Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:697/11.6BELRA
Secção:CT
Data do Acordão:03/12/2025
Relator:PATRÍCIA MANUEL PIRES
Descritores:DISPENSA DE PROVA TESTEMUNHAL
DEFICIT INSTRUTÓRIO
ALIENAÇÃO DE BENS IMÓVEIS-CATEGORIA B VS CATEGORIA G
Sumário:I- No âmbito do processo judicial tributário compete ao Juiz avaliar, casuisticamente, se é legalmente permitida a produção dos meios de prova oferecidos pelas partes, e, no caso afirmativo, aferir da necessidade da sua produção em face das questões colocadas, sempre tendo presente que a instrução tem por objeto os factos controvertidos e relevantes para o exame e decisão da causa tendo em conta as várias soluções plausíveis da questão de direito.

II-O facto de não ter sido interposto recurso do despacho interlocutório do despacho de dispensa de prova testemunhal não inviabiliza, per se, a apreciação do deficit instrutório, porquanto o Tribunal de recurso pode sindicar o juízo sobre a necessidade ou não de produção de prova em sede do recurso e anular oficiosamente a decisão.

III-A omissão de diligências de prova quando existam factos controvertidos que possam relevar para a decisão da causa, afeta o julgamento da matéria de facto, acarretando, consequentemente, a existência de deficit instrutório.

Indicações Eventuais:Subsecção Tributária Comum
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral: ACÓRDÃO

I- RELATÓRIO

J …………………….. e mulher, M ……………………. (doravante Recorrentes), interpuseram recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria, que julgou improcedente a impugnação judicial deduzida contra a decisão de indeferimento do recurso hierárquico que apresentaram contra a decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa que, por sua vez, apresentaram contra a liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS), e respetivos Juros Compensatórios (JC) do ano de 2003, com o n.º …………………447 (que engloba os respetivos juros compensatórios), com valor total a pagar de € 71.160,40.

Os Recorrentes, apresentaram as suas alegações formulando as conclusões que infra se reproduzem:

“A) - A douta sentença recorrida julgou parcialmente improcedente o pedido de anulação do IRS de 2003, na quantia de € 45.542,65, não tendo atendido às questões decidendas invocadas pelos recorrentes como causas de pedir, mais concretamente, por um lado, a errónea determinação e qualificação do rendimento coletável e, por outro lado, a errónea quantificação do rendimento coletável sujeito a imposto.

B) - Contudo, os recorrentes discordam do entendimento adotado na douta sentença recorrida, sendo que esta incorre em erro de julgamento de facto e em défice instrutório, pelos motivos que passamos a descrever:

C) - Em primeiro lugar, a afirmação feita na douta sentença recorrida segundo a qual “a própria concordância dos Impugnantes quanto à qualificação dos rendimentos na categoria B, exposta na declaração de rendimentos Modelo 3 de IRS entregue” não exprime de modo algum a aceitação por parte dos recorrentes que a venda por si feita, em 2003, do artigo urbano nº ……… da freguesia de Nossa ………….., concelho do ……………… tenha sido “com clara intenção de a vender com lucro”.

D) - Não aceitação por parte dos recorrentes que a venda por si feita, em 2003, do artigo urbano nº …. da freguesia de Nossa ………………, concelho do ……….. tenha sido “com clara intenção de a vender com lucro” que resulta de forma expressa e inequívoca do teor dos artigos 3º, 4º, 6º, 7º, 8º, 24º e 25º, todos da p.i., cujo teor aqui se dá por integralmente por reproduzido.

E) - Em segundo lugar e tal como se escreve na página 9 da douta sentença recorrida, a propósito da motivação da decisão de facto, mais concretamente “a matéria de facto dada como provada foi a considerada relevante para a decisão da causa controvertida, e resultou da análise dos documentos constantes dos autos e do Processo Administrativo, que integra os Processos de Revisão Oficiosa e de Recurso Hierárquico, assim como, na parte dos factos alegados pelas partes que, não tendo sido impugnados, também são corroborados pelos documentos juntos (cfr. artigoº 76.º n.º 1 da LGT e artigo 362.º e seguintes do Código Civil), conforme discriminado nos vários pontos do probatório”, toda a factualidade dada como provada e não provada se fundamentou nos documentos e informações dos autos e do processo administrativo.

F) - Sucede, porém, que o Tribunal a “quo” não realizou a inquirição das duas testemunhas arroladas pelos recorrentes, testemunhas estas que têm conhecimento dos factos alegados pelos recorrentes, mais concretamente, os factos com os nº 3º, 4º, 6º, 7º, 8º, 14º, 24º e 25º, todos da p.i.

G) - Inquirição das duas testemunhas que têm conhecimento dos referidos factos alegados cuja inquirição é imprescindível para fazer o enquadramento mais adequado e correto dos factos provados e não provados.

H) - Na verdade, a questão de saber dos motivos pelos quais os recorrentes procederam à construção do prédio que está na origem da liquidação recorrida, assim como das circunstâncias que determinaram à entrega da modelo 3 de IRS com a menção de rendimentos da categoria B e não da categoria G, constituem factos que carecem de prova testemunhal.

I) - Além disso, carecem ainda de prova testemunhal os custos relativos aos documentos 5 e 6 da p.i., que não foram considerados como provados por não se tratarem de faturas, prova testemunhal sobre os custos relativos aos documentos 5 e 6 da p.i que é essencial e indispensável pelos seguintes motivos.

J) - Assim, os documentos 8, 9, 10, 11, 12, 13, 14, 15, 16, 17, 18, 19, 20, 21, 22, 23, 24, 25, 29, 31, 32, 33, 34, 35, 36, 37, 37-A, 38, 39, 40, 41, 42, 43, 44, 45, 46, 47, 48, 49, 50, 51, 52, 53, 55, 56, 57, 58 e 60 da p.i. fazem todos parte do facto provado nº 6 da douta sentença recorrida, com cujo teor os aqui recorrentes concordam, documentos estes aceites como prova do custo de construção, no montante de 43.176,33, do prédio urbano nº ………… da freguesia de Nossa …………………., concelho do ………….., documentos estes que, no entanto, apenas se referem praticamente e em exclusivo a custos de materiais.

L) - Do descritivo dos documentos 8, 9, 10, 11, 12, 13, 14, 15, 16, 17, 18, 19, 20, 21, 22, 23, 24, 25, 29, 31, 32, 33, 34, 35, 36, 37, 37-A, 38, 39, 40, 41, 42, 43, 44, 45, 46, 47, 48, 49, 50, 51, 52, 53, 55, 56, 57, 58 e 60 da p.i., no montante de € 43.176,33, resulta que se trata, de forma quase exclusiva, de custos dos materiais necessários à construção da moradia por parte dos recorrentes.

M) - Contudo, para a construção de uma moradia não basta existirem os respetivos materiais, sendo ainda necessária a existência de mão de obra que permita dar forma de moradia aos materiais adquiridos para a sua construção.

O) - Ora e no que se refere à mão de obra para a construção da moradia dos recorrentes, o custo da mesma ascendeu a € 31.923,06, conforme orçamento que se juntou como documento cinco. De facto, foi o empreiteiro J …………………….. quem construiu a moradia dos recorrentes.

P) - Por sua vez e no que se refere aos alumínios para a construção da moradia dos recorrentes, o custo dos mesmos ascendeu a € 5.312,20, conforme orçamento que se juntou como documento seis. De facto, foi a firma M………….. Moderna ………………., Lda quem colocou todos os alumínios na moradia dos recorrentes.

Q) - Deste modo e para julgamento da prova do custo da mão de obra e do custo dos alumínios para a construção da moradia era essencial e determinante que tivesse sido ordenada a inquirição das duas testemunhas, pelo que a douta sentença recorrida ao ter apenas valorizado a prova documental e ao não ter ordenado a inquirição das testemunhas incorreu em erro de julgamento e défice instrutório.

R) - Assim e a propósito da complementaridade da prova documental e da prova testemunhal é oportuno chamar à colação o teor do resumo do douto acórdão da Seção do Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul, proferido em 13 de janeiro de 2022, no processo 3022/12, publicado em www.dgsi.pt em cujo sumário se escreve: “1. A justificação documental de um custo em IRS corresponde a formalidade probatória, a qual pode ser alcançada através de documento externo que identifique a operação económica, complementado com outros elementos de prova, incluindo a prova testemunhal

2. Sofre de défice instrutório a sentença que omite a realização das diligências úteis e necessárias para conhecer a verdade relativamente aos factos alegados, como sucede com a inquirição de testemunhas arroladas, que se alega terem conhecimento directo dos trabalhos em causa.”

S) - Do exposto resulta que da p.i. constam os factos com os números 3º, 4º, 6º, 7º, 8º, 24º e 25º cujo conhecimento e julgamento carece da realização da prova testemunhal, mediante a inquirição das duas testemunhas arroladas pelo que a douta sentença recorrida ao não ter ordenado a produção de prova testemunhal incorreu em erro de julgamento da matéria de facto e em défice instrutório.

T) - Nem se diga que os custos de mão de obra e os dos alumínios não poderão ser aceites com base nos orçamentos e na prova testemunhal com o fundamento de não se tratarem de faturas. Com efeito, o entendimento segundo o qual, em sede de imposto sobre o rendimento, os custos têm de estar suportados necessária e obrigatoriamente suportados em faturas traduzir-se-ia na possibilidade de tributar um rendimento inexistente na medida em que, não sendo aceite determinado custo para obtenção do rendimento, este incidiria também sobre a parte do custo para o qual não existe fatura.

U) - Por último e no que à causa de pedir da errónea quantificação do rendimento sujeito às mais valias imobiliárias diz respeito, importa referir que ao valor de realização declarado de € 184.298,42, além do custo de aquisição do valor do terreno, de € 22.445,91, assim como os custos identificados nos documentos 8, 9, 10, 11, 12, 13, 14, 15, 16, 17, 18, 19, 20, 21, 22, 23, 24, 25, 29, 31, 32, 33, 34, 35, 36, 37, 37-A, 38, 39, 40, 41, 42, 43, 44, 45, 46, 47, 48, 49, 50, 51, 52, 53, 55, 56, 57, 58 e 60 da p.i., no montante de € 43.176,33, há que deduzir os custos de mão de obra constantes do documento 5, na quantia de € 31.923,06 e os custos dos alumínios, no montante de € 5.312,20, pelo que a mais valia a tributar ascende a metade de € 82.440,92 (119.676,18 – 31.923,06 – 5.312,20), ou seja, € 41.220,46.

X) - De tudo o exposto conclui-se que a douta sentença recorrida fez errada aplicação do artigo 3º, nº 1, alínea a), nº 2, al. h) e nº 3, todos do CIRS. Termos em que deve o presente recurso ser julgado procedente e em consequência ser revogada a douta sentença recorrida e ordenada a baixa do processo à primeira instância para suprir o défice instrutório. Caso assim não se entenda, deve ser anulada a totalidade da liquidação adicional de IRS e juros compensatórios, relativa a 2003, por errónea tributação em sede de categoria B, ou assim não se entendendo, ser anulada a liquidação de IRS na parte em que tributa, em sede de categoria G, a quantia que excede o montante de € 41.220,46.”


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A Recorrida, devidamente notificada para o efeito, optou por não apresentar contra-alegações.

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A Digna Magistrada do Ministério Público (DMMP) neste Tribunal Central Administrativo Sul proferiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso.

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Colhidos os vistos dos Exmos. Juízes Desembargadores Adjuntos, cumpre, agora, decidir.

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II - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

A decisão recorrida fixou a factualidade que infra se descreve:

“Com relevância para a decisão a proferir nos presentes autos, resultam provados os seguintes factos:

1) Por escritura pública de compra e venda realizada em 24/01/1996, os Impugnantes adquiriam pelo preço de 4.500.000$00 (€ 22.445,91), o direito de propriedade de um terreno para construção, com 594m2, designado por “lote 62”, sito na “Urbanização ……………..”, freguesia e concelho do …………., inscrito na matriz sob o artigo urbano n.º ……….., e descrito na Conservatória do Registo Predial do ……………. sob o n.º 4……….. - .................... – (cfr. escritura de compra e venda junta com a petição inicial sob o doc. 3).

2) No lote de terreno a que se alude no ponto anterior, os Impugnantes procederam à construção de uma moradia – (facto não controvertido; artigo 13.º da petição inicial).

3) Em 2/04/2001, face ao projeto aprovado na Câmara Municipal do .................... para a moradia a ser construída no terreno referido no ponto 1 do probatório, J ………………. entregou aos Impugnantes, a título de sinal, o cheque n.º …………. da Caixa ……………., no montante de 1.500.000$00 (€ 7.481,97) – (cfr. documentos de fls. 7 e 9 do Anexo 1 ao Processo Administrativo (PA) apenso aos autos).

4) O artigo urbano referido no ponto 1 do probatório, após a construção da moradia a que se alude nos pontos 2 e 3 do probatório, deu origem ao artigo urbano n.º ………. que, Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria 4 por sua vez, deu origem ao artigo urbano n.º ……… da freguesia de Nossa …………. concelho do .................... – (cfr. informação do Serviço de Finanças do ...................., a fls. 28, e prints informáticos de fls. 20 a 24, todas do PA apenso aos autos).

5) O artigo urbano n.º ……….referido no ponto anterior, refere-se a um prédio composto por r/chão com 3 divisões, cozinha, casa de banho, despensa, hall, lavandaria, 2 varandas e logradouro; 1.º andar com 4 divisões, 3 casas de banho, hall e 2 varandas e anexos com garagem, sala, arrumos, casa de banho e alpendre, cuja conclusão das obras ocorreu em 21/08/2002 – (cfr. print informático de fls. 20 e 21 do PA apenso aos autos).

6) Para a construção do prédio a que se alude no ponto anterior do probatório, os Impugnantes incorreram em despesas e encargos no montante de € 43.176,33 – (cfr. documentos n.º 8, 9, 10, 11, 12, 13, 14, 15, 16, 17, 18, 19, 20, 21, 22, 23, 24, 25, 29, 31, 32, 33, 34, 35, 36, 37, 37-A, 38, 39, 40, 41, 42, 43, 44, 45, 46, 47, 48, 49, 50, 51, 52, 53, 55, 56, 57, 58 e 60 juntos com a petição inicial).

7) Em 14/04/2003, por escritura de compra e venda e mútuo com hipoteca, os Impugnantes venderam o prédio a que se alude no ponto 5 do probatório, a J…………………. e mulher, M ……………………., pelo preço declarado de € 100.000,00 – (cfr. documento n.º 4 junto com a petição inicial e cujo teor aqui se dá por reproduzido).

8) Em 16/03/2007, os Impugnantes submeteram a declaração de rendimentos Modelo 3 de IRS para o ano de 2003, incluindo o anexo B de rendimentos profissionais, comerciais e industriais, declarando rendimentos da prática de ato isolado, obtidos com a “venda de mercadorias e produtos” no montante de € 184.298,42 – (cfr. documento 2 junto com a petição inicial).

9) No seguimento da entrega da declaração de rendimentos a que se alude no ponto anterior, foi emitida em nome dos Impugnantes a liquidação de IRS n.º ………………447, no montante a pagar de € 63.817,08, e a respetiva liquidação de juros compensatórios n.º ……….294, no montante de € 7.343,32, perfazendo o total de € 71.160,40 – (cfr. documento de fls. 129 do Processo de Revisão Oficiosa n.º 19/09 (PRO) que integra o PA apenso aos autos).

10) Contra as liquidações referidas no ponto anterior, os Impugnantes apresentaram pedido de revisão oficiosa a que se refere o artigo 78.º da LGT – (cfr. PRO que integra o PA anexo aos autos).

11) Sobre o pedido a que se alude no ponto anterior, em 6/08/2009 foi elaborada a informação n.º 2408/09, com despacho concordante de 22/10/2009, cujo teor, para o que ora interessa, consta do seguinte:

“(…) 1 - Em regra, a revisão do ato tributário tem de ter como fundamento um erro imputável aos serviços (artigo 78°, n.° 1, in fine, da Lei Geral Tributária).

2 - No caso presente não houve erro dos serviços, tendo em conta que a liquidação resultou da declaração entregue pelo gestor de negócios dos sujeitos passivos.

3 - E também não houve erro dos serviços no sentido que a liquidação foi efetuada tendo em conta os preceitos legais aplicáveis.

4 - Por outro lado, se o erro for imputável ao contribuinte deverá este lançar mão dos meios de defesa ao seu dispor (designadamente a reclamação graciosa) para rever o ato tributário de liquidação.

5 - Quer isto dizer que, se o erro é imputável ao contribuinte, deverá este reclamar graciosamente, dentro do prazo e com os fundamentos previstos no artigo 70° do Código de Procedimento e de Processo Tributário, o que no caso concreto não se verificou.

6 - Pelo exposto, não poderá o pedido de revisão do ato tributário obter deferimento, face ao disposto no n.° 1 do artigo 78° da LGT.

7 - Nos termos do n.° 4 do artigo 78° da Lei Geral Tributária, existe ainda a possibilidade de revisão excecional do ato tributário nos três anos posteriores ao mesmo, com fundamento em injustiça grave ou notória. A revisão depende de autorização do dirigente máximo do serviço.

8 - Assim, a revisão prevista neste n.° 4 do artigo 78° da LGT não é um mecanismo que tenha em vista perdoar a negligência dos contribuintes quando não reclamam e/ou impugnam dentro dos prazos legais, a menos que a tributação seja excessiva, a ponto de poder ser considerada como injustiça grave. Aliás, a alteração operada pela Lei n.° 60- A/2005 de 30 de Dezembro foi precisamente nesse sentido.

9 - Ora, a injustiça grave e notória não coincide com a ilegalidade grave e notória, uma vez que os princípios da legalidade e da justiça da atividade administrativa são materialmente distintos.

10- 0 princípio da justiça resulta da sujeição do Estado de direito a fins de justiça material, compreendendo essencialmente a defesa dos valores jurídicos da igualdade, da proporcionalidade, da boa-fé, da razoabilidade e da equidade (artigo 5.º, 1a parte, do CPA). É um princípio que se dirige essencialmente ao Estado-legislador e não ao Estado- administrador.

11- 0 princípio da legalidade já implica a sujeição da atividade administrativa à lei, independentemente de qualquer valoração dos critérios de justiça material aplicados na referida atividade, a qual tem já a ver com o princípio da justiça, tendo essencialmente aplicação ao Estado administrador.

12 - É o n ° 5 do artigo 78° da LGT que estabelece a definição de injustiça grave ou notória. Ora, considera-se notória a injustiça ostensiva e inequívoca e grave a resultante de tributação manifestamente exagerada e desproporcionada com a realidade. Dessa tributação exagerada e desproporcionada com a realidade resultará um sério dano na economia do lesado.

13 - Como tal, só há tributação exagerada ou desproporcionada quando a administração fiscal dispuser da possibilidade legal de fixar a matéria tributável ou, explanando de outra forma, não há tributação exagerada ou desproporcionada quando a matéria tributável resulte diretamente da lei ou da própria declaração do contribuinte, sem que a administração fiscal a possa graduar de acordo com critérios de discricionariedade técnica.

14 - No caso aqui em análise a matéria tributável resultou da própria declaração dos contribuintes (apresentada por gestor de negócios) pelo que não poderá considerar-se que a tributação foi exagerada ou desproporcionada.

15 - Acresce que, conforme informa a Direcção de Finanças de Santarém, compulsados os processos n.° 61 - Análise Interna (anexo 1) e de pedido de derrogação do sigilo bancário (anexo 2), nomeadamente as declarações prestadas pelo comprador do imóvel, verifica-se que a alienação em causa foi contratada ainda em fase de projeto de construção, tendo sido emitido cheque em 2001ABR02 a título de sinal.

16 - Depreende-se assim que os requerentes construíram com intenção de vender, enquadrando-se esta situação no disposto na alínea a) do n.° 1 do artigo 3.º do Código do IRS, conjugada com a alínea h) do n.° 2 do mesmo artigo e ainda com a alínea f) do n.° 1 do artigo 4.º do mencionado diploma legal.

17 - Como tal, a situação enquadra-se no âmbito da categoria B e não da categoria G (como pretendido pelos requerentes).

18 - Quanto aos encargos, prescreve o artigo 30° do Código do IRS que na determinação do rendimento tributável dos atos isolados, são dedutíveis apenas os encargos devidamente comprovados e necessários à obtenção dos rendimentos brutos, até à sua concorrência, com as limitações previstas no artigo 33°.

19 - Ora, no caso aqui em análise, os requerentes não provam que aplicaram os materiais constantes das faturas naquele imóvel em concreto.

20 - Assinale-se a esse propósito que a maioria das faturas tem como morada declarada não a do imóvel em construção mas o domicílio fiscal do sujeito passivo, não indicando local de descarga.

21 - Acresce que, pelo menos uma das faturas (documento 47) está em nome do comprador do imóvel e não dos requerentes.

22 - Pelo exposto, não poderá a solicitação efetuada no presente pedido de revisão obter deferimento também ao abrigo dos n °s 4 a 5 do artigo 78° da LGT.

23 - Será de proceder à notificação dos contribuintes, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 60° da LGT. (…)” - (cfr. fls. 32 a 35 do PRO que integra o PA anexo aos autos).

12) Após o exercício do direito de audição por parte dos Impugnantes, por despacho de 20/01/2010 do Subdiretor-Geral dos Impostos, foi mantida a decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa - (cfr. fls. 19 a 24 do PRO que integra o PA anexo aos autos).

13) Contra a decisão a que se alude no ponto anterior, os Impugnantes apresentaram recurso hierárquico, sobre o qual recaiu decisão de indeferimento por despacho de 17/02/2011 do Substituto Legal do Diretor-Geral dos Impostos, estribado na informação n.º 156/11, cujo teor, para o que ora interessa, consta do seguinte: “(…) APRECIAÇÃO DO PEDIDO 1. O pedido é legal, os recorrentes têm legitimidade e o recurso foi feito em tempo, nos termos dos art.°s 80° e 65° da LGT e art.° 66°, n° 2 do CPPT. 2. O art° 10° dispõe, relativamente aos rendimentos passíveis de enquadramento como mais valias, mediante uma delimitação negativa expressa da incidência, pelo que a tributação concretizar-se-á em rendimentos decorrentes dos factos enunciados sempre que os mesmos não possam ser considerados como Cat B, por se inserirem no exercício de uma atividade empresarial ou profissional, seja por serem considerados atos isolados dessa natureza. 3. No caso concreto, o que se verifica é que os contribuintes ao adquirirem o lote de terreno e decidirem nele implantar uma construção, sempre visaram a obtenção de rendibilidade, i.é, foi sua intenção promover a alienação de um “produto” necessariamente valorizado, como tal, passível de gerar maiores rendimentos. Refira-se que esta mesma intencionalidade é reconhecida pelos próprios recorrentes, por exemplo, quando alegam não terem visado “grandes lucros”. 4. Efetivamente, materialmente não se encontra o montante de ganho/lucro obtido com a atividade desenvolvida, sequer se questiona o facto dos contribuintes não desenvolverem uma qualquer atividade de construção e alienação de imóveis, para a qual tivessem de se encontrar coletados; no entanto, também não nos deparamos perante uma realidade geradora de ganhos fortuitos ou ocasionais, em que não tenha intervindo uma atividade intencionalmente dirigida à sua obtenção. 5. Assim sendo, parece correto o enquadramento em sede da Cat B, como ato isolado nos termos do art.° 3, n° 3 do C1RS, dos rendimentos decorrentes da alienação do imóvel, não se revelando o ato tributário contestado ferido de qualquer ilegalidade ou incorreção; portanto, igualmente sendo correta a apreciação expressa em sede do pedido de revisão suscitado. 6. Por seu turno, relativamente aos encargos que alegadamente foram suportados com a construção, também parece ser de manter o expresso em sede da decisão objeto do recurso já que os SP's se limitam a argumentar ser de considerar os encargos, não cumprindo o exigido no art.° 30° do CIRS, tal como em sede do auto de revisão foi já objeto de ponderação, 7. Assim sendo, mostra-se correto o enquadramento dos rendimentos na Cat B, não se verificando uma qualquer situação de ilegalidade no apuramento de IRS concretizado, tal como não se vislumbra uma situação de tributação de rendimento que não tenha sido obtido, como tal injusta, seja grave ou notória. (…)” - (cfr. fls. 13 a 17 do Processo de Recurso Hierárquico que integra o Anexo 1 ao PA apenso aos autos).

14) A petição de impugnação judicial deu entrada neste Tribunal no dia 1/06/2011 – (cfr. fls. 1 do processo físico).

15) Nos termos do disposto no artigo 112.º do CPPT, a Divisão de Justiça Tributária da Direção de Finanças de Santarém decidiu revogar parcialmente o ato aqui impugnado, considerando dedutível ao rendimento global sujeito a IRS, o montante de € 22.445,91 despendido na aquisição do terreno para construção – (cfr. fls. 132 a 138 do PRO que integra o PA anexo aos autos).

16) Em 10/10/2011, foi emitida em nome dos Impugnantes, a liquidação de IRS n.º ……………622, no valor a pagar de € 61.148,92, que engloba o montante de juros compensatórios de € 6.310,28, apurados de acordo com a liquidação n.º ………..958 – (cfr. documentos de fls. 155 a 157 do SITAF).


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Ficou consignado enquanto factualidade não provada o seguinte:

“Inexistem factos não provados com relevância para a decisão a proferir.”


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A motivação da matéria de facto constante da sentença recorrida é a seguinte:

“A matéria de facto dada como provada foi a considerada relevante para a decisão da causa controvertida, e resultou da análise dos documentos constantes dos autos e do Processo Administrativo, que integra os Processos de Revisão Oficiosa e de Recurso Hierárquico, assim como, na parte dos factos alegados pelas partes que, não tendo sido impugnados, também são corroborados pelos documentos juntos (cfr. artigoº 76.º n.º 1 da LGT e artigo 362.º e seguintes do Código Civil), conforme discriminado nos vários pontos do probatório. No que concerne ao facto dado como provado no ponto 6, o Tribunal ficou convencido (certeza possível) de que os Impugnantes despenderam o montante de € 43.176,33 na construção do prédio alienado, por um lado porque a experiência da vida diz-nos que nenhuma moradia se constrói sem os necessários gastos de construção; por outro lado, não obstante a maioria dos documentos que serviram como meio de prova (documentos n.º 8, 9, 10, 11, 12, 13, 14, 15, 16, 17, 18, 19, 20, 21, 22, 23, 24, 25, 29, 31, 32, 33, 34, Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria 10 35, 36, 37, 37-A, 38, 39, 40, 41, 42, 43, 44, 45, 46, 47, 48, 49, 50, 51, 52, 53, 55, 56, 57, 58 e 60 juntos com a petição inicial) não indicarem o local de descarga dos materiais e o local da prestação dos serviços, excetuando o documento n.º 10, onde é indicado o local da ligação provisória e que coincide com a morada do prédio alienado, os referidos documentos identificam os Impugnantes, quer na morada da sua residência, quer na “Urbanização Bonito” ou “Rua Amália Rodrigues – Urb. Bonito” (veja-se os documentos n.º 43, 44, 45, 47, 48, 50), o que denota que os Impugnantes não revelaram grande preocupação na indicação do local das descargas de materiais e prestações de serviços, mas tal não impede o Tribunal de ficar convencido de que os Impugnantes incorreram, efetivamente, nos referidos custos, até porque nada nos autos evidencia que os Impugnantes tenham efetuado quaisquer obras na sua residência. No cômputo dos custos referidos no ponto 6 do probatório, o Tribunal não considerou os documentos n.º 5, 6 e 62, por se tratarem de simples “orçamentos”, documentos que não titulam qualquer venda de materiais ou prestações de serviços, nem ter sido carreada outra prova documental, mormente meios de pagamento que, conjugada com os aludidos documentos, permitissem dar uma certeza possível e razoável de que os materiais e as prestações de serviços foram efetivamente realizadas no imóvel alienado e que os Impugnantes suportaram em termos financeiros. As mesmas razões levaram o Tribunal a não considerar o documento n.º 7 junto com a petição inicial, pois nem sequer consta de tal documento a entidade que forneceu os materiais ali elencados. O Tribunal também não considerou os documentos n.º 26, 27, 28, 30, 33-A, 54, 59 e 61, porque estão emitidos em nome de J ……………… ou L ……………………., e o documento 33-A está rasurado, sendo evidente que o nome do Impugnante foi colocado por cima do originalmente colocado na fatura. Não resultam provados ou não provados quaisquer outros factos com interesse para a decisão.”


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III-FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

In casu, a Recorrente não se conforma com a decisão proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria, que julgou parcialmente procedente a impugnação judicial deduzida contra o ato de liquidação adicional respeitante a IRS, do ano de 2003, no valor total de € 71.160,40.

Ab initio, importa ter presente que em ordem ao consignado no artigo 639.º, do CPC e em consonância com o disposto no artigo 282.º, do CPPT, as conclusões das alegações do recurso definem o respetivo objeto e consequentemente delimitam a área de intervenção do Tribunal ad quem, ressalvando-se as questões de conhecimento oficioso.

Antes de proceder à enumeração das questões a decidir, importa relevar que a questão atinente à concreta possibilidade de discussão contenciosa do erróneo enquadramento e quantificação dos rendimentos, na sequência de dedução de pedido de revisão do ato tributário, e ulterior recurso hierárquico e concreta subsunção enquanto erro imputável aos serviços, é não controvertida. Com efeito, a decisão recorrida assumiu tal realidade enquanto tal, não tendo, tão-pouco, a Recorrida apresentado quaisquer contra-alegações, razão pela qual não se impõe tecer quaisquer dilucidações sobre a mesma, encontrando-se, por conseguinte, consolidada.

Feito esta concreta delimitação, e tendo presente as conclusões das alegações do recurso interposto importa, assim, decidir:

- Se o Tribunal a quo incorreu em deficit instrutório, concluindo com desacerto quanto à dispensa de inquirição das testemunhas, a qual era vital:

o para efeitos de demonstração do intuito da aquisição e construção da moradia, e inerente comprovação da ausência de qualquer fito lucrativo, donde, natureza comercial;

o inerente prova relativamente aos documentos 5 e 6 da p.i., os quais não foram, indevidamente, considerados como provados; e

o asserções de facto alegadas e não ponderadas no probatório.

- Se essa dispensa, e inerente deficit instrutório, determina a revogação da sentença e a baixa dos autos para ser produzida a inerente prova testemunhal;

- Entendendo-se que o Tribunal a quo não incorreu no aduzido deficit instrutório, sendo, portanto, desnecessária a produção de prova testemunhal, se ocorre o apontado erro de julgamento por errónea interpretação dos pressupostos de facto e de direito, na medida em que:

o inexiste qualquer intuito comercial na venda da moradia em questão, mormente, enquanto ato isolado, tendo, portanto, que ser enquadrado enquanto Categoria G;

o as despesas contempladas nos documentos 5 e 6, devem ser objeto de relevação e cômputo para efeitos de dedução ao apuramento do imposto.

Vejamos, então.

Comecemos por aquilatar da concreta necessidade de produção de prova testemunhal, e inerente deficit instrutório.

De relevar ab initio que, o facto de não ter sido interposto recurso do despacho interlocutório de dispensa de prova testemunhal não inviabiliza, per se, a apreciação do aduzido vício e concreto deficit instrutório. [Vide, neste sentido, designadamente, Acórdãos deste TCA proferidos nos processos nº 584/18, de 04.04.2024, 481/15, de 24.03.2022 e 923/10, de 23.04.2020].

Com efeito, a avaliação da prova testemunhal depende de uma apreciação casuística do Juiz, competindo, assim, ao mesmo aferir se é legalmente permitida a produção da prova testemunhal oferecida pelas partes em face das normas que regulamentam a admissibilidade desse meio de prova, e, em caso afirmativo, aquilatar da pertinência e acuidade da factualidade alegada perante as várias soluções plausíveis para as questões de direito colocadas, sendo que só é possível a sua dispensa caso a mesma seja manifestamente impertinente, inútil ou desnecessária.

Aliás, tal é o que dimana do consignado no artigo 13.º, n.º 1, do CPPT segundo o qual “Aos juízes dos tribunais tributários incumbe a direção e julgamento dos processos da sua jurisdição, devendo realizar ou ordenar todas as diligências que considerem úteis ao apuramento da verdade relativamente aos factos que lhes seja lícito conhecer.”

Aqui chegados, e uma vez que, nada obsta, como visto, à sindicância do deficit instrutório dimanante da dispensa de prova testemunhal, cumpre, então, aferir se a factualidade convocada pela Recorrente, em sede própria, era passível dessa prova, relevante para a decisão de mérito e não estava cabalmente comprovada mediante a prova documental, razão pela qual deveria ter sido ordenada a produção de prova testemunhal requerida pela Recorrente, acarretando o seu incumprimento deficit instrutório com a competente revogação da decisão recorrida.

Vejamos, então.

Aduzem, desde logo, os Recorrentes que o Tribunal a quo não realizou a inquirição das duas testemunhas por si arroladas, testemunhas estas que têm conhecimento dos factos alegados, mais concretamente dos factos alegados nos artigos 3.º, 4.º, 6.º, 7.º, 8.º, 14.º, 24.º e 25.º, todos da p.i, e que permitiam demonstrar os motivos que estiveram na génese da construção da moradia, assim como as circunstâncias que determinaram a entrega da Modelo 3 de IRS com a menção de rendimentos da categoria B, e não da categoria G, realidades alegadas e suscetíveis de prova testemunhal.

Mais sustentam que o deficit instrutório se encontra, outrossim, patenteado com o próprio juízo de entendimento atinente aos documentos 5) e 6), reputados, erradamente, como insuscetíveis de serem corporizados no probatório enquanto matéria provada.

Densificam, para o efeito, que para o julgamento da prova do custo da mão de obra e do custo dos alumínios para a construção da moradia era essencial e determinante que tivesse sido ordenada a inquirição das duas testemunhas, não podendo, assim, a decisão recorrida não dar como provada a aludida realidade de facto, sem ter ordenado a inquirição das testemunhas.

Concluem que, mediante uma análise conjugada de tais documentos, com as testemunhas, e atento o conhecimento que tinham sobre a construção da moradia, mormente, sobre o empreiteiro a quem foi adjudicada a construção, a sentenciada falta de prova poderia/deveria ter sido dissipada pela competente produção de prova testemunhal, na medida em que as testemunhas tinham conhecimento cabal e direto para a prova em contenda.

Vejamos, então, se nos encontramos perante o aduzido deficit instrutório.

No caso sub judice, constata-se que a Recorrente na sua petição inicial arrolou duas testemunhas, externando a concreta densificação da matéria de facto, nos seus artigos 1.º a 8.º, 12.º a 14.º, 21.º, 23.º, 24.º, 25.º, 26.º e 29.º pretendendo com isso proceder à demonstração da natureza dos rendimentos, do intuito não comercial atinente à construção da moradia, às razões concatenadas com a apresentação da Declaração Modelo 3 de IRS, aos custos, efetivamente, suportados com a sua construção e a dinâmica a eles inerente, por forma a comprovar que tais rendimentos não estavam relacionados com o exercício de qualquer atividade comercial, particularmente enquanto isolado, donde inerente tributação na categoria G.

Mais se constata que, foi prolatado despacho de dispensa de prova testemunhal, o qual exprime o juízo feito sobre a necessidade e adequação da prova requerida, no sentido de a mesma não ser necessária, por um lado, atenta a natureza das matérias controvertidas e à factualidade alegada, e por outro lado, por as questões a decidir serem questões de direito.

Porém, entendemos que o Tribunal a quo não terá realizado a melhor valoração/ponderação atinente à desnecessidade da prova testemunhal, mediante confronto, por um lado, com a alegação da Recorrente constante na sua petição inicial e, por outro lado, face à própria fundamentação de direito constante na decisão recorrida.

Expliquemos, então, porque motivo assim o entendemos.

In casu, conforme evidencia a decisão recorrida, importaria, desde logo, aquilatar da natureza dos rendimentos em questão, ou seja, se os mesmos deveriam ser qualificados como rendimentos na categoria B de IRS, conforme ajuizado pela AT, ou enquanto rendimentos da categoria G, conforme propugna a Recorrente, na medida em que os mesmos não são provenientes de qualquer atividade profissional ou comercial desenvolvida, nem mesmo a título de ato isolado.

Mas a verdade é que, e no sentido propugnado pelos Recorrentes, a factualidade enunciada no probatório dos autos, e bem assim a fundamentação jurídica que esteou a improcedência, não permitem, per se, alicerçar, de forma inequívoca, esse juízo de entendimento, sendo o mesmo insuficiente.

Senão vejamos.

Da factualidade constante no acervo fático dos autos, resultam, desde logo, asserções de facto atinentes à aquisição do terreno para construção, à edificação do mesmo, ao competente licenciamento, entrega de sinal e inerentes inscrições matriciais e competente identificação e descrição do bem edificado (números 1 a 5 da factualidade provada).

Mais resultam, outrossim, asserções concernentes aos custos de construção (ponto 6), à alienação do bem imóvel em contenda (facto 7), ao cumprimento da obrigação declarativa-Modelo 3 de IRS (facto 8), subsequente emissão do ato de liquidação (facto 9), e ulteriores procedimentos administrativos de reação e respetivas decisões (factos 10 a 16).

Sendo que em termos de motivação da matéria de facto, é externado que “[n]o cômputo dos custos referidos no ponto 6 do probatório, o Tribunal não considerou os documentos n.º 5, 6 e 62, por se tratarem de simples “orçamentos”, documentos que não titulam qualquer venda de materiais ou prestações de serviços, nem ter sido carreada outra prova documental, mormente meios de pagamento que, conjugada com os aludidos documentos, permitissem dar uma certeza possível e razoável de que os materiais e as prestações de serviços foram efetivamente realizadas no imóvel alienado e que os Impugnantes suportaram em termos financeiros.”

Daqui resultando, portanto, que reputa como não provada, ainda que não corporize de forma expressa e enquanto tal no probatório, as despesas elencadas nos documentos supra identificados, mormente, as sindicadas pela Recorrente -doc. 5 e 6- respeitantes aos custos com a mão de obra, e bem assim com a aquisição de alumínios.

Ora, da realidade de facto supra expendida, nada em concreto e em termos fáticos nos permite retirar, de forma clara e fidedigna, quanto às razões que nortearam a construção da moradia, a forma como foi adjudicada a construção, e o desiderato do sinal evidenciado em 3), donde o inequívoco intuito comercial a ela subjacente.

Sendo que o Tribunal a quo concluiu pela qualificação e subsunção jurídica dos rendimentos na categoria B, externando, designadamente, o seguinte:

“[d]a factualidade assente, é apodítico que os Impugnantes procederam à construção da moradia com clara intenção de a vender com lucro, o que significa que praticaram um verdadeiro ato de comércio, ainda que traduzido num ato isolado, enquadrando-se os rendimentos obtidos na categoria B de IRS, nos termos previstos no artigo 3.º, n.º 1, al. a), n.º 2, al. h, e n.º 3, todos do CIRS (releva, ainda, para a conclusão exposta, o sinal dado pelo comprador quando a moradia ainda estava em construção, e a própria concordância dos Impugnantes quanto à qualificação dos rendimentos na categoria B, exposta na declaração de rendimentos Modelo 3 de IRS entregue).”

Logo, as razões em que assentou esse iter de valoração na decisão recorrida, fundam-se nas seguintes afirmações/premissas:

· Sinal dado pelo comprador quando a moradia ainda estava em construção;

· A concordância dos Impugnantes quanto à qualificação dos rendimentos na categoria B, exposta na declaração de rendimentos Modelo 3 de IRS entregue.

Entendemos, porém, que as mesmas são insuficientes para o efeito, podendo/devendo o Tribunal a quo, ter ordenado a produção de prova testemunhal a qual poderia clarificar e esclarecer as razões atinentes à construção do bem imóvel, e bem assim dissipar, sendo caso disso, quaisquer dúvidas ou erros concatenados com a entrega da declaração de rendimentos Modelo 3, de IRS.

Note-se, ademais, que a Recorrente, de forma expressa, alega na sua petição inicial que “[o]s impugnantes, pese embora terem submetido a declaração de rendimentos de acordo com a qualificação proposta/sugerida pela Administração Fiscal, não concordam com o enquadramento dos rendimentos auferidos, ou seja, não concordam com o seu enquadramento na categoria B, nem tão pouco com a sua tributação como acto isolado.”

Alegando, adicionalmente, que “os ganhos obtidos com a venda do artigo 3550 da freguesia e concelho do .................... não são provenientes de qualquer actividade profissional ou comercial desenvolvida pelos impugnantes, os mesmos nunca estiveram colectados para desenvolver qualquer actividade comercial, nomeadamente a de venda de imóveis.”

Ora, não poderia o Tribunal a quo, assumir, por um lado, que a entrega, per se, de um sinal manifestava, inequivocamente, um intuito lucrativo, e, por outro lado, que a declaração modelo 3 de IRS cimentava a existência de um ato de comércio, ainda que isolado, quando, como visto, tais realidades de facto foram, expressamente, alegadas e apartadas pelos Recorrentes.

Logo, é prematuro e insuficiente concluir dessa forma, sem permitir a aferição casuística das razões atinentes à construção e ulterior venda do bem imóvel em questão, os motivos subjacentes à entrega dessa declaração, eventuais diretrizes de atuação nesse sentido, e posterior erro declarativo.

Ora, se existe realidade de facto alegada, se a mesma é controvertida e pode ser objeto de produção de prova testemunhal então, essa mesma prova teria de ser facultada e concedida à parte que a requereu.

Por outro lado, e quanto às despesas corporizadas nos documentos 5 e 6 da petição inicial, anuímos, outrossim, com o alegado pelos Recorrentes, ou seja, de que os mesmos poderiam serem objeto de prova testemunhal, ou seja, a realidade neles contemplada poderia ser objeto de concreta densificação por partes das testemunhas.

É certo que, tal prova testemunhal poderá, porventura, revelar-se insuficiente para os efeitos visados pela Recorrente, mas é, igualmente, certo que não pode negar-se a produção da mesma, e depois reputar-se, sem mais, tal prova documental insuficiente para efeitos de corporização no probatório, e enquanto factualidade provada. Noutra formulação, dir-se-á que, se são convocadas falhas e insuficiências as quais podem, eventualmente, ser colmatadas, por prova testemunhal, e bem assim mediante prova documental adicional, designadamente, quanto aos meios de pagamento, então há que permitir a requerida prova.

Ademais, importa ter presente que se a decisão recorrida convoca e pondera as razões de experiência, evidenciando que “a experiência da vida nos diz que nenhuma moradia se constrói sem os necessários gastos de construção”, e se, designadamente, o documento 5 respeita às despesas com a mão de obra, concretamente, de pedreiro, armador de ferro, carpinteiro de cofragem, ladrilhador, e estucador, é, outrossim, mais premente e pertinente a realização da prova testemunhal arrolada.

Por outro lado, e como já evidenciámos anteriormente, o próprio teor da fundamentação jurídica constante na decisão recorrida, permite inferir e alicerçar esse deficit, porquanto, como visto e ora se reitera, tendo sido alegada matéria de facto, devidamente, substanciada no espaço e no tempo, a prova testemunhal não era impertinente, reputando-se, ao invés, relevante para a descoberta da verdade material.

É certo que, como já se evidenciou, tais depoimentos poderão ser insuficientes ou mesmo assumir uma dúbia credibilidade, mas tal, sendo caso disso, deverá ser valorado enquanto tal pelo Juiz e ao abrigo do princípio da livre apreciação da prova, o que não pode é cercear-se a demonstração de tal prova quando existe matéria de facto alegada, e que permite apartar, justificar ou consubstanciar as razões, de facto e de direito, que legitimaram a emissão do ato adicional.

A adensar a pertinência da prova testemunhal há que ter presente a concreta matéria e prova em contenda, ou seja, de que no concernente a ganhos relativos a alienação de imóveis, os mesmos podem, pois, configurar mais-valias ou rendimentos resultantes de atividade comercial, ainda que esporádica.

Há, portanto, que apurar de forma, inequívoca -mediante a arrolada prova testemunhal- a génese, as razões atinentes à construção da moradia, a entrega a montante de um sinal, a ulterior declaração dos rendimentos na respetiva declaração de rendimentos Modelo 3, a concreta existência de erro declarativo, e a justificação da sua submissão. E com isso aferir se, os rendimentos visados não configuram, conforme alegado pela Recorrente, atividade comercial, e sem qualquer finalidade lucrativa, não podendo, por isso, enquadrar-se no conceito de rendimento comercial.

Em consequência, em face de todo o exposto, e sem necessidade de quaisquer considerações adicionais, assiste razão à Recorrente quanto dirige censura à sentença, quanto à dispensa da prova testemunhal, e inerente deficit instrutório, o que acarreta a revogação da sentença e a baixa dos autos para que seja produzida prova testemunhal, sobre os factos controvertidos alegados nos respetivos articulados, que sejam essenciais para a decisão a proferir, e eventual prova documental adicional que se repute, eventualmente, necessária para a descoberta da verdade

Como tal, resulta prejudicada a apreciação dos demais fundamentos.


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IV. DECISÃO

Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO, SUBSECÇÃO COMUM, deste Tribunal Central Administrativo Sul em:

CONCEDER PROVIMENTO ao recurso, e em revogar a sentença recorrida, e ordenar a baixa dos autos para a produção de prova testemunhal, conforme acima se indica, e demais diligências instrutórias que se afigurem relevantes, e ulterior prolação de decisão.
Sem custas.
Registe. Notifique.


Lisboa, 12 de março de 2025

(Patrícia Manuel Pires)

(Tiago Brandão de Pinho-em substituição)

(Isabel Silva)