Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1179/15.2BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:05/16/2024
Relator:TÂNIA MEIRELES DA CUNHA
Descritores:JUROS INDEMNIZATÓRIOS
INCONSTITUCIONALIDADE
Sumário:I - O art.º 43.º, n.º 3, al. d), da LGT abrange quer os casos em que haja desaplicação de normas sustentadoras da liquidação impugnada, por inconstitucionalidade, designadamente pelos tribunais da jurisdição administrativa e fiscal, quer aqueles em que haja decisão do Tribunal Constitucional, no processo concreto ou em processos similares, que declare inconstitucionais as mencionadas normas.
II - O entendimento no sentido de que, para efeitos de aplicação do art.º 43.º, n.º 3, al. d), da LGT, é absolutamente necessária uma decisão do Tribunal Constitucional atenta contra a tutela jurisdicional efetiva, na medida em que, no caso de desaplicação de norma, designadamente, pelos tribunais da jurisdição administrativa e fiscal, por inconstitucionalidade, está nas mãos de terceiros a possibilidade de recurso para o Tribunal Constitucional, para o qual o Impugnante vencedor não tem legitimidade.
III - O objetivo do legislador, com a alteração de 2019 do art.º 43.º da LGT, foi o de tutelar a posição dos administrados que pagaram uma liquidação emitida com base em norma inconstitucional.
Votação:Unanimidade
Indicações Eventuais:Subsecção Tributária Comum
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
Acórdão

I. RELATÓRIO

N… C…, SA (doravante Recorrente ou Impugnante) veio recorrer da sentença proferida a 09.12.2022, no Tribunal Tributário de Lisboa, na parte em que julgou improcedente o pedido de pagamento de juros indemnizatórios e na parte em que não se faz referência à restituição do valor pago na sequência da liquidação anulada, sentença proferida no âmbito de impugnação judicial que teve por objeto a liquidação da taxa anual devida pelo exercício da atividade de fornecedor de redes e serviços de comunicações eletrónicas, referente ao ano de 2014.

Nas suas alegações, concluiu nos seguintes termos:

“I. O presente Recurso vem interposto da douta Sentença proferida pelo Tribunal a quo em 09.12.2022, na parte em que julgou improcedente o pedido de pagamento de juros indemnizatórios, por considerar que não há lugar aos mesmos nos casos de decisão de anulação da liquidação com base em inconstitucionalidade das normas do Anexo II da Portaria n.º 1473-B/2008, de 17 de dezembro, aplicadas na liquidação do tributo, como se decidiu na douta Sentença recorrida (v., quanto aos juros, págs. 40 a 43 e decisão da douta Sentença) – cfr. n.º 1 do texto das presentes Alegações;

II. Com o devido respeito - e é verdadeiramente muito -, não podemos concordar com o decidido, mesmo considerando que ainda não existia à data da douta Sentença decisão do Tribunal Constitucional, transitada em julgado, a julgar inconstitucionais as referidas normas, pois, face ao disposto no art. 43.º/3/d) da Lei Geral Tributária (LGT), na redação da Lei 9/2019, de 01.02, a douta Sentença recorrida já deveria ter condenado nos juros indemnizatórios peticionados, face ao decidido quanto à anulação da liquidação – cfr. n.ºs 1 e segs. do texto das presentes Alegações;

III. De qualquer forma, entretanto, já existe decisão do Tribunal Constitucional, transitada em julgado, proferida no presente processo Acórdão de 28.09.2023 (fls. 4999 do Sitaf), a julgar inconstitucionais as referidas normas (para além de várias outras decisões no mesmo sentido do Tribunal Constitucional, transitadas em julgado – cfr., a título indicativo, entre outras decisões do Tribunal Constitucional, certidões adiante juntas como Docs. 1 e 2) – cfr. n.ºs 2 e segs. do texto das presentes Alegações;

IV. Assim sendo, mesmo considerando o douto Acórdão do STA de 02.02.2022, proferido no Proc. 0107/17.5BEFUN, citado e seguido na douta Sentença recorrida, presentemente, é inquestionável (maxime face a essa jurisprudência), que se verificam os pressupostos do art. 43.º/3/d) da LGT, na redação da Lei 9/2019, de 01.02, para serem “devidos juros indemnizatórios (…) Em caso de decisão judicial transitada em julgado que declare ou julgue a inconstitucionalidade ou ilegalidade da norma legislativa ou regulamentar em que se fundou a liquidação da prestação tributária e que determine a respetiva devolução” – cfr. n.ºs 2 e segs. do texto das presentes Alegações;

V. Por mera cautela de patrocínio, o presente recurso abrange ainda a circunstância de na parte decisória da douta Sentença recorrida não se fazer referência à restituição do valor pago, sendo que, estando provado o pagamento do valor pago na sequência da liquidação impugnada (n.º 8 dos factos provados na douta Sentença recorrida), e tendo sido decidido anular essa liquidação, não há dúvidas que o direito àquela restituição decorre diretamente do art. 100.º da LGT, sempre sendo a mesma devida, mesmo não se fazendo referência no segmento decisório da douta Sentença recorrida – cfr. n.º 3 do texto das presentes Alegações;

VI. Finalmente, subsidiariamente, caso se entenda que a Impugnante não tem direito aos referidos juros em caso de anulação da liquidação com base na inconstitucionalidade das normas aplicadas - o que não se concede minimamente -, o presente recurso abrange, ainda, questões não apreciadas na douta Sentença recorrida, por terem sido consideradas prejudicadas, em concreto relativamente ao erro sobre os pressupostos na determinação dos “rendimentos relevantes” da Impugnante, em que não suscitariam quaisquer dúvidas quanto ao direito da Impugnante a juros indemnizatórios (art. 43.º/1 da LGT) – cfr. n.º 3 do texto das presentes Alegações;

- Dos Factos

VII. Na douta Sentença recorrida consideraram-se provados os factos n.ºs 7 e 8, com relevância para a questão dos juros indemnizatórios (liquidação pela ANACOM da “taxa” no valor total de 7.425.049,87 € e respetivo pagamento pela Impugnante em 02.01.2015) – cfr. n.º 6 do texto das presentes Alegações;

VIII. Além disso, deve ser considerado provado que, entretanto, por Acórdão do Tribunal Constitucional de 04.07.2023, transitado em julgado, proferido no presente processo, decidiu-se julgar “inconstitucionais as normas contidas nos n.ºs 1 e 2 do Anexo II da Portaria n.º 1473-B/2008, de 17 de dezembro, na redação introduzida pela Portaria n.º 296-A/2013, de 2 de outubro, na parte em que determinam a incidência e a taxa a aplicar em relação aos fornecedores de redes e serviços de comunicações eletrónicas enquadrados no escalão 2, por violação do disposto na alínea i) do n.º 1 do artigo 165.º e no n.º 2 do artigo 266.º da Constituição” e, consequentemente, negou-se provimento ao recurso da ANACOM da Sentença aqui recorrida, que havia anulado a liquidação com base na referida inconstitucionalidade – cfr. n.º 6 do texto das presentes Alegações;

IX. Para além dos factos considerados provados na douta Sentença recorrida, encontram-se ainda provados vários outros factos com relevância para o erro sobre os pressupostos na determinação dos “rendimentos relevantes” da Impugnante, impondo-se a modificação da decisão de facto para apreciação e decisão desta questão, conforme subsidiariamente requerido no presente Recurso – cfr. n.º 7 do texto das presentes Alegações;

X. Com efeito, relativamente a esta questão, além dos factos considerados provados na douta Sentença recorrida (nomeadamente, correspondentes ao alegado nos arts. 24.º, 31.º, 56.º e 60.º da P.I.), também se encontra provada a demais matéria de facto que consta dos arts. 24.º a 60.º, 77.º a 81.º, 122.º, 129.º a 131.º, 136.º, 139.º a 143.º da P.I., por ter sido aceite pela ANACOM na sua Contestação (v. respetivos arts. 6.º a 9.º) e/ou resultar provado pelos documentos indicados nos referidos artigos, além dos factos provados através de prova testemunhal, indicados infra – cfr. n.º 8 do texto das presentes Alegações;

XI. Por outro lado, conforme douto Despacho de 31.10.2022, no presente processo determinou-se o aproveitamento da prova testemunhal produzida no Proc. 567/13.3BELRS, resultando da mesma também provada a matéria de facto que consta dos arts. 83.º a 89.º, 92.º a 100.º, 102.º a 107.º, 110.º a 113.º, 115.º a 118.º, 122.º da P.I., pelos depoimentos das testemunhas M…, (controller financeiro da N…), no ficheiro “GravacaoAudiencias 06-06-2017 09-37- 49.wma”, aos 00:14:15 a 00:32:55 e aos 00:44:30 a 00:45:45; F… (ex-Diretor do Departamento da então Z…, hoje N…), no ficheiro “GravacaoAudiencias 06-06-2017 09-37-49.wma”, aos 00:52:45 a 01:15:05 e aos 01:30:00 a 01:30:50; D… (ex -Diretor do mesmo Departamento) no ficheiro “GravacaoAudiencias 06-06-2017 09-37-49.wma”, aos 01:35:15 a 01:51:15 e aos 02:02:20 a 02:04:55; A… (colaboradora do Departamento de Regulação da então O…, hoje N…), no ficheiro “GravacaoAudiencias 06-06-2017 09-37-49.wma”, aos 02:13:35 a 02:15:25, aos 02:19:17 a 02:20:10 e aos 02:21:15 a 02:23:40) – cfr. n.º 8 do texto das presentes Alegações;

XII. A respeito destes factos provados, veja-se, nomeadamente, os factos n.ºs 3 a 18 na douta Sentença proferida no Proc. 567/13.3BELRSBELRS, adiante junta como Doc. 3, em que foi produzida a prova testemunhal, objeto de aproveitamento no presente processo – cfr. n.º 8 do texto das presentes Alegações;

- Do Direito

XIII. Conforme resulta do acima referido em sede de âmbito do Recurso, no presente Recurso suscitam-se as seguintes questões:

- Do direito da Impugnante a juros indemnizatórios;

- Do direito da Impugnante à restituição das quantias pagas na sequência da liquidação anulada pela douta Sentença recorrida;

e, subsidiariamente,

- Da anulação da liquidação com base em erro sobre os pressupostos na determinação dos “rendimentos relevantes” do Impugnante e consequente direito a juros indemnizatórios.

- Do direito da Impugnante a juros indemnizatórios;

XIV. Em primeiro lugar, conforme acima referido, o Tribunal Constitucional, por decisão transitada em julgado (nomeadamente proferida no presente processo), já julgou as normas do Anexo II da Portaria n.º 1473- B/2008, de 17 de dezembro, inconstitucionais, pelo que, mesmo considerando o douto Acórdão do STA de 02.02.2022, proferido no Proc. 0107/17.5BEFUN, citado e seguido na douta Sentença recorrida, presentemente, é inquestionável (maxime face a essa jurisprudência), que se verificam os pressupostos do art. 43.º/3/d) da LGT), na redação da Lei 9/2019, de 01.02, para serem devidos juros indemnizatórios à Impugnante, ora Recorrente – cfr. n.ºs 12 e segs. do texto das presentes Alegações;

XV. Com efeito, de acordo com aquele Acórdão STA de 02.02.2022 (e o de 12.10.2022, Proc. 01501/19.2BELR, que seguiu o decidido naquele Acórdão), apenas existiria o direito a juros, na sequência de decisão do Tribunal Constitucional, transitada em julgado, nomeadamente em fiscalização concreta, a julgar inconstitucionais as normas desaplicadas – cfr. n.ºs 12 e segs. do texto das presentes Alegações;

XVI. Ora, no caso em apreço, já se verifica essa situação, face ao Acórdão do Tribunal Constitucional de 28.09.2023, transitado em julgado, proferido no presente processo (fls. 4999 do Sitaf), para além de várias outras decisões no mesmo sentido do Tribunal Constitucional, transitadas em julgado (cfr., a título indicativo, entre outras decisões do Tribunal Constitucional, certidões adiante juntas como Docs. 1 e 2) – cfr. n.ºs 12 e segs. do texto das presentes Alegações;

XVII. Em segundo lugar, sem prejuízo do acima exposto já determinar o direito ao pagamento dos juros, quando foi proferida a douta Sentença recorrida já a Impugnada deveria ter sido condenada nos juros, face ao que se dispõe no art. 43.º/3/d) da LGT, mesmo antes de existir decisão do Tribunal Constitucional transitada em julgado,– cfr. n.º 14 do texto das presentes Alegações;

XVIII. Neste sentido, Acórdão STA de 13.01.2021, proferido no Proc. 0735/19.4BEBRG, disponível em www.dgsi.pt, proferida em situação idêntica à acima referida e Acórdãos do TCA Sul, também proferidos em situações em que ainda não existia decisão do Tribunal Constitucional, e em que se sublinhou que, “com a alteração feita ao art.º 43.º da Lei Geral Tributária (LGT), pela Lei n.º 9/2019, de 01 de fevereiro”, a verificação da inconstitucionalidade “passou a sustentar o direito ao pagamento a juros indemnizatórios” – cfr., entre outros, Acórdão de 24.11.2022 (Proc. 966/12.8BELRS), de 24.11.2022 (Proc. 968/12.4BELRS), de 19.11.2023 (Proc. 567/13.3BELRS), de 20.04.2023 (Proc. 645/11.3BELRS) e de 04.05.2023 (Proc. 967/12.6BELRS) – cfr. n.º 14 e segs. do texto das presentes Alegações;

XIX. No mesmo sentido, douta Sentença de 28.04.2023, proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa no Proc. 830/14.6BELRS, em processo idêntico ao presente, adiante junta como Doc. 4 (por não se encontrar disponível na dgsi), que transcrevemos no n.º 15 supra, pelo detalhe na apreciação da questão - que aqui seguimos integralmente -, e inegável acerto da mesma – cfr. n.ºs 15 e segs. do texto das presentes Alegações;

XX. Com efeito, não obstante o direito aos juros indemnizatórios resultar diretamente do atual art. 43.º/3/d) da LGT, como decidido naqueles Acórdãos do TCA Sul e STA Proc. 0735/19.4BEBRG, também acima referidos, a análise efetuada nessa douta Sentença adiante junta como Doc. 4, proferida no Proc. 830/14.6BELRS (nomeadamente, também, na forma como rebate os fundamentos do Acórdão STA proferido no Proc. 0107/17.5BEFUN), não deixa dúvidas quanto a dever ser proferida decisão de condenação nos juros indemnizatórios, mesmo antes de decisão do Tribunal Constitucional (que aqui já existe) – cfr. n.ºs 15 e segs. do texto das presentes Alegações;

XXI. Não se invoque que a desaplicação de uma norma (no caso das normas da Portaria) não corresponde a decisão que “declare ou julgue a inconstitucionalidade”, pois, por um lado, as normas são desaplicadas porque são julgadas (ou consideradas) inconstitucionais, e, por outro lado, não cabe à jurisdição constitucional condenar em juros num processo concreto, pelo que, com o devido respeito, a adotar-se o entendimento da douta Sentença recorrida, nunca aquela norma a determinar que são devidos juros seria aplicável, pelo que trata-se de interpretação que, além de não corresponder à letra da lei, não poderia ser seguida (cfr. art. 9.º/1 e 3 do C. Civil) – cfr. n.ºs 15 e segs. do texto das presentes Alegações;

XXII. Aliás, como bem notado na douta Sentença acima transcrita e adiante junta como Doc. 4 (proferida no Proc. 830/14.6BELRS), o art. 43.º/3/d) da LGT ao fazer referência a decisão judicial que, além de declarar ou julgar a inconstitucionalidade, “determine a respetiva devolução” (da prestação tributária), não deixa dúvidas que não se referia a decisões do Tribunal Constitucional, pois estas “nunca determinam a devolução da prestação tributária, porquanto o Tribunal Constitucional julga ou faz um juízo sobre a constitucionalidade da norma, e não de nenhuma liquidação tributária em concreto, pelo que esta expressão indica, de forma manifesta, que não eram as decisões do Tribunal Constitucional que o legislador tinha em mente” (v. Sentença acima transcrita) – cfr. n.ºs 15 e segs. do texto das presentes Alegações;

XXIII. De resto, note-se que, como acima referido, no presente processo, entretanto também já foi proferida decisão pelo Tribunal Constitucional, transitada em julgado, a declarar / julgar a inconstitucionalidade – cfr. n.ºs 13 e segs. do texto das presentes Alegações;

XXIV. Sem conceder, o art. 43.º/3/d) da LGT, naquela (errada) interpretação normativa de que não seriam devidos juros nos casos em que a decisão de inconstitucionalidade não fosse do Tribunal Constitucional, sempre seria inconstitucional por violação do Estado de Direito (seria um enriquecimento do Estado à custa de um particular), consagrado no art. 2.º da CRP, tal como dos princípios da justiça e proporcionalidade, integrantes do Estado de Direito, do princípio da igualdade, consagrado no art. 13.º da CRP e da responsabilidade do Estado e das entidades públicas, prevista no art. 22.º da CRP – cfr. n.º 17 do texto das presentes Alegações;

XXV. Note-se, aliás, que está em causa uma Portaria que nem sequer é/foi objeto de promulgação, pelo que não era suscetível de fiscalização abstrata da constitucionalidade, nesse âmbito. Não pagar juros seria a forma (muito fácil) de o Estado, através de uma Portaria inconstitucional, enriquecer à custa dos particulares, além de inclusive se prejudicar quem recorreu a Tribunal para obter a decisão de inconstitucionalidade, dado que, quem não o fizesse, mas depois da decisão do Tribunal Constitucional (nesse outro processo intentado por 3.º), adota-se a via da reclamação graciosa/revisão, eventualmente seguida de impugnação judicial, baseada naquela decisão do Tribunal Constitucional, já teria direito aos juros – cfr. n.º 17 do texto das presentes Alegações;

XXVI. Naquele sentido, do enriquecimento ilegítimo do Estado, na Exposição de Motivos do Projeto de Lei nº 835/XIII/3ª, que deu origem ao art. 43.º/3/d) da LGT, citada no Acórdão do STA de 12.10.2022 (Proc. 01501/19.2BELR), acima transcrito, disponível na página na internet da Assembleia da República e adiante junta como Doc. 5, refere-se que, mantendo-se a recusa de pagar juros quando a anulação da liquidação se baseia em inconstitucionalidade “estaria encontrada para as entidades públicas uma forma de financiamento gratuita para elas, mas lesiva para os contribuintes. Caso não fossem devidos juros indemnizatórios, as entidades públicas poderiam lançar taxas ou outros tributos inconstitucionais ou ilegais, ficando tranquilamente a aproveitar a espera pela decisão judicial final e definitiva, jogando com o tempo que estes processos levam até à sua conclusão para devolver muito mais tarde – e sem juros – o respetivo montante aos contribuintes” (sombreados e sublinhados nossos)

XXVII. Note-se, ainda, que a declaração de nulidade ou anulação do ato implicar o desaparecimento de todos os seus efeitos “ex tunc”, tudo se passando como se o mesmo não tivesse sido praticado, sendo que tal determina, além do mais, a obrigação de reintegração completa da ordem jurídica violada de acordo com a teoria da reconstituição da situação atual hipotética, o que implica não só restituir tudo o que foi pago, mas também o pagamento dos juros, pois, se não pagasse juros à Impugnante, a anulação não produzirá efeitos “ex tunc”, pois manter-se-iam os rendimentos que a ANACOM entretanto auferiu com a liquidação ilegal do tributo em causa à Impugnante – cfr. n.º 18 do texto das presentes Alegações;

XXVIII. Conforme se encontra provado, a Impugnante pagou à ANACOM, em 02.01.2015, o montante de 7.425.049,87€, relativo à “taxa” anulada no presente processo, tendo, entretanto, a ANACOM devolvido 3.709€ e 118.688,12€, respetivamente, em 18.06.2015 e 27.07.2015 (n.ºs 10 e segs. dos factos provados), pelo que, devem ser pagos pela ANACOM os juros à taxa legal, vencidos e vincendos, calculados sobre a quantia 7.416.771,30€ desde a data do respetivo pagamento (02.01.2015), até 18.06.2015, sobre a quantia 7.413.062,30€, desde 19.06.2015 até 27.07.2015, sobre a quantia de 7.294.374,18€, desde 28.07.2015 até integral pagamento – cfr. n.º 19 do texto das presentes Alegações;

XXIX. Face ao exposto, a ora Recorrente tem direito ao pagamento de juros indemnizatórios, à taxa dos juros compensatórios, desde a data do pagamento do tributo impugnado à ANACOM até integral pagamento à Impugnante pela ANACOM, sem prejuízo da consideração, no cálculo dos juros, dos valores restituídos pela ANACOM na pendência do processo, acima referidos referidos (cfr. art. 61.º/5 do CPPT) – cfr. n.ºs 12 e segs. do texto das presentes Alegações –

Do direito da Impugnante à restituição das quantias pagas na sequência da liquidação anulada pela douta Sentença recorrida;

XXX. Conforme acima referido em sede de âmbito do Recurso, o presente Recurso abrange ainda, por mera cautela de patrocínio, a circunstância de na parte decisória da douta Sentença recorrida não se fazer referência à restituição do valor pago – cfr. n.ºs 19 e 20 do texto das presentes Alegações;

XXXI. Para além de tal poder ser configurado como omissão de pronúncia, pois tal restituição foi expressamente peticionada tanto na P.I. como nas Alegações que antecederam a douta Sentença recorrida, estando provado o pagamento do valor pago na sequência da liquidação impugnada (n.º 8 dos factos provados na douta Sentença recorrida), e tendo sido decidido anular essa liquidação, não há dúvidas de que o direito àquela restituição decorre diretamente do art. 100.º da LGT – cfr. n.ºs 19 e 20 do texto das presentes Alegações;

XXXII. Face ao exposto, além dos juros, deve a Impugnada ser condenada a restituir à Impugnante 7.294.374,18 € (7.416.771,30 € - 3.709,00 € - 118.688,12 €), correspondente ao à “taxa” liquidada, anulada, com trânsito em julgado, na sequência do Acórdão do Tribunal Constitucional proferido no presente processo, já se considerando naquele valor os valores anteriormente devolvidos pela ANACOM (v. n.ºs 10 e segs. dos factos provados) – cfr. n.ºs 19 e 20 do texto das presentes Alegações;

- Da anulação da liquidação com base em erro sobre os pressupostos na determinação dos “rendimentos relevantes” do Impugnante e consequente direito a juros indemnizatórios

XXXIII. Finalmente, a título subsidiário, considerando-se que a Impugnante não tem direito a juros em caso de decisão de inconstitucionalidade - o que não se concede minimamente, conforme resulta do acima exposto -, sempre deveria ter sido apreciado, face ao disposto no art. 124.º do CPPT, o vício do erro sobre os pressupostos, invocado nos arts. 62.º e segs. e 146.º e segs. da P.I. (cuja apreciação foi considerada prejudicada na douta Sentença recorrida), relativamente ao qual há muito não há dúvidas que gera direito aos juros, nos termos do art. 43.º/1 da LGT (cfr. Doutrina transcrita no n.º 4 supra) – cfr. n.ºs 23 e segs. do texto das presentes Alegações;

XXXIV. Tal vício decorre do facto de no cálculo da “taxa” em causa a ANACOM considerar a quase totalidade das receitas da Impugnante na sua atividade de oferta de conteúdos (televisão e vídeo), que nada tem que ver com o âmbito regulatório da ANACOM – cfr. n.ºs 23 e segs. do texto das presentes Alegações;

XXXV. No sentido da verificação do referido erro sobre os processos, vejam-se, nomeadamente, as doutas Sentenças juntas com as Alegações de 29.11.2022 (e a ora junta como Doc. 3), proferidas, em 29.09.2017, 03.05.2018, 03.05.2020, 11.05.2020, 10.02.2021 e em 22.12.2021, nos Processos que, respetivamente, sob os n.ºs 567/13.3BELRS, 645/11.3BELRS, 653/11.4BELRS, 968/12.4BELRS e 966/12.8BELRS4 , em processos totalmente idênticos ao presente, relativos à liquidação do mesmo tributo em outros anos (e/ou a outras sociedades do Grupo da Impugnante) – cfr. n.ºs 23 e segs. do texto das presentes Alegações;

XXXVI. Com efeito, verifica-se que o ato de liquidação sub judice enferma de erro no que respeita à determinação dos “Rendimentos Relevantes” da N… (anteriormente Z…e O…), o qual se reflete no montante do tributo liquidado – cfr. n.ºs 23 e segs. do texto das presentes Alegações;

XXXVII. No que respeita a esta ilegalidade cumpre referir que as receitas da assinatura do Serviço de Televisão por Subscrição (STS) e do “Video on Demand” (VoD), também identificado como Serviços Audiovisuais a Pedido (ambas consideradas na sua totalidade na liquidação do tributo em causa), remuneram, essencialmente, a disponibilização, pela N… aos seus clientes, de “pacotes” de canais de televisão e de filmes, um serviço que releva apenas para a atividade de oferta de conteúdos televisivos, pelo que nunca poderiam ser consideradas na sua globalidade como “Rendimentos Relevantes” no cálculo da “taxa” em causa – cfr. n.ºs 23 e segs. do texto das presentes Alegações;

XXXVIII. Conforme resulta dos n.º 1 e 3 do Anexo II da Portaria 1473-B/2008, não são (nem podem ser) considerados, “Rendimentos Relevantes”, para efeitos da liquidação da “Taxa Anual”, os rendimentos auferidos com outras atividades que não a de fornecedor de redes e serviços de comunicações eletrónicas, pois trata-se de um tributo que incide apenas sobre as redes e serviços de comunicações eletrónicas, excluindo-se, assim, as receitas/rendimentos relativos aos conteúdos difundidos, maxime os conteúdos do Serviço de Televisão por Subscrição (STS) e “Video on Demand” – cfr. n.ºs 23 e segs. do texto das presentes Alegações;

XXXIX. O mesmo resulta do art. 105.º/1/b) e 4 da LCE – cfr. n.ºs 23 e segs. do texto das presentes Alegações;

XL. Até porque “é necessário separar a regulação da transmissão, da regulação dos conteúdos”, não abrangendo (nem podendo abranger) aquela “os conteúdos dos serviços prestados através das redes de comunicações electrónicas recorrendo a serviços de comunicações electrónicas” (v. Considerando 5 da diretiva 2002/21/CE) – cfr. n.ºs 23 e segs. do texto das presentes Alegações;

XLI. Aliás, não cabe nas competências da ANACOM, mas sim da ERC, fiscalizar e/ou regular os conteúdos difundidos pela N…, no quadro da sua atividade de televisão por subscrição – cfr. n.ºs 23 e segs. do texto das presentes Alegações;

XLII. O ato de liquidação da “taxa” em análise deve, assim, ser anulado, também por violar os n.ºs 1 e 3 do Anexo II da Portaria 1473-B/2008, bem como o art. 105.º/1/b) e 4, da Lei 5/2004, ao considerar como “rendimentos relevantes”, sobre os quais a ANACOM fez incidir a “percentagem contributiva”, a totalidade das receitas da N... provenientes da assinatura do Serviço de Televisão por Subscrição (STS) ou “Atividade de Televisão/Operador de Distribuição” e do “Video on Demand” ou “Serviços Audiovisuais a Pedido” – cfr. texto das presentes Alegações n.ºs 17 e segs. – cfr. n.ºs 23 e segs. do texto das presentes Alegações;

XLIII. No mesmo sentido, vejam-se as doutas Sentenças acima referidas na Conclusão XXXV e o referido no Parecer da Exma. Professora Doutora Ana Paula Dourado junto com a P.I. – cfr. n.ºs 23 e segs. do texto das presentes Alegações;

XLIV. O cômputo pela ANACOM da totalidade das receitas da N... na assinatura do Serviço de Televisão por Subscrição, determina ainda a existência de uma dupla tributação, pois a ANACOM está a tributar atividades que são alheias ao seu objeto regulatório e que são tributadas pela Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) – cfr. n.ºs 23 e segs. do texto das presentes Alegações;

XLV. Com efeito, a N… está sujeita à “regulação e supervisão” da ERC que cobra as respetivas “taxas de regulação e supervisão”, conforme se pode verificar pelo documento junto com a P.I. como Doc. 8 (cfr. art. 6.º dos Estatutos da ERC, aprovados pela lei 53/2005; arts. 4.º/1 e 5.º/1 e 5 do DL 103/2006 e art. 2.º/1/e) da Lei 27/2007) – cfr. texto das presentes Alegações n.ºs 17 e segs. – cfr. n.ºs 23 e segs. do texto das presentes Alegações;

XLVI. Nada impede que um mesmo operador seja regulado por dois reguladores, mas por atividades distintas, sendo que, quando a ANACOM faz incidir a respetiva “taxa contributiva” sobre a totalidade das receitas da N… provenientes da assinatura do Serviço de Televisão por Subscrição (STS) e do “Video on Demand”, está a tributar atividades que não regula (conteúdos televisivos) e a determinar que exista uma dupla tributação, dado que essa atividade é tributada pela ERC – cfr. texto das presentes Alegações n.ºs 17 e segs. – cfr. n.ºs 23 e segs. do texto das presentes Alegações;

XLVII. Deve assim ser anulado o ato de liquidação sub judice, também por ter incidido sobre a totalidade das referidas receitas da N…, o que, além violar o disposto nos n.ºs 1 e 3 do Anexo II da Portaria 1473- B/2008, bem como o art. 105.º/1/b) e 4, da Lei 5/2004, determina a existência de dupla tributação – cfr. n.ºs 23 e segs. do texto das presentes Alegações;

XLVIII. Nos termos do art. 43.º/1 da LGT, esse erro sempre determinaria o direito da Impugnante receber juros indemnizatórios, conforme decidido nas doutas Sentenças referidas na Conclusão

XXXV, em processos idênticos ao presente – cfr. n.ºs 23 e segs. do texto das presentes Alegações;

XLIX. Finalmente, pelos motivos acima referidos (valor extremamente elevado do remanescente da taxa de justiça e reduzida complexidade do recurso), encontram-se preenchidos os pressupostos do art. 6.º/7 do RCP, para a dispensa do pagamento de remanescente da taxa de justiça, o que se requer por cautela de patrocínio – cfr. n.ºs 43 e segs. do texto das presentes Alegações;

Termos em que, com o douto suprimento de V. Exas.,

a) deve o presente recurso ser julgado procedente, revogando-se a douta Sentença recorrida na parte em que julgou improcedente o pedido de juros indemnizatórios, condenando-se a ANACOM a restituir à Impugnante a quantia de 7.416.771,30€ (3.847.663,92€ +3.569.107,38€), acrescida de juros à taxa legal, vencidos e vincendos, calculados sobre a quantia 7.416.771,30€ desde a data do respetivo pagamento (02.01.2015), até 18.06.2015, sobre a quantia 7.413.062,30€, desde 19.06.2015 até 27.07.2015, sobre a quantia de 7.294.374,18€, desde 28.07.2015 até integral pagamento,

Subsidiariamente (nos termos do art. 124.º CPPT – cfr. Doutrina transcrita no n.º 4 supra), no caso de se considerar que a Impugnante não tem direito a juros em caso de decisão de anulação com base em inconstitucionalidade - o que não se concede minimamente, conforme resulta do acima exposto e do art. 43.º/3/d) da LGT -,

b) deve ser julgado procedente o vício do erro sobre os pressupostos na determinação dos “rendimentos relevantes” da Impugnante, para efeitos de cálculo da “taxa” em causa, invocado nos arts. 64.º e segs. e 139.º e segs. da P.I. (cuja apreciação foi considerada prejudicada na douta Sentença recorrida), e, consequentemente, condenada a ANACOM a restituir à Impugnante a quantia de 7.416.771,30€ (3.847.663,92€ +3.569.107,38€), acrescida de juros à taxa legal, vencidos e vincendos, calculados sobre a quantia 7.416.771,30€, desde a data do respetivo pagamento (02.01.2015), até 18.06.2015, sobre a quantia 7.413.062,30€, desde 19.06.2015 até 27.07.2015, sobre a quantia de 7.294.374,18€, desde 28.07.2015 até integral pagamento, Como é de Lei e de Justiça! Mais se requer, por mera cautela de patrocínio, dispensa do remanescente da taxa de justiça, com os fundamentos acima expostos”.

A Autoridade Nacional de Comunicações (doravante Recorrente ou ANACOM) apresentou contra-alegações, nas quais formulou as seguintes conclusões:

“Quanto à execução integral da sentença, incluindo o pagamento de juros indemnizatórios

1.ª A questão dos juros indemnizatórios, tal como a questão da reconstituição da situação que existia antes da liquidação anulada judicialmente, coloca-se em sede de execução de sentença, entendendo a doutrina e a jurisprudência que (i) os juros indemnizatórios não têm que ser pedidos pelo contribuinte e que (ii) a sentença não tem que condenar a Administração no pagamento dos juros indemnizatórios porque os mesmos se encontram compreendidos na obrigação de reconstituição da situação atual hipotética, emergente do dever de executar a sentença (cf. artigo 100.º, n.º 1 da LGT);

2.ª A ANACOM notificou a N… C…, em 21 de dezembro de 2023, de que pretendia dar execução à sentença proferida no processo n.º 1179/15.2BELRS, quer quanto ao valor de €7.294.374,18,18 correspondente à liquidação, quer quanto aos juros indemnizatórios, tendo remetido, juntamente com esse ofício, a nota de crédito n.º NC 72/000136, de 20 de dezembro de 2023 no valor de €7.294.374,18 e nota demonstrativa do cálculo dos juros indemnizatórios, no valor de €2.616.691,02;

3.ª No referido ofício, a ANACOM informou a N… C… de que, tendo em vista dar cumprimento à referida sentença, iria proceder à transferência do montante de €7.294.374,18, correspondente ao valor da liquidação anulada judicialmente, e do montante de €2.616.691,02, correspondente aos juros indemnizatórios, ficando, deste modo, reconstituída a situação anterior à liquidação anulada pelo Tribunal;

4.ª O pagamento das referidas quantias ocorreu a 27 de dezembro de 2023;

Quanto ao âmbito do recurso

5.ª Sendo a reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido praticado o ato ilegal uma obrigação que se coloca em sede de execução de sentença (artigo 100.º, n.º 1 da LGT), não existia qualquer dever legal de condenar a ANACOM no cumprimento do dever genérico de executar uma sentença favorável ao contribuinte, pelo que não existe qualquer omissão de pronúncia;

6.ª Além disso, não se verifica qualquer omissão de pronúncia, na medida em que a sentença recorrida se pronunciou expressamente sobre os dois pedidos da Impugnante formulados a título principal na petição inicial (a anulação do ato de liquidação impugnado e os juros indemnizatórios), tendo julgado procedente o pedido de anulação da liquidação e julgado improcedente o pedido de pagamento de juros indemnizatórios;

7.ª Também não se verifica qualquer erro de julgamento porque a questão da reconstituição da situação que existia antes da liquidação anulada judicialmente coloca-se em sede de execução de sentença, não tendo o Tribunal que condenar a Administração Tributária na obrigação de reconstituição da situação atual hipotética, emergente do dever de executar a sentença (cf. artigo 100.º, n.º 1 da LGT);

8.ª Na parte em que parece pretender que o Tribunal ad quem altere a sentença recorrida quanto à matéria de facto, a Recorrente comete um manifesto erro processual, na medida em que não são suscetíveis de impugnação, através de recurso, matérias que não foram apreciadas na sentença recorrida;

9.ª Os fundamentos/vícios que invocou em sede de impugnação judicial, como é o caso do alegado «erro sobre os pressupostos na determinação dos “rendimentos relevantes”», cuja apreciação ficou prejudicada pela solução adotada na sentença recorrida, não foram objeto de apreciação pelo Tribunal a quo, pelo que só por via do conhecimento em substituição poderiam ser apreciadas pelo Tribunal ad quem;

10.ª Para que pudesse haver conhecimento em substituição, seria necessário que o Tribunal ad quem alterasse a sentença recorrida, em termos de ser obrigado a conhecer as questões consideradas prejudicadas pela solução dada ao caso;

11.ª No caso em apreço, a Recorrente não questiona a solução dada ao caso, pelo que não se vê em que condições poderia o Tribunal ad quem conhecer em substituição, tanto mais quando a questão de (in)constitucionalidade se encontra definitivamente decidida pelo Tribunal Constitucional, constituindo caso julgado nos presentes autos;

12.ª Termos em que se considera inadmissível a parte do recurso em que a Recorrente pretende alterar a decisão tomada pela sentença recorrida quanto à matéria de facto, de modo a provocar uma apreciação, em substituição, de um dos vícios que invocou em sede de impugnação judicial e que não foram apreciados pela sentença recorrida;

Quanto aos fundamentos do recurso

13.ª De acordo com a jurisprudência do Acórdão do STA de 02.02.2022, proferido no processo n.º 0107/17.5BEFUN, a alínea d) do n.º 3 do artigo 43.º da LGT, aditada pela Lei n.º 9/2019, apenas tem aplicação nos casos em que o segmento normativo que serve de incidência à tributação tenha sido julgado inconstitucional pelo Tribunal Constitucional;

14.ª Isto quer dizer que antes de haver uma pronúncia do Tribunal Constitucional não se encontram preenchidos os pressupostos de aplicação da alínea d) do n.º 3 do artigo 43.º da LGT;

15.ª Em todos os casos em que o STA considerou aplicável a alínea d) do n.º 3 do artigo 43.º da LGT, aditada pela Lei n.º 9/2019, tinha ocorrido uma pronúncia do Tribunal Constitucional:

− Foi o caso da Taxa SIRCA, decidido no Acórdão do STA de 13.01.2021, processo n.º 0735/19.4BEBRG, objeto de pronúncia pelo Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 344/2019, tirado em Plenário de 4 de junho de 2019, pela Decisão Sumária do Tribunal Constitucional n.º 461/2019, de 17 de junho de 2019 e pelo Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 364/2019, de 19 de junho de 2019 (entre outros); e

− Foi o caso da Taxa Municipal de Proteção Civil de Lisboa, decidido, entre outros, nos Acórdãos do STA de 23.10.2019, processo n.º 01974/16.5BELRS e de 19.02.2020, processo n.º 02286/17.2BELRS, objeto de declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral pelo Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 848/2017, de 13 de dezembro de 2017;

16.ª Decorre dos trabalhos preparatórios da Lei n.º 9/2019, que a alínea d) do n.º 3 do artigo 43.º da LGT, apenas tem aplicação, sempre que o Tribunal Constitucional venha a confirmar, em sede de fiscalização concreta ou sucessiva, a inconstitucionalidade da norma que suporta a liquidação;

17.ª Tal nada tem que ver com o acerto ou desacerto da sentença recorrida, pois esta foi proferida sem que existisse, naturalmente, qualquer pronúncia do Tribunal Constitucional, sendo, por isso, aplicável a jurisprudência emergente do Acórdão do STA de 02.02.2022, proferido no processo n.º 0107/17.5BEFUN e do Acórdão do STA de 12.10.2022, proferido no processo n.º 01501/19.2BELRS;

18.ª O presente recurso assenta num equívoco quanto aos pressupostos de aplicação da alínea d) do n.º 3 do artigo 43.º da LGT, aditada pela Lei n.º 9/2019, a qual não podia ter sido aplicada pelo Tribunal a quo, na medida em que as normas em que se baseou a liquidação não tinham sido julgadas inconstitucionais pelo Tribunal Constitucional;

19.ª Termos em que se mostra forçoso concluir que a sentença recorrida não violou o disposto na alínea d) do n.º 3 do artigo 43.º da LGT, aditada pela Lei n.º 9/2019;

20.ª A referência à questão dos juros indemnizatórios constante dos Acórdãos do TCA Sul referidos nos nºs 14 e 16 da alegação recursiva e nas conclusões XVIII e XX, não equivale a uma condenação da ANACOM no pagamento de juros indemnizatórios e constitui, na economia dos referidos Acórdãos, um mero obiter dictum, sem qualquer influência na apreciação dos recursos;

21.ª A generalização do direito a juros indemnizatórios, sem qualquer pronúncia do Tribunal Constitucional, equivaleria a alargar um instituto desenhado para o ressarcimento do contribuinte, em situações de pagamento indevido de prestações tributárias, devido à violação de normas fiscais substantivas, a todos e quaisquer casos de desaplicação de normas com fundamento em inconstitucionalidade, sem qualquer pronúncia do Tribunal Constitucional, sendo certo que nada impede o contribuinte lesado de aceder aos meios normais de tutela, fundados em responsabilidade civil extracontratual do Estado;

22.ª Não assiste razão ao Tribunal Tributário de Lisboa quando vem pôr em causa no processo n.º 830/14.6BELRS a jurisprudência constante do Acórdão do STA de 02.02.2022, proferido no processo n.º 0107/17.5BEFUN;

23.ª Não é errada uma interpretação da alínea d) do n.º 3 do artigo 43.º da LGT, no sentido de que não são devidos juros indemnizatórios nos casos em que a decisão de inconstitucionalidade não seja do Tribunal Constitucional;

24.ª Tal interpretação não é inconstitucional por violação do princípio do Estado de Direito, do princípio da igualdade e da responsabilidade civil do Estado e demais entidades públicas, na medida em que nada impede o contribuinte de promover a efetivação da responsabilidade civil do Estado através da competente ação judicial;

25.ª Está subjacente aos juros indemnizatórios uma presunção de danos, sendo eles uma forma rápida e simples de o contribuinte lesado ver reparado um dano provocado por um ato ilegal de uma entidade pública;

26.ª Todavia, essa reparação é assegurada substancialmente pelo regime geral da responsabilidade civil do Estado e demais entidades públicas, pelo que a interpretação da alínea d) do n.º 3 do artigo 43.º da LGT, no sentido de que não seriam devidos juros indemnizatórios nos casos em que a decisão de inconstitucionalidade não fosse do Tribunal Constitucional, não é inconstitucional e não implica qualquer enriquecimento do Estado à custa de um particular, na medida em que os juros indemnizatórios são uma mera forma de liquidação antecipada de danos, baseada em presunções, e que nada impede o contribuinte de promover a efetivação da responsabilidade civil do Estado através da competente ação judicial;

27.ª Tudo visto e ponderado, é forçoso concluir que a sentença recorrida não violou a alínea d) do n.º 3 do artigo 43.º da LGT, devendo ser mantida com a fundamentação emergente do Acórdão do STA de 02.02.2022, proferido no processo n.º 0107/17.5BEFUN e reiterada pelo Acórdão do STA de 12.10.2022, proferido no processo n.º 01501/19.2BELRS;

Quanto ao julgamento em substituição

28.ª Na medida em que a N… C… resolveu avançar com alegações complementares, quer quanto à matéria de facto, quer quanto à matéria de direito, sem esperar pela verificação dos pressupostos de que depende o conhecimento em substituição (artigo 665.º, nºs 1 e 2 do CPC) e pela notificação prevista no artigo 665.º, n.º 3 do CPC, a ANACOM pronuncia-se por cautela de patrocínio e sem prejuízo da apresentação de alegações complementares, caso o Tribunal ad quem venha a considerar que se encontram preenchidos os pressupostos do conhecimento em substituição;

29.ª A sentença recorrida não violou o disposto no artigo 124.º do CPPT;

30.ª Uma eventual anulação da liquidação com base em erro sobre os pressupostos na determinação dos “rendimentos relevantes” nunca corresponderia a uma anulação integral da liquidação, como viria a suceder por força do juízo de inconstitucionalidade, mas a uma anulação parcial, importando apenas a correção dos rendimentos relevantes da Impugnante, de modo a deles excluir as parcelas relativas às alegadas atividades de televisão /operador de distribuição;

31.ª A tutela oferecida pelo juízo de inconstitucionalidade confere o mesmo grau de satisfação ou um grau de satisfação superior dos interesses alegadamente ofendidos;

32.ª Não se aceita a modificação da sentença recorrida quanto à matéria de facto, nos termos constantes do n.º 79 das presentes alegações;

33.ª O núcleo essencial dos serviços prestados pela Impugnante não está na oferta de conteúdos ou na atividade de produção de conteúdos, mas apenas e tão só na disponibilização de serviços de comunicações eletrónicas;

34.ª A Impugnante limita-se a disponibilizar ao público, através da sua rede de comunicações eletrónicas, programas de televisão, da mesma forma que disponibiliza o sinal da internet ou as comunicações por voz;

35.ª A Impugnante apenas está sujeita à supervisão e intervenção da ERC por disponibilizar ao público, através de redes de comunicações eletrónicas, serviços de programas de televisão, na medida em que lhe cabe decidir sobre a sua seleção e agregação (cf. artigo 6.º, alínea d) da Lei n.º 53/2005, de 8 de novembro);

36.ª E é nessa estrita medida que paga a taxa de regulação e supervisão prevista no artigo 50.º, alínea b) da Lei n.º 53/2005, regulamentada pelo Decreto-Lei n.º 103/2006, de 7 de junho;

37.ª Para poder desenvolver a sua atividade de oferta de redes e serviços de comunicações eletrónicas, a Impugnante beneficia da regulação económica exercida pela ANACOM, nomeadamente quando esta institui ofertas grossistas reguladas e garante o funcionamento de mercado em condições de concorrência;

38.ª Não se pode confundir a venda de conteúdos através da internet com a prestação de um serviço de comunicações eletrónicas que, no caso da N… C…, consiste na disponibilização agregada do acesso à internet, do serviço telefónico e do STS, a que juntou o serviço móvel após a fusão da Z… Cabo Portugal com a O…;

39.ª A circunstância de a Impugnante se encontrar a coberto da regulação e supervisão da ERC – na estrita medida em que lhe cabe decidir sobre a seleção e agregação de programas de rádio ou de televisão – em nada afeta a circunstância de a mesma disponibilizar ao público serviços de programas de televisão através de uma rede de comunicações eletrónicas e de, por essa razão, se encontrar igualmente sujeita à supervisão regulação e fiscalização exercida pela ANACOM;

40.ª As receitas provenientes do (i) serviço de televisão por subscrição, (ii) do aluguer de STB e de (iii) instalações, ativações e outros serviços do STS, correspondem a atividades de fornecimento de redes e serviços de comunicações eletrónicas – subordinadas ao pagamento da correspondente taxa anual – e não à oferta de conteúdos ou a atividades de conteúdos, as quais estão completamente fora do âmbito de atuação da Impugnante;

41.ª É este o modelo adotado na LCE 2004 e na Portaria n.º 1473-B/2008, na decorrência da Diretiva Quadro, tal como resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça proferida nos casos UPC Nederland BV c. Gemeente Hilversum (acórdão de 7 de novembro de 2013, processo n.º C-518/11) e UPC DTH c Nemzeti Média (acórdão de 30 de abril de 2014, processo n.º C 475/12).

Termos em que, com o douto suprimento de V. Exas., que se pede e espera, deverá o presente recurso ser julgado totalmente improcedente, assim se fazendo JUSTIÇA!”.

O recurso foi admitido, com subida imediata nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.

Foram os autos com vista ao Ilustre Magistrado do Ministério Público, nos termos do art.º 288.º, n.º 1, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), que emitiu parecer, no sentido de ser concedido provimento ao recurso.

Colhidos os vistos legais (art.º 657.º, n.º 2, do CPC, ex vi art.º 281.º do CPPT), vem o processo à conferência.

São as seguintes as questões a decidir:

a) Verifica-se erro de julgamento, dado que assiste direito à Recorrente a juros indemnizatórios, quer por força do juízo de inconstitucionalidade, quer por força, subsidiariamente, do erro nos pressupostos na determinação dos “rendimentos relevantes”?

b) Há omissão de pronúncia ou erro no segmento decisório, por falta de menção ao direito da Impugnante à restituição das quantias pagas?

II. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

II.A. O Tribunal recorrido considerou provada a seguinte matéria de facto:

“1. A Impugnante exerce a atividade de fornecedor de redes e serviços de comunicações eletrónicas – cf. factos não controvertidos;

2. Por ofício datado de 2/06/2014 a ANACOM solicitou à Impugnante o seguinte: «De acordo com a Lei n.º 5/2004, de 10 de fevereiro, (…) e nos termos da Portaria n.º 1473-B/2008, de 17 de dezembro, na redação dada pela Portaria n.º 296-A/2013, de 2 de outubro, as taxas a aplicar pelo ICP-ANACOM são as seguintes: (…); b) Taxa anual devida pelo exercício da atividade de fornecedor de redes e serviços de comunicações eletrónicas (alínea b) do n.º 1 do artigo 105º da LCE; (…). Relativamente à taxa anual mencionada na alínea b), deverão V. Exas, nos termos do artigo 3º da Portaria n.º 1473-B/2008, (…) enviar-nos, até 30 de junho de 2014, declaração de acordo com o modelo que enviamos em anexo, onde será efetuado um apuramento dos rendimentos relevantes relacionados diretamente com o exercido da atividade de fornecedor de redes e serviços de comunicações eletrónicas no ano civil anterior. Deverão ser-nos remetidas as duas Declarações anexas, relativas à Z… Cabo Portugal, S.A e à O…- C…, S.A. (…). De salientar que o montante dos rendimentos relevantes a comunicar a esta Autoridade, deverá ser apresentado de forma fidedigna e rigorosa, uma vez que constitui a base para a determinação do escalão e um dos elementos a ter em conta para o posterior apuramento e liquidação da taxa, constituindo uma obrigação declarativa de natureza tributária. (…). Anexa-se, igualmente, uma Circular Interpretativa sobre a definição do conceito de " Rendimentos relevantes", no sentido de ajudar a esclarecer eventuais dúvidas sobre os valores a comunicar» - cf. ofício a págs. 1 e 2 do processo administrativo apenso;

3. Por carta datada de 30/06/2014, a Impugnante respondeu ao ofício identificado no ponto anterior indicando o montante global de rendimentos relevantes de €218.007.956,95, relativo à Z… Cabo Portugal, e de €629,467.881,00, referente à O…- cfr. resposta a págs. 28 a 35 do processo administrativo apenso;

4. Por deliberação de 24/07/2014 a ANACOM aprovou o cálculo do montante dos custos de regulação da actividade de fornecedor de redes e serviços de comunicações electrónicas acessíveis ao público respeitante às taxas a liquidar em 2014, de €27.953.316,00 e o lançamento de consulta à empresa B… & Associados, S… para a realização de auditoria aos fornecedores de redes e serviços de comunicações electrónicas de acesso ao público que, em 21013, apresentaram rendimentos relevantes mais significativos e aos operadores que registaram variações de valor mais elevado em 2013 – cf. deliberação e nota justificativa a págs. 41 a 47 do processo administrativo apenso;

5. Em 20/11/2014 foi aprovada a percentagem contributiva t2 de 0,5999% a aplicar aos rendimentos relevantes dos fornecedores de redes e serviços de comunicações electrónicas e a emissão da faturação das taxas devidas pelo exercício da actividade de fornecedores de redes e serviços de comunicações electrónicas tendo em conta as alterações dos rendimentos relevantes que resultam da auditoria efectuada pela empresa B… & Associados, S…– cf. deliberação e nota justificativa a págs. 125 a 127 do processo administrativo apenso;

6. Por ofício de 27/11/2014 a ANACOM comunicou à Impugnante que: «Assunto: Decisão final sobre (i) as conclusões da auditoria aos rendimentos relevantes de 2013, reportados ao ICP-ANACOM pelos fornecedores de redes e serviços de comunicações eletrónicas e (ii) liquidação da taxa anual a que se refere o artigo 105°, n.º 1, alínea b) da Lei das Comunicações Eletrónicas, relativa ao ano de 2014 (…) por deliberação de 20 de novembro de 2014, o Conselho de Administração do ICP-ANACOM aprovou: O relatório de audição prévia respeitante ao sentido provável de decisão comunicado em 31.10.2014 juntamente com o relatório de auditoria realizado pela B… & Associados, S…, Lda. aos rendimentos relevantes relativos ao exercício de 2013; ii) Os valores dos Rendimentos Relevantes relativos ao ano de 2013 de acordo com o mencionado relatório de auditoria; iii) A fixação do valor da percentagem contributiva t2 em 0,5999%, a aplicar na liquidação da taxa anual devida pelos fornecedores de redes e serviços de comunicações eletrónicas acessíveis ao público para o ano de 2014 e a sua publicitação no sítio do ICP-ANACOM na Internet; iv) Os valores da liquidação da taxa anual devida pelo exercício de atividade de fornecedor de redes e serviços de comunicações eletrónicas acessíveis ao público, a aplicar aos sujeitos passivos situados no escalão 2, em 2014. De conformidade, em anexo, remetemos a V. Exas. o relatório de audição prévia e a n/Nota de Liquidação/Fatura n.º F214000105, no valor de €7.425.049,87» - cf. ofício a págs. 140 do SITAF;

7. Em 27/11/2014 a ANACOM emitiu em nome da Impugnante Factura/Nota de Liquidação n.º F214000105 com o seguinte teor: «Período de Facturação: 2014; Discriminação do Serviço: Juros de Mora- Acertos Relativos a Juros Mora da Factura F2130CC131 Ref. O… C…: Valor: 3.937,31; Taxa Anual Actividade de Fornecedor Redes/Serviços: Comunicações eletrónicas Escalão 2 Período: 2014/01 a 2014/12; R - 641.334.218,00; t2 = 0,005999; Ref. O… C…; NOTA: t2 publicado em www.anacom.pt, área 'Atualidades' - Valor: 3.847.663,92; Juros Mora da Factura F213000129 Ref. Z… CABO Portugal – Valor: 3.522,44; juros Mora da Factura FATS000068 Ref. Z… CABO Portugal – Valor: 818,82; Data limite de pagamento: 2014/12/29; Valor a Pagar: €7.425.049,87; (…) Regras aplicáveis ao pagamento das taxas devidas ao ICP-ANACOM: (…); Específicas - A Portaria n.º 1473-B/2008, de 17 de dezembro, alterada e republicada pela Portaria n.º 296-A/2013, de 2 de outubro, (…) e alterada pela Portaria n." 378-D/2013, de 31 de dezembro, (…) estabelece o montante das taxas devidas ao ICP-ANACOM, nos seguintes termos: (…); Anexo II - Taxa anual devida pelo exercício da atividade de fornecedor de redes e serviços de comunicações eletrónicas Prevista na alínea b) do n.º 1 do artigo 105.º da Lei n.º 5/2004, de 10 de fevereiro e posteriores alterações. (…); Taxa Anual Atividade Fornecedor Redes/Serviços Comunicações eletrónicas Escalão 2 Período: 2014/01 a 2014/12; R = 534.950.3SS.00; t2 = 0,005393; Ref. Z… CABO Portugal (…) - Valor: 3.569.107,38» - cf. factura a págs. 168 a 170 do processo administrativo apenso;

8. Em 02/01/2015 a Impugnante pagou o valor de €7.425.049,87 relativo à liquidação referida no ponto anterior – comprovativo de pagamento a págs. 140 do SITAF;

9. A Impugnante apresentou a presente impugnação judicial em 07/04/2015 – cf. email a págs. 69 do SITAF;

10. Por ofício de 18/06/2015 a ANACOM comunicou à Impugnante o seguinte: «Assunto: Devolução de parte dos montantes pagos pelos operadores nos termos do n.º 5 do artigo 105.º da LCE, em virtude da liquidação adicional a um operador da taxa anual devida pela atividade de fornecedor de redes e serviços de comunicações eletrónicas relativa ao ano de 2014 - Por DE1392015CA, de 14 de maio, o Conselho de Administração aprovou a nova percentagem contributiva t2, na sequência da liquidação adicional, resultante do facto de um operador não ter apresentado os rendimentos relevantes atempadamente, com vista à liquidação da taxa anual devida pela atividade de fornecedor de redes e serviços de comunicações eletrónicas relativa ao ano de 2014. Neste contexto, foi aprovada a emissão de Notas de Crédito às restantes empresas, bem como a sua regularização. Pelo exposto, anexamos a nossa Nota de Crédito n.º C72000170, no valor de €3.709,00 bem como o nosso cheque n.º 534066 emitido sobre o BCP, para regularização da mesma.» - cf. cf. ofício a págs. 635 do SITAF;

11. Em 18/06/2015 a ANACOM emitiu em nome da Impugnante a nota de crédito n.º C72000170 com o seguinte teor: «Discriminação: Revisão liquidação taxa de 2014, fatura F214000105 (…); valor: 1.924,15; Revisão liquidação taxa de 2014, fatura F214000105 (…); valor: 1.784,85. Valor a pagar: 3.709,00» - cf. nota de crédito a págs. 635 do SITAF;

12. Em 18/06/2015 a ANACOM emitiu à ordem da Impugnante o cheque n.º 7753406650 no valor de €3.709,00 – cf. cheque a págs. 635 do SITAF;

13. Por ofício de 27/07/2015 a ANACOM comunicou à Impugnante o seguinte: «Assunto: Devolução de parte dos montantes pagos pelos operadores nos termos do n.º 5 do artigo 105º da LCE, em virtude da redução dos custos de regulação no ano 2014, por anulação de provisões - Por DE1512015CA, de 28 de maio, o Conselho de Administração aprovou o Relatório do Exercício de 2014 relativo aos custos administrativos e ao montante resultante da cobrança das taxas a que se referem as alíneas a) e d) do n.º 1 do artigo 105.° da Lei das Comunicações Eletrónicas. Pela mesma deliberação foi igualmente aprovada a devolução de parte dos montantes pagos pelos operadores, em virtude da redução dos custos de regulação nos anos de 2009, 2010, 2011, 2012 e 2013, por anulação de provisões. Com efeito, a anulação de provisões referente aos anos de 2009, 2010, 2011, 2012 e 2013, teve como consequência uma redução do valor global dos custos incorridos nesses exercícios e o recálculo do valor da taxa t2 nesses anos, conforme consta do supra referido Relatório que já se encontra publicado no sítio da ANACOM na Internet (…). Pela deliberação DE2072015CA, de 16 julho, e nos termos do n.º 5 do artigo 105.° da LCE, a redução de custos apurada no exercício de 2014, em virtude da anulação de provisões e do recálculo da taxa t2, determina, igualmente, a necessidade de se proceder à revisão do montante das taxas liquidadas no ano de 2014, e, consequentemente, a obrigação de se proceder à devolução dos montantes cobrados em excesso proporcionalmente aos rendimentos relevantes utilizados para o cálculo das taxas já liquidadas, pelo que, no caso da empresa de V. Exas., o valor a devolver é de € 118.688,12. Face ao que precede, anexamos a seguinte Nota de Crédito: C72000196 referente ao ano de 2014, no valor de €118.688,12 Para regularização da referida Nota de Crédito, anexamos, igualmente, o n/cheque n.º 534184, emitido sobre o BCP, no valor de €118.688,12.» - cf. ofício a págs. 629 do SITAF;

14. Em 27/07/2015 a ANACOM emitiu em nome da Impugnante a nota de crédito n.º C72000196 com o seguinte teor: «Discriminação: Revisão liquidação taxa de 2014, fatura F214000105 (…); valor: 61.572,88; Revisão liquidação taxa de 2014, fatura F214000105 (…); valor: 7.115.24. Valor a pagar: 118.688,12» - cf. nota de crédito a págs. 629 do SITAF;

15. Em 27/07/2015 a ANACOM emitiu à ordem da Impugnante o cheque n.º 7753418484 no valor de €118.688,12 – cf. cheque a págs. 629 do SITAF”.

II.B. Refere-se ainda na sentença recorrida:

“Nada mais se provou com interesse para a decisão da causa”.

II.C. Foi a seguinte a motivação da decisão quanto à matéria de facto:

“O Tribunal julgou provada a matéria de facto relevante para a decisão da causa com base na posição das partes e na análise crítica e conjugada dos documentos constantes dos autos e do processo administrativo apenso, conforme identificado nos factos provados”.

III. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

III.A. Do erro de julgamento, quanto aos juros indemnizatórios

Considera, desde logo, a Recorrente que o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento, porquanto a desaplicação das normas que sustentaram a emissão da liquidação impugnada, por inconstitucionalidade das mesmas, sustenta o direito a juros indemnizatórios, ao abrigo do art.º 43.º, n.º 3, al. d), da Lei Geral Tributária (LGT). Acrescenta que, ademais, in casu, o próprio Tribunal Constitucional já se pronunciou no sentido da inconstitucionalidade das normas que estiveram na origem da liquidação.

A Recorrente defende, pois, que a situação dos autos justifica, ao abrigo do mencionado inciso normativo, o direito a juros indemnizatórios, posição contra a qual a Recorrida se insurge, considerando que, apenas depois de haver uma pronúncia do Tribunal Constitucional, se encontram preenchidos os pressupostos da sua aplicação.

Desde logo se refira que carece que sustentação o alegado pela Recorrida, no sentido de que a questão dos juros indemnizatórios se coloca (apenas) na execução de sentença. Com efeito, pode colocar-se quer em sede de impugnação judicial, quer em sede de execução de sentença, sendo, aliás, o pedido na condenação no pagamento de juros indemnizatórios formulado em sede de impugnação (a par do pedido de condenação no pagamento de indemnização por prestação indevida de garantia) um exemplo de exceção, em termos de poderes condenatórios do Tribunal no âmbito da impugnação judicial, processo de cariz acima de tudo anulatório.

Por outro lado, é perfeitamente irrelevante o facto de o valor em causa já ter sido ou não pago – isto, sim, prende-se com a execução (voluntária) da sentença. O que é certo é que, ainda que a Anacom possa já ter pago o valor que reputou como relativo a juros indemnizatórios (e que, pelo teor das suas contra-alegações, considera não devido), não existe título que legitime, inequivocamente, a Impugnante a exigi-los, podendo, até, colocar-se a hipótese de lhe ser exigido o reembolso do valor pago. Logo, há toda a utilidade na apreciação do recurso.

Ultrapassados estes pontos prévios, apreciemos, então.

A questão do direito a juros indemnizatórios, quando a decisão de procedência de impugnação se sustente em desaplicação de norma, por inconstitucionalidade da mesma, atento o disposto no art.º 204.º da Constituição da República Portuguesa (CRP), foi objeto de controvérsia, sedimentando-se o entendimento de que a inconstitucionalidade de uma determinada norma (salvo nas situações de declaração da inconstitucionalidade com força obrigatória geral ou violação de normas constitucionais diretamente aplicáveis e vinculativas) não comportava para a administração a obrigação de pagamento de juros indemnizatórios (cfr., v.g., os Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo, de 21.01.2015 – Processos: 0703/14 e 0470/14; e de 04.03.2015 – Processo: 01529/14).

Com a Lei n.º 9/2019, de 1 de fevereiro, cujos trabalhos preparatórios revelam precisamente a necessidade de ser ultrapassada a limitação referida supra, o art.º 43.º da LGT foi alterado, passando do mesmo a constar o seguinte:

“3 - São também devidos juros indemnizatórios nas seguintes circunstâncias:

(…)

d) Em caso de decisão judicial transitada em julgado que declare ou julgue a inconstitucionalidade ou ilegalidade da norma legislativa ou regulamentar em que se fundou a liquidação da prestação tributária e que determine a respetiva devolução”.

Na origem deste diploma [Projeto de Lei n.º 835/XIII (3.ª)] esteve uma situação relativa às normas que sustentavam a liquidação de taxa municipal de proteção civil cobrada por alguns municípios, cuja inconstitucionalidade fora declarada pelo Tribunal Constitucional. A devolução do tributo aos contribuintes era feita em singelo, justamente atento o entendimento referido supra quanto ao direito a juros indemnizatórios nestes casos, sendo que toda a discussão, em sede de trabalhos parlamentares, foi feita com base nesta situação concreta.

A questão do direito a juros indemnizatórios e do alcance desta redação do art.º 43.º da LGT tem sido objeto apreciação pelos nossos tribunais superiores, não se podendo falar, até ao momento, na existência de uma posição unívoca.

Assim, podem, designadamente, ser sistematizados três entendimentos:

a) Um, no sentido de que o direito a juros indemnizatórios existe apenas quando haja, no concreto processo, uma decisão do Tribunal Constitucional;

b) Outro, no sentido de que tal direito existe, no caso em que haja já decisão ou decisões do Tribunal Constitucional, ainda que em processos similares;

c) Um outro, no sentido de que o referido direito existe quer nos casos em que haja uma decisão do Tribunal Constitucional, quer nos casos em que haja desaplicação de norma, designadamente, pelos tribunais da jurisdição administrativa e fiscal, nos termos do art.º 204.º da nossa lei fundamental.

Desde já se refira que acompanhamos esta última posição, sendo certo que o caso dos autos se enquadra em qualquer uma das três hipóteses interpretativas que sistematizamos.

A tal inexistência de uma posição unívoca da jurisprudência resulta, desde logo, espelhada no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 12.10.2022 (Processo: 01501/19.2BELRS), onde se sistematizou, como questão a decidir, a “de saber se, para a respetiva operância, somente, releva a inconstitucionalidade ou ilegalidade, de norma legislativa ou regulamentar, declarada pelo TC, ou, também, valem decisões dos tribunais (em particular, tributários) que, no cumprimento da obrigação positivada no art. 204.º da CRP (…), não apliquem, casuisticamente, normas que julguem, considerem, inconstitucionais”.

A tese que fez vencimento neste aresto, por maioria, foi a de que “[o] legislador, na Lei n.º 9/2019 de 1 de fevereiro, (…) deu um sinal claro de que teve o propósito de pretender conferir eficácia geradora, do direito a juros indemnizatórios, apenas, às declarações de inconstitucionalidade (ou ilegalidade) com origem no TC”.

No caso em análise neste aresto do Supremo Tribunal Administrativo fora desaplicada a norma, pela 1.ª instância, por inconstitucionalidade, não tendo sido, da referida sentença, interposto recurso para o Tribunal Constitucional, apesar do disposto no art.º 72.º, n.º 3, da Lei Orgânica do Tribunal Constitucional (LOTC) – recurso que, refira-se apenas a título complementar, veio a ser interposto do próprio Acórdão do STA, dando origem ao recente Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 107/2024 de 14.02.2024, no qual as normas em causa no mesmo foram julgadas inconstitucionais.

Assim, no mencionado aresto do Supremo Tribunal Administrativo concluiu-se, então, após análise dos já mencionados trabalhos parlamentares, que: “Assim sendo, na medida em que o tribunal recorrido decidiu “desaplicar (por inconstitucionalidade orgânica e formal) a norma aditada pelo artigo 16.º, n.º 2 do Decreto-Legislativo Regional n.º 2/2011/M ao regime da derrama regional” e, consequentemente, concluir “pela ilegalidade da autoliquidação da derrama regional efetuada pela sociedade A……… Ibéria, Lda., relativa ao período de tributação de 2013, no montante de € 286.484,55, determinando-se a respetiva anulação e o reembolso do montante pago a esse título à Impugnante”, não se encontram reunidas as condições, legais, para que tal montante seja acrescido do pagamento de juros indemnizatórios”, justamente pela inexistência de uma decisão do Tribunal Constitucional.

Como referimos, este Acórdão foi aprovado por maioria, extraindo-se, do voto vencido formulado pelo relator originário, o seguinte:

“Vencido, enquanto relator originário, no que tange ao recurso interposto pela, impugnante, A….., S.L.U., …, porque entendi que:

- para operar o disposto no art. 43.º n.º 3 al. d) da LGT, releva a inconstitucionalidade (ou ilegalidade), de norma legislativa ou regulamentar, declarada pelo TC ou decisões dos tribunais (em particular, tributários) que, no cumprimento da obrigação positivada no art. 204.º da CRP, não apliquem, casuisticamente, normas que julguem inconstitucionais;

- quanto à situação julganda, nada obstacula o funcionamento, na plenitude, da previsão do art. 61.º n.º 5 do CPPT, pelo que, os disputados juros indemnizatórios são devidos desde o dia 20 de junho de 2014 (data do pagamento da derrama regional, referente ao exercício de 2013 – cf. al. D) dos factos provados).

Consequentemente, concederia provimento a este recurso, com as inerentes implicações”.

Mais recentemente, o Supremo Tribunal Administrativo, em Acórdão de 10.04.2024 (Processo: 0845/17.2BELRS), em situação muito similar à presente e na qual houve desaplicação de norma pela 1.ª instância, por inconstitucionalidade, sem que tenha havido recurso para o Tribunal Constitucional, referiu:

“[A]inda que se retire do exposto (…) que a norma em apreço exige que exista uma decisão do Tribunal Constitucional que julgue a inconstitucionalidade ou ilegalidade da norma legislativa ou regulamentar em que se fundou a liquidação da prestação tributária, não se retira da mesma a exigência de uma declaração com força obrigatória geral (…) e, muito menos, uma pronúncia do Tribunal Constitucional no caso concreto, até porque (…) nem a ANACOM, ora Recorrente, nem o Ministério Público, apresentaram recurso de constitucionalidade, tendo em conta a consolidação da jurisprudência do Tribunal Constitucional em torno da inconstitucionalidade dos n.ºs 1, 2, 4 e 5 do Anexo II da Portaria n.º 1473-B/2008, de 17-12, na redacção vigente à data da liquidação das respectivas taxas (…), o que repugna ao simples bom senso, dado que, tendo sido reconhecida a bondade da pretensão da ali Impugnante pelos motivos já”.

Saliente-se que, neste aresto, foi lavrada declaração de voto, no sentido de, para efeitos da aplicação do regime em análise, ser suficiente a desaplicação da norma com fundamento na sua inconstitucionalidade.

Em sentido convergente com o do já referido voto vencido e desta declaração de voto, chama-se à colação o Acórdão deste TCAS de 24.01.2024 (Processo: 905/10.0BELRS), atinente a situação idêntica à ora em discussão, onde se refere:

“[S]e bem interpretamos, referindo a norma do art.º 43.º, n.º3 alínea d), da LGT, «…decisão judicial transitada em julgado que declare ou julgue a inconstitucionalidade ou ilegalidade da norma legislativa ou regulamentar em que se fundou a liquidação da prestação tributária…», não permite restringir o seu campo de aplicação ao juízo de inconstitucionalidade efectuado pelo Tribunal Constitucional, abrangendo antes todas as decisões judiciais, nelas se incluindo a dos tribunais tributários, em que tal juízo seja feito a título concreto incidental, com efeitos inter partes, nos termos do art.º 204.º da CRP, que foi o caso.

Em face dos preceitos legais transcritos, é hoje inquestionável que, em caso de decisão judicial transitada em julgado que declare ou julgue a inconstitucionalidade ou ilegalidade da norma legislativa ou regulamentar em que se fundou a liquidação da prestação tributária e que determine a respectiva devolução, são devidos juros indemnizatórios”.

Também consideramos que a interpretação do art.º 43.º, n.º 3, al. d), da LGT deve ser no sentido de abranger as situações em que há desaplicação de normas, por inconstitucionalidade das mesmas.

É certo que a letra da lei (refletindo até a discussão da respetiva proposta e a situação particular que esteve na sua origem) faz menção a decisões que declarem ou julguem a inconstitucionalidade de norma, sendo que a competência exclusiva para tal cabe ao Tribunal Constitucional [cfr. os art.ºs 223.º, n.º 1 e 277.º e ss. da Constituição da República Portuguesa e art.ºs 6.º e 69.º e ss. (para processos de fiscalização concreta, em causa nos presentes autos) da LOTC)].

Mas é igualmente certo que a letra da lei faz menção a que a decisão “determine a (…) devolução [da prestação tributária]” [cfr. parte final da alínea d)].

Ora, não só o Tribunal Constitucional não tem o poder de condenar a administração tributária no pagamento de juros indemnizatórios, como também não tem o de determinar a devolução do tributo, sendo que é expressamente referido, na parte final da mencionada alínea d) do n.º 3 do art.º 43.º da LGT, que a decisão deverá determinar a devolução da prestação tributária.

Ou seja, uma interpretação absolutamente restrita da letra da lei conduziria à impossibilidade de aplicação da norma, pela inexistência no nosso ordenamento de decisões que, simultaneamente, declarem uma determinada norma inconstitucional e determinem a devolução do valor pago.

Considerando, nos termos do art.º 9.º, n.º 3, do Código Civil, “que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados”, entendemos que a redação da disposição legal em causa abrange todas as situações, quer aquelas em que haja uma decisão do Tribunal Constitucional (dentro do processo ou em processos similares), quer aquelas em que haja desaplicação da norma, designadamente, por parte dos tribunais tributários, interpretação que nos parece refletir o que de global de extrai do normativo em causa e o que, no fundo, foi pretendido pelo legislador (ressarcir o contribuinte, através do direito a juros indemnizatórios, quando procedeu ao pagamento de liquidações emitidas com base em norma inconstitucional).

Ademais, a interpretação mais restritiva da norma, em nosso entender, conduz a uma situação não só muito onerosa para as partes, como até dependente da existência de recurso para o Tribunal Constitucional por parte de terceiros (dado a parte vencedora não dispor de legitimidade para o efeito). E não se contraponha que há, no caso de situações de desaplicação de norma, recurso obrigatório por parte do IMMP, ao abrigo do art.º 72.º, n.º 3, da LOTC, pois pode suceder que tal recurso não seja interposto [cfr. o n.º 4 do referido art.º 72.º; veja-se o exemplo subjacente ao Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 12.10.2022 (Processo: 01501/19.2BELRS), em que, numa situação em que houve desaplicação de norma pela primeira instância, não foi desta decisão interposto recurso para o Tribunal Constitucional ao abrigo do art.º 72.º, n.º 3, da LOTC].

Por outro lado, em situações como a dos autos, uma interpretação restritiva levaria a que a tutela jurisdicional efetiva da Impugnante apenas fosse completamente assegurada através do conhecimento, pelo Tribunal a quo, dos demais vícios substanciais apontados aos atos de liquidação, implicando a apreciação com base num conjunto de normas legais que esse mesmo Tribunal considerou inconstitucionais e cuja aplicação o próprio art.º 204.º da CRP afasta, o que não se afigura como solução sequer possível, dado implicar a aplicação de normas que o próprio Tribunal tem a obrigação de desaplicar.

Como tal, entende-se que o objetivo do legislador foi o de conferir às partes o direito a auferir de juros indemnizatórios em situações quer de desaplicação de normas, ao abrigo do art.º 204.º da CRP, designadamente pelos tribunais da jurisdição administrativa e fiscal, quer de declaração de inconstitucionalidade das mesmas pelo Tribunal Constitucional.

Retornando ao caso em apreciação, há que ter em conta que não só existem já vários acórdãos do Tribunal Constitucional sobre a matéria, como melhor se verá infra, mas também que, inclusivamente, nos presentes autos já foi proferido Acórdão pelo Tribunal Constitucional, ainda que em momento ulterior, naturalmente, ao da prolação da sentença.

A este propósito, chama-se à colação o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 03.06.2020 (Processo: 0694/16.5BEBJA), do qual sublinhamos, para ilustrar a possibilidade de ser condenada a administração no pagamento de juros indemnizatórios, mesmo em casos em que as decisões do Tribunal Constitucional tenham sido ulteriores à data da sentença recorrida:

- A sentença recorrida foi proferida a 01.05.2018;

- Os acórdãos do Tribunal Constitucional foram proferidos em datas ulteriores (designadamente a partir de 2019);

- Entendeu-se serem devidos juros indemnizatórios, ainda que o art.º 43.º, n.º 3, al. d), da LGT, neste caso, tenha entrado em vigor em data ulterior à da prolação da sentença.

Também no caso subjacente ao Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 13.01.2021 (Processo: 0735/19.4BEBRG), em que a Impugnante recorreu de sentença de 30.03.2020, concretamente do segmento decisório relativo a juros indemnizatórios, sentença essa em que houve desaplicação de normas por força da sua inconstitucionalidade, o Supremo concluiu assistir direito a juros indemnizatórios, justamente sustentado no art.º 43.º, n.º 3, al. d), da LGT.

Voltando ao caso dos autos, no caso do tributo que foi impugnado, o Tribunal Constitucional, no Acórdão n.º 244/2023, de 11.05.2023, concluiu, pela primeira vez, pela inconstitucionalidade “[d]as normas constantes dos n.ºs 1 e 2 do Anexo II da Portaria n.º 1473-B/2008, de 17 de dezembro, na redação dada pela Declaração de Retificação n.º 16-A/2009, por violação das disposições conjugadas da alínea i) do n.º 1 do artigo 165.º e do n.º 2 do artigo 266.º da Constituição”.

Foram, entretanto, proferidos diversos acórdãos pelo Tribunal Constitucional, todos no mesmo sentido, designadamente o proferido nos presentes autos (Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 606/2023, de 28.09.2023).

Este contexto é para nós suficientemente sustentador do direito a juros indemnizatórios, ainda que os acórdãos em causa tenham sido prolatados após ter sido proferida a sentença (basta pensar que, em sede de execução de julgados, essa situação já não se colocaria, sendo que não faria para nós qualquer sentido, antes configuraria um ato inútil, não reconhecer o direito a juros indemnizatórios nesta sede, quando o mesmo decorre da lei e no atual momento não há dúvidas de que existe).

Como referido no mencionado Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 03.06.2020 (Processo: 0694/16.5BEBJA), “é hoje inquestionável que, em caso de decisão judicial transitada em julgado que declare ou julgue a inconstitucionalidade ou ilegalidade da norma legislativa ou regulamentar em que se fundou a liquidação da prestação tributária e que determine a respectiva devolução, são devidos juros indemnizatórios”.

Portanto, no caso, consideramos que a Recorrente tem direito a juros indemnizatórios, quer por força da desaplicação da norma efetuada pelo Tribunal a quo, quer por força da existência de diversos Acórdãos do Tribunal Constitucional declarando a inconstitucionalidade de normas que sustentaram a liquidação, um dos quais prolatado no âmbito dos presentes autos.

Como tal, assiste razão à Recorrente nesta parte, sendo-lhe devidos juros indemnizatórios, nos termos do disposto no art.º 43.º, n.º 3, al. d), da LGT, calculados nos termos previstos no art.º 61.º, n.º 5, do CPPT (considerando, in casu, os espaços temporais atinentes às diversas devoluções parciais operadas pela Anacom).

Assim sendo, fica prejudicada a apreciação do demais alegado pela Recorrente sustentador do direito a juros indemnizatórios (e, bem assim, das objeções levantadas pela Recorrida a tais alegações).

III.B. Quanto à falta de menção, no segmento decisório, à restituição do valor pago

Quanto à circunstância de o segmento decisório da sentença não fazer referência à restituição do valor pago, insurge-se a Recorrente, ainda que ressalve que “por mera cautela de patrocínio”, quer considerando tratar-se de uma omissão de pronúncia (sustentadora da nulidade da sentença), quer considerando que tal direito decorre de toda a factualidade provada.

Vejamos.

Desde já se refira que não consideramos que aqui haja uma omissão de pronúncia.

Com efeito, nos termos do art.º 125.º, n.º 1, do CPPT, há omissão de pronúncia, que consubstancia nulidade da sentença, quando haja falta de pronúncia sobre questões que o juiz deva apreciar [cfr. igualmente o art.º 615.º, n.º 1, al. d), do CPC].

As questões de que o juiz deve conhecer são ou as alegadas pelas partes ou as que sejam de conhecimento oficioso.

Ora, no caso, o que se trata não é da falta de conhecimento de qualquer questão suscitada pelas partes, é de um segmento decisório que determina a anulação do ato impugnado, sendo que as consequências de tal segmento decisório decorrem diretamente da lei, concretamente do art.º 100.º da LGT, que obriga à plena reconstituição da situação que existiria.

Não obstante, não há qualquer óbice a que o segmento decisório seja retificado, para melhor clarificação, respondendo aos termos constantes do pedido formulado pela Recorrente, o que será feito a final.

Vencida a Recorrida é a mesma responsável pelas custas (art.º 527.º do CPC).

Cumpre, no entanto, atento o valor dos autos, considerar o disposto no art.º 6.º, n.º 7, do RCP.

Assim, nos termos desta disposição legal, “[n]as causas de valor superior a (euro) 275 000, o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta a final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento”.

No caso, tendo em conta a circunscrição das questões a apreciar e a conduta processual das partes, determina-se que haja lugar à dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça, prevista no art.º 6.º, n.º 7, do RCP.

IV. DECISÃO

Face ao exposto, acorda-se em conferência na Subsecção Tributária Comum da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:

a) Conceder provimento ao recurso e, em consequência:

a.1. Revogar a sentença recorrida, na parte em que julgou improcedente o pedido de condenação no pagamento de juros indemnizatórios, considerando-se procedente tal pedido e, em consequência, condenando-se a Anacom ao pagamento de tais juros, à taxa legal, contados da data do pagamento até ao processamento da respetiva nota de crédito, considerando os espaços temporais atinentes às diversas devoluções parciais operadas pela Anacom;

a.2. Retificar a alínea a) do segmento decisório, que passará a ter a seguinte redação:

“Julga-se a presente impugnação judicial procedente e, em consequência, anula-se a liquidação da Taxa anual de atividade de fornecedor de redes e serviços de comunicações eletrónicas de 2014 impugnada, com as legais consequências, designadamente a restituição dos valores pagos e ainda não restituídos”;

b) Custas pela Recorrida, com dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça, na parte em que exceda os 275.000,00 Eur.;

c) Registe e notifique.


Lisboa, 16 de maio de 2024

(Tânia Meireles da Cunha)

(Susana Barreto)

(Sara Diegas Loureiro)