Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:567/22.2BELRA
Secção:CT
Data do Acordão:06/26/2025
Relator:VITAL LOPES
Descritores:SEGURANÇA SOCIAL
PRESTAÇÕES E CONTRIBUIÇÕES
CADUCIDADE DO DIREITO À LIQUIDAÇÃO
CORRECÇÕES DA RUBRICA “SEGUROS DE VIDA”
CORRECÇÕES DA RUBRICA “UTILIZAÇÃO DE VIATURA”
CORRECÇÕES DE RENDIMENTOS EMPRESARIAIS
CORRECÇÕES POR ACUMULAÇÃO DE PRESTAÇÕES SOCIAIS COM O EXERCÍCIO DE ACTIVIDADE PROFISSIONAL
Sumário:i) Só há excesso de pronúncia nos termos e para efeitos do disposto no art.º 615/1 al. d), se o tribunal conheceu de pedidos, causas de pedir ou excepções de que não podia tomar conhecimento.

ii)Se os fundamentos de que o Tribunal conheceu estão referidos nos articulados iniciais das partes, não há excesso de pronúncia.

iii)A presunção da existência de contrato de trabalho ínsita no art.º 12.º do Cód. do Trabalho, não se aplica no domínio da relação contributiva, nomeadamente, para requalificar vínculos jurídicos formalmente estabelecidos de prestação de serviços em contratos de trabalho sujeitos à base contributiva.

iv)À caducidade das liquidações contributivas resultantes de correcções oficiosas aplica-se, subsidiariamente, o regime previsto na L.G.T., atento o disposto no artº.3, al. a), do actual Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança Social.

v) Os prazos de caducidade relativos a todos os tipos de processos estiveram suspensos entre 9 de Março de 2020 e 3 de Junho de 2020 (cf. artº.7, nº.3, da Lei 1-A/2020, de 19/03; artºs.2, 5 e 6, da Lei 4-A/2020, de 6/04; artº.8, da Lei 16-A/2020, de 29/05).

vi)Os montantes processados regularmente a título de seguros de vida de que são beneficiários membros de órgãos estatutários e em razão directa do exercício da actividade profissional são subsumíveis no art.º 46/5 do CRC e encontram-se sujeitos à base contributiva.

vii) Se a norma da alínea x) do n.º 2 do art.º 46.º do CRC não está em vigor por falta de regulamentação, sendo essa a intenção expressa do legislador, tudo se passa como se a norma não existisse podendo as situações factuais hipoteticamente compreendidas na sua factispecie ser sujeitas à base contributiva se integrarem a factispecie de outras normas em vigor delimitadoras da base contributiva.

viii)Da circunstância de terem sido processadas ajudas de custo e prestações da rubrica “utilização de viatura” a um membro de órgão estatutário no período em que se encontrava de Licença parental, não se pode extrair a ilação de que também auferiu no período concomitante a remuneração base, se a entidade averiguada afirma o contrário (artigos 74/1 e 75.º, n.ºs 1 e 2, da LGT).

Votação:UNANIMIDADE
Indicações Eventuais:Subsecção Tributária Comum
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:ACORDAM EM CONFERÊNCIA NA SUBSECÇÃO COMUM DA SECÇÃO DO CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL


I. RELATÓRIO

M................ INDÚSTRIA ……….., SA. e o INSTITUTO DA SEGURANÇA SOCIAL, I.P. (ISS. I.P.) interpuseram recurso da sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Leiria, a qual julgou parcialmente procedente a impugnação deduzida contra as liquidações que incidiram sobre as Declarações de Remuneração emitidas oficiosamente pela segunda recorrente e referentes aos períodos compreendidos entre Junho de 2017 e Dezembro de 2020, no montante de €118.921,44 e juros compensatórios, no valor de €17.245,93.

A Recorrente, M................ INDÚSTRIA ………….., SA, termina as suas alegações de recurso formulando as seguintes conclusões: «
A. Vem o presente recurso interposto da douta sentença proferida em 10/06/2023, no âmbito dos autos em epígrafe, da parte em que julgou parcialmente improcedente, na proporção de 23%, a impugnação judicial apresentada pela aqui Recorrente contra as Declarações de Remunerações emitidas oficiosamente pela Segurança Social (SS), relativas aos períodos de 2017/06 a 2020/12, no montante global de € 31.318,49.
B. Ora, entendendo que não se decidiu bem, por ter existido uma errada interpretação da lei, vem a Recorrente, pelo presente, recorrer da decisão proferida pelo Tribunal a quo, na parte que lhe é desfavorável.
C. O excesso de pronúncia ocorre quando se procede ao conhecimento de questões não suscitadas pelas partes ou que não sejam de conhecimento oficioso, por força do disposto na 2.ª parte, da alínea d), do n.° 1, do artigo 615.°, do Código de Processo Civil, “CPC” (ex vi artigo 666°, n° 1, do mesmo diploma) e aplicável subsidiariamente a estes autos nos termos da alínea e), do artigo 2.° do CPPT.
D. Nesse sentido, é nula a sentença quando o juiz conheça de questão de que não podia tomar conhecimento.
E. Por outro lado, configura, de acordo com a jurisprudência e doutrina nacional, uma “decisão surpresa” a solução dada a uma questão que, embora previsível, não tenha sido configurada pela parte, sem que a mesma tivesse obrigação de a prever.
F. As quais, tendo por base o n.° 3, do artigo 3.°, do CPC, são proibidas por explanarem uma total inobservância do contraditório.
G. Sendo nula a decisão (surpresa) quando à parte não foi dada possibilidade de se pronunciar sobre os factos e respetivo enquadramento jurídico.
H. Ora, conforme supra expendido, no que importa a segunda questão levantada pela aqui Recorrente, na sua impugnação, sobre a rubrica “Seguros de Vida” decidiu o Tribunal a quo anular apenas parcialmente as correções realizadas pela SS nesta sede uma vez que de acordo com a sua análise se verificava, pela documentação junta aos autos, que somente uma parcela dos montantes inseridos nesta rubrica eram efetivamente relacionados com seguros e correspondentes prémios.
I. Quanto aos restantes valores, em que não foi possível ao Tribunal verificar da sua correspondência, entendeu o mesmo que, face a essa realidade, apenas se poderia entender que esses montantes tinham sido diretamente pagos aos MOE, configurando rendimentos.
J. Ora, cumpre referir quanto a esta questão que em momento algum foi levada a esta discussão, pela aqui Recorrente ou pela SS, a natureza dos montantes pagos no âmbito da referida rúbrica.
K. De facto, a questão que é aqui controversa, entendendo-se em comum acordo que os montantes pagos o são a título de seguros, é a de entender se esses mesmos montantes devem ser sujeitos à obrigação de pagamento de contribuições ou não, de acordo com o legalmente estipulado.
L. E, nesse âmbito, como bem decidiu o Tribunal recorrido, não existindo ainda regulamentação para a aplicação da alínea x), do n.°2, do artigo 46.° do CRCSS, não poderão os montantes em apreço ser sujeitos a contribuições.
M. Ou seja, decidiu o Tribunal recorrido sobre a natureza dos referidos montantes, entendendo tratarem-se de rendimentos quando, em momento algum, é esta mesma questão controvertida pelas partes.
N. Ao invés de, como seria a sua competência, decidir somente sobre a possibilidade da sujeição a contribuições dos montantes contabilizados na rubrica de seguros de vida - questão única, relativamente a esta rubrica, levada aos autos pela Recorrente e pela Recorrida.
O. Em resumo entende-se quanto a esta questão e tendo em conta o exposto existir um claro excesso de pronúncia por parte do Tribunal recorrido, tendo o Juiz conhecido de questão que não podia conhecer por não ser objeto deste litígio!
P. Por outro lado, e como se tal não bastasse existe ainda e bastante evidentemente uma clara violação do princípio da verdade material e do princípio do inquisitório o que faz gerar uma decisão surpresa que, conforme já exposto, é considerada nula.
Q. Ora, mesmo que se entendesse, a título de patrocínio, que poderia ou deveria o Tribunal em apreço pronunciar-se sobre a natureza dos montantes em escrutínio, tendo em conta que baseou a decisão sobre essa mesma questão nos documentos juntos aos autos teria, sempre (!), surgindo-lhe dúvidas sobre a correspondência de valores,
R. Solicitar, à aqui Recorrente a junção de faturas e outros documentos relevantes que levassem ao esclarecimento desta nova questão.
S. Mais concretamente e no cumprimento dos seus deveres, deveria o Tribunal, pretendendo analisar a natureza dos montantes (o que como já se referiu não era objeto do litígio), convidar as partes a pronunciarem-se.
T. Caso o tivesse feito, entenderia o Tribunal recorrido que os documentos juntos aos autos não correspondem na sua totalidade aos valores explanados na contabilidade da Recorrente uma vez que foram juntos aos autos somente para comprovar que eram efetivamente montantes relacionados com seguros, e não para comprovar os seus valores, sendo juntos apenas como exemplos.
U. Pelo que, também por esta razão, deverá ser considerada nula a sentença em escrutínio por não dar à aqui Recorrente a possibilidade de se pronunciar sobre os factos em apreço e o respetivo enquadramento jurídico.
V. Na exata mesma senda andou o Tribunal recorrido ao decidir como decidiu relativamente à rúbrica da utilização de viaturas.
W. Ora, uma vez mais decidiu o Tribunal recorrido sobre uma questão que em nenhum momento lhe foi colocada pelas partes.
X. Também nesta sede a questão em litígio era a da possibilidade de sujeição a SS destes montantes e não da sua natureza.
Y. Ademais, e no mesmo sentido, decide o Tribunal com base em documentos que foram juntos aos autos apenas como exemplificativos e sobre os quais em nenhum momento foi solicitado qualquer esclarecimento à Recorrente.
Z. Decidindo, assim, com base em fatos que sobre os quais não existe qualquer prova mas meras presunções.
AA. Presunções sobre as quais nunca foi dada à Recorrente a possibilidade de se pronunciar!
BB. Verifica-se, deste modo, também quanto a esta questão um claro excesso de pronúncia e a verificação da emissão de uma “decisão surpresa”.
CC. Pelo que em face de tudo o exposto andou mal o Tribunal recorrido ao decidir como decidiu, emitindo uma sentença claramente ilegal e consequentemente nula que não se poderá manter na ordem jurídica!
DD. Adicionalmente, e não menos relevante, no que concerne a prova realizada nestes autos, importa referir que não foi a mesma considerada por esse douto Tribunal, adequadamente, para a boa decisão da causa.
EE. Segundo acima referido deu como provado o Tribunal em apreço a existência de contratos de trabalho a situações de prestações de serviços relativamente a José ……. e Luís …….
FF. Tendo em conta que, no seu entender, ficou comprovado que os mesmos trabalhavam apenas nas instalações da Recorrente e que ambos utilizavam ferramentas e roupas disponibilizadas pela empresa.
GG. E, por outro lado, entendeu quanto à prestadora de serviços V....... …………verificar-se que, grande parte dos trabalhadores da Recorrente, que prestaram declarações nunca a vira nas suas instalações e que, não fazendo a Recorrida, prova de quaisquer outros indícios de que a mesma aí trabalhava, não se verificar a existência de um contrato de trabalho.
HH. Ora, não nos parece que possam os argumentos supra referidos ser o suficiente para assumir que os prestadores de serviços José ............ e Luís ............ tinham contrato de trabalho com a Recorrente para efeitos de SS apenas por utilizarem uniformes da Recorrente e serem vistos por outros trabalhadores nas instalações da mesma.
II. Se assim fosse, caso estivéssemos perante um trabalhador em regime de teletrabalho, segundo o critério do Tribunal a quo, jamais poderia ser considerado que esse trabalhador tivesse contrato de trabalho com a Recorrente!
JJ. Assim, outro não pode ser o entendimento do que pela errada análise da prova pelo Tribunal recorrido, levando às conclusões de direito que aqui se discutem e que são consequentemente e indubitavelmente erradas uma vez que claramente infundadas.
KK. Por último, ainda quando à questão dos rendimentos empresariais refira-se ainda que se verifica, indubitavelmente, o vício de oposição entre os fundamentos e a decisão dado que, num primeiro momento, o Tribunal recorrido entende ser a Recorrida competente para decidir da qualificação jurídica das relações existentes entre os prestadores de serviços e a Recorrente, tendo em conta que, no seu entendimento, o que está em causa é a análise de uma relação jurídica contributiva e não de uma relação laboral.
LL. Mas, posteriormente, vem decidir pela existência de uma relação laboral quando aos prestadores de serviços José ............ e Luís ............ por aplicação da presunção estabelecida no artigo 12.° do Código do Trabalho.
MM. Ora, se a relação aqui em causa é somente uma relação jurídica contributiva e não uma relação laboral como afirma o Tribunal a quo concluindo assim pela competência da SS em determinar o tipo de vínculo jurídico existente entre os referidos prestadores e a Recorrente.
NN. Como pode depois vir afirmar pela existência de um contrato de trabalho por aplicação de uma presunção legal estabelecida no Código do Trabalho?!
OO. Verifica-se, desta forma, uma clara colisão entre os fundamentos e o sentido da decisão do Tribunal a quo.
PP. Pelo que, também aqui nos parece existir uma clara e incorreta interpretação dos fatos e do direito, verificando-se, inevitavelmente, uma situação de divergência ou oposição entre os fundamentos apresentados e a sentença in casu.
QQ. Em conclusão, outra não pode ser a decisão do que pela anulação da decisão recorrida, na parte em que é desfavorável à aqui Recorrente.

V. Pedido:
Nestes termos e nos melhores de Direito, que V. Exas. doutamente suprirão, deverá o presente recurso merecer provimento e, em consequência, ser revogada a decisão recorrida na parte em que é desfavorável à aqui Recorrente, substituindo-se a mesma por outra que satisfaça na totalidade a pretensão jurídica dessa última, tudo com as devidas e necessárias consequências legais.».

Notificado da interposição de recurso pela Impugnante, o ISS, I.P., ora Recorrido, apresentou contra-alegações, pugnando pelo improvimento do recurso, sem, no entanto, formular conclusões.
**

O Recorrente, Instituto de Segurança Social, I.P., apresentou na sua alegação as seguintes conclusões: «
A. Vem o presente recurso interposto da Sentença proferida pelo Meritíssimo Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria no âmbito do processo melhor identificado em epígrafe, que julgou a impugnação parcialmente procedente e anulou parcialmente as liquidações de contribuições nas partes em que incidiram sobre:
B. as remunerações relativas ao ano de 2017 que ascendem a 60.823,37 EUR
C. os valores processados a título de seguros de vida aos MOE entre janeiro de 2018 e dezembro de 2020 que ascendem a 162.412,28 EUR
D. os montantes registados na conta 2311 por força da utilização de viaturas da Impugnante por parte dos seus MOE, que ascendem ao valor total de 5.010,88 EUR
E. o montante de 33.600,00 EUR pago a V…… ………. entre 01-2018 e 12-2019
F. o montante de 22.920,75 EUR, que a Entidade Impugnada presumiu que o MOE F………………… auferiu durante a sua licença parental
G. Porém no humilde entendimento do Recorrente, a Sentença proferida pelo Mm. Juiz do Tribunal a quo deve ser considerada nula por erro de julgamento e por errada interpretação e aplicação do direito, sem olvidar que a mesma procede de uma incorreta valoração dos factos dados como provados e de uma inadequada subsunção dos mesmos ao direito aplicável razão pela qual se apresenta o presente recurso.
H. Efetivamente, entende o Impugnado, agora Recorrente, que o Tribunal a quo ignorou a matéria de facto que o próprio considerou assente, o que contamina de forma irremediável o processo lógico-dedutivo quer para a prova apurada, quer, sobretudo, para o respetivo exame crítico da decisão em causa que a inquinam de ilegalidade, de forma inultrapassável e inequívoca, a Sentença ora recorrida.
I. Por último, entende ainda o Recorrente que existiu uma incorreta valoração dos factos dados como provados e uma inadequada subsunção dos factos ao direito aplicável o que imporia, necessariamente, uma decisão, em certos tópicos diferente daquela que foi levada a cabo pelo Tribunal a quo.
J. É, alias, esse erro de julgamento que passa pela errada decisão, tomada relativamente aos factos constantes do processo, que vem inquinar irremediavelmente, e em último ratio, a Sentença ora colocada em crise.
K. O objeto dos presentes autos depreendia-se com as seguintes questões: em primeira linha, se decorreu o prazo de caducidade quanto às liquidações das contribuições referentes aos meses de junho de 2017 a janeiro de 2018; em segunda linha se os atos de liquidação de contribuições referentes aos meses de junho de 2017 a janeiro de 2020 (atos impugnados) padeciam:
L. a) Do alegado erro sobre os pressupostos de facto e de direito quanto às correções relativas à rubrica de “Seguros de vida”, por eventualmente estar em causa o pagamento efetivo de seguros por parte da Impugnante e por não existir regulamentação específica na aplicação da base de incidência contributiva.
M. b) Do alegado erro sobre os pressupostos de facto e de direito quanto às correções relativas à rubrica de “Utilização de Viatura”, por a Impugnante alegadamente não realizar pagamentos mensais sob a designação de “utilização de viatura”, uma vez que estão em causa rendimentos em espécie, sendo tal rendimento inserido na DMR correspondente, através do código A66, não configurando per si uma compensação de viatura própria do trabalhador ao serviço da empresa, mas antes um valor relativo à utilização de viaturas da empresa.
N. c) Do alegado erro sobre os pressupostos de facto e de direito quanto às correções relativas a Rendimentos empresariais, porquanto a Segurança Social alegadamente não teria competência para requalificar os rendimentos em causa e pela circunstância de os contratos em causa, factualmente, não poderem ser qualificados como contratos de trabalho.
O. d) Do alegado erro sobre os pressupostos de facto e de direito quanto às correções relativas à acumulação de prestações sociais com o exercício de atividade profissional, porquanto, no decorrer do período de licença parental do trabalhador em causa não procedeu ao pagamento de qualquer salário e porque, existindo a obrigação de informar a SS que se encontrava a trabalhar e não de licença parental, essa obrigação seria sempre do trabalhador e não da Impugnante.
P. Importa analisar qual o entendimento do tribunal a quo sobre cada um dos pontos supra pela ordem que foram deduzidos, para de forma mais estruturada invocar os vícios apontados pela aqui Recorrente, fundamento das presentes alegações de recurso.
Q. No que respeita à caducidade de direito de liquidar, o douto tribunal a quo, em suma, decidiu anular as remunerações relativas ao ano de 2017 que ascendem a 60.823,37 EUR.
R. A este propósito o tribunal a quo, na sentença ora recorrida e com a fundamentação que resulta da mesma considerou que decorreu o prazo de caducidade relativamente às liquidações de contribuições para a Segurança Social referentes aos meses de junho de 2017 a dezembro de 2017, impondo-se, por esse motivo, a sua anulação.
S. Ora, o Recorrente não concorda com o raciocínio despendido pelo douto tribunal a quo, e considera que no que respeita à anulação das liquidações de contribuições para a Segurança Social dos meses de Novembro e de Dezembro 2017 não pode operar a caducidade do direito de liquidar, devendo a douta sentença, nesta parte ser considerada nula por erro de julgamento e por errada interpretação e aplicação do direito.
T. No período em que decorreu a instrução do processo de averiguação, o mundo viu-se confrontado com uma epidemia à escala global - COVID 19 - com impacto significativos, já conhecidos, na nossa vida em sociedade.
U. Ora, foi neste contexto, no âmbito das medidas adotadas de combate à doença COVID-19, que se estabeleceu, na Lei n.° 1-A/2020, de 19 de março, um regime excecional de suspensão dos prazos de prescrição e de caducidade relativos a todos os tipos de processos e procedimentos, regime esse que prevalece sobre quaisquer regimes que estabeleçam prazos máximos imperativos de prescrição ou caducidade, sendo os mesmos alargados pelo período de tempo em que vigorou a situação excecional;
V. Assim, considerando os normativos aplicáveis, é inegável e evidente a preocupação do legislador em suspender prazos processuais e procedimentais de forma a evitar a caducidade, face à dificuldade ou, diremos mesmo, impossibilidade da prática de determinados atos no contexto pandémico que se viveu.
W. Nesse sentido, outro entendimento não poderá resultar senão o de que ao prazo de caducidade de 4 anos, previsto no art. 45 da Lei Geral Tributária, acresce o período em que vigoraram as referidas suspensões.
X. Pelo que, ao prazo de caducidade de quatro anos deveria ter acrescido o tempo das suspensões decorrentes dos regimes excecionais aprovados por força do contexto pandémico.
Y. Alegou a Impugnante, ora Recorrida que quanto às correções relativas à rubrica de “Seguros de vida” havia um erro sobre os pressupostos de facto e de direito, por alegadamente estar em causa o pagamento efetivo de seguros por parte da Impugnante e por não existir regulamentação específica na aplicação da base de incidência contributiva
Z. Posição amplamente contrariada pelo Impugnado, ora Recorrente na Contestação apresentada, bem como no processo instrutor que deu origem aos presentes autos.
AA. Desde logo, entendeu o douto tribunal a quo que apenas estava sustentado o pagamento de verbas sob a designação de “seguro de vida/PPR”, pela entidade empregadora, nos seguintes casos:
BB. Entre junho de 2017 e fevereiro de 2020, com o seu MOE M........... ................, o valor de 3.009,75 EUR (2000,00 € + 54,75 € + 955 €), e, com o seu MOE C.............. ......., o valor de 2.016.98 EUR (1000,00 € + 900,00 € + 116,98 €), relativos a prémios de seguros de vida e PPR (num total de 165.882,09 EUR);
CC. Entre março de 2020 e dezembro de 2020, com o seu MOE M........... ................, o valor de 2.054,75 EUR (2000,00 € + 54,75 €), e, com o seu MOE C.............. ......., o valor de 1.116.98 EUR (1000,00 € + 900,00 € + 116,98 €), relativos a prémios de seguros de vida e PPR (num total de 31.717,30 EUR).
DD. Quanto à outra parte dos valores processados a estes dois MOE e à totalidade dos valores processados ao MOE F.......... ..... nada ficou demonstrado que justifique a emissão de recibos sob a designação —seguros de vida, pelo que, tendo a Segurança Social demonstrado que tais valores eram processados em nome dos MOE da Impugnante, e que foram emitidos recibos onde os mesmos se incluem, apenas se pode concluir que se tratam de montantes que lhes foram pagos.”
EE. Por conseguinte, neste caso, entendeu o tribunal a quo manter as contribuições apuradas, num total de 39.729,19€.
FF. Contudo, entende o ora Recorrente, salvo melhor opinião, que mal andou o douto tribunal a quo quando decidiu pela anulação das contribuições apuradas, num total de 197.599,392, nos casos onde, efetivamente, ficou provada a celebração de contratos de seguro, cujos beneficiários dos pagamentos eram os próprios segurados.
GG. O Recorrente não pode estar mais em desacordo com esta posição defendida pelo tribunal a quo, e com o devido respeito e salvo melhor opinião, o douto tribunal deveria ter decidido, ao invés, pela inutilização de todo o quadro normativo referente ao enquadramento dos “seguros de vida”.
HH. Não pode o douto tribunal, em evidente contradição, entender que os valores pagos são efetivos seguros de vida enquadráveis na al. x) do art. 46.° do Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança Social e depois, reconhecer, que não podem ser tributados porque a norma que delimita a incidência ainda não se encontra regulamentada.
II. Ora, se a norma não se encontra regulamentada, não pode, nem deveria ser invocada, em ambos os sentidos.
JJ. Com efeito, parece-nos evidente que a decisão em análise não poderá sustentar-se num preceito legal que ainda não está em vigor e, deveria, outrossim, recorrer aos critérios gerais estabelecidos no Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança Social e noutra legislação que seja pertinente ter em conta.
KK. E aqui, o ordenamento jurídico dispõe de ferramentas para nos permitir avaliar da efetiva natureza de tais valores, não podendo, isso sim, a Segurança Social, como referido relatório final, ficar refém da “escolha da roupagem formal, efetuada pela entidade averiguada (...) sob pena de se aceitar que se transfira de parte considerável de retribuição dos beneficiários, ainda que acessória, em contrapartida direta das suas funções, convertendo-a num produto financeiro isento de tributação.”
LL. Aliás, este é entendimento que há muito é defendido na doutrina, pois, uma adequada reflexão permitirá, facilmente, verificar o quão pernicioso pode ser aplicação cega deste regime.
MM. No entender do Recorrente, o legislador claramente quis criar uma ferramenta para combater as “habilidades” ilegais de algumas entidades empregadoras, pois, parece-nos reconhecer, de forma evidente, que em muitas vezes há uma clara aproximação a uma contrapartida pela prestação do trabalho.
NN. Cremos que a resposta a esta questão está nos artigos 45° n° 1 e 46° n°1, e ainda o disposto no art° 46° n° 5 e no artigo 47° do Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança Social, pois, aqui lemos que “constituem base de incidência contributiva, além das prestações a que se referem os números anteriores, todas as que sejam atribuídas ao trabalhador, com caráter de regularidade, em dinheiro ou em espécie, direta ou indiretamente como contrapartida da prestação do trabalho” (Art° 46°, n.° 5) e que se considera que uma prestação reveste caráter de regularidade quando constitui direito do trabalhador, por se encontrar preestabelecida segundo critérios objetivos e gerais, ainda que condicionais, por forma que este possa contar com o seu recebimento e a sua concessão tenha lugar com uma frequência igual ou inferior a cinco anos (art° 47°).
OO. Ademais, em caso de dúvida e ex vi da presunção consagrada no art. 258°, n° 3, do Código do Trabalho, haverá que se concluir no sentido da natureza retributiva de determinado valor pago ao trabalhador.
PP. Isto é, atendendo à unidade do sistema jurídico, na dúvida sobre se determinada prestação do empregador ao trabalhador lhe é entregue como contrapartida do seu trabalho, e sobre se, por isso, constitui remuneração, considera-se, por presunção legal, que o é, e que merece essa qualificação.
QQ. Assim, e seguindo de perto já o entendimento plasmado no Relatório Final que deu origem ao ato ora em crise, entende o Recorrente que deve ficar afastada a aplicação incorreta que o tribunal a quo faz da alínea x) do n.° 2 do artigo 46° do CRC, considerando- se, face à prova produzida, que as prestações em causa se devem enquadrar na previsão legal do n.° 1 do artigo 66° do mesmo diploma, cuja base de incidência contributiva dos membros de órgão estatutários “(...) correspondem ao valor das remunerações efetivamente auferidas (...)”, ainda que possa ser conjugada com o disposto do n.° 5 do artigo 46° e do artigo 47° do mesmo diploma.
RR. Face ao supra exposto, deve douta sentença, nesta parte ser considerada nula errada interpretação e aplicação do direito.
SS. Acresce que, além de tudo quanto se disse, e sem prejuízo do que já ficou anteriormente explanado nas presentes alegações e de o Recorrente considerar que a totalidade dos valores apurados são efetivamente devidos (não devendo haver lugar a qualquer anulação dos mesmos), sempre se dirá que o Recorrente não conseguiu entender com clareza quais os valores que o tribunal a quo decidiu “não anular”.
TT. O Tribunal refere o montante total de remunerações oficiosas apuradas no montante total de € 39.729,19, mas não consegue o Recorrente perceber como chegou o douto tribunal a este valor e a que trabalhadores se referem, sendo certo que não poderão ser referentes ao ano de 2017, pelo facto do Tribunal ter declarado a caducidade do direito à liquidação.
UU. Pelo que também neste ponto a douta sentença ora recorrida é nula uma vez que a ambiguidade aqui exposta torna, na perspetiva do Recorrente, a decisão ininteligível. Tudo para os efeitos e segundo o disposto na alínea c) do n°1 artigo 615.° do CPC que prevê expressamente que é nula a sentença quando “os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível”.
VV. No que concerne à acumulação de prestações sociais com o exercício de atividade profissional apurada, referente ao membro de órgão estatutário F.......... …………….. decidiu o tribunal a quo, na sentença ora recorrida a anulação das contribuições apuradas sobre o montante de 22.920,75 EUR
WW. Ora, os Serviços de Fiscalização do ora Recorrente verificaram que o membro de órgão estatutário F……….. ..... apresenta registos de licença parental entre os períodos de 29/08/2019 a 01/10/2019 e de 10/10/2019 a 20/12/2019.
XX. Dos processamentos de salários, nos meses de outubro e novembro de 2019, os Serviços de Fiscalização do Recorrente constataram a existência de valores processados na rubrica com a designação de ajudas de custo, que correspondem aos mapas de deslocações a Espanha.
YY. Constataram também os Serviços de Fiscalização do Recorrente que nos meses de setembro a dezembro de 2019, constam dos processamentos e recibos de salários valores processados na rubrica com a designação de utilização de viatura de valores mensais semelhantes/iguais aos valores processados nos restantes meses do respetivo ano.
ZZ. O douto tribunal a quo considerou que da fundamentação do Relatório Final constatava-se que “efetivamente e conforme alega a Impugnante, esta não procedeu ao pagamento de —salários! ao seu MOE F.......... ……….. no período em que esteve de licença de parentalidade, se entendermos como tal o pagamento da remuneração base, porquanto a Segurança Social só apurou através da análise da contabilidade da Impugnante, que esta havia processado, em nome daquele, nos períodos em causa, ajudas de custo e prestações com a descrição —utilização de viatura.”
AAA. Embora o douto tribunal a quo considere o referido MOE se encontrou a exercer durante os períodos de licença parental as suas funções de MOE entendeu que, face à inexistência de prova de que, nesses períodos, o MOE auferiu efetiva remuneração, decidiu pela anulação das contribuições apuradas.
BBB. Ora, tal entendimento, no entender do Recorrente e salvo melhor opinião, resulta de uma incorreta aplicação dos dispositivos legais aplicáveis ao quadro factual sobredito, em concreto, no que respeita ao regime contributivo dos membros de órgãos estatutários.
CCC. Com efeito, considera o Recorrente que, com a devida vénia, o tribunal a quo fez uma errada apreciação dos factos e não aplicou corretamente o direito, tanto mais que faz depender da segurança social o ónus probatório da existência de pagamento de remuneração para que, no caso concreto, se possa proceder à liquidação de contribuições nos períodos supra mencionados.
DDD. O Recorrente considera que ficou por demais evidente o iter cognoscitivo percorrido pelo Recorrente para proceder à liquidação em crise, tendo ficado amplamente demonstrados com clareza os factos constitutivos do seu direito a tributar.
EEE. Significa isto dizer que o MOE terá inevitavelmente de ser incluído nas Declarações de Remuneração, considerando “a remuneração base dos trabalhadores constante da última declaração de remunerações com 30 dias de trabalho”, nos termos do disposto no n.°2, do art. 29.° do Decreto Regulamentar n.° 1-A/2011, de 3 de Janeiro e art. 66.° do CRC.
FFF. Referir, por fim, que a responsabilidade pelo cumprimento da obrigação contributiva compete as entidades contribuintes, não pode a entidade excluir-se da responsabilidade dos valores apurados, uma vez que, e como os Serviços de Fiscalização do Recorrente referiram no relatório final que deu origem ao ato ora em crise, a Recorrida também não poderá negar conhecimento da situação do beneficiário, o qual ocupa um cargo de responsabilidade e direção, dentro da empresa, tendo-lhe sido processados valores com a designação de ajudas de custo o que levou os Serviços de Fiscalização do Recorrido a concluir que o mesmo prosseguiu com a sua atividade no período em que se encontrava de licença de paternidade.
GGG. Face ao que anterior ficou explanado nas presentes alegações considera o Recorrente que, no concerte a esta “acumulação de prestações sociais com o exercício de atividade profissional” existiu uma incorreta valoração dos factos dados como provados e uma inadequada subsunção dos factos ao direito aplicável o que impõe, também neste ponto a nulidade da douta sentença ora recorrida.
NESTES TERMOS E NOS DEMAIS DE DIREITO, E COM O SEMPRE DOUTO SUPRIMENTO DE V.EXA., DEVERÁ SER JULGADO PROCEDENTE O PRESENTE RECURSO E REVOGADA A SENTENÇA RECORRIDA, COM AS LEGAIS CONSEQUÊNCIAS, ASSIM SE FAZENDO A ACOSTUMADA JUSTIÇA!»

A Impugnante, ora Recorrida, M................ Indústria ……., SA, apresentou contra-alegações, concluído como segue: «
A. Veio o Recorrente interpor o presente recurso, junto do TCA Norte, da sentença proferida nos autos em epígrafe, pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria.
B. Verificando-se, porém, que a instância territorialmente competente para conhecer do recurso da área de jurisdição do TAF de Leiria é o TCA Sul, conforme resulta do estabelecido nos artigos 31.°, n.° 2, do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (ETAF) e 2.°, n.° 2, do DL n.° 325/2003, de 29 de dezembro.
C. O que origina uma situação de infração das regras de competência territorial, que determina a incompetência relativa deste TCAN (artigo 17.°, do CPPT).
D. Requerendo-se, desde já, e em virtude de tal, a remessa dos presentes autos ao Tribunal Central Administrativo Sul, por ser esse o Tribunal territorialmente competente para conhecer do mérito dos presentes autos de recurso (artigo 18.°, do CPPT).
E. A sentença recorrida julgou parcialmente procedente a impugnação e, em consequência, anulou parcialmente as liquidações de contribuições nas partes em que incidiram sobre:
i) “(...) as remunerações relativas ao ano de 2017 que ascendem a 60.823,37 EUR, (...)";
ii) “(.. .)os valores processados a título de seguros de vida aos MOE entre janeiro de 2018 e dezembro de 2020 que ascendem a 162.412,28 EUR,
iii) “(...) os montantes registados na conta 2311 por força da utilização de viaturas da Impugnante por parte dos seus MOE, que ascendem ao valor total de 5.010,88 EUR (...)";
iv) “(...) o montante de 33.600,00 EUR pago a V....... ....... entre 01 -2018 e 12-2019
v) “(...) e o montante de 22.920,75 EUR, que a Entidade Impugnada presumiu que o MOE F.......... ............... auferiu durante a sua licença parental, (...)".
F. Não se conformando com o ali decidido, veio o Recorrente interpor recurso, delimitando-o à apreciação dos seguintes pontos:
i) Caducidade do direito de liquidar;
ii) Rubrica de seguros de vida; e
iii) Acumulação de prestações sociais com o exercício de atividade profissional;
G. Tendo presente todo o teor das alegações do Recorrente, a análise da Recorrida ater-se-á unicamente à matéria da caducidade do direito à liquidação das contribuições, sem prejuízo das alegações pela mesma já apresentadas, em 16/08/2023 no âmbito dos presentes autos.
H. Quanto aos demais pontos do objeto do recurso, o Recorrente não trouxe nada de novo aos presentes autos, visando, unicamente renovar a peça processual anterior.
I. Tratando-se, dessa forma, duma insistência no desacordo relativamente ao que já foi decidido em sede de sentença, e pretendendo defender pretensões que já foram conhecidas.
J. Passando então à análise caducidade parcial do direito à liquidação das contribuições de junho de 2017 a janeiro de 2018, entendeu o douto Tribunal ter já decorrido o prazo de caducidade apenas quanto às liquidações dos meses de junho a dezembro de 2017, decidindo pela sua anulação.
K. Não se tendo pronunciado anteriormente quanto à exceção da caducidade, veio agora o Recorrente referir que, em função da aplicação ao caso do regime excecional de suspensão dos prazos de prescrição e de caducidade, estabelecido na Lei n.° 1-A/2020, de 19 de março, e alterações, também não havia decorrido o prazo de caducidade quanto àquelas contribuições para a Segurança Social referentes aos meses de junho a dezembro de 2017.
L. Salvo o devido respeito, não assiste razão ao Recorrente nesta alegação.
M. Ora, acompanhando a posição defendida nos presentes autos, ao direito de liquidar as contribuições para a Segurança Social é aplicável o regime de caducidade do direito à liquidação de tributos previsto no artigo 45.° da LGT, por força do disposto nos artigos 1,°, 2.° e 3.°, todos da LGT.
N. Consequentemente, o entendimento que se tenha do dito regime especial de suspensão de prazos de caducidade quanto ao direito de liquidar tributos será aplicável nos mesmos termos ao direito de liquidar as contribuições para a Segurança Social.
O. Sendo que, da análise do referido regime especial resulta a opção do legislador em restringir a suspensão do prazo de caducidade apenas à prática de atos pelos particulares e, já não, por entidades com o ISS.
P. Consequentemente, não se pode aplicar o regime especial da suspensão ao procedimento de liquidação de tributos, nem aos atos praticados nesse âmbito.
Q. Não se aplicando, por isso, para efeitos do prazo de caducidade do direito a liquidar tributos.
R. Pelo que, evidentemente, estará afastada a sua aplicação no direito a liquidar as contribuições para a Segurança Social.
S. Devendo, face ao exposto, confirmar-se o teor da decisão recorrida quanto a este específico ponto, tendo-se por decorrido o prazo de caducidade contribuições para a Segurança Social referentes aos meses de junho de 2017 a dezembro de 2017.
VI. Pedido:
Nestes termos, e nos melhores de Direito, que V. Exas. doutamente suprirão, se requer a V. Exas se dignem:
a. declarar a incompetência territorial do TCAN, ordenando, em consequência, a remessa das alegações de recurso, e a resposta às mesmas, ao TCAS, prosseguindo os presentes autos com os seus trâmites até final; e
b. julgar o presente recurso improcedente, in totum, mantendo- se a decisão recorrida quanto aos aspetos neste instrumento abordados, nos exatos termos em que foi proferida pelo Tribunal a quo, tudo com as devidas e necessárias consequências legais.».

A Exma. Senhora Procuradora-Geral Adjunta emitiu douto parecer concluindo que recurso da Impugnante deve improceder.

Colhidos os vistos legais e nada mais obstando, vêm os autos à conferência para decisão.

II. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das respectivas alegações (cf. artigo 635.º, n.º 4 e artigo 639.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil, aprovado pela Lei n.º 41/2003, de 26 de Junho), sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando este tribunal adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso.

Assim, analisadas as conclusões das alegações dos recursos, são estas as questões que importa dirimir: No recurso da impugnante: i) se a sentença enferma de nulidade por excesso de pronúncia ao conhecer da natureza dos montantes inscritos na rubrica “Seguros de Vida”, nunca suscitada nos autos, reconduzindo-se a questão colocada a saber se os “Seguros de Vida” estão, ou não, sujeitos a contribuições para a segurança social; ii) violação do princípio do contraditório (art.º 3.º, n.º 3 do CPC) e do princípio do inquisitório e da verdade material, na medida em que, por um lado, se o Tribunal a quo pretendia conhecer de questão que não era objecto do litígio, então deveria facultar às partes contraditório prévio sobre a mesma e, por outro, não tratou de apurar a materialidade que importava à decisão da questão que decidiu; iii) se a sentença enferma de nulidade por excesso de pronúncia e se o Tribunal a quo violou os princípios do contraditório e do inquisitório e da verdade material, na medida em que na apreciação da rubrica de utilização de viaturas conheceu de questão não colocada, uma vez que quanto a este tema, a questão objecto do litigio restringia-se a saber se os montantes inscritos nesta rubrica estavam sujeitos a contribuições e não também a de indagar se os montantes processados nessa rubrica respeitavam efectivamente à utilização de viaturas da empresa pelos MOE (membros do órgão de gestão), ou foram atribuídas a outro título; iv) se a sentença incorreu em erro de julgamento, de facto e de direito e, nomeadamente, erro na apreciação e valoração da prova, ao concluir que os prestadores de serviços à impugnante José ............ e Luís ............ tinham, materialmente, contratos de trabalho com a impugnante; v) nulidade da sentença por oposição dos fundamentos com a decisão e entre fundamentos, na medida em que, por um lado, num primeiro momento, “…o Tribunal recorrido entende ser a Recorrida segurança social competente para decidir da qualificação jurídica das relações existentes entre os prestadores de serviços e a Recorrente, tendo em conta que, no seu entendimento, o que está em causa é a análise de uma relação jurídica contributiva e não de uma relação laboral mas, posteriormente, vem decidir pela existência de uma relação laboral quanto aos prestadores de serviços José ............ e Luís ............ por aplicação da presunção estabelecida no artigo 12.º do Código do Trabalho” (vd. conclusões KK) e LL)). No recurso da Segurança Social: i) saber se, como decidido na sentença, se verifica caducidade do direito à liquidação das contribuições dos períodos de Junho/2017 a Janeiro/2018; ii) se a sentença incorreu em erro de julgamento, nomeadamente erro de interpretação jurídica, ao concluir que as verbas processadas como “Seguros de Vida” e que se comprovou respeitarem a seguros de vida de que beneficiavam os MOE, não estavam sujeitas a contribuições; iii) ambiguidade da sentença, que a tornam ininteligível, quanto aos valores processados na rubrica “Seguros de Vida” que, afinal, são devidos, ou seja, que o Tribunal a quo decidiu não anular; iv) erro de julgamento da sentença ao fazer recair sobre a Segurança Social o ónus de demonstrar que foi efectivamente paga ao MOE F.......... …….. a remuneração base durante os períodos em que esteve de Licença Parental e em que lhe foram comprovadamente processadas Ajudas de Custo e prestações da rubrica “utilização de viatura”.

III. FUNDAMENTAÇÃO
A) OS FACTOS

Na sentença recorrida deixou-se factualmente consignado
1) A Impugnante, na qualidade de tomadora do seguro, celebrou os seguintes contratos de seguro:
a) Com a companhia de seguros F………….. S.A., na qualidade de Seguradora:
i) LEVE PPR – 2ª série, apólice n.° …………….. que tem como beneficiário C.............. ……......... pelo período de 21-07-2015 a 27-07-2021, com um prémio inicial de 2.000,00 EUR e um prémio mensal de 1.000 EUR; e a apólice n.° ……… que tem como beneficiário M........... …………. ................, de 21-07-2015 a 21-07-2036, com o prémio mensal de 2.000,00 EUR;
ii) SEGURO VIDA EMPREENDEDOR com o n.° de apólice …… tendo como beneficiário M........... ……… ................ pelo período de 02-04-2012 a 26-01-2041, com o prémio total mensal de 54,75 EUR;
b) Com a companhia de seguros G…………. S.A., na qualidade de Seguradora:
i) G……. + POUPANÇA (Prémios periódicos), para os beneficiários C.............. …………. apólice n.° ………….., pelo período de 01-03-2012 a 01-03-2020, com o prémio mensal de 900,00 EUR; e M........... ……….. ................, apólice n.° ……….., com inicio a 01-03-2012 e fim 01-03-2020, com o prémio mensal de 955,00 EUR;
ii) G.................. + VIDA (TAR), para o beneficiário C....................., apólice n.° …………….., pelo período de 01-07-2012 a 01-07-2024, com o prémio mensal de 116,98 EUR; - cfr. fls. 254 e 255 dos autos e fls. 497 a 521 do PAT relativo ao PROAVE ……………, cuja primeira folha se encontra a fls. 499 dos autos (doravante PAT);
2) Entre os anos de 2017 e 2020, foram emitidos, designadamente, os seguintes recibos em nome de trabalhadores e Membros dos órgãos estatutários da Impugnante com a descrição “seguros de vida”:

a) No ano de 2017:
« Quadro no original»
b) No ano de 2018:

« Quadro no original»
c) No ano de 2019:
« Quadro no original»

d) No ano de 2020:
« Quadro no original»

- cfr. documentos a fls. 1975 a 2019 e 2216 a 2220 do PAT, que se dão aqui por integralmente
reproduzidos;
3) Em 30-12-2014, entre a Impugnante e M........... . ................, foi celebrado “Contrato de Utilização de Viatura”, no qual consta, designadamente, o seguinte:
“(…)
« Texto no original»


(…)” - cfr. fls. 1452 e 1453 do PAT;

4) Em 30-12-2014, entre a Impugnante e C.............. . ......., foi celebrado “Contrato de Utilização de Viatura”, no qual consta, designadamente, o seguinte:
“(…)

« Texto no original»


(…)”- cfr. fls. 1452 e 1453 do PAT;

5) Em 02-01-2016, entre a Impugnante e F............... foi celebrado “Contrato de Utilização de Viatura‖, no qual consta, designadamente, o seguinte:
“(…)
« Texto no original»

(…)” - cfr. fls. 1452 e 1453 do PAT;

6) Em 01-02-2015, por acordo entre a Impugnante e C...................., foi efetuada adenda ao Contrato de Utilização de Viatura a que respeita o ponto 4) supra, na qual consta, designadamente, o seguinte:

“(…)
« Texto no original»

(…)”- cfr. fls. 1448 do PAT;

7) Em 01-02-2015, por acordo entre a Impugnante e M..........................., foi efetuada adenda ao Contrato de Utilização de Viatura a que respeita o ponto 3) supra, na qual consta, designadamente, o seguinte:

“(…)
« Texto no original»

(…)” - cfr. fls. 1448v do PAT;

8) Em 26-12-2018, por acordo entre a Impugnante e F............... foi efetuada adenda ao Contrato de Utilização de Viatura a que respeita o ponto 5) supra, na qual consta, designadamente, o seguinte:

“(…)
« Texto no original»

(…)” - cfr. fls. 1451 do PAT;

9) Em 26-12-2018, por acordo entre a Impugnante e C....................., foi efetuada adenda ao Contrato de Utilização de Viatura a que respeita o ponto 4) supra, na qual consta, designadamente, o seguinte:
“(…) « Texto no original»

(…)” - cfr. fls. 1451 do PAT;

10) Em 26-12-2018, por acordo entre a Impugnante e M..........................., foi efetuada adenda ao Contrato de Utilização de Viatura a que respeita o ponto 3) supra, na qual consta, designadamente, o seguinte:

“(…)
« Texto no original»


(…)” - cfr. fls. 1453 do PAT;
11) Em 22-07-2019, por acordo entre a Impugnante e M………..........., foi efetuada adenda ao Contrato de Utilização de Viatura a que respeita o ponto 3) supra, na qual consta, designadamente, o seguinte:
“(…)
« Texto no original»


(…)” - cfr. fls. 1454 do PAT;
12) Em 22-07-2019, por acordo entre a Impugnante e C....................., foi efetuada adenda ao Contrato de Utilização de Viatura a que respeita o ponto 4) supra, na qual consta, designadamente, o seguinte:
“(…)
« Texto no original»


(…) - cfr. fls. 1454v do PAT;

13) Em 22-07-2019, por acordo entre a Impugnante e F............... foi efetuada adenda ao Contrato de Utilização de Viatura a que respeita o ponto 5) supra, na qual consta, designadamente, o seguinte:
“(…)
« Texto no original»


(…)” - cfr. fls. 1450 do PAT;
14) No ano de 2020, foram emitidos, designadamente, os seguintes recibos em nome de funcionários da Impugnante com a descrição Utilização de Viatura:

« Texto no original»



- cfr. fls. 1446 do PAT;
15) Entre os anos de 2017 e 2020, a Impugnante procedeu à inscrição a débito e a crédito na conta 2311, dos seguintes montantes, respeitantes aos seus Membros dos Órgãos Estatutários, com a designação “utilização de viatura”:

« Quadros no original»



- cfr. fls. 539 a 1094 e 1446 do PAT e 317 a 355 dos autos, que se dão aqui por integralmente reproduzidas;
16) Entre os anos de 2016 e 2022, foi efetuada uma ação inspetiva à Impugnante pela Unidade de Prestações e Contribuições do Centro Distrital de Leiria da Segurança Social, no âmbito do processo de averiguações n.° ……… - cfr. documento a fls. 240 a 299 dos autos;
17) Em 20-10-2016, Rui ……………… prestou declarações no âmbito do processo de averiguações mencionado no ponto antecedente, tendo referido, designadamente, o seguinte:

(...)” - cfr. fls. 258 dos autos;

18) Em 24-10-2016, Nídia ……….. ......., prestou declarações no âmbito do processo de averiguações mencionado no ponto 16) supra, tendo referido, designadamente, o seguinte:
« Texto no original»



(…)”– cfr. fls. 259 dos autos;

19) Em 16-11-2020, Luís ……… ............ prestou declarações no âmbito do processo de averiguações mencionado no ponto 16) supra, tendo referido, designadamente, o seguinte:
“(…)



« Texto no original»


(...)” - cfr. fls. 260 e 261 dos autos;

20) Em 16-11-2020, José ………………., prestou declarações no âmbito do processo de averiguações mencionado no ponto 16) supra, tendo referido, designadamente, o seguinte:
“(…)
« Texto no original»


(…)” – cfr. fls. 261 e 262 dos autos;

21) Em 19-11-2020, Vera ……………………, prestou declarações no âmbito do processo de averiguações mencionado no ponto 16) supra, tendo referido, designadamente, o seguinte:
“(…)
« Texto no original»


(…)”– cfr. fls. 262 e 263 dos autos;

22) Em 07-01-2021, Edgar ……………… prestou declarações no âmbito do processo de averiguações mencionado no ponto 16) supra, tendo referido, designadamente, o seguinte:
“(…)
« Texto no original»

(…)” – cfr. fls. 266 dos autos;

23) Em 07-01-2021, José …………………. prestou declarações no âmbito do processo de averiguações mencionado no ponto 16) supra, tendo referido, designadamente, o seguinte:
« Texto no original»


(...)” - cfr. fls. 28 e 29 do PAT;

24) Em 10-02-2021, C.............. … ....... prestou declarações no âmbito do processo de averiguações mencionado no ponto 16) supra, tendo referido, designadamente, o seguinte:
« Texto no original»



(...)” - cfr. fls. 31 e 32 do PAT;

25) Em 12-02-2021, M........................... prestou declarações no âmbito do processo de averiguações mencionado no ponto 16) supra, tendo referido, designadamente, o seguinte:
« Texto no original»

(...)” - cfr. fls. 33 a 35 do PAT;

26) Em 14-10-2021, no âmbito da ação de inspeção mencionado no ponto 16) supra, foi emitido o Relatório Final, no qual consta, designadamente, o seguinte:

« Textos e quadros no original»

(...)” - cfr. documento a fls. 240 a 299 dos autos, que se dá aqui por integralmente reproduzido;

27) Em 15-12-2021, foi exarado despacho de concordância da Diretora do Núcleo de Fiscalização de Beneficiários e Contribuintes, do qual consta, designadamente, o seguinte: “Visto. Concordo com o parecer que antecede o presente despacho bem com a análise e proposta de conclusão constante do relatório final associado. Pelo exposto, considero fundamentado o suprimento oficioso das declarações de remunerações relativas às verbas em causa, melhor descriminadas nos mapas de apuramento. Notifique-se a entidade averiguada do sentido da presente decisão e remeta-se o presente relatório final aos serviços incluídos na respetiva proposta, para os devidos e legais efeitos ” - cfr. documento a fls. 2226 a 2230 do PAT, que se dá aqui por integralmente reproduzido;

28) Em 20-12-2021, a Impugnante recebeu ofício acompanhado do despacho mencionado no ponto antecedente e do relatório a que respeita o ponto 26) supra - cfr. documentos a fls. 2226 a 2229 do PA, que se dão aqui por integralmente reproduzidos;

29) Em 20-01-2022, foi elaborada informação que mereceu despacho de concordância da Diretora da Unidade de prestações e contribuição no seguinte sentido:
« Texto no original»


(...) - cfr. documento a fls. 302 a 304 dos autos, que se dá aqui por integralmente reproduzido;

30) Com base na fundamentação constante do relatório a que respeita o ponto 24) supra e na decisão mencionada no ponto antecedente, foram emitidas oficiosamente pela Segurança Social, em nome da Impugnante, as Declarações de Remunerações, no valor global de 118.921,44 EUR, relativas aos períodos de 2017/06 a 2020/12 no valor global de 118.921,44 EUR - cfr. documentos a fls. 27 a 51 dos autos, que se dão aqui por integralmente reproduzidos;

31) Em 04-02-2022, a Impugnante recebeu o Ofício através do qual foi informada da emissão das declarações mencionadas no ponto antecedente, em conformidade com os mapas em anexo ao mesmo, constando deste ofício, designadamente, o seguinte:

« Texto no original»

‘(...)” - cfr. documentos a fls. 306 a 356 dos autos, que se dão aqui por integralmente reproduzidos.


*

Não existem factos a dar como não provados com interesse para a decisão a proferir.

*

A decisão da matéria de facto relevante para a decisão da causa efetuou-se com base no exame dos documentos e informações oficiais constantes dos autos, bem como, do PAT, conforme é especificado em cada um desses pontos da matéria de facto provada.

Especificamente quanto ao facto a que respeita o ponto 1) da fundamentação de facto, será de referir que o mesmo foi dado como provado com base nas apólices de seguro emitidas em nome da Impugnante e a ela dirigidas pelas Seguradoras aí identificadas, a fls. 497 a 521 do PAT.

Já quanto ao ponto 15) da fundamentação de facto, esclarece-se que o Tribunal o deu como provado porquanto os valores apurados pela Segurança Social nos “Mapas de apuramento de remunerações” referentes a cada um dos anos em causa relativos aos montantes processados sob a designação “utilização de viatura” coincidem com os valores relativos a utilização de viatura constantes dos documentos a fls. 539 a 1094 do PAT e, ainda, com os valores constantes da relação de recibos emitidos em 2020 a fls. 1446 do PAT, não tendo de resto a Impugnante colocado em causa a inscrição de tais montantes a débito e a crédito na conta 2311, colocando, apenas, em causa que realizou efetivos pagamentos em dinheiro desses valores.»


B.DE DIREITO

Ø Recurso da Impugnante

A impugnante começa por invocar nulidade da sentença por excesso de pronúncia na medida em que o Tribunal recorrido conheceu de questões que não lhe foram colocadas na apreciação que fez das correcções oficiosas das verbas incluídas nas rubricas “Seguros de Vida” e “utilização de viatura”.

Trata-se de nulidade expressamente prevista na alínea d) do n.º 1 do art.º 615.º do CPC, com correspondência, em processo tributário, no art.º 125.º, n.º 1, do CPPT, que dispõe:
«Constituem causas de nulidade da sentença a falta de assinatura do juiz, a não especificação dos fundamentos de facto e de direito da decisão, a oposição dos fundamentos com a decisão, a falta de pronúncia sobre questões que o juiz deva apreciar ou a pronúncia sobre questões que não deva conhecer».

Prende-se esta nulidade com o disposto no art.º 608.º, n.º 2 do CPC, que estabelece: «O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras».

Como se refere no sumario doutrinal do Ac. do Supremo Tribunal de Justiça, de 11/29/2005, tirado no proc.º 05S2137, «2. O excesso de pronúncia ocorre quando o tribunal conhece de questões que não tendo sido colocadas pelas partes, também não são de conhecimento oficioso.
3. As questões não se confundem com os argumentos, as razões e motivações produzidas pelas partes para fazer valer as suas pretensões.
4. Questões, para efeito do disposto no n.º 2 do art.º 660.º do CPC (corresponde ao actual 615.º), não são aqueles argumentos e razões, mas sim e apenas as questões de fundo, isto é, as que integram matéria decisória, os pontos de facto ou de direito relevantes no quadro do litígio, ou seja, os concernentes ao pedido, à causa de pedir e às excepções.».

Com este pano de fundo, desçamos aos autos.

Pretende a Recorrente, a propósito das correcções oficiosas à rubrica “Seguros de Vida”, que a questão a dirimir se resumia a saber se os prémios dos seguros de vida de que beneficiavam os MOE estavam sujeitos a contribuições para a segurança social. Ora, alega, a sentença debruçou-se também sobre a questão de saber os montantes processados na rubrica seguros de vida estavam todos suportados em contratos de seguro, tendo concluído negativamente relativamente a parte dos montantes processados. E, no entendimento de que, no caso dos montantes processados na rubrica seguros de vida sem suporte contratual, “apenas se pode concluir que se tratam de montantes pagos aos MOE da Impugnante”, sobre eles não fez recair o juízo de ilegalidade que dirigiu às correcções dos montantes inscritos e comprovadamente correspondentes a prémios de seguros de vida de que beneficiavam os MOE da impugnante.

Ora, salvo o devido respeito, não nos parece que assista razão à Recorrente. Com efeito, sendo embora certo que a impugnante se limitou na P.I. a invocar a ilegalidade da sujeição a contribuição dos montantes processados na rubrica seguros de vida, a verdade é que na contestação apresentada, a segurança social alega, a propósito da rubrica em análise, no artigo 47.º que «Acresce que, na verdade nesta situação em concreto e apesar de se encontrarem processados valores mensais sob a designação “seguros de vida” não foram trazidos ao processo comprovativos da subscrição de qualquer produto financeiro», aliás na linha do que já constava do relatório de averiguação: «Dos elementos recolhidos não resulta comprovado que os valores das apólices correspondam aos valores mensais processados».

Não se constata, pois, que a sentença se tenha debruçado sobre questão não colocada pelas partes, o que afasta o apontado vício de nulidade por excesso de pronúncia.

No que em particular respeita à rubrica “utilização de viaturas”, invocava a impugnante na P.I. não existir qualquer valor processado a considerar na base de incidência contributiva, porquanto e transcrevemos:
«
57. Como amplamente documentado em sede inspetiva, existem diversos contratos de utilização de viaturas celebrados com os colaboradores.
58. Este valor, desse contrato, considerado como um rendimento em espécie não é efetivamente pago, sendo declarado somente para efeitos de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares.
59. Ou seja, não existe qualquer valor a considerar para efeitos de base de incidência.»,

A sentença pronunciou-se nos seguintes termos e reportamo-nos ao segmento que interessa:
«
(…)
Ora, sucede que a Impugnante nem na presente sede, nem em sede de audição prévia, apresenta qualquer explicação para esta discrepância, limitando-se a alegar que os rendimentos em causa são inseridos na DMR correspondente, através do código A66 - sem juntar quaisquer comprovativos dessas inscrições - e que não configuram uma compensação de viatura própria do trabalhador ao serviço da empresa, sendo antes um valor relativo à utilização de viaturas da empresa e que, como amplamente documentado em sede inspetiva, existem diversos contratos de utilização de viaturas celebrados com os colaboradores, sendo que os valores previstos nesses contratos, considerados como rendimentos em espécie não são efetivamente pagos, sendo declarados somente para efeitos de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares.
No entanto, não explica porque é que os valores processados não coincidem na sua grande maioria com os valores indicados nos contratos.».

Como se vê, não há qualquer pronúncia indevida, uma vez que é a própria impugnante que na P.I. refere existirem diversos contratos de utilização de viaturas e que o valor neles mencionado, não é efectivamente pago, não havendo base de incidência contributiva.

A análise efectuada pelo Tribunal a quo da convergência dos valores constantes dos contratos de utilização de viaturas celebrados com colaboradores com o valor processado pela impugnante na rubrica “utilização de viatura” constitui matéria factual que integra a causa de pedir formulada no articulado inicial.

Improcede também a invocada nulidade da sentença por excesso de pronúncia quanto ao tema da rubrica “utilização de viatura”.

Concluindo não se verificar excesso de pronúncia, uma vez que o Tribunal recorrido não conheceu de questões que não integravam a causa de pedir e o pedido dos articulados iniciais, cai por terra a invocada preterição do princípio do contraditório plasmado no art.º 3.º, n.º 3 do CPC, posto que o juiz não decidiu “questões de direito ou de facto, mesmo de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem”, lembrando-se que a impugnante foi notificada da contestação.

Outrossim, pretende a Recorrente que a sentença violou o princípio do inquisitório e da verdade material. Assim entende porquanto, a seu ver, o Tribunal a quo conheceu da questão nova da correspondência dos valores dos prémios das apólices de seguro de vida juntas aos autos com os montantes processados a esse título e objecto de correcção oficiosa e da correspondência dos contratos de utilização de viatura juntos aos autos com os montantes processados a esse título e também objecto de correcção oficiosa, sem que tenha diligenciado, perante a constatação da falta de correspondência entre os valores processados e contratualizados, obter qualquer esclarecimento da impugnante ou ordenada instrução complementar.

Estabelece o art.º 13.º, n.º 1 do CPPT: «Aos juízes dos tribunais tributários incumbe a direcção e julgamento dos processos da sua jurisdição, devendo realizar ou ordenar todas as diligências que considerem úteis ao apuramento da verdade relativamente aos factos que lhes seja lícito conhecer», na linha do que viria a ser consagrado no art.º 411.º do CPC.

Todavia, como a jurisprudência já tem assinalado, este poder-dever do juiz não tem o alcance de dispensar a parte de juntar tempestivamente as provas (com respeito pelos prazos legais), nem deve tão-pouco permitir à parte furtar-se ao incumprimento da junção da prova dentro do respectivo prazo, como não constitui um dever do juiz que se sobreponha ou substitua ao ónus de prova a cargo das partes, nem destinado a colmatar o fracasso destas – vd. Ac. do Supremo Tribunal de Justiça, de 24/02/2015, Proc. 863/08, SuM...........s, 2015, p.105, citado por Abílio Neto, “NCPC – Anotado, 4.ª edição, Março/2017, anotação 13 ao art.º 411.º e Ac. do Tribunal da Relação de Guimarães, de 02/18/2016, tirado no proc.º 2734/10.2TJVNF-A.G1.

Estabelece o art.º 108.º, n.º 3 do CPPT, que «Com a petição, o impugnante oferece os documentos de que dispuser, arrola testemunhas e requererá as demais provas que não dependam de ocorrências supervenientes».

Caso resulte da instrução dos autos qualquer necessidade de adequação probatória, ou o juiz fique com dúvidas sobre a existência dos factos em discussão em vista da prova produzida, então sim, deverá fazer uso do poder que lhe é conferido pelo art.º 13.º do CPPT.

Mas não é o que se constata no caso vertente pois o juiz não introduziu nos autos, contrariamente ao que pretende a Recorrente, qualquer questão nova que suscitasse adequação probatória, nem teve qualquer dúvida sobre a existência dos factos em discussão, antes concluiu não haver prova sobre a exacta correspondência dos valores contratualizados e os processados nas rubricas seguros de vida e utilização de viatura, matéria que já constava do procedimento administrativo e foi trazida aos autos pelas partes nos respectivos articulados iniciais, integrando a causa de pedir.

Não se verifica, pelas indicadas razões, violação do princípio do inquisitório e da verdade material que constitua nulidade processual subsumível no art.º 195.º do CPC, improcedendo este segmento do recurso.

Prosseguindo, invoca ainda a Recorrente como causa de nulidade da sentença a oposição dos fundamentos com a decisão, vício previsto na alínea c) do n.º 1 do art.º 615.º do CPC.

Como se deixou consignado no sumário doutrinal do Ac. do Supremo Tribunal de Justiça, de 05/20/2021, tirado no proc.º 69/11.2TBPPS.C1.S1, «I. A oposição entre os fundamentos e a decisão corresponde a um vício lógico do acórdão — se, na fundamentação da sentença, o julgador seguir determinada linha de raciocínio, apontando para determinada conclusão, e em vez de a tirar, decidir noutro sentido, oposto ou divergente, a oposição será causa de nulidade da sentença.
II. Enquanto vício lógico, a oposição entre os fundamentos e a decisão distingue-se da errada interpretação de uma determinada disposição legal, sindicável em sede de recurso.».

Ora, afirmar o tribunal que no caso dos prestadores José ............ e Luís ............, está em causa uma relação contributiva competindo à segurança social qualificar o respectivo vínculo jurídico e depois concluir tratar-se, naqueles dois casos, de uma relação laboral sujeita à base de incidência contributiva com recurso à presunção do art.º 12.º do Cód. do Trabalho, não encerra qualquer contradição entre os fundamentos e a decisão. Poderá haver contradição entre fundamentos, mas tal reconduz-se a eventual erro de julgamento, que a Recorrente também invoca, não integrando o vício mais gravoso da nulidade.

Improcede a arguida nulidade da sentença por oposição dos fundamentos coma decisão.

Por último, entende a Recorrente que os factos dados como provados não suportam a conclusão de que os prestadores de serviços José ............ e Luís ............ tinham contrato de trabalho com a impugnante, de modo a integrarem a base de incidência contributiva.

Como se deixou consignado no recente Ac. deste Tribunal Central Administrativo Sul, de 05/29/2024, exarado no proc.º 1347/19.8BELRA, «O contrato de trabalho dependente distingue-se do contrato de prestação de serviços pela integração do trabalhador dependente na estrutura hierárquica da empresa, com consequente dependência jurídica em relação ao beneficiário do trabalho, que não ocorre no contrato de prestação de serviços; na prática, tal distinção pode ser bastante difícil de fazer, pelo que se exige a análise casuística de todas as condições do exercício da atividade, importando especialmente ponderar o grau de autonomia ou dependência na escolha do lugar e tempo de prestação do trabalho e da titularidade das ferramentas utilizadas, bem como a aceitação ou emissão de ordens no âmbito dos poderes de direção e de administração da empresa beneficiária do trabalho; além disso deve ser averiguado se os benefícios e retribuições abrangem igualmente os trabalhadores dependentes e os outros, incluindo nos períodos de férias e aquando das deslocações ao serviço da empresa, e se, havendo prestações de serviços a vários clientes, se trata de pluriemprego ou de pluralidade de verdadeiras prestações de serviço e se liquida IVA sobre essas prestações de serviços.».

Pois bem, para validar a correcção oficiosa da segurança social assente na requalificação do vínculo jurídico existente entre José ............ e Luís ............ e a impugnante, de prestação de serviços para contrato de trabalho sujeito à base de incidência contributiva, a sentença deixou vertida a seguinte linha de raciocínio:

«Atentando na fundamentação constante do Relatório que está na origem das liquidações impugnadas verifica-se que a Segurança Social invoca precisamente este artigo 12.° [CT] para considerar que se está, nas duas situações agora em análise, perante contratos de trabalho.

No entanto, conforme se explicitou na citada jurisprudência, têm de se encontrar verificados pelo menos dois dos pressupostos previstos no referido artigo para que opere a presunção prevista naquele artigo.

Atentando na factualidade apurada pela Segurança Social, designadamente, através das declarações dos próprios “prestadores de serviços” [cfr. pontos 19) e 20) da fundamentação de facto], que não é colocada em causa pela Impugnante, constata-se que se verifica que quer Luís ............, quer José Suzano trabalhavam apenas nas instalações da Impugnante, e que ambos utilizavam ferramentas e roupas disponibilizadas pela empresa.

Assim, verificam-se pelo menos dois dos pressupostos previstos no citado artigo, operando a referida presunção.

Atentando na alegação da Impugnante, afigura-se que esta não logra fazer prova que não existe um contrato de trabalho quanto a estes dois “prestadores de serviço”, até porque se limita a dar explicações, meramente conclusivas para os factos apurados pela Segurança Social, acabando por até confirmar a verificação de tais factos.».

Ora, salvo o devido respeito, este modo de ver enferma de manifesto erro de julgamento na medida em que a presunção de contrato de trabalho prevista no art.º 12.º do Cód. do Trabalho de 2009, não opera na caracterização do vínculo jurídico no âmbito da relação contributiva, não estando a segurança social, desprovida de qualquer presunção legal a seu favor (art.º 344.º, n.º 1 do Cód. Civil), dispensada de demonstrar a base indiciária que a levou a requalificar como contrato de trabalho o vínculo de prestação de serviços formalmente estabelecido entre José ............ e Luís ............ e a impugnante.

A base indiciária coligida pela Segurança Social e para que remete a sentença (pontos 19 e 20 do probatório) é a seguinte (síntese nossa):
- Local de trabalho nas instalações fabris da impugnante;
- Os instrumentos de trabalho pertenciam à empresa, no caso de José ............, também utilizava os seus próprios instrumentos;
- A empresa fornecia equipamento de protecção;
- Havia registo de assiduidade;
- Recebiam orientações do Encarregado de Sector relativamente à execução do trabalho.

Por outro lado, como indícios de sentido contrário, emitiam facturas e o valor era pago por hora de trabalho, Luís ............ não tinha horário de trabalho certo e não prestou serviços exclusivamente à empresa agora recorrente.

Os elementos indiciários conjugados com os indicadores de sentido contrário não são suficientes, afastada a aplicação da presunção legal do art.º 12.º do Cód. do Trabalho de 2009, para se concluir, nas duas situações em apreço, estarmos substantivamente perante vínculos jurídicos de contrato de trabalho e não perante prestações de serviços.

É que, como se ponderou a propósito de factualidade muito idêntica à dos autos no citado AC. deste TCAS, de 05/29/2024, «…o facto de a atividade ser realizada nas instalações da sociedade [Recorrente] e com alguns equipamentos (…) não pode ser determinante da natureza do vínculo laboral, sabido que é que os trabalhadores livres prestam os seus serviços muitas vezes, talvez na maior parte dos casos, no “local da obra”, e não nas suas próprias instalações.
(…)
…também se considera irrelevante, por si só, o facto de a atividade ser exercida no local indicado pela entidade beneficiária do serviço e com instrumentos e vestuário cedidos pela mesma entidade.
(…)
É claro que todas as organizações, individuais ou coletivas, precisam de uma certa “disciplina”, imposta pela racionalidade e pela natureza das coisas, designadamente quanto ao início, suspensões e termo da atividade.
Nas empresas com trabalhadores dependentes, essa disciplina designa-se “horário de trabalho” e, embora seja fixado pela entidade empregadora, é regulado pela lei e destina-se essencialmente a proteger os direitos dos trabalhadores, designadamente o seu direito à paragem do trabalho para alimentação, repouso e contacto com a família.
Identicamente, os trabalhadores independentes também precisam desse tipo de disciplina, embora se possam permitir, a si mesmos, maior elasticidade na escolha do momento e duração das pausas, de maneira a conseguir algum equilíbrio entre a necessidade de trabalhar e de obter rendimentos e a necessidade de descansar e de gozar a vida junto dos seus familiares e amigos. Esse equilíbrio impõe-se porque, se, de certa forma, o trabalho liberta e dignifica, na medida em que garante rendimentos indispensáveis à vida digna moderna, ele essencialmente oprime, porque obriga a prescindir de parte do nosso tempo de vida para prestar serviço a favor de outrem.
O facto de os trabalhadores independentes precisarem de algum tipo de registo das horas de trabalho prestado, designadamente quanto ao início, suspensão e termo da atividade diária, não significa exatamente que existe um “horário de trabalho”, na aceção acima explicitada, mas apenas que lhe interessa garantir o controlo da base de cálculo do valor a cobrar ao beneficiário dos seus serviços.
Sabe-se, por experiência da vida, que esse valor consiste geralmente no preço orçamentado para o resultado da obra contratada, mas que, em caso de prestação continuada, também pode consistir na multiplicação do preço de cada hora pelo número total de horas de serviço, sendo o preço/hora apenas uma fração devida por conta do preço total devido a final, podendo, segundo os hábitos, o pagamento deste ser fracionado ao dia, à semana ou ao mês, conforme a vontade das partes.
Quanto ao pagamento de retribuição certa e periódica ao prestador do trabalho (…), uma vez que o trabalho era remunerado (…) por hora diária (…), a remuneração correspondente a um mês de trabalho dependia do número de horas de trabalho efetivo, do dia ou da noite, pelo que a remuneração variava em função do total de horas trabalhadas em cada mês (…). Assim, a eventual repetição dos valores mensais recebidos seria uma simples coincidência resultante do igual número de horas trabalhadas, sem corresponder a um ordenado mensal fixo.
(…)».

Verifica-se o apontado erro de julgamento da sentença ao validar a correcção oficiosa assente na requalificação dos designados contratos de prestação de serviços em contratos de trabalho e sua sujeição à base de incidência contributiva.

O recurso logra provimento nesta parte.

Tudo visto, é de conceder parcial provimento ao recurso da impugnante e, consequentemente:
i) Revogar a sentença recorrida na parte em que validou a correcção assente na requalificação dos vínculos jurídicos estabelecidos entre a impugnante e José ............ e Luís ............, caracterizando como contratos de trabalho sujeitos à base contributiva as respectivas prestações de serviço, julgando a impugnação procedente nessa parte;
ii) No mais, negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida.

Ø Recurso da Segurança Social

Caducidade das liquidações contributivas oficiosas

Insurge-se a Recorrente contra a sentença por ter julgado verificada a caducidade do direito às liquidações contributivas de Junho/ 2017 a Dezembro/ 2017 (embora a Recorrente refira indevidamente Janeiro/2018, liquidações oficiosas referenciadas a este período não foram abrangidas no julgamento de caducidade).

Em causa estão liquidações contributivas resultantes de correcções oficiosas, não sendo discutível na jurisprudência e na doutrina a aplicação a estas do prazo de caducidade previsto no art.º 45.º da Lei Geral Tributária – vd. Ac. do Supremo Tribunal Administrativo, de 28/05/2014, tirado no proc.º 0220/14, em que se deixou consignado: «Constitui um verdadeiro acto administrativo declarativo de liquidação de um tributo, sujeito ao regime de caducidade previsto no art.º 45º da LGT, uma liquidação de contribuições fixada oficiosamente pelo Instituto de Solidariedade e Segurança Social, com base em declarações de remunerações também oficiosamente elaboradas por esta mesma entidade na sequência de acção de fiscalização».

Na mesma linha pode ver-se o Ac. do mesmo alto tribunal de 2022-05-04 (Processo nº 098/17.2BEALM).

Sendo o prazo de caducidade fixado no art.º 45.º da LGT, o prazo de quatro anos contados desde termo do prazo de cumprimento da obrigação declarativa, esse prazo de quatro anos com relação à divida mais recente (Dezembro/2017) completar-se-ia em Janeiro de 2022, sendo que o contribuinte foi notificado do acto de liquidação em 4 de Fevereiro de 2022.

Diz a sentença que não ocorreram no decurso do prazo de quatro quaisquer causas de suspensão, no entanto, alega a Recorrente que tal não corresponde à verdade porquanto haverá que aplicar os prazos de suspensão previstos na legislação Covid.

Face à situação epidemiológica provocada pelo coronavírus SARS-CoV 2 e da doença do Covid 19, tornou-se imperativo estabelecer medidas excepcionais e temporárias a adoptar para dar resposta às dificuldades que foram surgindo, nomeadamente no acesso aos tribunais e ao cumprimento dos prazos.

Nesse sentido, surgiu a Lei 1-A/2020 de 19 de Março que estabeleceu um conjunto de medidas de carácter urgente, nomeadamente e no que respeita à suspensão dos prazos de prescrição e caducidade, previu o artigo 7º n.º 3 que “A situação excecional constitui igualmente causa de suspensão dos prazos de prescrição e de caducidade relativos a todos os tipos de processos e procedimentos. e no n.º 4 que “O disposto no número anterior prevalece sobre quaisquer regimes que estabeleçam prazos máximos imperativos de prescrição ou caducidade, sendo os mesmos alargados pelo período de tempo em que vigorar a situação excecional.”.

Este artigo foi revogado pelo art.º 8.º da Lei 16/2020 de 29 de Maio, cujo art.º 6.º estabelece: «Sem prejuízo do disposto no artigo 5.º, os prazos de prescrição e caducidade que deixem de estar suspensos por força das alterações introduzidas pela presente lei são alargados pelo período de tempo em que vigorou a sua suspensão», sendo que a suspensão dos prazos operou entre 09 de Março e 03 de Junho de 2020.

No entanto, devido ao agravamento da situação epidemiológica, os prazos de prescrição e caducidade vieram a ser, uma vez mais, suspensos no presente ano através da Lei n.º 4-B/2021, de 01 de Fevereiro, mas em termos mais restritos como se alcança do seu artigo 6º-B n.º 3 que refere: “São igualmente suspensos os prazos de prescrição e de caducidade relativos a todos os processos e procedimentos identificados no n.º 1”, revogado, posteriormente, pelo art.º 6.º da Lei n.º 13-B/2021 de 5 de Abril. Com efeito, os prazos abrangidos foram suspensos de 01 de Fevereiro a 05 de Abril de 2021 (art.º 7.º).

Esse n.º 1 do art.º 6.º-B, da Lei n.º 4-B/2021, de 1 de Fevereiro, dispunha: “São suspensas todas as diligências e todos os prazos para a prática de atos processuais, procedimentais e administrativos que devam ser praticados no âmbito dos processos e procedimentos que corram termos nos tribunais judiciais, tribunais administrativos e fiscais, Tribunal Constitucional e entidades que junto dele funcionem, Tribunal de Contas e demais órgãos jurisdicionais, tribunais arbitrais, Ministério Público, julgados de paz, entidades de resolução alternativa de litígios e órgãos de execução fiscal, sem prejuízo do disposto nos números seguintes”.

Ora, não estando o procedimento das liquidações oficiosas da segurança social abrangido pelo n.º1 do art.º 6.º-B, da Lei n.º 4-B/2021, para que remete o n.º 3, não ocorreu suspensão do prazo de caducidade das liquidações impugnadas naquele período de 01 de Fevereiro a 05 de Abril de 2021.

O Código Civil prevê a suspensão dos prazos de caducidade, no seu artigo 328º, referindo que “O prazo de caducidade não se suspende nem se interrompe senão nos casos em que a lei o determine”. Trata-se, portanto, de matéria de reserva de lei, o que foi observado.

Não vemos que os períodos de suspensão aplicáveis e consequente prolongamento do prazo de caducidade por período correspondente “…resulte da opção do legislador em restringir a suspensão do prazo de caducidade apenas à prática de actos pelos particulares e, já não, por entidades como o ISS.”, como pretende a Recorrida.

Para além de tal interpretação não ter qualquer apoio na letra da lei (art.º 9.º, n.º 2 do Cód. Civil), a suspensão dos prazos foi estabelecida em benefício de ambas as partes uma vez que os serviços da segurança social e os seus recursos humanos também sofreram o impacto da situação pandémica, justificando-se igualmente as medidas de prevenção.

Vejamos que impacto teve na contagem do prazo de caducidade das liquidações impugnadas a suspensão verificada entre 09 de Março e 03 de Junho de 2020, a única que temos por aplicável.

Ora, descontado na contagem do prazo de caducidade o período de suspensão de 87 dias – contado nos termos do disposto no art.º 279.º do Cód. Civil – resulta que apenas foram notificadas ao contribuinte após o decurso do prazo de caducidade as contribuições de Junho/2017 a Setembro/2017 (cuja obrigação declarativa se reporta ao dia 10 do mês seguinte – art.º 40.º do Cód. dos Regimes Contributivos), mas não as de Outubro/2017 a Dezembro/2017.

Este fundamento do recurso merece parcial provimento, julgando-se apenas notificadas fora do prazo de caducidade, as liquidações contributivas de Junho/2017 a Setembro/2017, revogando-se o julgado na parte em julgou verificada a caducidade das liquidações oficiosas referenciadas a Outubro/2017, Novembro/2017 e Dezembro/2017.
Seguros de Vida

Mostra o probatório que a impugnante processou na rubrica “Seguros de Vida” valores, parte dos quais documentados em apólices de seguro que tinham por beneficiários os membros de órgãos estatutários e cuja correcção oficiosa a sentença entendeu ser de não validar uma vez que a norma do art.º 46.º, n.º 2 alínea x) do Cód. dos Regimes Contributivos, que especificamente prevê esse tipo de benefício, não entrou em vigor por falta de regulamentação, como disposto nos artigos 4.º e 6.º, da Lei n.º 100/2009, de 16 de Setembro, que aprovou aquele Cód. dos Regimes Contributivos (vd. ponto 1. do probatório).

A Recorrente entende, em suma, que sendo certo que aquela norma não está a ser executada por falta de regulamentação, a verdade é que a situação factual em causa se subsume (também) em outros preceitos do Código relativos à base de incidência contributiva.

Dada a natureza de contencioso de mera anulação das impugnações judiciais, independentemente do que a Recorrente agora alegue em abono da subsunção normativa da situação factual em apreço, o que importa é saber da legalidade da subsunção normativa que foi feita no relatório de averiguações em que foram propostas as correcções oficiosas, ou seja, se a situação factual em causa se subsume no n.º 5 do art.º 46.º do Cód. dos Regimes Contributivos, segundo o qual, «Constituem base de incidência contributiva, além das prestações a que se referem os números anteriores, todas as que sejam atribuídas ao trabalhador, com carácter de regularidade, em dinheiro ou em espécie, directa ou indirectamente como contrapartida da prestação do trabalho».

Vejamos. Dispõe o art.º 46.º do CRC, relativo à delimitação da base de incidência contributiva, no segmento pertinente:
«Artigo 46.º
Delimitação da base de incidência contributiva
1 - Para efeitos de delimitação da base de incidência contributiva consideram-se remunerações as prestações pecuniárias ou em espécie que nos termos do contrato de trabalho, das normas que o regem ou dos usos são devidas pelas entidades empregadoras aos trabalhadores como contrapartida do seu trabalho.
2 - Integram a base de incidência contributiva, designadamente, as seguintes prestações:
(…)
x) Os valores despendidos obrigatória ou facultativamente pela entidade empregadora com aplicações financeiras, a favor dos trabalhadores, designadamente seguros do ramo «Vida», fundos de pensões e planos de poupança reforma ou quaisquer regimes complementares de segurança social, quando sejam objecto de resgate, adiantamento, remição ou qualquer outra forma de antecipação de correspondente disponibilidade ou em qualquer caso de recebimento de capital antes da data da passagem à situação de pensionista, ou fora dos condicionalismos legalmente definidos;
(…)
5 - Constituem base de incidência contributiva, além das prestações a que se referem os números anteriores, todas as que sejam atribuídas ao trabalhador, com carácter de regularidade, em dinheiro ou em espécie, directa ou indirectamente como contrapartida da prestação do trabalho.».

Nos termos do art.º 66.º, n.º 1 do CRC, «Sem prejuízo do disposto nos artigos 44.º e seguintes, a base de incidência contributiva dos membros dos órgãos estatutários corresponde ao valor das remunerações efetivamente auferidas em cada uma das pessoas coletivas em que exerçam atividade, com o limite mínimo igual ao valor do IAS».

Não estando a norma da alínea x) do art.º 46.º em vigor por falta de regulamentação, é como se ela não existisse, da mesma não se podendo extrair qualquer leitura interpretativa de “jure constituto”, pelo que, na linha do propugnado pela Recorrente, haverá que indagar se a situação factual não encontra enquadramento noutras normas relativas à delimitação da base de incidência contributiva, nomeadamente naquele n.º 5 do art.º 46.º do CRC.

Ora, basta atentar nos pontos 1. e 2. do probatório para se concluir mensalmente, entre Junho/2017 e 2020, foram abonadas aos MOE quantias suportadas em apólices de seguros de vida e, como resulta do transcrito relatório de averiguações (ponto 26 do probatório, págs. 44 e ss. e 54 e ss. supra) atribuídas em razão do exercício de funções, uma vez que cessada funções de gerência, a mesma deixa de ser processada e paga, “assumindo natureza retributiva proveniente do exercício de actividade profissional na entidade averiguada”.

A situação factual reúne os requisitos de que depende a aplicabilidade da norma do n.º 5 do art.º 46.º do CRC, como entendido no relatório de averiguações e na linha do propugnado pela Recorrente, pelo que a sentença recorrida, ao não validar esta correcção oficiosa, incorreu em erro de julgamento, não podendo manter-se na ordem jurídica neste segmento, julgando-se procedente este fundamento do recurso.

Fica prejudicado o conhecimento da arguida nulidade da sentença por ambiguidade ou obscuridade, prevista na alínea c) do n.º 1 do art.º 615.º do CPC, aferida aos montantes processados na rubrica “Seguros de Vida” que a sentença anulou.

Falta de processamento da remuneração base ao MOE F…………….. nos períodos em que esteve de Licença Parental e em que auferiu Ajudas de Custo e prestações da rubrica “utilização de viatura”.

Invoca a Recorrente erro de julgamento da sentença ao fazer recair sobre a Segurança Social o ónus de demonstrar que foi efectivamente paga ao MOE F…………… a remuneração base durante os períodos em que esteve de Licença Parental e em que lhe foram comprovadamente processadas Ajudas de Custo e prestações da rubrica “utilização de viatura”.

Sobre o tema a sentença ponderou, entre o mais, o seguinte:
«
Ora, desta fundamentação [do relatório de averiguações], constata-se que efetivamente e conforme alega a Impugnante, esta não procedeu ao pagamento de “salários” ao seu MOE F.......... …………. no período em que esteve de licença de parentalidade, se entendermos como tal o pagamento da remuneração base, porquanto a Segurança Social só apurou através da análise da contabilidade da Impugnante, que esta havia processado, em nome daquele, nos períodos em causa, ajudas de custo e prestações com a descrição “utilização de viatura”.

De todo o modo, tal é suficiente para que se conclua que F.......... ………… se encontrou a exercer durante os períodos de licença parental as suas funções de MOE, mais especificamente entre os dias 16 a 18/10/2019 e de 12 a 15/11/2019 uma vez que para que sejam pagas ajudas de custo impõe-se que este se desloque ao serviço da Impugnante. Sendo certo que resultando da alegação da Impugnante que esta, quando se refere a salários, se pretende referir à remuneração base paga mensalmente ao MOE em causa, efetivamente, não se afigura que coloque em causa que naqueles períodos procedeu ao pagamento das ajudas de custo apuradas e que aquele se deslocou ao seu serviço nesses períodos. Também não coloca em causa que durante aquele período processou em nome do referido MOE valores com a descrição “utilização de viatura”.

Como explicita a própria Segurança Social “Pelo disposto dos artigos 63°e 64° [do Decreto-Lei 91/2009, de 4 de abril] os beneficiários têm o dever de comunicar os factos determinantes da cessação do direito aos subsídios no prazo de cinco dias úteis subsequentes à data da verificação dos mesmos. O seu incumprimento, por ação ou omissão, bem como a utilização de meios fraudulentos de que resulte a concessão indevida dos subsídios, constitui contraordenação punível com coima, e determina a restituição dos referidos subsídios nos termos da legislação aplicável.”

Ora daqui resulta que a consequência em caso de incumprimento do referido regime é a restituição dos referidos subsídios, sendo que, logicamente tal restituição deverá ser exigida à pessoa que recebeu os subsídios e não à Impugnante.

No entanto, verifica-se que aquilo que a Segurança Social fez, tendo o MOE F.......... ………..exercido funções nos períodos em causa (não apurando os exatos períodos em que exerceu tais funções) foi presumir que este auferiu a sua remuneração base, normalmente paga noutros períodos, durante todo o período em que esteve de licença parental, tributando a Impugnante no que respeita às contribuições correspondentes. Contudo, como a própria segurança social apurou, nesse período, a Impugnante apenas procedeu ao processamento de ajudas de custo e de prestações com a descrição “utilização de viatura”, nada tendo a Segurança Social apurado quanto ao efetivo processamento da remuneração base.
Daqui resulta que, efetivamente, como a Impugnante alega, não procedeu ao pagamento de “salários”, enquanto sinónimo de remuneração base, ao MOE F.......... ............... e não tendo efetuado tais pagamentos esta não é, de facto, responsável pelo pagamento de contribuições sobre tais remunerações que a Segurança Social presumiu que haviam sido pagas.

Com efeito, se a Segurança Social pretende tributar tais remunerações que apenas presumiu existirem, impõe-se que demonstre que as mesmas foram efetivamente pagas, uma vez que conforme já se explicitou supra, o ónus da prova dos factos constitutivos do seu direito a tributar impende sobe esta(fim de cit.).


Concordamos na G..................dade com este modo de ver. Com efeito, a circunstância de um membro de órgão estatutário ter percebido ajudas de custo e prestações descritas como “utilização de viatura”, que têm natureza compensatória, em período correspondente àquele em que se encontrava de Licença Parental, não permite que se infira que também terá auferido da impugnante a remuneração base, o que a impugnante nega e, tanto quanto se apreende, não há quaisquer outros factos base que apoiem a ilação tirada, no sentido da efectividade do pagamento da remuneração base, nomeadamente indicadores de contabilidade, ainda que não reflectida nas declarações de remunerações.

Face à aplicação subsidiária da Lei Geral Tributária à relação contributiva (art.º 3.º, alínea a), do CRC), haverá que ter em conta o disposto no art.º 75.º, n.º 1 daquela lei, segundo a qual, se presumem verdadeiras as declarações do contribuinte, presunção que só cessa, nos termos do n.º 2 e inverte o ónus da prova em caso de indícios fundados de que os elementos declarados não reflectem a real situação contributiva do contribuinte, indícios que, a nosso ver, a segurança social não recolheu.

Este segmento do recurso não merece provimento, sendo de manter a decisão recorrida na parte em que anulou esta correcção oficiosa.

Tudo visto, é de conceder parcial provimento ao recurso da Segurança Social e, consequentemente:
i) Revogar a sentença recorrida na parte em que julgou verificada a caducidade das contribuições liquidadas com referência aos períodos de Outubro/2017, Novembro /2017 e Dezembro/2017, julgando a impugnação improcedente nessa parte;
ii) Revogar a sentença recorrida na parte em que anulou por erro nos pressupostos a correcção dos montantes processados pela impugnante na rubrica “Seguros de Vida”, suportados em apólices de seguros e julgar a impugnação improcedente nessa parte;
iii) Julgar prejudicado o conhecimento da nulidade da sentença por ambiguidade e obscuridade que a tornam ininteligível no que respeita aos montantes processados em seguros de vida e anulados;
iv) No mais, negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida.

IV. DECISÃO

Por todo o exposto, acordam em conferência os juízes da Subsecção Comum da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em:

Ø Recurso da impugnante
Conceder parcial provimento ao recurso da impugnante e, consequentemente:
i) Revogar a sentença recorrida na parte em que validou a correcção assente na requalificação dos vínculos jurídicos estabelecidos entre a impugnante e José ............ e Luís ............, caracterizando como contratos de trabalho sujeitos à base contributiva as respectivas prestações de serviço, julgando a impugnação procedente nessa parte;
ii) No mais, negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida.

Ø Recurso da Segurança Social
Conceder parcial provimento ao recurso da Segurança Social e, consequentemente:
i) Revogar a sentença recorrida na parte em que julgou verificada a caducidade das contribuições liquidadas com referência aos períodos de Outubro/2017, Novembro /2017 e Dezembro/2017, julgando a impugnação improcedente nessa parte;
ii) Revogar a sentença recorrida na parte em que anulou por erro nos pressupostos a correcção dos montantes processados pela impugnante na rubrica “Seguros de Vida”, suportados em apólices de seguros e julgar a impugnação improcedente nessa parte;
iii) Julgar prejudicado o conhecimento da nulidade da sentença por ambiguidade e obscuridade que a tornam ininteligível no que respeita aos montantes processados em seguros de vida e anulados;
iv) No mais, negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida.

Custas na proporção do decaimento em ambos os recursos, sendo que não é devida taxa de justiça pela Segurança Social no recurso da impugnante por não ter contra-alegado.

Lisboa, 26 de Junho de 2025

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Vital Lopes



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Ana Cristina Carvalho



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Maria da Luz Cardoso