onde foram arremessadas essas duas tochas.

7. De acordo com o facto provado 2.º, essas duas tochas foram arremessadas «para a zona da bancada visitados afecta pela VFutebol, SAD aos Patrocinadores e respectivos convidados». No mesmo sentido vai o facto provado 6.º, no qual se refere que foram arremessados «dois artigos pirotécnicos (tochas) na direcção da bancada onde se encontravam alocados os Patrocinadores da V-Futebol, SAD e respectivos convidados».

8. É entendimento deste tribunal que a formulação do acórdão arbitral não traduz a realidade. De resto, desconsiderou-se o Relatório de Delegado e o Relatório de Policiamento Desportivo, cujo teor foi levado aos factos provados 4.º e 5.º, mas dos quais não se retiraram - segundo se julga - as devidas ilações.

9. Na verdade, levou-se aos factos provados 4.º e 5.º o seguinte:

«4.º - Nos termos do Relatório de Delegado elaborado por ocasião do jogo em apreço, descreve-se:
(...) «[o]s adeptos alocados na Bancada Norte superior (fora da ZCEAP), afetos ao S, melhor identificados através da cor das suas vestes e cachecóis, arremessaram ao minuto 60, duas tochas inca[n]descentes para zona da bancada onde se encontravam adeptos do V. Os adeptos do V, arremessaram uma das tochas que foram enviadas pelos adeptos do S… de volta para a Bancada onde se encontravam alocados.».

5.º - Por sua vez, consta do Relatório de Policiamento Desportivo elaborado na sequência do jogo supra mencionado que, às “22h38 Arremesso de dois artigos pirotécnicos da Bancada Norte Superior visitantes para Bancada Norte Superior adeptos visitados e posteriormente os visitados arremessaram os mesmos artigos pirotécnicos para os visitantes. NPP 103851/2023.”»

10. Temos, portanto, que o Relatório de Delegado refere expressamente que as tochas foram enviadas «para zona da bancada onde se encontravam adeptos do V…» e que o Relatório de Policiamento Desportivo informa que as duas tochas foram enviadas para a «Bancada Norte Superior adeptos visitados».

11. Tenha-se presente, por outro lado, a vigência do princípio da presunção de veracidade dos factos constantes das declarações e relatórios da equipa de arbitragem e do delegado da Liga Portugal, consagrado no artigo 13.º/f) do Regulamento Disciplinar das Competições Organizadas pela Liga Portugal. Evidentemente que importa sempre lembrar – e a Recorrida/V…- Futebol, SAD, evidenciou-o – que essa presunção não retira ao arguido a possibilidade de abalar os fundamentos em que as mesmas se sustentam, mediante a mera contraprova dos factos presumidos. É o que, de forma uniforme e reiterada, tem sido afirmado pelo Supremo Tribunal Administrativo. Essa contraprova não foi feita.

12. Deste modo, a fórmula utilizada na redação dos factos provados 2.º e 6.º desfoca totalmente do que é essencial: as tochas foram arremessadas para os adeptos do clube visitado – V… – que se encontravam na Bancada Norte Superior. Isto independentemente dos bilhetes atribuídos, para a mesma zona da referida bancada, a patrocinadores e convidados (note-se, lateralmente, que no facto provado 3.º refere-se que é afeta aos patrocinadores da Liga FPF e respetivos convidados, ao passo que no facto provado 6.º diz-se que é afeta aos patrocinadores da V-Futebol, SAD e respetivos convidados).

13. Deste modo, altera-se o facto provado 2.º, o qual passa a ter a seguinte redação:


2.º - Ao minuto 60 do jogo, os adeptos afetos à S…-Futebol, SAD, identificados através da cor das suas vestes e cachecóis, situados na zona da Bancada Norte Superior (fora da ZCEAP), afeta aos mesmos, arremessaram duas tochas incandescentes para diferente zona da mesma bancada – designada zona neutra -, onde se encontravam adeptos da V…- Futebol, SAD,

14. Por outro lado, adita-se o facto 2.º-A:

2.º-A – É para essa zona da Bancada Norte Superior, onde se encontravam adeptos da V…- Futebol, SAD, que são atribuídos os bilhetes para patrocinadores e convidados.

15. Por último, importa referir que, na mesma linha, o facto provado 6.º também exigirá alteração, o que adiante melhor se verá, na medida em que o mesmo contém mais do que um facto relevante, um deles ainda a merecer apreciação.

Da devolução da(s) tocha(s) por parte dos adeptos da VFutebol, SAD

16. Relativamente à devolução das tochas inicialmente arremessadas pelos adeptos da S…- Futebol, SAD, consta o seguinte no facto provado 3.º da decisão recorrida:

«3.º - Subsequentemente, da zona neutra da Bancada Norte Superior, afecta pela Demandante V…Futebol, SAD aos Patrocinadores da Liga PFP e respectivos convidados foi devolvida (“arremessada de volta”) uma das tochas que foi enviada pelos adeptos da S…-Futebol, SAD, sem atingir ninguém, caindo numa zona sem pessoas e sem público».

17. Ocorre, no entanto, que existem três factos controvertidos que a decisão recorrida aglutinou no referido facto provado 3.º, a saber:

a) Foram devolvidas as duas tochas inicialmente arremessadas ou apenas uma delas?
b) Ao serem devolvidas, de onde partiram?
c) Ao serem devolvidas, para onde foram atiradas?

18. Respeitando a ordem da decisão recorrida, vejamos a questão referida em b), ou seja, de onde partiu o arremesso por devolução? A resposta apenas poderá ser uma, pelo que, até ao momento, já ficou dito: esse arremesso por devolução foi feito pelos adeptos da V…- Futebol, SAD, que se encontravam na designada zona neutra da Bancada Norte Superior. Recorde-se, de resto, e como se fez constar nos factos provados 4.º e 5.º, no Relatório de Delegado refere-se que «[o]s adeptos do V, arremessaram uma das tochas que foram enviadas pelos adeptos do Sde volta para a Bancada onde se encontravam alocados» e no Relatório de Policiamento Desportivo disse-se que às «22h38 Arremesso de dois artigos pirotécnicos da Bancada Norte Superior visitantes para Bancada Norte Superior adeptos visitados e posteriormente os visitados arremessaram os mesmos artigos pirotécnicos para os visitantes. NPP 103851/2023”».

19. Vejamos, agora, a segunda dúvida: os adeptos da V- Futebol, SAD, devolveram as duas tochas inicialmente arremessadas ou apenas uma delas?

20. Segundo a decisão recorrida, foi devolvida apenas uma tocha. Afirmou-o no facto provado n.º 3 e no facto provado n.º 6. E explicou-o da seguinte forma, ainda que não por referência exclusiva aos factos agora em apreciação:

«Assentando na factualidade descrita nos Relatórios do Delegado e do Policiamento Desportivo de fls. 13, 41 e 54, na parte em que ambos são coincidentes e para além de qualquer dúvida razoável, uma vez que se verifica uma discrepância entre ambos, no tocante ao número de tochas, sendo ambos são omissos quanto à exclusividade da afectação da respectiva Bancada e na prova testemunhal, na parte em que contrariou ou foi suficiente para colocar em causa a exactidão de alguma factualidade dada por provada nos factos provados 2º e 3º do Acórdão recorrido - quer quanto à exclusividade das bancadas, quer quanto ao número de tochas devolvidas - sendo que para o caso sub judice o que releva é o acto de devolução/número de tochas devolvidas.
(…)
Tendo resultado ainda da prova testemunhal produzida nos autos que das duas tochas, arremessadas pelos Adeptos da SSAD para a zona da bancada afecta os Patrocinadores da VSAD apenas uma tocha atingiu esta última, tendo uma delas caído no relvado, sem atingir ninguém, pelo que igualmente só uma foi devolvida.
O que igualmente não contraria a factualidade descrita nos Relatórios do Delegado e do Policiamento Desportivo de fls. 13, 41 e 54, na parte em que ambos são coincidentes e para além de qualquer dúvida razoável, que como referido são omissos quanto à exclusividade da afectação das “bancadas”.
E constatando-se uma discrepância entre os Relatórios de Jogo, quanto ao número de tochas devolvidas, só poderá dar-se por assente, para além de qualquer dúvida razoável, a devolução de uma tocha».

21. Compreende-se os termos em que a dúvida é colocada e o sentido em que se concluiu. No entanto, mostra-se ajustada a crítica que, nesta parte, é apontada pela Recorrente/Federação Portuguesa de Futebol. Relembre-se, no entanto, e antes de mais, qual é a discrepância a que alude a decisão recorrida.

22. No Relatório de Delegado escreveu-se o seguinte:

(...) «[o]s adeptos alocados na Bancada Norte superior (fora da ZCEAP), afetos ao S, melhor identificados através da cor das suas vestes e cachecóis, arremessaram ao minuto 60, duas tochas inca[n]descentes para zona da bancada onde se encontravam adeptos do V. Os adeptos do V, arremessaram uma das tochas que foram enviadas pelos adeptos do Sde volta para a Bancada onde se encontravam alocados.».

23. Já no Relatório de Policiamento Desportivo pode ler-se o seguinte:

« “22h38 Arremesso de dois artigos pirotécnicos da Bancada Norte Superior visitantes para Bancada Norte Superior adeptos visitados e posteriormente os visitados arremessaram os mesmos artigos pirotécnicos para os visitantes. NPP 103851/2023.”»

24. Para a Recorrente/Federação Portuguesa de Futebol a decisão recorrida ajuizou mal, na medida em que «um relatório não serve para validar o outro. Nesse sentido, o que se verificou é que, o Delegado da LPFP viu ser arremessada uma tocha e as forças policiais viram ser arremessadas duas tochas». Julga-se que lhe assiste razão, na medida em que se entende que os relatórios não são contraditórios.

25. Na verdade, a diversidade da informação nele prestada decorrerá apenas, no entendimento deste tribunal, do facto de o Delegado ter visto a devolução de apenas uma tocha, não estando, portanto, a afirmar que não foram devolvidas duas. Não existem, pois, «factos contraditórios entre si», como alegou a Recorrida/V…- Futebol, SAD. De resto, o entendimento da decisão recorrida tem como pressuposto necessário que a informação policial é falsa (ainda que, evidentemente, sem qualquer intenção nesse sentido). Ora, não temos elementos que possam sustentar esse pressuposto. Aliás, tendo havido devolução, o que melhor se compreende, no circunstancialismo em causa, é que tal devolução tenha sido relativamente às duas tochas, não sendo imediatamente compreensível – sempre à face do circunstancialismo conhecido – a razão pela qual ficaria por efetuar a devolução de uma delas.

26. Vejamos, agora, a terceira questão: ao serem devolvidas, para onde foram atiradas as duas tochas?

27. Sobre isto a decisão recorrida diz-nos (facto provado 3.º) que «uma das tochas que foi enviada pelos adeptos da S…-Futebol, SAD, sem atingir ninguém, caindo numa zona sem pessoas e sem público» (recorde-se que a decisão recorrida considerou ter sido devolvida apenas uma das tochas). Já no facto provado 6.º diz-nos que «um artigo pirotécnico (uma tocha) [foi] devolvido». Aparentemente, não se diz em ambos a mesma coisa.

28. Na verdade, é essencial determinar para onde foram arremessadas as tochas (o que não significa, evidentemente, que não releve saber se atingiu alguém). E quanto àquela questão apenas o facto 6.º nos diz alguma coisa. Se foi devolvido é porque foi reenviado para a origem. A decisão recorrida transmite a ideia de que o arremesso (de volta) foi feito em direção a uma zona sem pessoas (vd. facto provado 3.º), o que é desmentido, desde logo, no Relatório de Delegado, com o seguinte teor:

(...) «[o]s adeptos alocados na Bancada Norte superior (fora da ZCEAP), afetos ao S, melhor identificados através da cor das suas vestes e cachecóis, arremessaram ao minuto 60, duas tochas inca[n]descentes para zona da bancada onde se encontravam adeptos do V. Os adeptos do V, arremessaram uma das tochas que foram enviadas pelos adeptos do Sde volta para a Bancada onde se encontravam alocados (destaque e sublinhado nossos).

29. Por outro lado, consta do Relatório de Policiamento Desportivo o seguinte:

« “22h38 Arremesso de dois artigos pirotécnicos da Bancada Norte Superior visitantes para Bancada Norte Superior adeptos visitados e posteriormente os visitados arremessaram os mesmos artigos pirotécnicos para os visitantes. NPP 103851/2023.”» (destaque e sublinhado nossos).

30. Note-se, aliás, e como deu conta a Recorrente/Federação Portuguesa de Futebol, aos 36m17s da audiência arbitral, o próprio árbitro questionava a testemunha P… nos seguintes termos: «O Sr. Eng. falou-nos que se recorda de ter sido arremessada uma tocha... a minha pergunta é, o Sr. Eng. tem presente se, quando a tocha foi devolvida para a bancada de onde tinha sido arremessada, se a tocha estava incandescente, senão estava incandescente, se estava no final da sua incandescência, tem alguma ideia sobre isso, Sr. Eng.?» (destaque e sublinhado nossos). Essa afirmação – de que a tocha foi devolvida para a bancada de onde tinha sido arremessada – não mereceu qualquer reparo da própria testemunha, que apenas respondeu: «Estava incandescente. De outra forma seria muito difícil, à distância que eu estava, conseguir ver um objeto a voar de um lado para o outro». Já quanto ao outro dos dois depoimentos (de N…), nada temos de interesse, na medida em que não recordava nada de relevante.

31. Em conclusão, há que tornar assente que os adeptos da V…- Futebol, SAD, que se encontravam na designada zona neutra da Bancada Norte Superior, arremessaram de volta as duas tochas para a bancada de onde tinham sido inicialmente atiradas.

32. Deste modo, altera-se o facto provado 3.º, o qual passa a ter a seguinte redação:

3.º - Subsequentemente, os adeptos da V… Futebol, SAD, que se encontravam na designada zona neutra da Bancada Norte Superior, arremessaram de volta as duas tochas para a bancada de onde tinham sido inicialmente atiradas.

33. Por outro lado, elimina-se o facto não provado 2. Na mesma linha importa eliminar o facto não provado 3. E igualmente o facto provado 6.º. Na verdade, consta do mesmo o seguinte:

6.º - Sucede, que tais comportamentos ocorreram no decurso do jogo, tendo os adeptos da S…-Futebol, SAD (clube visitante) arremessado dois artigos pirotécnicos (tochas) na direcção da bancada onde se encontravam alocados os Patrocinadores da V…-Futebol, SAD e respectivos convidados, tendo um artigo pirotécnico (uma tocha) sido devolvido.

34. Que os comportamentos ocorreram durante o jogo, já o sabemos pelos factos provados 2.º e 3.º. Quanto ao arremesso pelos adeptos da S…- Futebol, SAD, está igualmente tratado nos factos provados 2.º e 3.º, agora, e quanto a este último, com redação diferente. Quanto à devolução, é matéria do facto provado 3.º, no qual se fez constar, como se viu, que foram devolvidas duas tochas, e não apenas uma.


Quanto ao facto não provado 4
Que da referida atuação [o arremesso dos artigos pirotécnicos] resulta (tenha resultado), em especial do arremesso de artigos pirotécnicos (tochas incandescentes], uma situação de perigo, quer para a vida e segurança dos espectadores que assistiam ao jogo, quer para a tranquilidade e a segurança públicas.

35. A Recorrente/Federação Portuguesa de Futebol insurge-se contra a decisão recorrida, defendendo que deveria ter sido dado como provado o seguinte: «Da referida atuação resulta, em especial do arremesso de artigos pirotécnicos (tochas incandescentes), uma situação de perigo, quer para a vida e segurança dos espectadores que assistiam ao jogo, quer para a tranquilidade e a segurança públicas».

36. Ao invés, a decisão recorrida explicou ter «levado ao expectro dos factos não provados porquanto conclusivo, genérico e que pressupõe já uma valoração, sem estabelecer qualquer diferença entre arremessar e instintivamente devolver, por não fazer menção à actuação diferenciada de cada uma das arguidas (eram duas SADs arguidas - SSAD e VSAD) e sem estabelecer qualquer nexo causal diferenciado com nenhuma situação de perigo concreto em resultado da conduta diferenciada de cada uma das arguidas». Não sendo facto também não deveria ter sido considerado facto não provado. Pura e simplesmente, não deveria integrar a factualidade (provada ou não provada).

37. De qualquer modo, o arremesso das tochas incandescentes e a sua devolução já consta dos factos provados 2.º e 3.º. Por outro lado, é facto notório que o envio de tochas incandescentes para uma bancada com público é ato criador de perigo, quer para a vida e segurança dos espectadores, quer para a tranquilidade e a segurança públicas. Portanto, importa eliminar o facto não provado 4.


Quanto ao facto não provado 5
Que conforme é de conhecimento público, o jogo em apreço nos autos foi transmitido em direto e teve ampla repercussão mediática, resultando ainda da sobredita atuação grave prejuízo para imagem e bom nome das competições profissionais de futebol.

38. O acórdão recorrido começou por justificar a falta de prova do facto em causa considerando «[n]ão se [encontrar] no Processo Disciplinar qualquer elemento de prova documental que permita concluir pela ampla repercussão mediática, ali aduzida e muito menos que tenha da sobredita actuação resultado grave prejuízo para imagem e bom nome das competições profissionais de futebol, mormente sabendo-se, de antemão, tratar-se de um jogo previamente classificado pelas entidades competentes como sendo de alto risco (como aliás consta da menção a isso feita no Relatório de Segurança constante nos autos de Processo Disciplinar (de fls. 58 a 66)».

39. Na verdade, nada se encontra que permita considerar ter havido uma ampla repercussão mediática. Independentemente de qualquer considerando sobre a sua natureza conclusiva, não será uma notícia no Jornal «Record» e uma outra no Jornal «A Bola», ambos de natureza desportiva, que poderão conduzir a tal qualificação. Ou seja, e tal como alegou a Recorrida/V…- Futebol, SAD, «[n]ão são, com certeza, as duas notícias juntas aos autos que podem provar que este jogo - ou mais especificamente - esta situação do jogo em particular - possa ser considerada como tendo ampla repercussão mediática e daí se retirar a conclusão de teve um grave prejuízo para a imagem e bom nome das competições profissionais de futebol».

40. Quanto à transmissão em direto, é certo que a Recorrente/Federação Portuguesa de Futebol contrapõe que, «quanto à transmissão televisiva, é consabido que todos os jogos da Liga Portugal, com exceção dos que a S, Futebol SAD disputa na condição de visitado, são televisionados pela operadora Sportv». Está, no fundo, a invocar o regime dos factos notórios, ou seja, os que são do conhecimento geral, os quais não carecem de prova nem de alegação (artigo 412.º/1 do Código de Processo Civil). Ora, de modo algum se poderá considerar tal facto como sendo do conhecimento geral, como tal, notório.

41. Quanto ao facto de «[resultar] da sobredita atuação grave prejuízo para a imagem e bom nome das competições profissionais de futebol», trata-se de uma conclusão que apela a raciocínios jurídicos, pelo que seria matéria a tratar em sede de apreciação fáctico-jurídica.

42. O que nem será feito. Na verdade, o artigo 118.º do Regulamento Disciplinar das Competições Organizadas pela Liga Portugal estabelece o seguinte:

«Artigo 118.º
Inobservância qualificada de outros deveres
Em todos os outros casos não expressamente previstos em que os clubes incumpram, ainda que a título de negligência, deveres que lhes são impostos pelos regulamentos e demais legislação aplicável são punidos com a sanção:

a) de interdição do seu recinto desportivo a fixar entre o mínimo de um e o máximo de três jogos e a sanção de multa de montante a fixar entre o mínimo de 50 UC e o máximo de 250 UC, quando da sua conduta resulte uma situação de perigo para a segurança dos agentes desportivos ou dos espectadores de um jogo oficial ou de risco para a tranquilidade e a segurança públicas;
b) a sanção de multa de montante a fixar entre o mínimo de 50 UC e o máximo de 250 UC, quando da sua conduta resulte lesão dos princípios da ética desportiva, da verdade desportiva ou grave prejuízo para a imagem e o bom nome das competições de futebol».


43. Como se vê, a existência de grave prejuízo para a imagem e o bom nome das competições de futebol consta da alínea b). A Recorrida/V…- Futebol, SAD, foi punida nos termos da alínea a). Portanto, tal consequência, para o efeito, não assume qualquer relevo.

44. Sem embargo, não poderá deixar de dizer-se que não se mostra aceitável o que se deixou escrito na decisão recorrida, a saber: «(…) mesmo que pudesse considerar-se de ampla divulgação nacional, dos autos não resulta provado que da actuação da Demandante tenha resultado um grave prejuízo para a imagem e bom nome das competições profissionais de futebol.

45. «Sendo certo que, para um jogo qualificado pelas entidades competentes como jogo de alto risco e tendo sido tomadas todas as medidas preventivas possíveis e exequíveis para prevenir situações de insegurança e violência durante a ocorrência do jogo sub judice, tudo decorreu dentro daquilo que é pelas forças de segurança devidamente acautelado e providenciado, e “até expectável, para um jogo de alto risco, não havendo episódios de insegurança ou violência a relevar, (tratando-se de jogo de alto risco]" como decorre do Depoimento da Coordenadora de Segurança do referido jogo, a testemunha N…».

46. Esta testemunha, quando prestou o seu depoimento, disse, a dado passo, o seguinte: «Não tenho em mente nada de muito anormal (...) lembro-me de haver alguns episódios, mas nada de... como é que hei-de dizer isto sem parecer muito mal... nada que não seja a normalidade num jogo de alto risco».

47. Compreende-se o pudor da testemunha. Já para o acórdão arbitral, as medidas preventivas tinham sido adotadas, num V…-B… a pancadaria já é previsível, nessa medida o arremesso de tochas para o público, mesmo a ter havido ampla divulgação nacional, nunca poderia causar grave prejuízo para a imagem e bom nome das competições profissionais de futebol. Julga-se ser o inverso, para um espetáculo desportivo que comunga dos mesmos princípios dos demais.

48. Concluindo, e expurgando o que assume natureza conclusiva, o facto não provado 5 passa a ter a seguinte redação (com alteração de número):

Facto não provado 2: Que o jogo em apreço nos autos foi transmitido em direto.


Quanto ao facto não provado 6
Que as Arguidas não têm suficiente e eficazmente adoptado e/ou promovido acções de sensibilização e prevenção socioeducativas contra práticas violentas, ofensivas ou perturbadora da ordem pública junto dos seus sócios, adeptos e simpatizantes

49. Quanto a este facto, o acórdão recorrido refere que o mesmo «[f]oi levado ao expectro dos factos não provados porquanto conclusivo (…)». E tem razão. Os factos a considerar serão as ações tomadas, no caso, pela V…- Futebol, SAD. Se essas ações são suficientes e eficazes, é matéria conclusiva, a apreciar pelo tribunal. Por isso mesmo é algo que tão pouco deveria ter sido levado à factualidade (ainda que não provada).

50. Por esse motivo a alegação da Recorrente/Federação Portuguesa de Futebol não releva em sede de factualidade, mas sim, e apenas, no campo da apreciação fáctico-jurídica. Elimina-se, pois, o facto não provado 6.

Quanto ao facto não provado 7
Que as Arguidas agiram assim, de forma livre, consciente e voluntária, bem sabendo que o seu comportamento (omissivo), ao não cumprirem com o seu dever de acautelar, precaver, formar, zelar e incentivar o espírito ético e desportivo junto dos seus sócios/adeptos e simpatizantes, constituía comportamento previsto e punido pelo ordenamento jus-disciplinar desportivo, de que resultou perigo para a vida e segurança dos espectadores e para a tranquilidade e a segurança públicas, bem como prejuízo para a imagem e bom nome das competições de futebol, não se abstendo, porém, de o realizar.

51. Nesta parte o acórdão recorrido começou por explicar ser «[f]acto levado ao expectro dos factos não provados porquanto conclusivo e bem ainda porquanto em contradição lógica com os deveres in formando e in vigilando que nos autos a Demandante logrou provar dar cumprimento». E depois desenvolveu a sua apreciação sobre a matéria constante do «facto não provado 7».

52. Ora, sendo conclusivo, como é, e como já anteriormente se disse, não há que tratá-lo em sede de factualidade. Nesta sede é eliminado.

53. Assim sendo, passa a ser a seguinte a factualidade a considerar (recuperando-se, apenas por questões de clareza, os factos que não mereceram alteração):

FACTOS PROVADOS:

1.º - No dia 27 de fevereiro de 2023 realizou-se no Estádio D. Afonso Henriques o jogo oficialmente identificado sob o n.° 12203 (203.01.192), entre a V…-Futebol, SAD, e a S…-Futebol, SAD, a contar para a 22.ª jornada da Liga Portugal BWIN.
2.º - Ao minuto 60 do jogo os adeptos afetos à S…-Futebol, SAD, identificados através da cor das suas vestes e cachecóis, situados na zona da Bancada Norte Superior (fora da ZCEAP), afeta aos mesmos, arremessaram duas tochas incandescentes para diferente zona da mesma bancada – designada zona neutra -, onde se encontravam adeptos da V…-Futebol, SAD.
2.º-A – É para essa zona da Bancada Norte Superior, onde se encontravam adeptos da V…-Futebol, SAD, que são atribuídos os bilhetes para patrocinadores e convidados.
3.º - Subsequentemente, os adeptos da V… Futebol, SAD, que se encontravam na designada zona neutra da Bancada Norte Superior, arremessaram de volta as duas tochas para a bancada de onde tinham sido inicialmente atiradas.
4.º - Nos termos do Relatório de Delegado elaborado por ocasião do jogo em apreço, descreve-se:
(...) «[o]s adeptos alocados na Bancada Norte superior (fora da ZCEAP), afetos ao S…, melhor identificados através da cor das suas vestes e cachecóis, arremessaram ao minuto 60, duas tochas inca[n]descentes para zona da bancada onde se encontravam adeptos do V… Os adeptos do V…, arremessaram uma das tochas que foram enviadas pelos adeptos do S… de volta para a Bancada onde se encontravam alocados.».
5.º - Por sua vez, consta do Relatório de Policiamento Desportivo elaborado na sequência do jogo supra mencionado que, às «22h38 Arremesso de dois artigos pirotécnicos da Bancada Norte Superior visitantes para Bancada Norte Superior adeptos visitados e posteriormente os visitados arremessaram os mesmos artigos pirotécnicos para os visitantes. NPP 103851/2023.»
6.º - Compulsado o extracto disciplinar da V…, SAD, ressalta que existem ocorrências respeitantes a actos de violência perpetrados pelos seus sócios/adeptos e simpatizantes, com alguma regularidade, evidenciando várias condenações disciplinares.
7.º - De igual modo, compulsado o extracto disciplinar da S…-Futebol, SAD ressalta que existem ocorrências respeitantes a actos de violência perpetrados pelos seus sócios/adeptos e simpatizantes, com igual regularidade, evidenciando várias condenações disciplinares.
8.º - Concernente ao jogo identificado sob o artigo 1.°, foi a V… Futebol, SAD, já sancionada em sede de processo sumário, no dia 02.03.23, por infrações cometidas pelos seus adeptos, conforme infra se discrimina:

«Imagem em texto no original»


9.º - De igual modo, na sequência do jogo identificado sob o artigo l.°, foi a S… -Futebol, SAD, já sancionada em sede de processo sumário, no dia 02.03.23, por infrações cometidas pelos seus adeptos, conforme infra se discrimina:

«Imagem em texto no original»

10.º - A V…- Futebol, SAD, promove regularmente e promoveu para o jogo dos autos realizado no dia 27/02/2023 medidas preventivas, de segurança para evitar a ocorrência de quaisquer distúrbios antes, durante e após os jogos:
a) No jogo de 27/02/2023, realizado no Estádio D. Afonso Henriques o entre a V…-Futebol, SAD e a S…-Futebol, SAD, a Revista de entrada dos adeptos no Estádio foi feita pela Força Policial reforçada ainda por forças de Segurança privada contratadas pela Demandante.
b) No jogo de 27/02/2023, realizado no Estádio D. Afonso Henriques o entre a V…-Futebol, SAD e a S…-Futebol, SAD, foi feito o devido controlo de entradas.
c) No jogo de 27/02/2023, realizado no Estádio D. Afonso Henriques o entre a V…-Futebol, SAD e a S…-Futebol, SAD procedeu-se ao controlo de entradas com PDAS (terminais computacionais portáteis) de auxílio no controle das entradas.
d) No jogo de 27/02/2023, realizado no Estádio D. Afonso Henriques o entre a V…-Futebol, SAD e a S…-Futebol, SAD, procedeu-se ao controle de entradas com torniquete.
e) No jogo de 27/02/2023, realizado no Estádio D. Afonso Henriques o entre a V…-Futebol, SAD e a S…-Futebol, SAD, procedeu-se a Revista de entrada de adeptos no Estádio por visualização e palpação nos termos legalmente previstos e admitidos e visionamento realizada pela PSP.
f) No jogo de 27/02/2023, realizado no Estádio D. Afonso Henriques o entre a V…-Futebol, SAD e a S…-Futebol, SAD, procedeu-se ao controle e revista pessoal para impedir a introdução de objectos e substâncias proibidas ou susceptíveis de possibilitar ou gerar actos de violência.
g) Para o jogo dos autos, de 27/02/2023, foram destacados 319 membros efectivos das Forcas Policiais.
h) Requisitados 130ARDs.
i) 30 ARDs dedicados aos Adeptos visitantes, reforçados pelos elementos das forças Policiais.
j) Foram estabelecidas medidas de vigilância e controlo de modo a impedir o excesso de lotação em qualquer zona do recinto e assegurar que as vias de acesso estejam desimpedidas.
k) Foi feita a divulgação em locais visíveis: da proibição de venda de bebidas alcoólicas no interior do Estádio, substâncias psicotrópicas e estupefacientes e respectivo controlo, bem como da proibição de armas e engenhos explosivos ou pirotécnicos.
l) Encontravam-se definidos e salvaguardados anéis ou perímetros de segurança.
m) Reservadas zonas distintas para efectuar a separação dos grupos de adeptos.
n) Sistema de videovigilância no interior do estádio.
o) O jogo foi previamente classificado como de risco elevado pelas entidades competentes (Prova testemunhal Depoimento da Coordenadora de Segurança do jogo dos autos - N… e Boletim de Segurança constante do PD.
p) O Senhor Comandante de Policiamento considerou estarem reunidas as condições de segurança para a realização do jogo e/ou entendeu que o Director de Segurança fez tudo ao seu alcance para que essas condições fossem garantidas.
q) A Demandante e a Força Policial estabeleceram prévio plano de actuação no Estádio e seus anéis de segurança.
r) Tendo existido previamente planos de reforço de policiamento em caso de distúrbios nas bancadas.
s) A Demandante recorre, a expensas próprias, à contratação dos serviços das Forças Policiamento e de Segurança Privada de reforço por considerar serem as entidades mais aptas e preparadas para fazer a Revista de entrada no Estádio e mais experientes na detecção de artefactos e engenhos pirotécnicos nas bancadas, no dia do jogo, e regularmente.
11.º - A Demandante promove regularmente medidas de segurança, de vigilância e de formação e promoveu para o jogo dos autos, realizado no dia 27/02/2023, medidas preventivas:
a) Contrata para todos os jogos e para o jogo de 27/02/2023 um número de ARDS que ultrapassa aquele que resulta da aplicação dos critérios regulamentares;
b) Segue sempre, e seguiu para o jogo realizado no dia 27/02/2023, as indicações do Comando Policial, entidade máxima no que respeita à questão de segurança no recinto, antes, durante após o referido jogo e dos demais jogos.
c) Promove habitualmente, e promoveu para o jogo do dia 27/02/2023, a realização de revistas exaustivas aos adeptos durante a entrada no recinto.
d) Promove activamente, nos sistemas de áudio e vídeo do estádio, antes dos encontros e durante o intervalo, mensagens contra a violência, racismo e xenofobia, o que fez também no jogo do dia 27/02/2023.
e) Promove regularmente vídeos a favor da inclusão, o que igualmente promoveu no jogo do dia 27/02/2023.
f) Promove habitualmente vídeos contra o racismo e xenofobia, incluindo no jogo do dia 27/02/2023.
g) Promove vídeos a dar conta das medidas de segurança adotadas no Estádio D. Afonso Henriques, a apelar para o seu cumprimento e a rejeitar práticas de violência, destruição de património e uso de pirotecnia;
h) Promove vídeos a apelar ao uso da bancada família, iniciativa que foi premiada pela LPFP.
i) A Demandante tem devidamente nomeado um Director de segurança e um Director de segurança adjunto, bem com um OLA, sendo que são estes as pessoas da requerente que interagem com as forças policiais, entidade que assume a supervisão do recinto desportivo.
j) A Demandante acata regularmente, e acatou para o jogo de 27/02/2023, todas as decisões tomadas pela P.S.P., tanto as que foram tomadas no próprio jogo, como as que foram previamente tomadas nas reuniões que precedem a realização do referido jogo e dos demais jogos.
k) A Demandante diligencia pela instauração de processos disciplinares e aplica medidas sancionatórias aos seus sócios de que tem conhecimento ter estado envolvidos em perturbações da ordem pública, impedindo o acesso aos recintos desportivos nos termos e condições do respetivo regulamento ou promovendo a sua expulsão do recinto.
l) A Demandante promove a divulgação sonora de mensagens antes dos jogos realizados no Estádio D. Afonso Henriques, a apelar para o comportamento desportivamente correcto dos adeptos.
m) E promove campanhas de sensibilização junto dos seus sócios e adeptos, quer contra o racismo, quer contra a violência no desporto,
n) A Demandante tem colocadas as seguintes mensagens no Estádio D. Afonso Henriques, designadamente:
o) "O V… É PRETO E BRANCO. DIZ NÃO AO RACISMO. SAY NO TO RACISM."
p) - “AQUI SÓ LUTAMOS PELOS 3 PONTOS. DIZ NÃO À VIOLÊNCIA. SAY NO TO VIOLENCE”.
q) Nos ecrãs gigantes do Estádio da Demandante por ocasião dos jogos oficiais do clube, e nas redes oficiais do clube., passam as seguintes mensagens:
r) E ONDE OS COMPORTAMENTOS INCORRETOS, SEJAM ELES A DESTRUIÇÃO DE PATRIMÓNIO, O ARREMESSO DE OBJECTOS E A DEFLAGRAÇÃO DE PIROTECNIA NÃO ACONTEÇAM E QUE RESULTAM EM MULTAS AVULTADAS PARA O NOSSO CLUBE.
s) NÃO À VIOLÊNCIA no placard luminoso
t) Vitoria SC oficial “O ESTÁDIO D. AFONSO HENRIQUES É DE TODOS OS V… . FAÇAMOS DA NOSSA CASA UM "INFERNO BRANCO”, DE APOIO AOS NOSSOS CONQUISTADORES, E ONDE OS COMPORTAMENTOS INCORRETOS, SEJAM ELES A DESTRUIÇÃO DE PATRIMÓNIO, O ARREMESSO DE OBJECTOS E A DEFLAGRAÇÃO DE PIROTECNIA NÃO ACONTEÇAM E QUE RESULTAM EM MULTAS AVULTADAS PARA O NOSSO CLUBE.
u) CABE A TODOS NÓS CUIDARMOS DO NOSSO V… E. PARA ISSO, PEDIMOS A COLABORAÇÃO DE TODOS OS V… À CONQUISTA!"
12.º - A Arguida V…-Futebol, SAD apresenta antecedentes disciplinares na época desportiva 2022/2023, bem como no ano anterior à data da prática dos factos.
13.º - A Arguida S…-Futebol, SAD apresenta, também, antecedentes disciplinares na época desportiva 2022/2023, bem como no ano anterior à data da prática dos factos.

FACTOS NÃO PROVADOS

Facto não provado 1 - Que a Bancada Norte Superior (fora da ZCEAP), seja afeta exclusivamente aos adeptos da S…- Futebol, SAD
Facto não provado 2 - Que o jogo em apreço nos autos foi transmitido em direto.


Da prática do ilícito disciplinar

54. Previamente a qualquer apreciação importa delimitar com exatidão o que está em causa no presente recurso, tanto mais que existe alguma nebulosidade criada pela decisão punitiva, e de que o acórdão arbitral deu conta, mas que as próprias alegações de recurso recuperam.

55. Na verdade, logo na conclusão 2.ª dessas alegações a Recorrente/Federação Portuguesa de Futebol alega que «a Recorrida havia sido punida pelo Conselho de Disciplina por, sinteticamente, os adeptos a si afetos, identificados através da cor das suas vestes e cachecóis, situados na Bancada Norte Superior (visitados), arremessaram as tochas que lhes foram enviadas pelos adeptos da S-Futebol, SAD, de volta para a bancada onde estes se encontravam alocados, factos de que resultou uma situação de perigo concreto».

56. Ora, se bem se interpreta a decisão punitiva, tal não corresponde à realidade. De facto, a V…– Futebol, SAD, foi punida «pela prática de uma infracção p. e p. 118.º, alínea a) [Inobservância qualificada de outros deveres], do RDLPFP por referência ao artigo 35.º, n.º 1, alíneas a), b), c), f) e o), e nº 2, alínea f) do RCLPFP».

57. É o seguinte o teor do artigo 118.º/a) do Regulamento Disciplinar das Competições Organizadas pela Liga Portugal:

«Artigo 118.º
Inobservância qualificada de outros deveres
Em todos os outros casos não expressamente previstos em que os clubes incumpram, ainda que a título de negligência, deveres que lhes são impostos pelos regulamentos e demais legislação aplicável são punidos com a sanção:

a) de interdição do seu recinto desportivo a fixar entre o mínimo de um e o máximo de três jogos e a sanção de multa de montante a fixar entre o mínimo de 50 UC e o máximo de 250 UC, quando da sua conduta resulte uma situação de perigo para a segurança dos agentes desportivos ou dos espectadores de um jogo oficial ou de risco para a tranquilidade e a segurança públicas;
(…).»


58. Relativamente ao Regulamento das Competições Organizadas pela Liga Portuguesa de Futebol Profissional, é o seguinte o teor do seu artigo 35.º, nas alíneas invocadas:

«Artigo 35.º
Medidas preventivas para evitar manifestações de violência e incentivo ao fair-play
1. Em matéria de prevenção de violência e promoção do fair-play, são deveres dos clubes:
a) assumir a responsabilidade pela segurança do recinto desportivo e anéis de segurança;
b) incentivar o espírito ético e desportivo dos seus adeptos, especialmente junto dos grupos organizados
c) aplicar medidas sancionatórias aos seus associados envolvidos em perturbações da ordem pública, impedindo o acesso aos recintos desportivos nos termos e condições do respetivo regulamento ou promovendo a sua expulsão do recinto;
(…)
f) garantir que são cumpridas todas as regras e condições de acesso e de permanência de espetadores no recinto desportivo;
(…)
o) desenvolver ações de prevenção socioeducativa, nos termos da lei;
(…)
2. Para efeito do disposto na alínea f) do número anterior, e sem prejuízo do estabelecido no artigo 24.º da lei n.º 39/2009, de 30 de julho e no Regulamento de prevenção da violência constante do Anexo VI, são considerados proibidos todos os objetos, substâncias e materiais suscetíveis de possibilitar atos de violência, designadamente:
(…)
f) substâncias corrosivas ou inflamáveis, explosivas ou pirotécnicas, líquidos e gases, fogo-de-artifício, foguetes luminosos (very-lights), tintas, bombas de fumo ou outros materiais pirotécnicos;
(…)».



59. Daqui resulta, portanto, que a Recorrida foi punida pela violação de deveres de formação e deveres de vigilância. E não pelo arremesso das tochas, ou seja, pelo comportamento incorreto dos seus sócios ou simpatizantes a que se refere o artigo 187.º do Regulamento Disciplinar das Competições Organizadas pela Liga Portugal. O que não significa, como adiante melhor se verá, que esse comportamento não mereça valoração.

60. É certo que a decisão punitiva constante do acórdão do Conselho de Disciplina da Federação Portuguesa de Futebol, de 11.4.2023, começou por referir (§ 4) que «constituem objeto dos presentes autos os factos descritos no seguinte trecho do relatório dos delegados (fls. 12 a 14), onde é referido que «[o]s adeptos alocados na bancada Norte superior (fora da ZCEAP), afetos ao S, melhor identificados através da cor das suas vestes e cachecóis, arremes[s]aram ao minuto 60, duas tochas inca[n]descentes para zona da bancada onde se encontravam adeptos do V. Os adeptos do V, arremessara uma das tochas que foram enviadas pelos adeptos do Sde volta para a Bancada onde se encontravam alocados». No entanto, e como depois se vem a constatar, esses são apenas os factos que conduziram à conclusão de que existiram omissões que constituíram a violação de deveres de formação e de vigilância. E são essas alegadas omissões que constituem o ilícito disciplinar que está na base do presente litígio.

61. Por isso mesmo se diz, na factualidade constante da decisão punitiva, que «[a]s Arguidas agiram assim, de forma livre, consciente e voluntária, bem sabendo que o seu comportamento (omissivo), ao não cumprirem com o seu dever de acautelar, precaver, formar, zelar e incentivar o espírito ético e desportivo junto dos seus sócios/adeptos e simpatizantes, constituía comportamento previsto e punido pelo ordenamento jus-disciplinar desportivo, de que resultou perigo para a vida e segurança dos espectadores e para a tranquilidade e a segurança públicas, bem como prejuízo para a imagem e bom nome das competições de futebol, não se abstendo, porém, de o realizar» (destaque e sublinhado nossos).

62. Por outro lado, e já no âmbito do respetivo enquadramento jurídico, o acórdão punitivo começa por esclarecer que se situa «no universo das infrações disciplinares específicas dos clubes, em concreto, a infração prevista e punida pelo artigo 118º, al. a) do RDLPFP (…)». E mais diante, apreciando especialmente a responsabilidade da Recorrida/V…– Futebol, SAD: «55. À Arguida VSAD é imputada a prática de uma infração disciplinar prevista e sancionada pelo artigo 118.º, alínea a) [Inobservância qualificada de outros deveres], do RDLPFP por referência ao artigo 35.º, n.º 1, alíneas a), b), c), f) e o), e nº 2, alínea f) do RCLPFP, punível com a sanção de interdição do seu recinto desportivo a fixar entre o mínimo de um e o máximo de três jogos e a sanção de multa de montante a fixar entre o mínimo de 50 UC e o máximo de 250 UC.

63. «56. Sustentada nos factos indiciariamente apurados, que vieram a ser dados como provados em 12, 22, 32, 42, 52, 62, 72, 82, 92, 102, 139 e 142 de §2. Factos provados (no dia 27.02.2023, no Estádio D. Afonso Henriques, durante o jogo entre a V-Futebol, SAD e a S-Futebol, SAD, ao minuto 60 do jogo, os adeptos afetos à Arguida S- Futebol, SAD, arremessaram duas tochas incandescentes para a zona da bancada onde se encontravam os adeptos da V-Futebol, SAD e, subsequentemente os adeptos da V- Futebol, SAD, arremessaram as tochas que lhes foram enviadas pelos adeptos da S- Futebol, SAD, de volta para a bancada onde estes se encontravam alocados, resultando da referida atuação, em especial do arremesso de artigos pirotécnicos (tochas incandescentes), uma situação de perigo, quer para a vida e segurança dos espectadores que assistiam ao jogo, quer para a tranquilidade e a segurança públicas e, como é de conhecimento público, o jogo em apreço foi transmitido em direto pela televisão e teve ampla repercussão mediática, resultando assim da sobredita atuação grave prejuízo para imagem e bom nome das competições profissionais de futebol, na medida em que compulsado o extracto disciplinar das Arguidas ressalta que existem ocorrências respeitantes a actos de violência perpetrados pelos seus sócios/adeptos e simpatizantes, com alguma regularidade, evidenciando várias condenações disciplinares, donde decorre que as Arguidas não têm suficiente e eficazmente adoptado e/ou promovido acções de sensibilização e prevenção socioeducativas contra práticas violentas, ofensivas ou perturbadora da ordem pública junto dos seus sócios, adeptos e simpatizantes, tendo as Arguidas agido assim, de forma livre, consciente e voluntária, bem sabendo que o seu comportamento (omissivo), ao não cumprirem com o seu dever de acautelar, precaver, formar, zelar e incentivar o espírito ético e desportivo junto dos seus sócios/adeptos e simpatizantes, constituía comportamento previsto e punido pelo ordenamento jus-disciplinar desportivo, de que resultou perigo para a vida e segurança dos espectadores e para a tranquilidade e a segurança públicas, bem como prejuízo para a imagem e bom nome das competições de futebol, não se abstendo, porém, de o realizar), a acusação imputa à arguida a prática da infração prevista e punida pelo artigo 118.º, n.º 1, alínea a) do RDLPFP, por concluir que arguida V, SAD omitiu os deveres regulamentares, acima transcritos, de zelar por que os seus simpatizantes e adeptos adoptassem um comportamento correto, moderado e respeitoso relativamente aos simpatizantes e adeptos do clube adversário, nas circunstâncias relatadas, pois caso contrário não se haviam observado os factos acabados de descrever.

64. «57. Os citados factos provados demonstram que a conduta da Arguida, conforme era seu dever, nos termos e circunstâncias em que se verificou, é objectiva e subjetivamente ilícita, por omissiva e violadora dos deveres que sobre si impendiam, resultando evidente que a verificação do resultado das descritas condutas se funda num incumprimento do dever de colaborar na prevenção de manifestações antidesportivas, traduzido na violação de deveres a que estava obrigada, pois não acautelou, precaveu, preveniu, formou, zelou e incentivou o espírito ético e desportivo dos seus adeptos, concretamente ao não evitar que os seus adeptos e simpatizantes, alocados nas bancadas exclusivas aos seus sócios e simpatizantes, arremessassem artifícios pirotécnicos de uma bancada para a outra, em direcção aos adeptos adversários, dessa forma tendo resultado em concreto uma situação de perigo para a segurança dos espectadores presentes no jogo em apreço e, bem assim, para a tranquilidade e segurança públicas, com claros e graves prejuízos para a imagem das competições de futebol profissional (destaque e sublinhado nossos).

65. «58. É exactamente o que acontece no caso que ajuizamos, pois com a sua conduta omissiva - traduzido, repete-se, na violação de deveres de formação e vigilância a que estava obrigada, pois não acautelou, precaveu, preveniu, formou, zelou e incentivou o espírito ético e desportivo dos seus adeptos, concretamente ao não persuadir e impedir os seus adeptos e simpatizantes que arremessassem artifícios pirotécnicos de uma bancada para a outra em direcção aos adeptos adversários -, a Arguida V, SAD criou uma situação de perigo para a segurança do público presente, isto é, esse perigo tornou-se concreto e manifesto em consequência do comportamento omissivo referido, designadamente dos espectadores adeptos, com o arremesso das tochas incandescentes, nas circunstâncias de tempo, modo e lugar acima aludidas, apta a criar uma tragédia de consequências imprevisíveis (destaque e sublinhado nossos).

66. (…)

67. «64. No âmbito da segurança, e pese embora a Arguida V, SAD colocar em evidência que as referidas tochas foram primeiramente arremessadas pelos adeptos da B, SAD e, por isso, tais artefactos não foram introduzidos no estádio por adeptos seus, importa não esquecer que foi a organizadora do jogo e ainda que não fosse, não deixa de ser sua obrigação velar pelo cumprimento das regras de segurança em relação aos seus adeptos, podendo, por exemplo, sugerir (quando não exigir) que se recorra, nas revistas, ao uso de raquetes de detecção de metais e de explosivos, como decorre do disposto na alínea a) do nº 2 do artigo 19º da Lei 46/2019, de 8 de Julho (Revistas de Prevenção e Segurança), pelo que, não o tendo feito, acabou por admitir a entrada no recinto dos referidos engenhos pirotécnicos. Ora, como não é difícil de constatar, os deveres, legais e regulamentares, que impedem sobre a SAD Arguida estão longe de serem cumpridos.

68. (…)

69. «66. A conduta ilícita e culposa dos adeptos e simpatizantes da Arguida V, SAD, incluídos ou não em claques desportivas (enquanto coletivo), são imputadas aos seus clubes ou sociedades desportivas, em virtude de sobre estes impenderem deveres de formação e de vigilância que a lei lhes impõe de uma forma clara e expressa, pelo que ao não os cumprirem de forma capaz, substituem-se, como centros éticos-sociais de imputação jurídica, aos seus adeptos no plano da culpabilidade/responsabilidade (cf. o acórdão do Tribunal Constitucional n.9 302/95, de 08.06.1995): a imputação dos factos das claques aos clubes é, pois, a título culposo, correspondendo a um juízo grave de censura social com conformação normativa (destaque e sublinhado nossos).

70. (…)

71. «72. Estamos a falar concretamente dos deveres de vigilância e dos deveres de formação que a Arguida V, SAD não cumpriu de forma capaz (ou pelo menos eficiente) no caso dos autos e que resultam, para além do mais, diretamente do disposto no artigo 35.º, n.º 1, alíneas a), b), c), f) e o), e nº 2, alínea f) do RCLPFP, acima transcrito, sob epígrafe "medidas preventivas para evitar manifestações de violência e incentivo ao fair-play".

72. «E, portanto, foi essa atitude omissiva da SAD Arguida que deu azo, de forma causal, à prática dos factos perpetrados pelos respetivos adeptos e simpatizantes, com as consequências acima já evidenciadas, isto é, não só a violação dos princípios do fair play e da ética desportiva, mas sobretudo a manifesta criação de uma situação de evidente perigo para a segurança dos espectadores e do público que assistia ao referido jogo, colocando em risco a tranquilidade e a segurança públicas em geral e daquele público ali presente em particular.

73. «73. Nesta ordem de considerações, não pode ser outra a resposta a dar à questão jurídica em análise que não seja afirmar que existem meios de prova que permitem imputar à Arguida a inobservância e/ou a omissão de deveres de formação, de vigilância, de cuidado ou de prevenção de comportamentos indevidos por parte dos seus adeptos (autores dos factos ilícitos em causa) e, portanto, de uma conduta que sustenta a sua condenação pela prática do ilícito disciplinar previsto e punido pelo artigo 118º, alínea a) do RDLPFP.

74. «74. Encontram-se, assim, verificados e preenchidos os elementos objectivos e subjectivos subjacentes à prática da infracção disciplinar de que a Arguida V- Futebol, SAD vem acusada, devendo, por conseguinte, ser punida nos termos previstos artigo 118.º, alínea a), do RDLPFP, por violação dos deveres acima indicados».

75. Visto este enquadramento prévio, recordemos então o artigo 118.º/a) do Regulamento Disciplinar das Competições Organizadas pela Liga Portugal:

«Artigo 118.º
Inobservância qualificada de outros deveres
Em todos os outros casos não expressamente previstos em que os clubes incumpram, ainda que a título de negligência, deveres que lhes são impostos pelos regulamentos e demais legislação aplicável são punidos com a sanção:

a) de interdição do seu recinto desportivo a fixar entre o mínimo de um e o máximo de três jogos e a sanção de multa de montante a fixar entre o mínimo de 50 UC e o máximo de 250 UC, quando da sua conduta resulte uma situação de perigo para a segurança dos agentes desportivos ou dos espectadores de um jogo oficial ou de risco para a tranquilidade e a segurança públicas;
(…).»

76. Do antecedente artigo resulta que está em causa o incumprimento, por parte do clube, de deveres que lhes são impostos pelos regulamentos e demais legislação aplicável, quando do incumprimento desses deveres resulte uma situação de perigo para a segurança dos agentes desportivos ou dos espectadores de um jogo oficial ou de risco para a tranquilidade e a segurança públicas.

77. Ora, a esse incumprimento – eventual incumprimento, melhor dizendo – chegamos a partir dos factos relativos ao comportamento do público, em especial o seguinte: no decorrer do jogo entre a V…- Futebol, SAD, e a S… - Futebol, SAD, realizado no estádio da primeira, os adeptos afetos à S…- Futebol, SAD, situados na zona da Bancada Norte Superior (fora da ZCEAP), afeta aos mesmos, arremessaram, ao minuto 60, duas tochas incandescentes para diferente zona da mesma bancada – designada zona neutra -, onde se encontravam adeptos da V…- Futebol, SAD. Subsequentemente, os adeptos da V… -Futebol, SAD, que se encontravam na designada zona neutra da Bancada Norte Superior, arremessaram de volta as duas tochas para a bancada de onde tinham sido inicialmente atiradas.

78. Na verdade, a constatação de que entraram tochas no estádio leva-nos a presumir que não foram cumpridos os deveres de garantia das condições de acesso ao recinto desportivo em causa, sabendo-se que tais tochas consubstanciam objeto proibido, nos termos do artigo 35.º/2/f) do Regulamento das Competições Organizadas pela Liga Portuguesa de Futebol Profissional. E essa presunção deve ser efetuada.

79. Por um lado, porque decorre, com manifesta evidência, da experiência comum. Por outro, porque é admissível no campo em que nos movemos, como tem afirmado repetidamente o Supremo Tribunal Administrativo (vd., nomeadamente, o acórdão de 5.11.2020, processo n.º 043/19.0BCLSB). Portanto, e como se disse, há que presumir que não foram cumpridos os deveres in vigilando.

80. No entanto, importa ainda ter presente que está igualmente em causa, na decisão punitiva, a violação de deveres in formando. Neste campo a linha de presunção não poderá ser a mesma. Isto porque a Recorrida/V… - Futebol, SAD, não tem, evidentemente, quaisquer deveres de formação relativamente aos adeptos da S… - Futebol, SAD. Portanto, não há que efetuar qualquer presunção de incumprimento de deveres in formando a partir do arremesso das tochas por parte dos adeptos desse clube.

81. No entanto, sabe-se que os adeptos da Recorrida/V…- Futebol, SAD, também arremessaram tochas. Sucede que esse arremesso não poderá ser visto em termos idênticos ao sucedido com os adeptos da S… - Futebol, SAD. De facto, sabemos que, subsequentemente ao arremesso de duas tochas incandescentes para a zona da bancada onde se encontravam adeptos da V…-Futebol, SAD, os adeptos desta última arremessaram de volta as duas tochas para a bancada de onde tinham sido inicialmente atiradas. Ou seja, e por parte dos adeptos da Recorrida/V…- Futebol, SAD, não existiu qualquer introdução de tochas no estádio nem deflagração das mesmas, mas apenas uma reação ao ataque dos adeptos da equipa adversária.

82. Ora, sem prejuízo, evidentemente, da crítica que tal comportamento deve merecer – até porque existe a possibilidade de reenviar as tochas para local não ocupado, ao invés de as devolver para o local de onde saíram -, não se julga adequado efetuar a presunção acima referida, na medida em que os comportamentos de reação poderão escapar, com facilidade, a todo o conjunto de medidas de incentivo ao espírito ético e desportivo que poderão, e deverão, ser implementadas.

83. Assim sendo, e neste momento, temos o seguinte:

a) Relativamente aos deveres in vigilando, presume-se que existiu incumprimento;
b) Relativamente aos deveres in formando, inexiste qualquer presunção.

84. Tal significa o seguinte:

a) Relativamente aos deveres in vigilando, e porque se fala de futebol, a bola está, agora, do lado da Recorrida/V…- Futebol, SAD. É a esta que cabe abalar a presunção de incumprimento.
b) Relativamente aos deveres in formando, há que indagar se a factualidade existente revela o seu incumprimento.

85. Vejamos, então, os deveres in vigilando. Recordemos, antes de mais, o acórdão punitivo, assinalando que, nesta matéria, o mesmo nada contém. Ou melhor, contém a base da presunção, ou seja, os arremessos das tochas. Por isso se disse, nesse acórdão, que esses arremessos levam à conclusão de que a «V, SAD omitiu os deveres regulamentares, acima transcritos, de zelar por que os seus simpatizantes e adeptos adoptassem um comportamento correto, moderado e respeitoso relativamente aos simpatizantes e adeptos do clube adversário, nas circunstâncias relatadas, pois caso contrário não se haviam observado os factos acabados de descrever», sendo que «com a sua conduta omissiva - traduzido, repete-se, na violação de deveres de formação e vigilância a que estava obrigada, pois não acautelou, precaveu, preveniu, formou, zelou e incentivou o espírito ético e desportivo dos seus adeptos, concretamente ao não persuadir e impedir os seus adeptos e simpatizantes que arremessassem artifícios pirotécnicos de uma bancada para a outra em direcção aos adeptos adversários -, a Arguida V, SAD criou uma situação de perigo para a segurança do publico presente, isto é, esse perigo tornou-se concreto e manifesto em consequência do comportamento omissivo referido, designadamente dos espectadores adeptos, com o arremesso das tochas incandescentes, nas circunstâncias de tempo, modo e lugar acima aludidas, apta a criar uma tragédia de consequências imprevisíveis».

86. No entanto, consta da matéria assente o seguinte:

1.º - A V… Futebol, SAD promove regularmente e promoveu para o jogo dos autos realizado no dia 27/02/2023 medidas preventivas, de segurança para evitar a ocorrência de quaisquer distúrbios antes, durante e após os jogos:
a) No jogo de 27/02/2023, realizado no Estádio D. Afonso Henriques, entre a V…-Futebol, SAD, e a S…-Futebol, SAD, a revista de entrada dos adeptos no Estádio foi feita pela Força Policial, reforçada ainda por forças de Segurança privada contratadas pela Demandante.
b) No jogo de 27/02/2023, realizado no Estádio D. Afonso Henriques, entre a V…-Futebol, SAD, e a S…-Futebol, SAD, foi feito o devido controlo de entradas.
c) No jogo de 27/02/2023, realizado no Estádio D. Afonso Henriques, entre a V…-Futebol, SAD, e a S…-Futebol, SAD, procedeu-se ao controlo de entradas com PDAS (terminais computacionais portáteis) de auxílio no controle das entradas.
d) No jogo de 27/02/2023, realizado no Estádio D. Afonso Henriques, entre a V…-Futebol, SAD, e a S…-Futebol, SAD, procedeu-se ao controle de entradas com torniquete.
e) No jogo de 27/02/2023, realizado no Estádio D. Afonso Henriques, entre a V…-Futebol, SAD, e a S…-Futebol, SAD, procedeu-se a revista de entrada de adeptos no Estádio por visualização e palpação nos termos legalmente previstos e admitidos e visionamento realizada pela PSP.
f) No jogo de 27/02/2023, realizado no Estádio D. Afonso Henriques, entre a V…-Futebol, SAD, e a S…-Futebol, SAD, procedeu-se ao controlo e revista pessoal para impedir a introdução de objetos e substâncias proibidas ou susceptíveis de possibilitar ou gerar actos de violência.
g) Para o jogo dos autos, de 27/02/2023, foram destacados 319 membros efetivos das Forcas Policiais.
h) Requisitados 130ARDs.
i) 30 ARDs dedicados aos Adeptos visitantes, reforçados pelos elementos das forças Policiais.
j) Foram estabelecidas medidas de vigilância e controlo de modo a impedir o excesso de lotação em qualquer zona do recinto e assegurar que as vias de acesso estejam desimpedidas.
k) Foi feita a divulgação em locais visíveis: da proibição de venda de bebidas alcoólicas no interior do Estádio, substâncias psicotrópicas e estupefacientes e respetivo controlo, bem como da proibição de armas e engenhos explosivos ou pirotécnicos.
l) Encontravam-se definidos e salvaguardados anéis ou perímetros de segurança.
m) Reservadas zonas distintas para efetuar a separação dos grupos de adeptos.
n) Sistema de videovigilância no interior do estádio.
o) O jogo foi previamente classificado como de risco elevado pelas entidades competentes.
p) (…)
q) A Demandante e a Força Policial estabeleceram prévio plano de atuação no estádio e seus anéis de segurança.
r) Tendo existido previamente planos de reforço de policiamento em caso de distúrbios nas bancadas.
s) A Demandante recorre, a expensas próprias, à contratação dos serviços das Forças Policiamento e de Segurança Privada de reforço por considerar serem as entidades mais aptas e preparadas para fazer a revista de entrada no estádio e mais experientes na deteção de artefactos e engenhos pirotécnicos nas bancadas, no dia do jogo, e regularmente.
2.º - A Demandante promove regularmente medidas de segurança, de vigilância e de formação e promoveu para o jogo dos autos, realizado no dia 27/02/2023, medidas preventivas:
a) Contrata para todos os jogos e para o jogo de 27/02/2023 um número de ARDS que ultrapassa aquele que resulta da aplicação dos critérios regulamentares;
b) Segue sempre, e seguiu para o jogo realizado no dia 27/02/2023, as indicações do Comando Policial, entidade máxima no que respeita à questão de segurança no recinto, antes, durante após o referido jogo e dos demais jogos.
c) Promove habitualmente, e promoveu para o jogo do dia 27/02/2023, a realização de revistas exaustivas aos adeptos durante a entrada no recinto.
d) Promove ativamente, nos sistemas de áudio e vídeo do estádio, antes dos encontros e durante o intervalo, mensagens contra a violência, racismo e xenofobia, o que fez também no jogo do dia 27/02/2023.
e) Promove regularmente vídeos a favor da inclusão, o que igualmente promoveu no jogo do dia 27/02/2023.
f) Promove habitualmente vídeos contra o racismo e xenofobia, incluindo no jogo do dia 27/02/2023.
g) (…);
h) (…).
i) A Demandante tem devidamente nomeado um Director de segurança e um Director de segurança adjunto, bem com um OLA, sendo que são estes as pessoas da requerente que interagem com as forças policiais, entidade que assume a supervisão do recinto desportivo.
j) A Demandante acata regularmente, e acatou para o jogo de 27/02/2023, todas as decisões tomadas pela P.S.P., tanto as que foram tomadas no próprio jogo, como as que foram previamente tomadas nas reuniões que precedem a realização do referido jogo e dos demais jogos.

87. Em face das ações descritas julga-se que não se poderá afirmar ter havido incumprimento. É que, note-se, as obrigações que, nesta sede, impendem sobre a Recorrida/V…- Futebol, SAD, não são obrigações de resultado, ao contrário do que parece pressupor a Recorrente/Federação Portuguesa de Futebol, ao afirmar que «as medidas informando e in vigilando dos adeptos aptas para prevenir o mau comportamento dos mesmos são aquelas que, in casu, são aptas a produzir o resultado» (p. 63 das alegações de recurso). Portanto, o facto de as tochas terem sido levadas para o interior do estádio não se traduz no incumprimento dos deveres em causa, mas apenas, como anteriormente se viu, mera presunção desse incumprimento, E essa presunção, face às medidas adotadas, ficou abalada.

88. Na verdade, ficou por identificar – caso exista – a medida que a Recorrida/V…-Futebol, SAD, não adotou, devendo tê-lo feito.

89. Pergunta a Recorrente/Federação Portuguesa de Futebol, a p. 65 das suas alegações de recurso: «será que o arguido fez tudo para evitar o resultado?» E responde: «A resposta a dar é inequivocamente que a Demandante não fez essa demonstração, pelo que não foi lançada dúvida que a pudesse beneficiar, assim se devendo considerar e verificados os pressupostos de que depende a aplicação da penalização prevista no artigo 118º do RD».

90. Isso leva-nos a outra questão: o que ficou por demonstrar, tanto mais que – di-lo a Recorrente/Federação Portuguesa de Futebol (p. 65 das alegações de recurso) – «não [é] razoável pensar que mesmo o mais perfeito sistema de prevenção é inume a falhas»? O próprio Tribunal Constitucional, no acórdão n.º 730/95, processo n.º 328/91, que a Recorrente/Federação Portuguesa de Futebol invoca, alude ao cumprimento razoável das obrigações dos clubes. No fundo, e utilizando as palavras da Recorrente/Federação Portuguesa de Futebol (p. 42 das alegações de recurso), qual foi a medida concreta apta, adequada e suficiente que não foi adotada pela Recorrida/V…-Futebol, SAD?

91. É certo que no acórdão punitivo se referia que a Recorrida/V…- Futebol, SAD, «[poderia], por exemplo, sugerir (quando não exigir) que se recorra, nas revistas, ao uso de raquetes de detecção de metais e de explosivos, como decorre do disposto na alínea a) do nº 2 do artigo 19º da Lei 46/2019, de 8 de Julho (Revistas de Prevenção e Segurança), pelo que, não o tendo feito, acabou por admitir a entrada no recinto dos referidos engenhos pirotécnicos». Ora, independentemente de outros considerandos, essa é matéria que tão-pouco foi levada aos espaços próprios do processo disciplinar. O próprio acórdão punitivo, em sede de factualidade, e no âmbito que agora nos ocupa, limitou-se a concluir que «[a]s Arguidas não têm suficiente e eficazmente adoptado e/ou promovido acções de sensibilização e prevenção socioeducativas contra práticas violentas, ofensivas ou perturbadora da ordem pública junto dos seus sócios, adeptos e simpatizantes». Nada mais.

92. Em conclusão: como refere a Recorrente/Federação Portuguesa de Futebol, «cabia à Recorrida abalar a convicção de que incumpriu com os seus deveres» (p. 39 das alegações de recurso). Ora, no que se refere aos deveres in vigilando, a presunção de incumprimento foi totalmente abalada, não resultando do acórdão punitivo a existência de qualquer dever que não tenha sido observado por parte da Recorrida/V…- Futebol, SAD. Ou seja, apenas foi demonstrado que não foi atingido o resultado que a lei pretende com a imposição desses deveres.

93. É certo que a Recorrente/Federação Portuguesa de Futebol invoca ainda o facto de «não se [constatar] que a Recorrida tenha aplicado medidas sancionatórias aos seus associados envolvidos em perturbação da ordem pública, designadamente impedindo o acesso aos recintos desportivos nos termos e condições do respetivo regulamento ou promovendo a sua expulsão do recinto» (conclusão 22.ª). Ora, inexiste factualidade concreta na decisão punitiva que nos diga, nomeadamente, quais teriam sido os associados que não teriam merecido tal medida. De resto, o que existe na mesma decisão (§ 61) é a referência genérica ao facto de os clubes incumprirem os seus deveres, «em particular os deveres de velar pela segurança do recinto desportivo e anéis de segurança, de incentivar o espírito ético e desportivo dos seus adeptos, de aplicar medidas sancionatórias aos seus associados envolvidos em perturbações da ordem pública». Portanto, e relativamente aos deveres in vigilando, assiste razão à Recorrida/V…- Futebol, SAD.

94. Vejamos, agora, os deveres in formando. Já se viu, anteriormente, que, no caso, não existe qualquer presunção de incumprimento. Sabemos, ainda, que o acórdão punitivo não identificou uma única ação que tivesse sido omitida, registando-se apenas a conclusão, já anteriormente referida, de que «[a]s Arguidas não têm suficiente e eficazmente adoptado e/ou promovido acções de sensibilização e prevenção socioeducativas contra práticas violentas, ofensivas ou perturbadora da ordem pública junto dos seus sócios, adeptos e simpatizantes». Justificando essa omissão, alega a Recorrente/Federação Portuguesa de Futebol que não poderá caber-lhe «a prova de um facto negativo, o que, como infra se demonstrará, não é admissível» (p. 3 das alegações de recurso). Ora, essa alegada inadmissibilidade é negada pela própria Recorrente, quando, a p. 37 da mesma peça processual, lembra que «[e]ntendeu já o Supremo Tribunal Administrativo (por várias vezes, aliás) que “a acrescida dificuldade da prova de factos negativos deverá ter como corolário, por força do princípio constitucional da proporcionalidade, uma menor exigência probatória por parte do aplicador do direito, dando relevo a provas menos relevantes e convincentes que as que seriam exigíveis se tal dificuldade não existisse (…)”». Ora, menor exigência não é sinónimo de inadmissibilidade.

95. De outra banda, a factualidade fixada diz-nos o seguinte: «A Demandante promove regularmente medidas de segurança, de vigilância e de formação e promoveu para o jogo dos autos, realizado no dia 27/02/2023, medidas preventivas:
(…)
d) Promove activamente, nos sistemas de áudio e vídeo do estádio, antes dos encontros e durante o intervalo, mensagens contra a violência, racismo e xenofobia, o que fez também no jogo do dia 27/02/2023.
e) Promove regularmente vídeos a favor da inclusão, o que igualmente promoveu no jogo do dia 27/02/2023.
f) Promove habitualmente vídeos contra o racismo e xenofobia, incluindo no jogo do dia 27/02/2023.
g) Promove vídeos a dar conta das medidas de segurança adotadas no Estádio D. Afonso Henriques, a apelar para o seu cumprimento e a rejeitar práticas de violência, destruição de património e uso de pirotecnia;
h) Promove vídeos a apelar ao uso da bancada família, iniciativa que foi premiada pela LPFP.
i) (…).
j) (…).
k) A Demandante diligencia pela instauração de processos disciplinares e aplica medidas sancionatórias aos seus sócios de que tem conhecimento ter estado envolvidos em perturbações da ordem pública, impedindo o acesso aos recintos desportivos nos termos e condições do respetivo regulamento ou promovendo a sua expulsão do recinto.
l) A Demandante promove a divulgação sonora de mensagens antes dos jogos realizados no Estádio D. Afonso Henriques, a apelar para o comportamento desportivamente correcto dos adeptos.
m) E promove campanhas de sensibilização junto dos seus sócios e adeptos, quer contra o racismo, quer contra a violência no desporto,
n) A Demandante tem colocadas as seguintes mensagens no Estádio D. Afonso Henriques, designadamente:
"O V… É PRETO E BRANCO. DIZ NÃO AO RACISMO. SAY NO TO RACISM."
- “AQUI SÓ LUTAMOS PELOS 3 PONTOS. DIZ NÃO À VIOLÊNCIA. SAY NO TO VIOLENCE”.
o) Nos ecrãs gigantes do Estádio da Demandante por ocasião dos jogos oficiais do clube, e nas redes oficiais do clube., passam as seguintes mensagens:
E ONDE OS COMPORTAMENTOS INCORRETOS, SEJAM ELES A DESTRUIÇÃO DE PATRIMÓNIO, O ARREMESSO DE OBJECTOS E A DEFLAGRAÇÃO DE PIROTECNIA NÃO ACONTEÇAM E QUE RESULTAM EM MULTAS AVULTADAS PARA O NOSSO CLUBE.
NÃO À VIOLÊNCIA no placard luminoso
Voficial “O ESTÁDIO D. AFONSO HENRIQUES É DE TODOS OS V. FAÇAMOS DA NOSSA CASA UM "INFERNO BRANCO”, DE APOIO AOS NOSSOS CONQUISTADORES, E ONDE OS COMPORTAMENTOS INCORRETOS, SEJAM ELES A DESTRUIÇÃO DE PATRIMÓNIO, O ARREMESSO DE OBJECTOS E A DEFLAGRAÇÃO DE PIROTECNIA NÃO ACONTEÇAM E QUE RESULTAM EM MULTAS AVULTADAS PARA O NOSSO CLUBE.
CABE A TODOS NÓS CUIDARMOS DO NOSSO V… E. PARA ISSO, PEDIMOS A COLABORAÇÃO DE TODOS OS V. À CONQUISTA!”».


96. Concluindo, julga-se não existir incumprimento dos deveres in formando por parte da Recorrida/V…- Futebol, SAD. Ao invés, e como afirmou o acórdão recorrido (p. 118), a Recorrida/V…- Futebol, SAD, «logrou provar nos presentes autos que cumpriu com os deveres de formação e de vigilância (deveres in formando e in vigilando) a que estava adstrita». O recurso terá, pois, de improceder. Fica, deste modo, prejudicado o conhecimento da questão suscitada em sede de ampliação do âmbito do recurso.


V
Em face do exposto, acordam os Juízes da Subsecção Social do Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso e, em consequência, manter a decisão recorrida.

Custas pela Recorrente (artigo 527.º/1 e 2 do Código de Processo Civil).


Lisboa, 20 de setembro de 2024.

Luís Borges Freitas – relator
Frederico de Frias Macedo Branco – 1.º adjunto
Rui Fernando Belfo Pereira – 2.º adjunto