Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
Processo: | 2151/15.8BESNT |
![]() | ![]() |
Secção: | CT |
![]() | ![]() |
![]() | ![]() |
Data do Acordão: | 06/05/2025 |
![]() | ![]() |
Relator: | FILIPE CARVALHO DAS NEVES |
![]() | ![]() |
Descritores: | REVERSÃO GERENTE DE FACTO INSOLVÊNCIA ÓNUS DA PROVA MOMENTO TEMPORAL |
![]() | ![]() |
Sumário: | I - O n.º 1 do art.º 24.º da LGT exige para responsabilização tributária subsidiária a administração efetiva ou de facto, ou seja, o efetivo exercício de funções de gestão e administração, não se satisfazendo com a mera administração nominal ou de direito. II - O momento temporal relevante para determinar o regime da responsabilidade tributária subsidiária que é ao caso aplicável é o da data efetiva e em concreto até à qual deveria ter sido feito o pagamento voluntário, ainda que o tributo em cobrança coerciva se reporte a exercício anterior. III - Exceto no caso de gestão pelo insolvente, determinada na sentença que declara a insolvência, nos termos dos art.ºs 223.º e 224.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, com a sentença de declaração de insolvência, atentos os poderes/deveres do administrador e as apreensões e entrega, a este, de todos os documentos contabilísticos e bens da insolvente, cessa não só a administração de direito como a possibilidade prática de uma administração de facto. IV - Uma vez que o prazo legal de pagamento da dívida exequenda pela devedora originária terminou após a prolação da sentença que declarou a sua insolvência, o Recorrido não é responsável subsidiário ao abrigo do que dispõe a alínea b) do n.º1 do art.º 24.º da LGT, como pretendido pelo órgão de execução fiscal. |
![]() | ![]() |
![]() | ![]() |
Votação: | Unanimidade |
![]() | ![]() |
![]() | ![]() |
Indicações Eventuais: | Subsecção de Execução Fiscal e de Recursos Contraordenacionais |
![]() | ![]() |
![]() | ![]() |
Aditamento: | ![]() |
1 | ![]() |
Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, os juízes que compõem a Subsecção de Execução Fiscal e Recursos Contraordenacionais do Tribunal Central Administrativo Sul I – RELATÓRIO A Fazenda Pública veio apresentar recurso da sentença proferida em 06/02/2018 pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, que julgou procedente a oposição judicial deduzida por J…, melhor identificado nos autos, no processo de execução fiscal («PEF») n.º 3522201401062492, contra si revertido, depois de originariamente instaurado contra a sociedade «V… – C…, S.A.», para cobrança de dívida de Imposto sobre o Valor Acrescentado («IVA»), do exercício de 2011, no valor de 12.647,26 Euros. A Recorrente apresentou alegações, rematadas com as seguintes conclusões: «I. O presente recurso reage contra a douta decisão que julgou procedente a presente Oposição Judicial deduzida por J… enquanto responsável subsidiário, no processo de execução fiscal nº 3522201401062492 instaurado para cobrança das dívidas de IVA de 2011, no montante de € 12.647,26 da sociedade devedora originária “V… – C…, S.A. II. Não se ignora o teor da sentença produzida quando reproduz aquele que é o entendimento da jurisprudência quando infirma a ideia de não existir no nosso ordenamento jurídico uma presunção legal da gerência de facto que se possa inferir da gerência de direito entendendo-se não havia que determinar se a AT tinha ou não recolhido prova do seu exercício pois que a Administração de facto não foi impugnada pelo Oponente. III. Da certidão permanente (CRC) extrai-se que o Oponente era o Administrador Único da devedora originária antes e após o termo legal de pagamento da dívida (23-01-2014), só tendo renunciado em 20-08-2014 (Facto provado 4) e que para a mesma se obrigar carecia apenas da assinatura do seu Administrador. IV. O OEF, na informação que presta nos termos do art. 208º, dá conta da submissão, em 08-07-2010, de declarações fiscais (IES 2009 – doc a fls. 41 do processo executivo), em que o contabilista reconhece como administrador o ora Oponente – facto que cumpria levar ao probatório V. O Oponente sempre se considerou, até à renúncia, em 28-08-2014, administrador da devedora originária. Sucede que, só a partir da declaração de insolvência, se convence que a nomeação de um administrador de insolvência o impossibilita de exercer a administração. Não impugna que o seja. Ele é o Administrador de facto simplesmente em termos de direito (juridicamente) entende que estaria impossibilitado de exercer a administração por poder conflituar com as funções do próprio administrador de insolvência. VI. O Tribunal a quo na sua fundamentação admite (apesar da declaração de insolvência a sociedade) a existência de actividade comercial, ainda que mínima – suportado no disposto no artigo 156.º, n.º 2, CIRE quando permite que a assembleia de credores decida pela cessação da actividade configurando como possível que após a declaração de insolvência a sociedade mantenha actividade, para que se possa aceitar que subsiste, ainda assim, margem para a prática de atos de gestão de facto, sendo certo que ainda que não a mantenha, não perde a personalidade tributária caso efetue operações tributáveis. VII. Considera o tribunal a quo, porém, que, ainda que prossiga com a exploração da empresa, a gestão patrimonial passou para o administrador de insolvência e deixou a esfera dos gestores anteriores. VIII. Todavia, nos termos do art. 81º, nº 1 e 4, do CIRE, a declaração de insolvência priva de imediato o insolvente e respetivos administradores dos poderes de administração e disposição dos bens integrantes da massa insolvente. Não se afirma que a declaração de insolvência priva, tout cours, os respetivos administradores dos poderes de administração e disposição como afirma o tribunal a quo, existindo claro intuito de limitar essa privação aos bens da massa insolvente, não da sociedade. IX. Reconhecendo-se que a sociedade declarada insolvente ainda mantém ou pode manter actividade comercial, relativamente aos poderes de disposição e administração ou gerência tudo quanto não colida com os deveres daquele naturalmente ainda será da responsabilidade deste podendo o próprio atuar. X. O tribunal a quo admite que a devedora originária mantém a representação mas que a gestão patrimonial da massa é do administrador. XI. Como foi dado por provado, a dívida é posterior à declaração de insolvência pelo que de todo o modo a discussão sobre a gestão patrimonial é inócua, tanto mais que o OEF está impedido de reclamar os créditos no processo de falência. Se assim não fosse e ao arrepio do já citado nº 6 do art. 180º, do CPPT, seria a massa insolvente quem ilegalmente responderia pelos créditos objeto da presente Oposição XII. O Tribunal a quo afirma que não é a manutenção dos órgãos sociais que permite concluir pela gestão efetiva da insolvente. É verdade, reconhecemos isso, mas também não o é a gestão patrimonial, que compete ao administrador de insolvência. XIII. Por isso afirmámos que o Oponente não impugna verdadeiramente a administração de facto da sociedade insolvente, simplesmente entende que estava impedido juridicamente de a exercer por via da nomeação do Administrador da Massa Insolvente – facto que simplesmente não corresponde à verdade precisamente porque a Administração da sociedade ainda que insolvente e a sua Massa não se confundem. XIV. Se a administração de facto da devedora originária não foi impugnada, então era forçoso lançar mão da jurisprudência deste Venerando Tribunal Superior produzida no acórdão proferido no processo nº 5066/2011, de 10-01-2012. XV. Impunha-se, pois, ao tribunal a quo, perante a causa de pedir esgrimida, o comportamento processual do Oponente e a prova produzida pela AT que não logrou ser contrariada pelo Oponente convencer-se que este foi seu administrador de facto e que, como tal, a reversão operada pelo OEF recaiu sobre pessoa responsável pelo pagamento da dívida. XVI. A Fazenda Pública, com todo o respeito pela decisão proferida pelo tribunal a quo, não pode deixar de invocar, na sua opinião, os seguintes erros de julgamento: – Não fixação no probatório de factos que deveriam ser dados por provados perante a prova produzida nos autos, exigindo-se que o fosse, e da própria valoração destes elementos que ficou por fazer (cfr. § 7 das presentes motivações), - Por incorreta apreciação jurídica em virtude do facto do Oponente nunca ter logrado impugnar o facto de ser efetivamente o administrador de facto da devedora originária no período da dívida independentemente dos constrangimentos que tivesse relativamente à gestão patrimonial da Massa Insolvente, que estava a cargo do Administrador de Insolvência – à luz da jurisprudência citada no § 26º do presente recurso, mostrando-se violadas as seguintes disposições legais - art. 24º, nº 1, alínea b), do CPPT (cujos pressupostos se mostram verificados); art. 81º, nº 4 e 65º, nº 2, ambos do CIRE Pelo que, ressalvando-se sempre o devido respeito, a douta sentença recorrida não poderá deixar de ser revogada e substituída por acórdão que, reconhecendo os vícios apontados julgue improcedente a presente Oposição Judicial. V/Exas, porém, decidindo não deixarão de fazer sã justiça». * O Recorrido apresentou contra-alegações, formulando as seguintes conclusões:«i. Através de sentença proferida na oposição judicial à execução fiscal n.0 2151/15.8 BESNT, o douto Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra julgou procedente a oposição judicial deduzida pelo ora Recorrido contra o processo de execução fiscal n.0 3522201401062492, instaurado para cobrança coerciva de uma dívida de IVA referente ao ano de 201 1, no valor de € 12.647,26, em era devedora originária a sociedade V… — C…, S.A.; ii. Com efeito, o Tribunal recorrido concluiu, e bem, que a Recorrente não havia demonstrado a administração de facto durante o período a que respeita a dívida, enquanto pressuposto base da reversão, ou seja, como bem sublinha a Sentença recorrida a Recorrente limitou-se a considerar a administração de direito, desconsiderando as circunstâncias factuais decorrentes da declaração de insolvência da sociedade V…, S.A.; iii. Inconformada com aquela douta Sentença, a Recorrente interpôs recurso, tendo nas alegações de recurso invocado, em síntese, que tendo o Recorrido apenas renunciado às funções de administrador único da sociedade devedora originária em 20 de agosto de 2014, ficaria responsável pelo pagamento da liquidação de IVA n.º 13040835 com data limite de pagamento voluntário de 23 de janeiro de 2014; iv. Acontece, porém, que, improcedem, em absoluto, as alegações agora apresentadas pela Recorrente, uma vez que as mesmas continuam a desconsiderar, em absoluto, os efeitos da declaração de insolvência da sociedade V…, S.A. e o facto do administrador de insolvência ter assumido a gestão patrimonial da devedora originária em 30 de agosto de 2011, data da declaração de insolvência da devedora principal; v. A sentença recorrida negou provimento ao fundamento da falta de demonstração, por parte do Recorrido, da insuficiência patrimonial da sociedade devedora originária e considerou prejudicada a apreciação da culpa do Recorrido em resultado da procedência da oposição judicial com fundamento na falta de demonstração do exercício do cargo de gestão após a declaração da insolvência; vi. Relativamente à falta de demonstração, por parte da ora Recorrente, do efetivo exercício, por parte do Recorrido, das funções de administrador da sociedade devedora originária ficou demonstrado através das presentes contra-alegações que improcedem, em absoluto, as alegações da Recorrente; vii. Conforme decorre da matéria de facto dada como provada, em 30 de agosto de 2011, foi proferida sentença de declaração de insolvência da sociedade V…, SA, no processo n.º 1106/11.6TYLSB pelo Tribunal de Comércio de Lisboa (ponto 1. da matéria de facto dada como provada); viii. Resulta também da matéria de facto dada como provada que a sentença que declarou a insolvência da sociedade V…, SA nomeou como administrador da insolvência o Dr. J… (cfr. ponto 2. da matéria de facto dada como provada pela Sentença recorrida); ix. Resulta, ainda, da matéria de facto dada como provada que entre 2008 e 12 de agosto de 2014 o Recorrido foi administrador único da sociedade V…, SA, data em que renunciou ao cargo (cf. certidão do registo comercial, junto a fls. 38 dos autos” (cfr. ponto 3. da matéria de facto dada como provada); x. Como muito bem sublinha a Sentença recorrida, sendo possível a reversão por dívidas posteriores à declaração da insolvência, a mesma apenas poderá ocorrer desde que preenchidos os requisitos legais, ou seja, é necessário que a anterior gestão da sociedade devedora originária tenha, no momento em que essas dívidas surgem, a gestão efetiva da devedora originária, prova essa que não foi produzida pela Recorrente; xi. Determina o artigo 81.º, n.º 1 do CIRE sob a epígrafe “Transferência dos poderes de administração e disposição” que “(…) a declaração de insolvência priva imediatamente o insolvente, por si ou pelos seus administradores, dos poderes de administração e de disposição dos bens integrantes da massa insolvente, os quais passam a competir ao administrador da insolvência.” xii. Sendo que, de acordo com o disposto n.º 4, do artigo 81.º do CIRE “O administrador da insolvência assunte a representação do devedor para todos os efeitos de carácter patrimonial que interessem à insolvência.”. xiii. Ou seja, após a declaração de insolvência, concentram-se no administrador de insolvência todos poderes de gestão patrimonial da sociedade insolvente, entendimento que sai reforçado pela análise do artigo 149.º e 150.º do CIRE, disposições legais que estabelecem que proferida a sentença declaratória da insolvência, procede-se à imediata apreensão dos elementos da contabilidade e de todos os bens integrantes da massa insolvente e, bem assim, o poder de apreensão resulta da declaração de insolvência, devendo o administrador da insolvência diligenciar no sentido de os bens lhe serem imediatamente entregues; xiv. Não restam, pois, quaisquer dúvidas que a partir da declaração de insolvência, declarada em 30 de agosto de 201 1, o Recorrido deixou de ter quaisquer poderes de gestão, de facto, da sociedade V…, S.A., passando estes a estar concentrados no administrador de insolvência; xv. Assim sendo, e embora a lei permita, no artigo 156.º. n.º 2, do CIRE, que a insolvente mantenha a sua atividade, salvaguarda que a administração passou para a esfera do administrador de insolvência, privando a anterior gestão de quaisquer poderes de gestão; xvi. Deverá, pois, concluir-se, em consoância com o que foi decidido pelo Tribunal a quo que após a declaração de insolvência, ocorrida em 30 de agosto de 201 1, a gestão patrimonial da sociedade V…, S.A. passou a estar concentrada no administrador de insolvência, sendo este o responsável único pelo incumprimento de qualquer obrigação vencida após a declaração de insolvência; xvii. Em face do exposto, não restam quaisquer dúvidas de que embora o Recorrido tenha sido administrador da sociedade devedora originária até 12 de agosto de 2014, desde a declaração de insolvência, declarada em 30 de agosto de 2011, não dispunha de poderes para administrar a sociedade devedora originária e, consequentemente, para tomar qualquer decisão relativamente ao cumprimento ou incumprimento de obrigações fiscais, nomeadamente, e no caso vertente para o pagamento da liquidação oficiosa de IVA n.º 13040835 para o período de 2011. (cfr. ponto 7 da matéria de facto dada como provada); xviii. Em suma, a ora Recorrente não logrou demonstrar, como lhe competia, por força do disposto no artigo 24.º n.º 1, alínea b), da LGT, que o Recorrido exerceu, de facto, a gestão da sociedade V…, S.A. após a declaração da insolvência, incumprindo, pois, com ónus da prova que sobre esta recaia; xix. Aliás, como também muito bem refere a douta Sentença recorrida em matéria de cumprimento de obrigações fiscais, após a declaração da insolvência, determina o artigo 65.º, n.º 5, do CIRE que “As eventuais responsabilidades fiscais que possam constituir-se entre a declaração de insolvência e a deliberação referida no n.º 3 são da responsabilidade daquele a quem tiver sido conferida a administração da insolvência, nos termos dos números anteriores.”; xx. O que significa que estando em causa uma liquidação oficiosa de IVA de 2011 com data limite de pagamento de 23 de janeiro de 2014, a responsabilidade pelo seu não pagamento apenas pode recair sobre o administrador de insolvência que exercia, desde 31 de agosto de 2011, a gestão de facto da sociedade devedora originária; xxi. Esta questão não é sequer nova na jurisprudência dos Tribunais Superiores, tendo este douto Tribunal Central Administrativo Sul, muito recentemente, esclarecido que "(...) É pressuposto da responsabilidade subsidiária o exercício de facto da gerência, cuja prova itmpende sobre a Fazenda Pública, enquanto entidade que ordena a reversão da execução. 6. Como decorre do artº 81, n os.1 e 4, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (C.I.R.E.), a declaração de insolvência priva imediatamente o insolvente, por si ou pelos seus administradores/gerentes, dos poderes de administração e de disposição dos bens integrantes da massa insolvente, os quais passam a competir ao administrador da insolvência. (...) Na verdade, perante a amplitude de poderes e funções que o administrador de insolvência passa a assumir, contrai também a responsabilidade sobre as dívidas tributárias vencidas após a declaração de insolvência (cfr.artº.172, n.º.3, C.I.R.E.), que por ele não sejam pagas na data dos respectivos vencimentos." (cfr. acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul proferido, em 27 de setembro de 2018, no processo n.º 1592/14.2BESNT); xxii, Em face do exposto, não restam quaisquer dúvidas de que o ora Recorrido não exerce, desde a declaração da insolvência, ocorrida em 30 de agosto de 2011, a gerência de facto da sociedade V…, S.A., a qual passou a ser assumida, exclusivamente, pelo administrador de insolvência, o qual passou a ser responsável pelo cumprimento das obrigações fiscais nos termos e para os afeitos do disposto no artigo 65.º, n.º 5, do CIRE; xxiii. Assim sendo, é manifesta a absoluta improcedência das alegações de recurso da Requerente, devendo, pois, este douto Tribunal de recurso confirmar a douta Sentença recorrida que, conforme demonstrado, encontra apoio na jurisprudência deste douto Tribunal; xxiv. Uma vez que a Sentença recorrida julgou improcedente a oposição judicial apresentada relativamente à insuficiência patrimonial da devedora originária e considerou prejudicada a apreciação da atuação culposa pela falta de pagamento, a título subsidiário, e caso se mostre necessária a sua apreciação, foi requerido conhecimento destes fundamentos nos termos previstos no artigo 636.º, n.º 1 e 665.º, n.º 2, ambos do CPC; xxv. Relativamente à insuficiência patrimonial da devedora originária, determina o artigo 23.º n.º 2 da LGT que a reversão “depende da fundada insuficiência dos bens penhoráveis do devedor principal e dos responsáveis solidários, sem prejuízo do benefício da excussão”, prova essa que não foi produzida pela Recorrente, a qual se limitou a alicerçar a conclusão da insuficiência de bens penhoráveis na situação líquida negativa da sociedade devedora originária e, bem assim, na declaração de insolvência da sociedade V…, S.A.; xxvi. Ou seja, a Recorrente não demonstrou, como lhe impõe a lei, a fundada insuficiência dos bens penhoráveis do devedor principal, ou seja, da sociedade devedora originária, não bastando para demonstração deste requisito da reversão a invocação de que a situação líquida da sociedade é negativa e, bem assim, que a sociedade devedora originária doi declarada insolvente; xxvii. Sobre esta matéria esclarece o Tribunal Central Administrativo Norte através de recente acórdão que “l - É à administração tributária que cabe o ónus da prova da verificação dos pressupostos legais de que depende a reversão. (...) V - Se, no despacho de reversão, apenas se invoca, como fundamento da alegada fundada insuficiência do património societário para assegurar o pagamento da dívida exequenda e acrescido, a situação liquida negativa da sociedade decorrente da última declaração fiscal e a declaração de insolvência da sociedade, esses elementos não permitem, sem mais, que se conclua pela insuficiência de património do devedor originário, uma vez que esse pressuposto de reversão não se basta com a mera afirmação da probabilidade da sua existência (cfr. acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte proferido, em 21 de dezembro de 2017, no processo n.º 00361/ 14.4 BEVIS); xxviii. Deverá, pois, concluir-se que, contrariamente ao que resulta da douta Sentença recorrida, a Recorrente não logrou demonstrar a situação de insuficiência de património do devedor originário de que depende a reversão do processo de execução fiscal n.º 3522201401062492; xxix. Por último, a presunção de culpa ínsita no artigo 24.º n.º 1, alínea b) da LGT funda-se no pensamento legislativo de que “atendendo a que o prazo legal de pagamento ou entrega do imposto findou no período de exercício do cargo ... em princípio, o gestor não podia desconhecer a existência da dívida tributária e que, portanto, ao colocar a empresa em situação de insuficiência patrimonial está a causar um dano grave ao Estado Fiscal” (cfr. Paulo Marques, Responsabilidade Tributária dos Gestores e dos Técnicos Oficiais de Contas, Coimbra, p. 168); xxx. Ora, no caso concreto é mais do que evidente que a incapacidade de pagamento da dívida exequenda pela devedora originária não decorreu de um comportamento ilícito e culposo do Recorrido; xxx. Desde logo porque, a sociedade V…, S.A. se apresentou à insolvência em 2 de agosto de 2011, mercê das dificuldades financeiras que enfrentava e que resultaram em larga medida da sobejamente conhecida crise macroeconómica internacional, não se tendo tratado, pois, de uma insolvência culposa para a qual o Recorrido tenha contribuído (cfr. art. 186.º do CIRE); xxxii. Em segundo lugar, vale recordar que a insuficiência patrimonial da V… para pagar a dívida exequenda nem sequer foi provada pela AT, pois no âmbito da insolvência esta não reclamou o seu crédito por qualquer um dos meios legalmente previstos; xxxiii. Sem a demonstração de que a devedora originária era objetivamente incapaz de proceder ao pagamento, não se pode falar em culpa do administrador ou gerente na provocação da situação de insuficiência patrimonial da empresa; xxxiv. Em terceiro lugar, pelas razões já enunciadas no momento do vencimento da dívida o Oponente já não exercia a gerência de facto da sociedade, razão pela qual o não pagamento não se prendeu com qualquer conduta ilícita e culposa da sua parte; xxxv. Logo, ainda que se considere acertado o recurso à al. b) do n.º 1 do art. 24.º da LGT, o que não se concede em absoluto, ter-se-á sempre de concluir que a reversão não pode efetivar-se por manifesta ausência de culpa do revertido na falta de pagamento da dívida exequenda. TERMOS EM QUE NÃO DEVE SER CONCEDIDO PROVIMENTO AO PRESENTE RECURSO E, EM CONSEQUÊNCIA DEVE A DOUTA SENTENÇA RECORRIDA SER MANTIDA, DEVENDO SER PROFERIDO ACÓRDÃO QUE JULGUE TOTALMENTE IMPRCOCEDNTE O RECURSO INTERPOSTO. MAIS SE REQUER A V.ªs EXCELÊNCIAS, A COBERTO DO DISPOSTO NO 636.º, N.º 1, DO CPC E PREVENINDO A NECESSIDADE DA SUA APRECIAÇÃO, E SE TAL SE MOSTRAR NECESSÁRIO, A APRECIAÇÃO DA INSUFICIÊNCIA PATRIMONIAL DA DEVEDORA ORIGINÁRIA, FUNDAMENTO QUE FOI JULGADO IMPROCENTE PELA SENTENÇA RECORRIDA E, BEM ASSIM, NOS TERMOS DO ARTIGO 665.º, n.º 2, DO CPC, A APRECIAÇÃO DA CULPA DO RECORRIDO, FUNDAMENTO CUJA APRECIAÇÃO FICOU PREJUDICADA PELA DECISÃO DO PROCESSO.». * O Exmo. Magistrado do Ministério Público («EMMP») pronunciou-se no sentido da improcedência do recurso.* Colhidos os vistos legais, vem o processo submetido à conferência da Subsecção de Execução Fiscal e de Recursos Contraordenacionais do Tribunal Central Administrativo Sul para decisão.* O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das respetivas alegações (cf. art.º 635.º, n.º 4 e art.º 639.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil - «CPC» - ex vi art.º 281.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário - «CPPT»), sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente. Assim, delimitado o objeto do recurso pelas conclusões das alegações da Recorrente, importa decidir se deve ser revogada a sentença proferida pelo Tribunal a quo com fundamento em erro de julgamento, atendendo a que ficou demonstrado que o Recorrido exerceu a administração de facto da sociedade devedora originária na data em que ocorreu o fim do prazo legal de pagamento das dívidas exequendas. * III.A - De facto A sentença recorrida considerou provados os seguintes factos: «1. Em 30-08-2011 foi proferida sentença de declaração de insolvência da sociedade V… – C…, SA, com o NIF 5…, no processo n.º 1106/11.6TYLSB pelo Tribunal de Comércio de Lisboa, com o seguinte teor: «INFORMAÇÃO Processo: 1106/11.6TYLSB(Artº 38º nº 3 b) do CIRE) Referência: 1961314 Insolvente: V…-C…, Sa, NIF – 5…, Endereço: Quinta d… - Armazém 5, E…- Apartado 3…, 1…-0… Lisboa Administrador da insolvência: J…, Endereço: Avº V…, Lote … - 1º Esqº, 2…-2… Marinha Grande Fiduciário: Publicidade de sentença nos autos de Insolvência acima identificados No Tribunal do Comércio de Lisboa, 2º Juízo de Lisboa, no dia 30-08-2011, ao meio dia, foiproferida sentença de declaração de insolvência do(s) devedor(es): V…-C…, Sa, NIF – 5…, Endereço: Quinta d… - Armazém …, E…- Apartado 3…, 1…-0… Lisboa com sede na morada indicada. Para Administrador da Insolvência é nomeado(a): J…, Endereço: Avº V…, Lote … - 1º Esqº, 2…-2… Marinha Grande- NIF -2…. O prazo para a reclamação de créditos foi fixado em 30 dias. Os prazos são contínuos, não se suspendendo durante as férias judiciais (nº 1 do artº 9º do CIRE). Terminando o prazo em dia que os tribunais estiverem encerrados, transfere-se o seu termo para o primeiro dia útil seguinte.» (cf. documento n.º 2 junto com a PI e que corresponde a publicidade de sentença); 2. Na sentença referida, foi nomeado o administrador de insolvência J… com indicação da sua morada e NIF (cf. documento n.º 2 junto com a PI e que corresponde a publicidade de sentença); 3. No processo de insolvência, o Ministério Público reclamou créditos fiscais do Estado, que estavam a ser cobrados em execução fiscal contra a V…, SA no Serviço de Finanças de Oeiras 3, juntando a certidão de dívidas de IVA, IRS e Imposto do Selo (cf. documento n.º 3 junto com a PI e que corresponde a petição de reclamação de créditos no processo n.º 1106/11.6TYLSB do Tribunal de Comércio de Lisboa); 4. Entre 2008 e 12-08-2014 o Oponente foi administrador único da sociedade V…, SA, data em que renunciou ao cargo (cf. certidão do registo comercial, junto a fls. 38 dos autos); 5. Em 14-10-2013 a Autoridade Tributária remeteu à sociedade V…, SA, com o NIF 5…, documento de cobrança n.º 102013304083507 (cf. documento de cobrança da liquidação e guia de expedição, a fls. 75/76 dos autos); 6. O documento de cobrança referido respeita a liquidação oficiosa de IVA n.º 13040835, para o período de 2011 pela falta de entrega das Declarações dos períodos de 11/07, 11/08, 11/09 e 11/10, com data limite de pagamento voluntário em 23-01-2014 e com a quantia de €12.403,20 (cf. documento de cobrança da liquidação a fls. 75 verso dos autos); 7. Por falta de pagamento da liquidação oficiosa referida, foi instaurado contra a sociedade V…, SA, o processo de execução n.º 3522201401062492, pelo Serviço de Finanças de Oeiras 3, para cobrança de dívidas de IVA, com a quantia exequenda €12.403,20 (cf. citação da sociedade a fls. 2 do PEF); 8. O Oponente foi citado da reversão, através da ViaCTT, no processo de execução n.º 3522201401062492, onde constam como fundamentos o seguinte: «1) Insuficiência de bens da devedora originária (art.º 23/2 e 3 da LGT): decorrente de situação líquida negativa (SLN) declarada pela devedora originária na última declaração referente à Informação Empresarial Simplificada (IES) e/ou em face de insolvência declarada pelo Tribunal. 2) Gerência de direito (artigo 24º/1/b) da LGT), no terminus do prazo legal de pagamento ou entrega do imposto em questão, conforme cadastro da Autoridade Tributária e Aduaneira (AT). 3) Gerência de facto, decorrente da remuneração da categoria A, auferida ao serviço da devedora originária no período em questão (direito constante nos artigos 255.º e/ou 399.º do Código das Sociedades Comerciais). (…)» (cf. Documento n.º 1 junto com a PI e que corresponde a citação da reversão, fls. 23/25 dos autos); 9. Em anexo à citação referida no ponto anterior, foi remetido documento com o seguinte teor: (cf. Documento n.º 1 junto com a PI e que corresponde a citação da reversão, fls. 23/25 dos autos); * A decisão recorrida nada consignou como factualidade não provada.* Mais resulta consignado em termos de motivação da matéria de facto o seguinte:«A motivação do tribunal, quanto aos factos provados, assenta na prova documental constante dos autos, tendo em conta o teor dos documentos indicados em cada um dos pontos do probatório.». * No que tange à decisão da matéria de facto, vem a Recorrente, na essência, requerer que seja aditado o seguinte facto: «o contabilista reconhece como administrador o ora Oponente». Para comprovar o facto que pretende que seja aditado, a Recorrente indica a informação prestada pelo órgão de execução fiscal nos termos do art.º 208.º do CPPT. Vejamos. O art.º 662.º, n.º1 do CPC preceitua que «A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa». A modificabilidade da decisão da matéria de facto tem, assim, como pressuposto necessário e lógico que os factos a aditar sejam relevantes e pertinentes para a decisão a proferir. Ora, compulsada a sentença recorrida verificamos, sem esforço, que no ponto 4. da matéria de facto dada como assente consta que «Entre 2008 e 12-08-2014 o Oponente foi administrador único da sociedade V…, SA, data em que renunciou ao cargo.». Donde podemos concluir que a pretendida modificação da decisão da matéria de facto pela Recorrente não se mostra pertinente, porquanto da factualidade assente na sentença recorrida já dimana provado que o oponente – ora Recorrido – ocupava o cargo de administrador da executada originária. Por outro lado, não se vislumbra em que medida é que o facto cujo aditamento pretende a Recorrente pode relevar para alterar o sentido do julgado recorrido, sendo de assinalar que essa explanação também não foi realizada nas alegações recursivas. E por ser assim, não há razão para proceder ao pretendido aditamento à factualidade assente na decisão recorrida. Termos em que o recurso não pode deixar de estar condenado, nesta parte, ao insucesso, pelo que se indefere a pretendida modificação da decisão da matéria de facto. * Insurge-se a Recorrente contra a sentença recorrida por, alegadamente, padecer de erro de julgamento, concretamente em relação à demonstração do exercício da administração de facto da sociedade devedora originária por parte do Recorrido. Vem, assim, a Recorrente peticionar a revogação da sentença que recaiu sobre a oposição à execução fiscal apresentada no PEF n.º 3522201401062492, defendendo, em suma, que in casu se pode concluir que o Recorrido exerceu a administração de facto da sociedade devedora originária. Sustenta, por seu turno, o Recorrido, assim como o EMMP junto deste Tribunal, que as conclusões recursivas devem ser julgadas improcedentes e, em consequência, ser mantida na ordem jurídica a sentença recorrida. Vejamos, então. Adiantando, desde já, a nossa posição, entendemos que não tem razão a Recorrente. Explicitemos porquê. No que concerne à responsabilidade subsidiária dos gerentes e administradores de sociedades pelas dívidas tributárias, somos remetidos para o art.º 24.º, n.º 1 da Lei Geral Tributária («LGT»), nos termos do qual: «1. Os administradores (…) e gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas coletivas e entes fiscalmente equiparados são subsidiariamente responsáveis em relação a estas e solidariamente entre si: a) Pelas dívidas tributárias cujo facto constitutivo se tenha verificado no período de exercício do seu cargo ou cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado depois deste, quando, em qualquer dos casos, tiver sido por culpa sua que o património da pessoa coletiva ou ente fiscalmente equiparado se tornou insuficiente para a sua satisfação; b) Pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período de exercício do seu cargo, quando não provem que não lhes foi imputável a falta de pagamento.». O art.º 24.º, n.º 1, da LGT determina que a simples gestão ou administração de facto é suficiente para acionar a responsabilidade em causa, não sendo, por outro lado, suficiente a mera gerência ou administração de direito. Esta norma, consagra, assim, no seu n.º 1 duas hipóteses distintas de responsabilidade tributária: (i) a primeira, correspondente à sua al. a), refere-se à responsabilidade dos gerentes ou administradores em funções quer no momento de ocorrência do facto tributário, quer após este momento, mas antes do término do prazo de pagamento da dívida tributária, sendo esta responsabilidade pelo depauperamento do património social, de molde a torná-lo insuficiente para responder pelas dívidas em causa. A culpa exigida aos gerentes ou administradores, nesta situação, é uma culpa efetiva — culpa por o património da sociedade se ter tornado insuficiente. Não há qualquer presunção de culpa, o que nos remete para o disposto no art.º 74.º, n.º 1, da LGT, pelo que cabe à administração tributária («AT») alegar e provar a culpa dos gerentes ou administradores. (ii) A segunda, constante da al. b) do n.º 1 do art.º 24.º da LGT, refere-se à responsabilidade dos gerentes ou administradores em funções no período no qual ocorre o fim do prazo de pagamento ou entrega do montante correspondente à dívida tributária. No art.º 24.º, n.º 1, al. b), da LGT, presume-se que a falta de pagamento da obrigação tributária é imputável ao gestor. Assim, atentando na al. b) do n.º 1 do art.º 24.º da LGT, o momento relevante a considerar é o do termo do prazo para pagamento voluntário. Esta presunção de culpa é ilidível, cabendo ao gestor revertido o ónus de a ilidir. In casu, o despacho de reversão proferido foi-o ao abrigo da al. b) do n.º 1 do art.º 24.º da LGT (cf. ponto 8. da factualidade assente). Como referimos acima, o regime da responsabilidade tributária tem subjacente o exercício efetivo de funções por parte do gestor. Trata-se do ponto de partida de aplicação do regime, sendo que, depois de demonstrada a gestão ou administração de facto (cf. o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo - «STA» -, do Pleno da Secção do Contencioso Tributário, de 28/02/2007, proc. n.º 01132/06, disponível em www.dgsi.pt), aplicar-se-á, num segundo momento, a al. a) ou a al. b), do n.º 1 do art.º 24.º da LGT. Cabe à AT, desde logo e em primeira linha, o ónus da alegação e prova da efetiva gerência ou administração por parte dos revertidos (cf. art.º 74.º da LGT). A prova da gestão de facto tem de ser evidenciada por referência a atos praticados pelos potenciais revertidos, suscetíveis de demonstrar tal efetividade do exercício de funções, entendendo-se como tal a prática de atos com caráter de continuidade, efetividade, durabilidade, regularidade, com poder de decisão e com independência das funções exercidas. Durante vários anos, prevaleceu o entendimento de que, demonstrada que fosse a gestão de direito, a AT beneficiaria de uma presunção de gestão de facto, cabendo, segundo este entendimento, ao revertido demonstrar não ter exercido efetivamente as referidas funções. Na sequência do acórdão do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do STA, de 28/02/2007, proc. n.º. 01132/06, disponível em www.dgsi.pt, operou-se uma alteração jurisprudencial, no sentido de que «[a] presunção judicial não tem existência prévia, é um juízo casuístico que o julgador retira da prova produzida num concreto processo quando a aprecia e valora. (...) Ninguém beneficia de uma presunção judicial, porque ela não está, à partida, estabelecida, resultando só do raciocínio do juiz, feito em cada caso que lhe é submetido. (...) Do que se trata é de censurar a aplicação que fez de um regime legal, afirmando a existência de uma presunção judicial e retirando, maquinalmente, de um facto conhecido, outro, desconhecido, como se houvesse uma presunção legal, que não há; e afirmando a inversão do ónus da prova, quando tal inversão não ocorre, no caso, na falta de presunção legal». Como tal, continua o referido acórdão do Pleno: «Quando, em casos como os tratados pelos arestos aqui em apreciação, a Fazenda Pública pretende efectivar a responsabilidade subsidiária do gerente, exigindo o cumprimento coercivo da obrigação na execução fiscal inicialmente instaurada contra a originária devedora, deve, de acordo com as regras de repartição do ónus da prova, provar os factos que legitimam tal exigência. (…) [N]ada a dispensa de provar os demais factos, designadamente, que o revertido geriu a sociedade principal devedora. Deste modo, provada que seja a gerência de direito, continua a caber-lhe provar que à designação correspondeu o efectivo exercício da função, posto que a lei se não basta, para responsabilizar o gerente, com a mera designação, desacompanhada de qualquer concretização” (sublinhado nosso). Face a este entendimento, unânime há já vários anos na jurisprudência atual, a que se adere, decorre, como referido, que cabe, em primeira linha, à AT alegar e demonstrar que o revertido exerceu, nos termos consignados no n.º 1 do art.º 24.º da LGT, efetivas funções de gerência, entendidas como funções de gestão e representação da sociedade (cfr., para as sociedades por quotas, os art.ºs 192.º e 252.º do Código das Sociedades Comerciais). O mesmo resulta da interpretação do art.º 11.º do Código do Registo Comercial (CRCom). Com efeito, nos termos desta disposição legal, “[o] registo por transcrição definitivo constitui presunção de que existe a situação jurídica, nos precisos termos em que é definida”. Atentando na finalidade inerente ao registo comercial e, nesse seguimento, chamando à colação o art.º 1.º do CRCom, do seu n.º 1 resulta que “[o] registo comercial destina-se a dar publicidade à situação jurídica dos comerciantes individuais, das sociedades comerciais, das sociedades civis sob forma comercial e dos estabelecimentos individuais de responsabilidade limitada, tendo em vista a segurança do comércio jurídico». Sendo certo que é legalmente obrigatória a inscrição da nomeação dos membros dos órgãos de administração de sociedades comerciais, nos termos do art.º 3.º, n.º 1, al. m), do Código do Registo Comercial («CRC»), da leitura conjunta das disposições legais referidas resulta que as mesmas visam dar publicidade a uma situação jurídica e não a uma situação de facto. Assim, e no que ao registo da nomeação de uma determinada pessoa como gerente de uma sociedade, a presunção que decorre do art.º 11.º do CRC é uma presunção da gestão de direito («situação jurídica»), e não da de facto. Portanto, também por esta via, não se pode extrair da gerência de direito a gerência de facto. Aqui chegados, regressemos, agora, ao caso concreto dos autos. Resulta do probatório que em 14/10/2013 a AT remeteu à sociedade devedora originária documento de cobrança n.º 102013304083507 relativo a IVA do ano de 2011 (cf. ponto 5. dos factos provados). Ficou também provado que no caso que agora nos ocupa, em razão do não pagamento do valor em causa pela executada originária, foi instaurado o PEF n.º 3522201401062492 para proceder à sua cobrança coerciva (cf. pontos 6. e 7. do probatório). Ressalta ainda dos factos provados que em 30/08/2011 a sociedade devedora originária foi declarada insolvente (cf. ponto 1 da factualidade assente), tendo nessa data J… sido nomeado administrador de insolvência da sociedade devedora originária pelo Tribunal de Comércio de Lisboa no âmbito do processo n.º 1106/11.6TYLSB (cf. pontos 1. e 2. dos factos provados). Ora, preceitua o art.º 81.º, n.º 1 do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas («CIRE») o seguinte: «1 - Sem prejuízo do disposto no título X, a declaração de insolvência priva imediatamente o insolvente, por si ou pelos seus administradores, dos poderes de administração e de disposição dos bens integrantes da massa insolvente, os quais passam a competir ao administrador da insolvência». Por seu turno, estabelece o art.º 54.º do mesmo diploma legal que: «O administrador da insolvência, uma vez notificado da nomeação, assume imediatamente a sua função.». Mais dispõe o art.º 55.º, n.º1 do CIRE, quanto às funções e ao exercício da administração de insolvência que: «1 - Além das demais tarefas que lhe são cometidas, cabe ao administrador da insolvência, com a cooperação e sob a fiscalização da comissão de credores, se existir: a) Preparar o pagamento das dívidas do insolvente à custa das quantias em dinheiro existentes na massa insolvente, designadamente das que constituem produto da alienação, que lhe incumbe promover, dos bens que a integram; b) Prover, no entretanto, à conservação e frutificação dos direitos do insolvente e à continuação da exploração da empresa, se for o caso, evitando quanto possível o agravamento da sua situação económica.». Verificamos, pois, sem esforço, que a data relevante para o administrador de insolvência passar a exercer os seus poderes de gestão dos bens integrantes da massa insolvente é a que corresponde à da prolação da sentença declaratória da insolvência. Assim, provada a declaração judicial da insolvência da executada originária em 30/08/2011, bem como a nomeação de administrador judicial, e a respetiva inscrição na conservatória do registo comercial, e considerando o quadro normativo que dimana do preceituado nos art.ºs 54.º, 55.º e 81.º do CIRE, a verdade é que, por um lado, é inequívoco que a partir dessa data a administração do património da sociedade executada passou a ser levada a cabo pelo administrador de insolvência nomeado pelo Tribunal de Comércio; por outro, fica por demonstrar que o Recorrido detinha a administração de facto da executada originária na data em que terminou o prazo legal de pagamento da dívida. De outra perspetiva, mas ainda no que respeita ao onus probandi quanto ao funcionamento do instituto da reversão, podemos afirmar que se a declaração de insolvência constitui para o Recorrido a cessação da administração de facto, fazendo cessar a sua responsabilização subsidiária nos termos do n.º1 do art.º 24.º da LGT, então a manutenção da administração era um facto que deveria ter sido alegado e comprovado em sede do procedimento de reversão, para evidenciar o exercício da administração de facto, o que o órgão de execução fiscal não fez, porquanto nada consta nesse conspecto no despacho de reversão (cf. ponto 8. dos factos assentes). De resto, para fundamentar o exercício da administração de facto o órgão de execução fiscal apenas alegou o recebimento pelo Recorrido de remunerações da categoria A e a sua nomeação como administrador da executada originária, o que é manifestamente insuficiente para sustentar o exercício de facto da gestão da executada originária. Com efeito, não resulta esclarecido se o recebimento pelo Recorrido de remunerações ao serviço da devedora originária o foi pelo exercício do cargo diretivo ou se pelo exercício de funções eventualmente técnicas, ou de outra natureza, não associadas ao cargo diretivo para que estava inscrito no registo. É que, como bem se compreenderá, se alguém desempenha funções diretivas numa empresa e as acumula com funções predominantemente técnicas, administrativas ou de supervisão, não se vê que tenha de cessar estas últimas por virtude da declaração de insolvência e designação de um administrador da insolvência, pois apenas se mostrará incompatível com a situação de insolvência o exercício efetivo de funções diretivas e são estas a fonte da responsabilidade subsidiária prevista no art.º 24.º da LGT (cf. neste sentido, para além de muitos outros, o acórdão deste Tribunal de 21/06/2018, proc. n.º 1649/14.0BESNT, consultável em www.dgsi.pt). Por outro lado, em sede de procedimento de reversão e no âmbito dos presentes autos, não ficou provada qualquer factualidade da qual se possa extrair, com a necessária certeza, que o Recorrido exerceu a administração de facto da executada originária no exercício a que respeita a dívida exequenda e naquele em que ocorreu o términus do respetivo prazo legal de pagamento. De resto, neste mesmo sentido, em que as Partes eram as mesmas e a situação em dissídio era em tudo idêntica, já decidiu este Tribunal em acórdão de 07/12/2021, proc. n.º 2152/15.6BESNT, disponível em www.dgsi.pt, no qual se sumariou o seguinte: «I- A declaração de insolvência priva o insolvente dos poderes de administração e de disposição dos bens integrantes da massa insolvente, os quais passam a competir ao administrador da insolvência (artigo 81.º, n.º 1 do CIRE). II. Se o prazo legal de pagamento voluntário das dívidas termina em data posterior à declaração de insolvência, a questão subsume-se normativamente no artigo 24.º, nº 1, alínea a), da LGT impendendo o ónus da prova da culpa na esfera jurídica da Administração Tributária.». Assim, não resultando demonstrado o exercício efetivo de funções diretivas do Recorrido na devedora originária na data-limite de pagamento voluntário da liquidação exequenda de IVA, sendo que o ónus dessa prova recaía sobre a Fazenda Pública, o Recorrido é parte ilegítima na execução, como foi decidido na sentença recorrida, que, assim, merece ser confirmada, negando-se provimento ao recurso. Uma última nota relativamente ao peticionado a fls. 954-959 (numeração do SITAF) para ressaltar que ao abrigo do art.º 100.º, n.º1 da LGT a AT «(…) está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamações ou recursos administrativos, ou de processo judicial a favor do sujeito passivo, à plena reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, nos termos e condições previstos na lei.», o que, in casu, será inteiramente aplicável, tendo em conta o desfecho da presente ação. * IV- DECISÃO Termos em que acordam, em conferência, os Juízes da Subsecção de Execução Fiscal e Recursos Contraordenacionais do Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso, com todas as legais consequências. Custas pela Recorrente. Registe e notifique. Lisboa, 5 de junho de 2025 (Filipe Carvalho das Neves) (Susana Barreto) (Luísa Soares) |