Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1830/09.3BELSB
Secção:CT
Data do Acordão:09/30/2025
Relator:TERESA COSTA ALEMÃO
Descritores:TRANSPARÊNCIA FISCAL
PRESUNÇÃO ILIDÍVEL
ÓNUS DA PROVA
Sumário:I - Não tendo o requerimento avulso apresentado qualquer “questão” sobre a qual tivesse de incidir pronúncia por parte do Tribunal recorrido, nos termos do artigo 615.º, n.º.1, al. d), do Código Processo Civil (CPC), não é nula a sentença, já que o juiz não deixou de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar.
II - O artigo 6.º, n.º 1 do CIRC (na redacção vigente) deve ser interpretado no sentido de que contém uma presunção ilidível, por ser esta interpretação a única conforme a lei fiscal e os princípios e direitos constitucionais que nenhum regime de tributação pode afrontar (artigos 73.º da LGT e 103.º da CRP).
III - Não é de julgar ilidida a presunção estabelecida no citado normativo se a sócia ora Recorrente apenas alegar e provar ter sido deliberada distribuição dos lucros em valor inferior à sua participação social, bem como a existência de doença que lhe conferiu grau de incapacidade de 80%.
Votação:Unanimidade
Indicações Eventuais:Subsecção Tributária Comum
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Subsecção Tributária Comum do Tribunal Central Administrativo Sul:

I. RELATÓRIO


M........, veio interpor recurso da sentença proferida em 24 de Fevereiro de 2016 pelo Tribunal Tributário de Lisboa, que julgou improcedente a impugnação por si deduzida contra as liquidações de IRS, referentes aos anos de 2003, 2004 e 2005, no montante global de € 151.833,70.

A Recorrente termina as alegações de recurso formulando as conclusões seguintes:

«I – A sentença recorrida julgou improcedente a impugnação que a recorrente opôs às liquidações do IRS que estão em jogo.

II – A motivação sentencial assenta em que a recorrente não fez prova da efetiva tributação do sócio Dr. C........ na proporção da quota que detinha na sociedade de advogados a que ambos pertenciam, acrescida do remanescente da quota da impugnante.

III – Ilisão da presunção sob a qual foram levadas a cabo as liquidações do IRS em referência, e que lhe competia para demonstrar a realidade e efectividade da deliberação tirada na assembleia extraordinária da sociedade de advogados (04/11/2006).

IV – Deliberação esta pela qual foi instituído, na distribuição de lucros relativos aos exercícios de 2003, 2004 e 2005, fosse distribuído à recorrente “apenas o equivalente a 5% dos resultados destes anos, sendo que o remanescente, no valor dos restantes 32,5% da quota dela, ou seja, os lucros equivalentes a esse capital, acresceriam e seriam distribuídos na totalidade para o sócio C........”.

V – Porém, representando a diminuição da distribuição dos resultados, no que toca à impugnante, um necessário e lógico decréscimo do investimento de actividade forense, certo é que a recorrente demonstrou ter sido afetada nesse período por grave doença oncológica, da qual lhe adveio uma incapacidade parcial permanente de 80%, fixada oficialmente.

VI – Ora, a diminuição do rendimento, fixada na assembleia-geral dita, corresponde, mais coisa menos coisa, a 80% de défice da energia profissional.

VII – Logo, a impugnante fez prova das bases necessárias a uma presunção judicial de verdade do facto que alegou contra o mecanismo presuntivo, que regeu as liquidações de IRS impugnadas.

VIII – E sendo admissível a fixação dos factos assentes por presunção judicial – que as regras da arte de julgar aconselham quando não é possível, a quem tem o ónus da prova, fazê-la directamente – a matéria de facto da sentença recorrida tem de consignar que efectivamente não participou a recorrente em mais de 5% dos lucros do exercício da sociedade, naqueles anos.

IX – É que a prova de o Dr. C........ ter honrado a tributação que lhe competia, não pode ser feita em directo e a direito pela recorrente, por se tratar de prova, esta, no domínio do segredo tributário. Para além disso, o dever e obrigação legal de declarar todos os rendimentos recebidos, incumbia estritamente ao socio que os declarou receber, sendo a ora recorrente, completamente alheia á circunstância de saber se o fez ou não.

X – Por conseguinte, a sentença recorrida errou ao não ter aditado à matéria de facto a realidade do rendimento menor da impugnante.

XI – E muito mais errou quando estabeleceu não ter a recorrente feito prova que tivesse ilidido a presunção sob a qual foram levadas a cabo as críticas liquidações de IRS, a respeito da recorrente.

XII – A sentença proferida pelo douto Tribunal “ a quo “ não invoca nenhum normativo legal que imponha para elisão da presunção em causa, alguma modalidade ou tipo específico de prova. Assim sendo,

XIII-Observando o princípio da igualdade entre as partes o Tribunal poderia e deveria ter apreciado livremente toda a prova produzida a favor da pretensão da ora requerente, já que por exemplo, o artº 50 do Cod. Proc. Tributário, a fim de instruir um procedimento prevê, a utilização de todos os meios de prova legalmente previstos que sejam necessários para o correto apuramento dos factos, nomeadamente “ actas “ .

XIV-Por isso mesmo, deve ser reformada a sentença recorrida para que a ora recorrente faça vencimento na impugnação das liquidações de imposto referidas.

XV – Só assim será dado cumprimento à lei fiscal, nomeadamente ao art.º 6.º CIRC e ao art.º 19.º CIRS e art.º 73.º LGT, por mandamento do art.º 103.º/1 CRP, normas que impõem, no contexto dado e levado a estas conclusões, a procedência deste recurso.

XVI – A sentença recorrida é nula por omissão de pronúncia, nos termos do disposto no art.º 615.º/1/d NCPC.

XVI – É que a recorrente levou à lide, antes de ser proferida esta sentença recorrida, requerimento que não obteve resposta avulsa, nem na decisão final, através do qual tomava posição no sentido da inutilidade superveniente executiva.

XVII – Com efeito, o crédito tributário, cujas liquidações a recorrente impugnou nestes autos, não foi admitido e, por isso mesmo, nem graduado na insolvência da impugnante e ora recorrente, com trânsito em julgado.

XVIII – Logo, deixando, por imposição de sentença judicial, de ter garantia do património indexado à recorrente, tornou-se esse crédito, do ponto de vista lógico-normativo, incongruente, rectro-viciadas de raiz funcional as liquidações de IRS impugnadas.

XIX – Assim, a sentença da impugnação deveria ter julgado procedente o pedido, para que se seguisse o arquivamento da execução fiscal, consequente e justificada na inutilidade superveniente da lide.

XX – E não tendo sido abordada toda esta problemática, na carência, identifica-se a omissão de pronúncia, nulidade que, no entanto, tem como remédio o suprimento pela 2.ª Instância.

XXI- Manter o entendimento anterior vertido na sentença proferida pelo Tribunal “ a quo” equivale á violação quer dos dispostitos legais supra indicados, quer de princípios constitucionais fundamentais, como o da igualdade na tributação do património, o que expressamente se invoca para todos os devidos e legais efeitos.

Nestes Termos

E sempre com o mui douto suprimento de Vossas Excelências julgando no sentido das conclusões supra, dando provimento ao presente recurso e revogando a sentença proferida pelo Tribunal “ a quo “ farão a tão esperada e verdadeira JUSTIÇA!»

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A Recorrida não apresentou contra-alegações.
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O Digno Magistrado do M.º Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.
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Sem prejuízo das questões que o Tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, é pelas conclusões com que a Recorrente remate a sua alegação (art. 639.º do C.P.C.) que se determina o âmbito de intervenção do referido tribunal.
Assim, atento o exposto e as conclusões das alegações do recurso interposto, temos que no caso concreto, as questões fundamentais a decidir são as de saber se a sentença recorrida:
a) é nula por omissão de pronúncia
b) errou no seu julgamento de facto e de direito, ao não ter considerado determinado facto no probatório e ao não considerado ilidida a presunção de rendimento previsto no, então, art. 6.º do CIRC.
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Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir, considerando que a tal nada obsta.

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II. FUNDAMENTAÇÃO
II.1. De facto

Com base na prova documental junto aos autos, foram considerados provados os seguintes factos:

1. A sociedade “C........, H........, B......... – S.........” tem o seu capital social repartido por sete sócios, nos quais se inclui a impugnante – Acordo;

2. A impugnante detém uma participação de 37,5% no capital da S........., identificada no ponto anterior – Acordo;

3. Em 22/10/2003, é emitido Atestado Médico de Incapacidade Multiuso, que refere “a impugnante apresenta deficiência de acordo com Tabela Nacional de Incapacidades (D.L. 341/93, de 30/09), de 80% (…) desde 2001” – cfr. fls. 14 dos autos;

4. A coberto da Ordem de Serviço nº 31657, emitida em 15/04/2002 (Código PNAIT 22…..), em 14/11/2003, foi iniciado procedimento de inspeção à S........., “C........, H........, B......... – S.........”, com referência aos exercícios de 1999, 2000, 2001, 2002 e 2003 – cfr. fls. 119 a 166 do processo administrativo em apenso aos autos;

5. A impugnante não entregou as declarações de rendimentos de IRS dos anos de 2003, 2004 e 2005, dentro da data legal estipulada para o efeito - cfr. fls. 119 a 166 do processo administrativo em apenso aos autos;

6. No âmbito do procedimento inspetivo foi verificado que a S........., no anexo G da declaração anual de IRC dos exercícios de 2003, 2004 e 2005, imputou à sócia H........., ora impugnante, os seguintes valores:
7. Foram, então, abertas as Ordens de Serviço OI........., OI......... e OI........., em sede de IRS para análise da situação tributária da impugnante aos anos de 2003, 2004 e 2005, respetivamente – cfr. fls. 165 do processo administrativo em apenso aos autos;
8. Considerando as conclusões decorrentes do ponto 5 supra, em 20/10/2006, a impugnante entrega no serviço de finanças as declarações rendimentos (substituição) dos exercícios de 2003 e 2004, bem como a declaração de rendimentos do exercício de 2005, sendo certo que dos valores regularizados resultam os seguintes rendimentos para a impugnante:

cfr. fls. 119 a 166 do processo administrativo em apenso aos autos;

9. Face à entrega, pela impugnante, das declarações de rendimentos para os anos de 2003, 2004 e 2005, os serviços da A.T., no âmbito do procedimento de inspeção à impugnante, emitiram os documentos de correção “DC-Único de IRS”, sem correções e elaboraram o relatório sucinto – cfr. fls. 163 a 166 do processo administrativo em apenso aos autos;

10. Em 04/11/2006, foi deliberada, em Assembleia Geral Extraordinária, a distribuição de lucros relativos aos exercícios de 2003,2004 e 2005 – cfr. fls. 7 e 8 dos autos;
11. A deliberação constante na Acta Número Três da S........., C........, H........, B......... – S........., foi realizada nos termos seguintes: “ (…) Considerando que só nesta data, todos os sócios tiveram conhecimento dos resultados da sociedade relativos aos exercícios dos anos de dois mil e três, dois mil e quatro e dois mil e cinco, e considerando que efetivamente a respetiva distribuição não se fez naquelas datas e não se fez na proporção das respetivas quotas de capital, os sócios deliberaram, nomeadamente, nos termos do disposto nos números um, dois e três do artigo trinta e dois do D.L.229/2004, de 10 de Dezembro, que à sócia M........, seja distribuído apenas o equivalente a cinco por cento dos resultados destes anos, sendo que o remanescente no valor dos restantes trinta e dois e meio por cento da quota desta, ou seja, os lucros equivalentes a esse capital acrescem e são distribuídos na totalidade para o sócio C........ (…)” – cfr. fls. 7 e 8 dos autos;

12. Em 13/11/2006, é emitida a liquidação de IRS nº 55........., relativa ao ano de 2004, a qual apresenta um valor final previsto de € 35.794,26 e juros compensatórios no valor de € 2.102,54 – cfr. fls. 53 do processo de reclamação em apenso aos autos;

13. Em 06/02/2006, é emitida a liquidação de IRS, relativa ao ano de 2005, com nº 20……., a qual apresenta um valor a pagar de € 64.795,43- cfr. fls. 65 do processo de reclamação em apenso aos autos;

14. Em 14/12/2006, é emitida a liquidação de IRS nº 51……, relativa ao ano de 2005 que apresenta o valor final previsto de € 51.919,72 e juros compensatórios no valor de € 972,96 – cfr. fls. 64 do processo de reclamação em apenso aos autos;

15. Em 06/02/2007, são realizados acertos de compensação nº 2007 130379 no valor de € 11.683,80 e juros compensatórios no valor de € 218,95, com estorno de € 52.892,68, o que perfaz o valor a pagar de IRS/2005 de € 11.902,75 - cfr. fls. 44 do processo de reclamação em apenso aos autos;

16. Em 29/01/2007, é emitida a liquidação de IRS nº 55….., relativa ao IRS/2003, a qual apresenta um valor final previsto de € 44.716,39 e juros compensatórios no valor de € 4.425,08 – cfr. fls. 46 do processo de reclamação em apenso aos autos;

17. Em 13/08/2008, são realizados acertos de compensação nº 20……. no valor de € 13.450,87 e juros compensatórios no valor de € 790,10 com estorno de € 37.896,80, o que perfaz o valor a pagar de IRS/2004 de € 14.240,97 - cfr. fls. 43 do processo de reclamação em apenso aos autos;

18. Em 01/03/2007, a ora impugnante, apresenta reclamação graciosa contra as liquidações de IRS/2003/2004/2005, em que o valor reclamado é de € 158.137,22, requerendo a correção das liquidações com base na distribuição de lucros no valor de 5% dos resultados obtidos nos anos reclamados de acordo com o decidido pela S......... e lavrado em acta de 04/11/2006 – cfr. fls. 1 e ss. do processo de reclamação em apenso aos autos;

19. A reclamação graciosa veio a ser indeferida e notificada à reclamante em 14/01/2009- cfr. fls. 83 do processo de reclamação em apenso aos autos;

20. Em 12/02/2009, foi deduzido recurso hierárquico contra o indeferimento da reclamação graciosa – cfr. fls. 2 e ss. do processo de R.H. em apenso aos autos;

21. Por despacho da Subdiretora Geral dos Impostos de 25/05/2009, foi negado provimento ao recurso hierárquico – cfr. 21 do processo de R.H. em apenso aos autos;»


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No que respeita a factos não provados, refere a sentença o seguinte:
«Não existem factos relevantes para a decisão que importe destacar como não provados.»


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Em matéria de convicção, refere o Tribunal a quo:

«A convicção do tribunal formou-se com base no teor dos documentos não impugnados, juntos aos autos e expressamente referidos no probatório supra.»


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II.2. Enquadramento Jurídico

A sentença recorrida julgou a presente impugnação improcedente e, consequentemente, manteve as liquidações impugnadas.
Recorrente não se conforma e entende ter havido erro de julgamento, já que, na sua óptica, ilidiu a presunção da obtenção de rendimentos, pedidndo a alteração da matéria de facto, e defendendo que a manter-se a decisão, há violação dos princípios da igualdade na tributação; invoca, também, a nulidade da sentença por omissão de pronúncia quanto a um requerimento avulso, no qual informava que os créditos das liquidações impugnadas não tinham sido admitidos nem graduados no processo de insolvência, pelo que, na sequência do arquivamento da execução fiscal, deveria ter havido a extinção da instância por inutilidade superveniente da lide.

Começando pela invocada omissão e pronúncia, há que dizer que, nos termos do preceituado no artigo 615.º, n.º.1, al. d), do Código Processo Civil (CPC), é nula a sentença quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não poderia tomar conhecimento. Decorre de tal norma que o vício que afecta a decisão advém de uma omissão (1.º segmento da norma) ou de um excesso de pronúncia (2.º segmento da norma).
Na verdade, é sabido que essa causa de nulidade se traduz no incumprimento, por parte do julgador, do poder/dever prescrito no artigo 608.º, n.º 2, do CPC, o qual consiste, por um lado, no dever de o juiz resolver todas as questões submetidas à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, e, por outro, de só conhecer de questões que tenham sido suscitadas pelas partes (salvo aquelas de que a lei lhe permite conhecer oficiosamente).
Ora, como se infere do que já deixámos expresso, a omissão de pronúncia pressupõe que o julgador deixa de apreciar alguma questão que lhe foi colocada pelas partes. Por outras palavras, haverá omissão de pronúncia, sempre que a causa do julgado não se identifique com a causa de pedir ou o julgado não coincida com o pedido. Pelo que deve considerar-se nula, por vício de petitionem brevis, a sentença em que o juiz invoca, como razão de decidir, um título, ou uma causa ou facto jurídico, essencialmente diverso daquele que a parte colocou na base (causa de pedir) das suas conclusões (pedido).
No entanto, uma coisa é a causa de pedir, outra coisa são os motivos, as razões de que a parte se serve para sustentar a mesma causa de pedir. E nem sempre é fácil fazer a destrinça entre uma coisa e outra.
Com base neste raciocínio lógico, a doutrina e a jurisprudência distinguem por um lado, “questões” e, por outro, “razões” ou “argumentos” para concluir que só a falta de apreciação das primeiras (ou seja, das “questões”) integra a nulidade prevista no citado normativo, mas já não a mera falta de discussão das “razões” ou “argumentos” invocados para concluir sobre as questões (cfr. Prof. Alberto dos Reis, C.P.Civil anotado, V, Coimbra Editora, 1984, pág.53 a 56 e 142 e seg.; Antunes Varela e Outros, Manual de Processo Civil, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 1985, pág.690; Luís Filipe Brites Lameiras, Notas Práticas ao Regime dos Recursos em Processo Civil, 2ª. edição, Almedina, 2009, pág.37).
No processo judicial tributário, o vício de omissão de pronúncia, como causa de nulidade da sentença, está previsto no artigo 125.º, n.º1, do CPPT.
A omissão de pronúncia geradora de nulidade apenas ocorre quando o tribunal não aprecia ou não decide matérias que a lei impõe que conheça e decida.
O conceito de “questão”, deve ser aferido em função direta do pedido e da causa de pedir aduzidos pelas partes ou da matéria de excepção capaz de conduzir à inconcludência/improcedência da pretensão para a qual se visa obter tutela judicial, dele sendo excluídos os argumentos ou motivos de fundamentação jurídica esgrimidos/aduzidos pelas partes.

Analisado o requerimento apresentado, verifica-se que nele não foi pedida qualquer extinção da instância por inutilidade superveniente da lide, mas apenas informado o que ali consta, reiterando o pedido inicial, nem tal requerimento, dado o seu conteúdo e a indisponibilidade do crédito tributário, teria de ser alvo de apreciação pelo Tribunal Tributário.
Não se trata, pois, de qualquer “questão” sobre a qual tivesse de incidir pronúncia por parte do Tribunal recorrido.
Assim, não havendo necessidade de mais amplas considerações, improcede a invocada nulidade da decisão por omissão de pronúncia.

Depois, quanto ao pretendido aditamento à matéria de facto – de modo a que ficasse consignado que não participou em mais de 5% dos lucros dos exercícios da sociedade naqueles anos – verifica-se que tal situação está já reflectida no probatório – não impugnado – no ponto 11., razão pela qual não há necessidade de proceder a tal aditamento, o qual vai, deste modo, indeferido.

Estabilizada a matéria de facto, passemos, agora, à apreciação do invocado erro de julgamento de direito.
Como se viu, entende a Recorrente que ilidiu a presunção da obtenção de rendimentos com base na deliberação da assembleia extraordinária da sociedade e com base na sua incapacidade de 80% por doença oncológica. Defende, ainda, ser alheia a facto de o sócio não ter declarado o valor que lhe incumbia e que, a manter-se a decisão, há violação dos princípios da igualdade na tributação.

O art. 6.º do CIRC, na redacção vigente à data, dispunha que:
1 - É imputada aos sócios, integrando-se, nos termos da legislação que for aplicável, no seu rendimento tributável para efeitos de IRS ou IRC, consoante o caso, a matéria colectável, determinada nos termos deste Código, das sociedades a seguir indicadas, com sede ou direção efetiva em território português, ainda que não tenha havido distribuição de lucros:
a) Sociedades civis não constituídas sob forma comercial;
b) Sociedades de profissionais; c) Sociedades de simples administração de bens, cuja maioria do capital social pertença, direta ou indiretamente, durante mais de 183 dias do exercício social, a um grupo familiar, ou cujo capital social pertença, em qualquer dia do exercício social, a um número de sócios não superior a cinco e nenhum deles seja pessoa coletiva de direito público.
2 - Os lucros ou prejuízos do exercício, apurados nos termos deste Código, dos agrupamentos complementares de empresas e dos agrupamentos europeus de interesse económico, com sede ou direção efetiva em território português, que se constituam e funcionem nos termos legais, são também imputáveis diretamente aos respectivos membros, integrando-se no seu rendimento tributável.
3 - A imputação a que se referem os números anteriores é feita aos sócios ou membros nos termos que resultarem do ato constitutivo das entidades aí mencionadas ou, na falta de elementos, em partes iguais.
(…)”
O art. 20.º do CIRS, sob a epígrafe «Imputação especial», dispunha (na redacção à data):
«1 - Constitui rendimento dos sócios ou membros das entidades referidas no artigo 6.º do Código do IRC, que sejam pessoas singulares, o resultante da imputação efectuada nos termos e condições dele constantes.
2 - Para efeitos do disposto no número anterior, as respectivas importâncias integram-se como rendimento líquido na categoria B.
3 - Constitui rendimento dos sócios que sejam pessoas singulares o resultante da imputação efectivada nos termos e condições do artigo 60.º do Código do IRC, aplicando-se para o efeito, com as necessárias adaptações, o regime aí estabelecido.
4 - Para efeitos do disposto no número anterior, as respectivas importâncias integram-se como rendimento líquido na categoria B, nos casos em que a participação social esteja afecta a uma actividade empresarial e profissional, ou na categoria E, nos demais casos.»
A sentença recorrida teceu, no essencial, o seguinte percurso argumentativo:
“(…) Assim, do art. 6º, nº 3 do CIRC, resulta que o legislador não pretendeu deixar a imputação da matéria colectável na disponibilidade dos sócios e que tal imputação só pode ocorrer de acordo com as regras estabelecidas no pacto constitutivo da sociedade, ou, na ausência delas ou de outros elementos, em partes iguais.
(…)
Atendendo à vertente da imposição de imposto segundo a capacidade contributiva e do objetivo constitucional da «repartição justa dos rendimentos e riqueza» (cfr. nº 1 do art. 103º da CRP), aquela imputação de matéria colectável «nos termos que resultarem do ato constitutivo das entidades aí mencionadas ou, na falta de elementos, em partes iguais» há-de reconduzir, a uma ficção legal, a uma presunção legal que, face ao disposto no art. 73º da LGT (que afasta expressamente, no domínio das normas de incidência tributária, a possibilidade de existência de presunções inilidíveis) por isso, deverá ter-se por ilidível, como refere Jorge de Sousa ¯ CPPT, Anotado e Comentado, I Vol., 6ª ed., 2011, anotações 2 e 3 ao art. 64º, pp. 585 a 588 (( ) (Sobre esta matéria, cfr. também, Soares Martinez, Direito Fiscal, 7ª ed., p 126 e Sá Gomes, Manual de Direito Fiscal, volume II, p. 56, citados no local indicado.)
Temos assim, que os interessados podem ilidir estas presunções, embora o ónus de tal ilisão caiba ao contribuinte, ora impugnante, v.g. neste sentido o ac. do STA de 29/02/2012, proc. nº 0441/11( in www. dgsi.pt).
In casu, impõe-se formular a seguinte questão:
Conseguiu a impugnante ilidir a presunção estabelecida no art. 6º, nº 3 do CIRC, i.e., fez a impugnante prova de que a matéria colectável apurada pela S......... nos exercícios de 2003, 2004 e 2005, foi imputada à impugnante e ao sócio C........, nos precisos moldes em que foi decidido em assembleia geral extraordinária da S......... de 04/11/2006?
A resposta é negativa.
Com efeito, não resulta dos autos que o sócio, C........, incluiu nas suas declarações de rendimentos de IRS/2003/2004/2005, os valores correspondentes ao remanescente do valor dos restantes trinta e dois e meio por cento da quota da impugnante, o que significa que apesar da decisão societária, em termos declarativos fiscais nada foi feito.
Ora, dos autos não resultando qualquer prova da efetiva tributação do sócio C........ na proporção da sua quota, acrescida do remanescente (32,5%) da quota da impugnante. Prova que, aliás, é ónus da impugnante fazer atento o regime legal, supra, enunciado, não pode ter-se como ilidida a presunção legal.
Com efeito, dos autos apenas resulta o contrário, ou seja, que a S......... em termos fiscais declarou a imputação da matéria colectável apurada na proporção da participação do capital social da impugnante, i.e., 37,5% (ponto 6 do probatório).
Dos autos, nenhum facto nos é percecionado que nos leve à conclusão que os rendimentos foram imputados àquele sócio e tributados em conformidade, nos anos de 2003, 2004 e 2005, nos moldes decididos internamente pela S........., mas dos quais não se extraíram as consequências práticas necessárias, para efeitos fiscais.
Ora, tal prova carecia de ser feita de forma a impugnante ilidir a presunção estabelecida na lei fiscal.

O assim decidido não merece censura.
Com efeito, a Recorrente tinha de fazer prova de que a matéria colectável apurada pela S......... nos exercícios de 2003, 2004 e 2005, não lhe tinha sido imputada como foi, de acordo com a percentagem da sua quota, ou seja, de que lhe tinha sido imputada nos moldes em que foi decidido em assembleia geral extraordinária da S......... de 04-11-2006. Isto porque a lei desconsidera a efectiva distribuição, ou a não distribuição de lucros (refere “ainda que não tenha havido distribuição de lucros”).
Ora, do probatório nada consta nessa matéria, nada resultando, nem sequer da acta mencionada, a alteração dessa imputação da matéria tributável ou os critérios a que eventualmente tenha obedecido.

Tal como ficou consignado no recente Acórdão do STA, de 04-06-2025, proc. n.º 02087/13.7BELRS, com o qual consordamos inteiramente, “(…) 3.2.5. Como é pacificamente aceite pela doutrina e pela jurisprudência, o regime de transparência fiscal tem natureza imperativa, o que significa que este regime é sempre o aplicável às pessoas colectivas ou singulares que reúnam as características plasmadas no artigo 6.º, n.ºs 1, 4 e 5 do CIRC.

3.2.6. Este particular regime de tributação, introduzido pela primeira vez na ordem jurídica portuguesa em 1989 com a entrada em vigor do CIRC, materializa a opção legislativa de que certas pessoas colectivas, delimitadas em função do seu tipo societário, objecto social ou estrutura de negócios, não devem ser tributadas pelos rendimentos obtidos com a sua actividade, devendo a tributação incidir sobre os respectivos sócios.

3.2.7. Subjacente à sua consagração estiveram, especialmente, objectivos de neutralidade fiscal - visando o regime promover a neutralidade fiscal entre formas colectivas e individuais de certas actividades em que releva sobremaneira a componente humana, a rendimentos idênticos deve corresponder uma tributação idêntica independentemente da figura societária a que esses rendimentos estejam associados; de eliminação da dupla tributação económica dos rendimentos - obstando a que os sócios das sociedades submetidos ao regime sejam, pelos mesmos rendimentos, tributados em sede de IRC e, num momento posterior (após distribuição dos lucros), sejam objecto de nova tributação na sua esfera individual a título de IRS; de combate à evasão fiscal, eliminando/reduzindo a possibilidade de um planeamento fiscal abusivo, que o legislador presume poder existir quando determinadas actividades passíveis de serem desenvolvidas a título pessoal são realizadas sob a forma societária e de mera harmonização europeia, designadamente através das imposições decorrentes do Regulamento (CEE) n.º 2137/85, de 25 de Julho de 1985. (Neste sentido, Gustavo Lopes Courinha, Manual do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas, Almedina, 2023, página 53, autor e obra a que se reportam todas as transcrições subsequentes que não sejam de outro modo identificadas.) (No mesmo sentido, acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 15-6-2016 (processo n.º 01508/13 e do Tribunal Central Administrativo Sul, de 27-3-2012 (processo n.º 05287/12) e de 10-2-2022 (processo 949/09.5BELRS), todos integralmente disponíveis em www.dgsi.pt e Saldanha Sanches, Manual de Direito Fiscal, 3.ª Ed., Coimbra Editora, Coimbra, 2007, página 293.)

3.2.8. De salientar ainda que, por força do preceituado no artigo 12.º do CIRC, «as sociedades e outras entidades a que, nos termos do artigo 6.º, seja aplicável o regime de transparência fiscal não são tributadas em IRC, salvo quanto às tributações autónomas».
(…)
3.2.11. Confirma-se, pois, que o Tribunal Central julgou que o regime consagrado no n.º 1 do artigo 6.º do CIRC continha uma presunção ilidível e que esta interpretação é a única conforme a lei fiscal (artigo 73.º da LGT) e os princípios e direitos constitucionais que nenhum regime de tributação pode afrontar (artigo 103.º da CRP).

3.2.12. Incidindo agora a nossa atenção quanto à aplicação concreta do regime – e uma vez que este Supremo tribunal, em recurso de revista não sindica a matéria de facto mas apenas as ilações de direito que com base nela foram extraídas – assume particular importância a parte do julgamento em que o Tribunal Central julgou que não é a mera prova de que foi deliberado pelos sócios a não distribuição dos lucros que permite afastar a aplicação do regime de transparência fiscal.

3.2.13. A este propósito escreveu-se no acórdão recorrido o seguinte:

«(…) constitui jurisprudência fiscal assente a de que, «Por razões de «neutralidade, combate à evasão fiscal e eliminação da denominada dupla tributação económica dos lucros distribuídos aos sócios» o CIRC adoptou, em relação a certas sociedades, um regime de transparência fiscal, que se caracteriza pela «imputação aos sócios da parte do lucro que lhes corresponder, independentemente da sua distribuição» (cfr. segmento final do Nº 3 do Preâmbulo do CIRC, bem como, entre outros, o ac. deste STA, de 3/10/2001, rec. nº 026353, in Ap. DR, de 13/10/2003, pp. 2183 a 2188). // Ou seja, do que decorre do art. 5º do CIRC [actual artigo 6.º do CIRC] e do art. 19º do CIRS [actual artigo 20.º do CIRS] supra transcritos, neste regime de transparência fiscal a lei vê os rendimentos da sociedade sujeitas a tal regime como sendo rendimentos próprios dos seus sócios, imputando-se a cada um a parte do lucro que lhes corresponda. Considerando embora a matéria colectável gerada no âmbito da actividade da sociedade, a lei abstrai da personalidade colectiva desta e procede à imputação dessa matéria colectável à esfera patrimonial dos respectivos sócios ou membros (integrando-a, portanto, na respectiva matéria colectável destes em sede de IRS, no que aos autos interessa, por se tratar de pessoas singulares). // Reportando-se à definição legal das sociedades de profissionais constante deste art. 5º (actual art. 6º) do CIRC, salienta Rui Morais (Sobre o IRS, 2ª ed., Almedina, 2008, p. 210) que «Parece ainda resultar da lei que todos os sócios têm que exercer (ainda que não em exclusivo) actividade profissional na sociedade (o que afasta a existência de sócios cuja contribuição seja apenas de capital)», acrescentando, ainda, reportando-se à regra de imputação constante do nº 3 daquele art. 5º do CIRC (conjugada com o disposto no art. 19º do CIRS - actual art. 20º) que «A obrigação de imputação existe independentemente de qualquer distribuição efectiva (429) o que, reconheça-se, pode originar dificuldades aos sujeitos passivos (sócios) que podem ter de pagar imposto por um rendimento que não receberam, p. ex. por a maioria, em assembleia geral, ter decidido não haver lugar a qualquer distribuição de lucros (ou uma distribuição em montante inferior ao necessário para o pagamento do imposto).» - Ibidem, pp. 214 e 215. // Como também parece decorrer do referido Nº 3 do preâmbulo do CIRC: «imputação aos sócios da parte do lucro que lhes corresponder, independentemente da sua distribuição». // Também Magalhães Correia (A Transparência Fiscal das Sociedades de Profissionais, in Fisco, nº 7, Abril 1989, pp. 3/8) escreve a este respeito: «A redacção deste preceito é pouco feliz, pois a referência ao acto constitutivo, que é o contrato de sociedade, não permite responder satisfatoriamente a um conjunto de situações relevantes. (…) // A compreensão do artigo 5º, nº 3, do Código do IRC passa, em nossa opinião, pela correcta percepção da incidência prática do princípio da capacidade contributiva, que é normalmente encarado, até pelo legislador constituinte, como um ponto de vista fundamental na decisão dos problemas financeiros. // Na verdade, dentre os vários argumentos favoráveis ao sistema de transparência fiscal avulta o de que ele permite, em regra, substituir o imposto proporcional sobre sociedades pelo imposto sobre pessoas singulares, melhor adaptado à capacidade contributiva dos sócios. Ora, como se sabe, esta capacidade contributiva dos sócios varia na razão directa dos lucros a que tenham direito. // Neste aspecto reside a essência do problema, como, aliás, o legislador teve exacta percepção ao afirmar, no relatório preambular ao Código do IRC, que o regime de transparência é “caracterizado pela imputação aos sócios da parte do lucro que lhes corresponder, independentemente da sua distribuição”. // Pena é que uma razão normativa de meridiana clareza tenha sido deficientemente expressa na lei: o artigo 5º, nº 3, do Código do IRC, ao estabelecer que a imputação é feita “nos termos que resultarem do acto constitutivo”, pretendia afinal significar que essa atribuição é feita aos sócios consoante a sua participação nos lucros, apurada através do acto constitutivo ou de outro elemento probatório.» (…) // Não sofre dúvida que a imputação da matéria colectável aos sócios da sociedade sujeita ao regime de transparência, há-de ser feita de acordo com o regime decorrente do citado art. 5º (actual art. 6º) do CIRC, sendo, assim, irrelevante, nesse âmbito e para tais efeitos e na parte em que colide com tal regime, a deliberação da assembleia-geral aqui questionada. // Com efeito, daquele preceito resulta claramente que o legislador não pretendeu deixar a imputação da matéria colectável na disponibilidade dos sócios e que tal imputação só pode ocorrer de acordo com as regras estabelecidas no pacto constitutivo da sociedade, ou, na ausência delas ou de outros elementos, em partes iguais.».

3.2.14. E também nesta parte a decisão recorrida merece a nossa concordância. É evidente da letra que o legislador optou e quis optar (pelas razões que supra se deixaram identificadas) por consagrar um regime de tributação especial, traduzido na desconsideração da personalidade jurídica do próprio ente colectivo e presumindo que os rendimentos sujeitos a imposto decorrentes da actividade por aquela desenvolvida fossem imputados pessoalmente aos sócios que passam a ser os sujeitos diretos dos rendimentos por aquela obtidos, isto é, os sujeitos passivos do imposto.

3.2.15. Neste contexto, de expressa estipulação de que «É imputada aos sócios, integrando-se, nos termos da legislação que for aplicável, no seu rendimento tributável para efeitos de IRS ou IRC, consoante o caso, a matéria colectável, determinada nos termos deste Código, das sociedades a seguir indicadas, com sede ou direcção efectiva em território português, ainda que não tenha havido distribuição de lucros” fácil se revela concluir que, como bem se decidiu no acórdão recorrido, e constitui jurisprudência reiterada, que o julgamento de direito realizado não enferma do erro de interpretação e aplicação que lhe vem imputado pelos Recorrentes.

3.2.16. Note-se, de resto, que sendo os sócios a quem a matéria colectável é imputada, quem detém o poder de deliberar sobre a não distribuição dos lucros, atribuir-se valor, para efeitos de aplicação do regime de transparência fiscal, a uma deliberação dos próprios nesse sentido, seria criar uma via muito simples de defraudar o regime especial que se quis consagrar e comprometer de todo os fins que com ele se visaram alcançar. Comprometendo, outrossim, a tributação, uma vez que, concomitantemente com a imputação, se estabeleceu a não tributação do ente colectivo, o que significa que os rendimentos obtidos pela sociedade profissional nem seriam tributados nos termos do IRC nem nos termos do IRS.

3.2.17. Diga-se, por fim, que não significa o que vimos expondo que também nós, contrariamente ao que admitimos, estamos a reconhecer que o n.º 1 do artigo 6.º do CIRC consagra uma presunção e, a final, a concluir que essa presunção é inilidível. Nem, por outro lado, que esta interpretação viola o princípio da capacidade contributiva ou da igualdade.

3.2.18. Quanto à ilisão da presunção, porque ele deve ser interpretada – face ao regime estabelecido – como uma ilisão dos rendimentos tributáveis. Ou seja, o que o artigo 6.º, n.º 1 do CIRC admite, bem, é que os sujeitos passivos possam alegar e provar que os rendimentos que lhes estão a ser imputados a título pessoal, por via da desconsideração da personalidade jurídica da sociedade, não estão correctamente determinados, por o valor não corresponder à realidade, por ser inferior, designadamente por não lhes ter sido permitido efectuar deduções a que julgam ter direito, nela estarem englobados valores relativos a tributações autónomas que o legislador exclui da imputação pessoal aos sócios ou não ser o valor que lhes deva ser imputável atenta a sua participação no capital social. Devendo, nestas situações, recorrer ao procedimento especifico previsto no artigo 64.º do CPPT. Ou seja, a elisão da presunção centra-se na determinação do quantitativo e não na imputação, a qual, como se disse já, e se constata da letra (e do espírito) da lei, constitui uma pedra angular do regime, uma opção do legislador e não um facto sujeito a informação.

3.2.19. No que respeita à alegada violação dos princípios da capacidade contributiva e da igualdade, sublinhamos, mais uma vez, como o Tribunal Constitucional tem reiteradamente afirmado, que o legislador, no uso da sua liberdade de conformação política, pode estabelecer regimes de tributação diferenciadores desde que essa distinção esteja suficientemente legitimidade pela prossecução e realização de outros valores, por razões de equidade, praticabilidade e eficiência ou com vista à prossecução de quaisquer objectivos a que se reconheça dignidade constitucional.

3.2.20. No caso, é o que sucede. O regime foi consagrado para prevenir a evasão fiscal, tendo ficado estatuído um regime que obstava a que se verificasse uma situação de dupla tributação (excluindo de IRC o ente colectivo) e limitando a imputação aos sócios à sua participação nos lucros, apurada através do acto constitutivo ou de outro elemento probatório. Em suma, os rendimentos que lhe estão a ser imputados são os rendimentos a que efectivamente tem direito e a que podem livremente aceder, se assim o entenderem, bastando para tanto que não deliberem a não distribuição dos lucros. Rendimentos que, por via do capital social que detém, são efectivamente seus.

3.2.21. Quanto ao princípio da igualdade, recuperamos, aqui, o que ficou dito no acórdão n.º 48/2020, do Tribunal Constitucional, proferido a 16 de Janeiro de 2020 (Acórdão inteiramente disponível em https://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20200048.html) (acórdão em que estava também em causa o regime consagrado no artigo 6.º, n.º 1 do CIRC, jurisprudência que, ainda que directamente dirigido à limitação de deduções, é nesta parte inteiramente transponível):

«(…) Ainda que se desse por demonstrado que do regime que compreende a norma que constitui objeto do presente recurso resulta uma diferenciação in pejus dos sócios a que são imputados os rendimentos de uma entidade transparente (nos termos previstos no artigo 6.º do CIRC), sempre se imporia reconhecer que essa diferenciação não merece censura constitucional com fundamento no princípio da igualdade.

Assim é, quer porque a aplicação desse regime decorre da opção dos próprios sujeitos passivos de exercer a sua atividade profissional através de uma S........., quer porque o facto de essa opção ter sido tomada é um termo adicional atendível − para além da capacidade contributiva − na comparação entre o grupo-alvo e o par comparativo. Como se referiu, o regime em causa nos presentes autos caracteriza-se pela desconsideração da personalidade das sociedades de profissionais, tornando-as transparentes na medida em que deixam de ser tributadas em IRC (salvo no que respeita às tributações autónomas – v. o artigo 12.º do CIRC). No entanto, os rendimentos que são imputados aos sócios não deixam de ser obtidos através da sociedade, com todos os custos e vantagens que essa opção implica no modo como é exercida a atividade profissional. É no contexto da sociedade que se manifesta e recorta a capacidade contributiva que com o imposto se visa atingir. Ora, a lei pode bem atribuir relevância a este facto.».

3.2.22. Por fim, no que respeita aos direitos e garantias fundamentais tutelados nos arts. 49º, 56º e 57º do Tratado Sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE) nos arts. 15º, 16º e 45º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (CDFUE), que o regime ou a interpretação e aplicação que dele fazemos, para além de tais violações nem sequer terem sido suficientemente densificadas pelos Recorrentes, não se logra que os mesmos fiquem minimamente afectados pelas razões que supra deixámos consignadas e que aqui se reiteram.

3.2.23. Em conclusão: no acórdão recorrido não foi entendido que o artigo 6.º, n.º 1 do CIRC comporta uma presunção inilidível mas, tão só, que a deliberação dos sócios de não distribuição dos lucros não reúne força bastante, à luz do regime em apreço, para afastar a presunção aí consagrada. Esta interpretação não viola o regime legalmente instituído nem os princípios da capacidade e igualdade constitucionalmente consagrados, nem quaisquer direitos e princípios consagrados no TFUE ou a CDFUE.

3.2.24. Donde, tendo sido apurado lucro no exercício de 2012, integrando rendimento líquido na categoria B, de acordo com o disposto no artigo 20º do CIRS e que os Impugnantes, ora Recorrentes, não questionaram não ter sido feita tal imputação de acordo com o estabelecido no nº3 do artigo 6º do CIRC, forçoso é julgar improcedentes as alegações aduzidas e, consequentemente, negar provimento ao presente Recurso de Revista, como na sede própria se decidirá.” (sublinhado nosso)

Assim tal como decidido no Acórdão supra parcialmente transcrito, não tendo a Recorrente feito a prova que se lhe impunha, não ficou demonstrado ter havido violação do princípio da igualdade na tributação do rendimento.
Tanto vale para concluir que a decisão recorrida não sofre do erro de julgamento que lhe vem imputado, improcedendo o recurso na totalidade.
*****

III. DECISÃO

Face ao exposto, acordam em conferência os juízes da Subsecção Tributária Comum do Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao recurso.

Custas pela Recorrente.


Registe e notifique.




Lisboa, 30 de Setembro de 2025


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[Teresa Costa Alemão]


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[Maria da Luz Cardoso]


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[Isabel Silva]