Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1422/15.8 BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:11/16/2023
Relator:LUÍSA SOARES
Descritores:CONTRIBUIÇÃO EXTRAORDINÁRIA SOBRE O SECTOR ENERGÉTICO
Sumário: A contribuição extraordinária sobre o sector energético é um tributo com configuração de contribuição financeira, não padecendo de inconstitucionalidade material ou orgânica.
Indicações Eventuais:Subsecção tributária comum
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral: ACORDAM EM CONFERÊNCIA NA SUBSECÇÃO TRIBUTÁRIA COMUM DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL

I – RELATÓRIO

Vem a D...... – S....., S.A., interpor recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa que julgou improcedente a impugnação judicial deduzida com referência à liquidação da Contribuição Extraordinária para o Sector Energético (CESE) do ano de 2014 no montante de € 93.291,54.

A Recorrente, nas suas alegações, formulou conclusões iniciadas por B) nos seguintes termos:

“B. A CESE foi estabelecida com a intenção de constituir uma medida extraordinária (conforme decorre, aliás, da sua própria designação), no âmbito e a propósito da negociação e cumprimento do Programa de Assistência Económica e Financeira (PAEF) acordado entre o Estado português, a União Europeia e o Fundo Monetário Internacional, que vigorou entre 2011 e 2014 (vulgo “programa da Troika”). Assim sendo, era suposto que a CESE vigorasse por um período transitório e limitado. Porém, desde que foi criada, a medida tem vindo a ser prorrogada anualmente, até ao presente, estando já no décimo ano de vigência (quase uma década).

C. Quer isto dizer que foram há muito ultrapassadas as circunstâncias que justificaram a permanência excepcional e transitória da CESE na nossa ordem jurídica. De acordo com a jurisprudência mais recente do Tribunal Constitucional, essas circunstâncias reconduzem-se à situação de emergência financeira que a República Portuguesa atravessou entre o início e meados da década passada.

D. Os actuais dez anos de duração da CESE não só configuram uma situação óbvia de uso excessivo e inconstitucional do poder do Estado, que requer com urgência uma intervenção que o limite – pelo menos, como ultima ratio, uma intervenção judicial, como revelam que a intenção do Estado nunca foi verdadeiramente a de criar uma medida que vigorasse de forma extraordinária por um período transitório.

E. Segundo o Tribunal, a conformidade da CESE com a Constituição mantém-se apenas enquanto ela puder ser considerada uma medida extraordinária, pelo que saber se ela ainda merece ou não essa qualificação é uma questão central, um critério fundamental que deve orientar a apreciação da sua validade ou invalidade. Ora, à luz da jurisprudência, não faz sentido que, no décimo ano de vigência da medida, ainda se possa considerar admissível a permanência da CESE na ordem jurídica. É que não é só a urgência da receita gerada que despareceu; desapareceu também a urgência de o tributo existir naquelas condições – condições essas que, lembre-se, este Tribunal aceitou porque eram «de fácil implementação e aplicação para um período de aplicação transitório e certo, onde não se justificaria a implementação de critérios, porventura mais adequados (…), mas muito complexos e com elevados custos de cumprimento, ou seja, totalmente desajustados à urgência do caso pretendido».

F. O único argumento que o TC avança para justificar a validade da CESE é o das
condições de emergência financeira em que a República Portuguesa se encontrava. Em concreto, o TC justifica a CESE com a situação de rescaldo do PAEF, durante o qual Portugal permanecia num contexto de fragilidade das contas públicas, e a manutenção do procedimento por défice excessivo, previsto no artigo 126º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (relativamente à CESE dos anos de 2015 e 2016, podemos referir as Decisões Sumárias n.ºs 358/2021 e 422/2021 e os Acórdãos n.ºs 436/2021, 437/2021, 438/2021, 513/2021 e 532/2021. Quanto a 2017, podemos citar o Acórdão 736/2021).

G. Antes de mais, analisada esta jurisprudência, o que importa sublinhar é que hoje o TC dá apenas uma justificação para a CESE – e essa justificação é a necessidade de consolidação orçamental. Esta circunstância transporta significados importantes para o caso vertente:

H. Em primeiro lugar, implica necessariamente que a CESE deve ser considerada naqueles anos (pelo menos) como um verdadeiro imposto (isto é, um tributo cobrado para os fins gerais dos impostos) e apreciada nessa qualidade. As razões perlas quais o TC tratou a CESE como uma contribuição financeira, no Acórdão n.º 7/2019, foram assim ultrapassadas pelo próprio Tribunal.

I. Em segundo lugar, o Tribunal faz reconhece que a CESE em nada contribui para o objectivo principal da medida, aquele que não só esteve na mente do legislador como constituiu a justificação da atribuição do carácter extraordinário e da natureza dogmática de contribuição financeira – a sustentabilidade do sector energético, através fundamentalmente da redução da dívida tarifária do SEN.

J. Posto isto, pergunta-se: se foi por isto que a CESE a) foi criada, b) justificada como extraordinária e c) como uma contribuição financeira (e não um imposto), como é que então os tribunais podem fundamentar a validade da medida quando nada que sustentou a sua criação, o carácter extraordinário e a natureza de contribuição se verifica? Não o podem fazer, seguramente.

K. Em terceiro lugar, decorre daqui que a jurisprudência do Tribunal, assente no pressuposto de que a CESE é uma contribuição financeira, não pode ser considerada como fechada.

L. Do exposto resulta que a CESE tem de ser apreciada como aquilo que verdadeiramente é: um imposto especial sobre o sector da energia, sem natureza extraordinária.

M. Trata-se, sem dúvida, de uma medida inconstitucional.

N. A inconstitucionalidade decorre, antes de mais, de a CESE ser um imposto cujas bases de tributação subjectiva e objectiva violam o princípio da capacidade contributiva, concretização do princípio da Igualdade (artigo 13º da Constituição), desenvolvido também, no que respeita à base objectiva, pelo princípio da tributação das empresas pelo lucro real (n.º 2 do artigo 104º).

O. Sobre isso, deve começar-se por sublinhar que a Recorrente não exerce qualquer actividade no sector electroprodutor, nem sequer em qualquer outro subsector da electricidade, pelo que em nada contribui para o problema da dívida tarifária do Sistema Eléctrico Nacional (SEN) – que é o principal problema regulatório que o regime da CESE declara pretender resolver –, não beneficiando, pois, de nenhuma forma directa ou especial, da actividade do Estado exercida no âmbito do problema em causa (o mesmo acontecendo com grande parte dos sujeitos passivos do tributo).

P. Não tendo qualquer relação com a dívida tarifária do SEN, a Recorrente não contribuiu ou beneficiou das circunstâncias que geraram esse problema, pelo que não tem também relação com o consequente desequilíbrio orçamental que o Estado português assumiu igualmente como objectivo anular ou atenuar (o mesmo acontecendo, também aqui, com grande parte dos sujeitos passivos da CESE). A Recorrente não é parte da causa de tal desequilíbrio, nem retirará da actuação estadual nesse aspecto qualquer benefício que não seja partilhado, em princípio na mesma medida, por todos os particulares.

Q. Quanto ao financiamento de outras políticas sociais e ambientais do sector energético, em geral, que o legislador também inscreveu formalmente no regime como justificação da CESE, não se conhecem, com um grau mínimo de probabilidade objectiva, qual a natureza, o conteúdo e a importância das mesmas, razão pela qual nunca poderemos dar por demonstrada a sua indispensabilidade e, portanto, que os sujeitos passivos do tributo poderão em princípio, alguma vez, ser efectivos beneficiários de uma ou mais das políticas em causa.

R. Aliás, mesmo que pudéssemos estabelecer uma ligação entre um benefício decorrente das políticas em questão e a actividade das empresas energéticas que não actuam no sector da produção de electricidade – no qual se gerou o problema da dívida tarifária do SEN e o consequente desequilíbrio orçamental –, sempre essa ligação seria insuficiente para assegurar a legitimidade da CESE, na medida em que aquelas empresas continuariam a suportar um tributo cuja receita (a restante receita) é afecta a um objectivo com o qual nada têm a ver (a redução da dívida tarifária do sector electroprodutor) e a um outro cuja solução beneficia de igual modo, geral e indiscriminadamente, todos os particulares – para além de ser ele próprio, em parte, uma consequência daquela dívida tarifária (a consolidação orçamental).

S. Em face do exposto, a CESE não cabe no campo dos tributos bilaterais ou sinalagmáticos (taxas ou contribuições financeiras), por não respeitar o princípio da equivalência: os montantes exigidos não o são para o exercício de uma actividade do Estado de que os sujeitos passivos concretamente em causa beneficiem (directa ou indirectamente, efectiva ou presumivelmente, de modo suficientemente distinto da generalidade dos particulares não abrangidos pela incidência do tributo), não sendo sequer possível dizer que a actividade a financiar é originada, específica ou genericamente, pela daqueles sujeitos passivos.

T. A CESE é, pois, um verdadeiro imposto – um imposto especial sobre alguns operadores de um sector de actividade específico, em razão da sua alegada capacidade contributiva particular.

U. Posto isto, a CESE é um imposto materialmente inconstitucional, por violação do princípio da capacidade contributiva, subprincípio em que se concretiza no campo dos impostos o princípio constitucional da Igualdade (artigo 13º da Constituição), porque a sua base de incidência subjectiva atinge contribuintes que pouco ou nada têm a ver com os fins declarados da “contribuição” (não são de todo beneficiados com as actividades estaduais que a receita pretende financiar nem deram origem aos problemas que aquela é suposto colmatar) – designadamente todos aqueles que não actuam no âmbito do sector da produção de electricidade, como é caso da ora Recorrente.

V. Vista como um imposto sobre o rendimento, a CESE viola ainda o princípio da capacidade contributiva por, ao ter como base objectiva o valor dos activos das empresas abrangidas, constituir uma aproximação indirecta ou presumida aos lucros das mesmas – uma aproximação ou presunção fantasiosa, puramente conjecturada do rendimento real, que facilmente conduzirá a resultados arbitrários: com efeito, a CESE permite ao Estado apurar uma colecta sobre lucros ainda que nenhuma capacidade contributiva se revele efectivamente nessa forma, ou uma colecta igual ou superior aos lucros efectivamente obtidos, caso em que representará uma taxa de 100% ou mais de tributação do rendimento e, nessa medida, um imposto confiscatório.

W. Além disso, a CESE tem um efeito de dupla tributação e sobreposição ao IRC que é inaceitável, acentuado pela decisão do legislador de impedir que aquela seja dedutível em sede do referido imposto, o que define com especial clareza a violência do tributo e a sua inconstitucionalidade, mesmo se considerado como um imposto sobre o património ou uma contribuição financeira, pelo menos por violação do princípio da proporcionalidade.

X. E, na verdade, a CESE apresenta problemas inultrapassáveis também ao nível do respeito devido pelo princípio da proporcionalidade.

Y. Este princípio é violado, em primeiro lugar, na sua dimensão de idoneidade ou
adequação, porque a CESE não é um instrumento tendente a resolver o problema da dívida tarifária do SEN – um dos objectivos legislativamente declarados da medida, ao qual é consignado uma parte importante da respectiva receita: não se trata de uma medida que possa assegurar a eliminação ou sequer uma atenuação séria, estrutural, dessa dívida tarifária (mediante uma alteração das regras vigentes em que assenta a sua existência), mas antes, simplesmente, de uma fonte de receita obtida a fim de o Estado continuar a assegurar o objectivo político central quanto à matéria em causa, ou seja, proteger os consumidores finais de electricidade do esforço de redução da dívida tarifária, impedindo o aumento dos preços em medida pelo menos aproximada à exigida por aquela redução.

Z. Neste sentido, a CESE é uma medida inócua e indiferente, tendo por referência a sua aproximação ao fim visado, e até contraproducente, porque produz o efeito negativo de adiar a resolução dos desequilíbrios do SEN e, assim, prolongar e acentuar o problema.

AA. Depois, a CESE viola o princípio da proporcionalidade também porque é consignada em parte ao financiamento de políticas sociais e ambientais no mesmo ano em que, por exemplo e desde logo, foi reduzida a taxa de IRC em dois pontos percentuais, perdendo-se uma receita pública, já existente, que poderia obviamente servir para aquele fim (não está, assim, cumprida a dimensão da necessidade ou exigibilidade em que assenta a regra da proporcionalidade), e ainda porque, apesar de os objectivos declarados do legislador serem importantes, nunca poderão ser considerados como pretextos suficientes para justificar o prejuízo económico e patrimonial que a CESE inflige nos seus sujeitos passivos, ainda para mais de modo tão violador do princípio da igualdade: na incidência, lembre-se, são incluídas entidades – como a Recorrente – que pouco ou nada têm a ver com as causas dos problemas que suscitaram a criação do tributo ou que pouco ou nada beneficiarão, directa e especialmente, com a solução de tais problemas (desrespeita-se, assim, a dimensão da proporcionalidade em sentido estrito ou do equilíbrio).

BB. Por fim, entende a Recorrente que caberá, nesta sede, invocar a ilegalidade do acto de (auto)liquidação por violação da regra da discriminação orçamental, uma vez que a receita proveniente da CESE não se encontra devida e suficientemente especificada, quer na Lei do Orçamento do Estado respeitante ao ano da CESE aqui em causa – 2014 –, quer, aliás, em qualquer uma das Leis do Orçamento do Estado desde a criação da CESE até à presente data – 2014 a 2023, como se demonstrará.

CC. Vício que, entende a Recorrente, é cominado com nulidade típica ou integral, por se reconduzir à previsão das alíneas k) e l) do artigo 161.º do CPA, como se demonstrará.

DD. Ora, a nulidade é, nos termos do disposto no número 2 do artigo 162.º do CPA e no número 1 do artigo 58.º do CPTA, invocável a todo o tempo, por qualquer interessado, e é suscetível de ser, oficiosamente, conhecida e declarada, termos em que é forçoso concluir pela inexistência de óbice à sua invocação no âmbito do presente Recurso.

EE. Sempre se dirá que as questões de constitucionalidade deverão ser susceptíveis de ser invocadas e conhecidas (ainda que oficiosamente) pelo Tribunal até ao trânsito em julgado dos presentes autos, dada a relevância das normas constitucionais violadas pela CESE, cf. o Conselheiro Jorge Lopes de Sousa: “(…) até transitar em julgado a decisão final do processo em que se discute a validade do ato, a situação jurídica gerada com a sua prática está instável, pelo que não se podem gerar expectativas dignas de tutela jurídica relativas à validade do ato impugnado e sua manutenção. Por isso, uma vez impugnado o ato, a preclusão do direito de arguir novos vícios não se impõe por razões de segurança jurídica, mas essencialmente por razões de disciplina e economia processuais, para que o processo tenha a tramitação normal prevista na lei, presumivelmente a mais adequada para apreciação dos direitos em litígio. Nestas condições, não havendo prejuízo para a segurança jurídica, é aceitável que se admita a discussão das questões de constitucionalidade durante o processo, mesmo oficiosamente, atenta a relevância jurídica das normas constitucionais.” (cf. Lopes de Sousa, Jorge – Código de Procedimento e de Processo Tributário Anotado e Comentado – Vol. III, 6ª edição, Áreas Editora, 2011, pp. 445 e 446, nota 4 – sublinhado do Recorrente).

FF. A possibilidade de invocação, em sede de Recurso, de questões de inconstitucionalidade foi, com efeito, reconhecida pelo Supremo Tribunal Administrativo: “I - Em recurso interposto para o STA de decisão proferida pela 1ª instância pode ser alegada a inconstitucionalidade das normas que definem os elementos essenciais do tributo, mesmo que a questão não tenha, antes, sido suscitada, já que se trata de matéria que vem sendo entendida como de conhecimento oficioso.” (cf. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 13 de Dezembro de 2000, proferido no processo n.º 024319, disponível em www.dgsi.pt).

GG. Assim, entende a Recorrente estar em tempo para invocar a nulidade de que
padece a autoliquidação de CESE sub judice, por violação de lei e de normas constitucionais, nos termos em que, de seguida, se expõe.

HH. O princípio orçamental da discriminação encontra-se previsto no artigo 8.º da Lei de Enquadramento Orçamental (“LEO”), aprovada pela Lei n.º 91/2001, de 20 de Agosto, e, a partir de 2015, nos artigos 15.º a 17.º da LEO, aprovada pela Lei n.º 151/2015, de 11 de Setembro, decorrendo também da própria CRP a imposição da “discriminação das receitas e despesas do Estado, incluindo as dos fundos e serviços autónomos”, conforme se dispõe no artigo 105.º, n.º 1, alínea a), da CRP.

II. Dentro do princípio da discriminação orçamental encontramos o subprincípio, ou regra orçamental, da especificação (a par das regras orçamentais da não compensação e da não consignação).

JJ. O fundamento da regra da especificação orçamental reside nos requisitos de clareza e maior verdade e, bem assim, numa perspetiva de racionalidade financeira e controlo político (cf. SOUSA FRANCO, A. L.– Finanças Públicas e Direito Financeiro, Volume I e II, Almedina 2007, p. 353).

KK. Esta regra orçamental da especificação integra duas proibições: (i) a proibição, para o Governo, da apresentação de aglomerados de receita e despesa públicas e (ii) a proibição, para a Assembleia da República, de implementação de um sistema de votação global do Orçamento.

LL. Ora, poder-se-á concluir, como faz MARIA D’OLIVEIRA MARTINS, que a regra orçamental da especificação serve o princípio da publicidade do Orçamento, que “implica a obrigação de tornar públicos todos os documentos que se revelem necessários para assegurar a adequada divulgação e transparência do Orçamento do Estado e a sua execução.” (cf. p. 32 do Parecer Jurídico da Professora Doutora Maria D´Oliveira Martins, cit. ANEXO N.º 3).

MM. Acresce que, com vista à corporização do princípio da especificação orçamental, a Constituição e a LEO (esta última, tanto na versão de 2001, como na versão de 2015), preveem a existência de três classificações orçamentais: a económica, a orgânica e a funcional.

NN. Debruçando-nos sobre a classificação económica, que é a que mais releva para os presentes autos, recorde-se, estabelece o artigo 8.º da LEO de 2001 que “As receitas devem ser suficientemente especificadas de acordo com uma classificação económica” (cf. também artigo 17.º da LEO de 2015).

OO. Sucede, porém, que a CESE – tendo em conta a sua relevância orçamental e a sua natureza – não se encontra devidamente orçamentada de acordo com a regra da
especificação orçamental.

PP. Embora a receita decorrente da CESE em causa se presuma prevista na Lei do
Orçamento do Estado – neste caso, por referência ao ano de 2014 –, a especificação e o desdobramento orçamental desta receita não respeitam o disposto na CRP e na LEO, não se afigurando, à luz do que antecede, suficiente a inscrição global das receitas do FSSSE no Mapa V dos vários Orçamentos do Estado até 2020 e, em 2021, 2022 e 2023, da receita da presumivelmente apenas dentro da categoria de “impostos diretos diversos” do Mapa 5.

QQ. Na Lei do Orçamento do Estado para 2014, a CESE não é mencionada, especificamente, nem nos mapas orçamentais, nem nos desenvolvimentos orçamentais sendo que, da consulta do Relatório do Tribunal de Contas n.º 3/2015, parece resultar que a CESE terá sido contabilizada, no Mapa I, no Capítulo 0.8 “Outras receitas correntes”.

RR. Todavia, tal como resulta do referido Mapa I, não é possível aferir se, realmente, tal contabilização se deu, uma vez que, como se referiu, a receita da CESE não se encontra especificada em nenhum dos mapas anexos à Lei do Orçamento do Estado para 2014.

SS. A este respeito, no Mapa V da Lei do Orçamento do Estado para 2015, referente às Receitas dos Serviços e Fundos Autónomos, por classificação orgânica, com especificação das receitas globais de cada serviço e fundo, prevê-se, tão-só, a arrecadação pelo FSSSE do montante global de € 150.000.000 (cento e cinquenta milhões de euros).

TT. Se é certo que, do artigo 3.º, n.º 1, al. a) do Decreto-Lei n.º 55/2014, de 9 de Abril, resulta que constitui receita do FSSSE, designadamente, o produto da CESE, assim como outras receitas provenientes de aplicações financeiras, de doações, heranças, entre outras, no aludido Mapa V, as receitas do FSSSE não estão individualizadas, nem suficientemente discriminadas, pois que não se especifica quais os montantes, a título de CESE, que, afinal, se autoriza que sejam cobradas durante o ano e consignados ao FSSSE, em clara violação da CRP (artigo 105.º, n.º 1, alínea a)) e da LEO (artigo 8,º da LEO de 2001 e 17.º da LEO de 2015).

UU. De onde se conclui que não está, por isso, discriminado de que é constituído o valor inscrito no Mapa V, de 150 milhões de euros, e desse valor, assumindo que ali está incluída a CESE, qual o que lhe corresponde.

VV.De facto, considerando os valores arrecadados com a CESE – aproximadamente 665 milhões de euros no período compreendido entre 2014 a 2017 (v.g.http://app.parlamento.pt/webutils/docs/doc.pdf?path=6148523063446f764c324679595842774f6a63334e7a637664326c75636d56785833426c636d6431626e52686379395953556c4a4c33442794e4451784c58687061576b744d7931684c6e426b5a673d3d&fich=pr441-xiii-3-a.pdf&Inline=true) – a mesma deveria ser objeto de suficiente especificação – o que, in casu, não se verifica.

WW. Ora, só com o cumprimento efetivo das necessidades de individualização decorrentes do princípio da especificação, poderá a Assembleia da República promover o controlo, político e orçamental, devido e exigido pela CRP e pela LEO, razão pela qual existe este princípio.

XX.Nesta medida, é forçoso concluir que a receita escapou, inevitavelmente, ao crivo parlamentar, razão pela qual a sua não especificação, concreta e individualizada, nos termos da CRP e da LEO, equivale, em termos práticos, à sua não inscrição – e à sua não autorização – no correspondente Mapa da Lei do Orçamento do Estado.

YY.A este respeito, JOSÉ CASALTA NABAIS vai ainda mais longe, entendendo que “(…) o cumprimento do princípio da especificação obriga não só ao cumprimento das exigências constitucionais, mas também das exigências legais e destas decorre não apenas a necessidade da sua previsão no Orçamento do Estado, mas também a sua correcta especificação. Assim, as receitas da CESE teriam que constar dos Mapas I, ou seja, conjuntamente com as receitas dos serviços integrados, por classificação económica. Mas a verdade é que, apesar de uma análise muito cuidada não encontramos a sua menção na classificação respectiva, isto é, como receita corrente” (cf. pág. 9 do Parecer do Professor José Casalta Nabais, cit. ANEXO N.º 5), (sublinhado da Recorrente).

ZZ. Por outro lado, esta deficiente inscrição orçamental das receitas da CESE atenta, não apenas contra o princípio da legalidade, por violação da regra orçamental da especificação das receitas, mas gera, também, o incumprimento de outros princípios orçamentais, nomeadamente os princípios da transparência, da unidade e da universalidade.

AAA. Acresce, ainda, referir que o facto de o recente Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 7/2019, de 8 de janeiro, ter (pese embora sem força obrigatória geral) qualificado a CESE como uma “contribuição financeira”, e não como uma taxa ou imposto, também não poderá justificar o aligeiramento da especificação orçamental quanto a estas receitas.

BBB. Em primeiro lugar, porque quer a CRP, quer a LEO referem-se a receitas, sem especificar a sua origem.

CCC. Depois, porque as contribuições financeiras possuem características semelhantes aos impostos, tendo assim sido vistas, quer pelo Tribunal de Contas, que a qualificou, em 2015, na categoria dos “impostos diretos”, quer pelo Estado, que anulou a sua propriedade comutativa (determinante para o Tribunal Constitucional a ter qualificado como contribuição financeira) ao não transferir, em 2014 e em 2015, o produto da receita da CESE para o FSSSE, tendo, assim, servido finalidades públicas gerais.

DDD. Por tudo, verifica-se a violação do princípio da especificação orçamental, com a consequente ocultação desta receita do controlo parlamentar, uma vez que a votação da Assembleia da República, em todos os Orçamentos desde 2014 a 2023, foi efetuada sem o pleno e cabal conhecimento do montante de receita previsto cobrar a título de CESE.

EEE. Razão pela qual, a omissão da referência à CESE nos Orçamentos do Estado para 2014, 2015, 2016, 2017, 2018, 2019, 2020, 2021, 2022 e 2023 corresponde a uma manifesta violação da regra orçamental prevista no artigo 8.º da LEO de 2001 (aplicável aos Orçamentos de Estado de 2014 e 2015) e do artigo 17.º da LEO de 2015 (aplicável aos Orçamentos de 2016 a 2023) e, bem assim, à violação do Decreto-Lei n.º 26/2002, na medida em que promove uma deficiente inserção dessa receita no classificador económico e, também, a sua inconstitucionalidade, por violação do disposto no artigo 105.º da CRP.

FFF. Acresce referir que esta violação da regra orçamental da especificação põe, também, em crise os outros referidos princípios e regras orçamentais, em especial,
aqueles que mais se relacionam com esta, como são os da proibição de compensação e da compensação.

GGG. Chegados aqui, não se poderá ignorar o teor do recentíssimo Acórdão n.º 411/2022, do Tribunal Constitucional (TC), no qual este Tribunal se dedica à análise da eventual violação do princípio da discriminação e da regra da especificação orçamental, pelo disposto no artigo 11.º, n.º 1, do Regime Jurídico da Contribuição Extraordinária sobre o Setor Energético (CESE), disponível para consulta em https://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20220411.html.

HHH. Do referido aresto decorre que o TC relega a palavra final para os tribunais tributários, uma vez que, de acordo com o Acórdão em escrutínio, o vício decorrente da violação arguida adere ao ato de liquidação e não à norma que prevê a consignação do tributo, i.e., o 11.º, n.º 1, do RCESE (norma cuja inconstitucionalidade foi suscitada pela ali Recorrente).

III. Ora, como acima já se deixou referido, a violação do princípio da especificação conduz à nulidade dos “créditos orçamentais que possibilitem a existência de dotações para utilização confidencial ou para fundos secretos (…)”, conforme preveem o artigo 8.º n.º 6, da LEO de 2001 e o artigo 17.º, n.º 3, da LEO de 2015, o que deverá significar que esses créditos se devem ter por não escritos, reconstituindo-se a ordem jurídica como se a cobrança da CESE nunca tivesse sido prevista.

JJJ. Ora, como bem refere MARIA D’OLIVEIRA MARTINS, “implicando as inconstitucionalidades e as ilegalidades detetadas na sua orçamentação a invalidade e a total improdutividade (nulidade absoluta) dos créditos orçamentais relativos à Contribuição Extraordinária sobre o Setor Energético, isso não pode deixar de ter como consequência que os atos de liquidação e cobrança fiquem sem base legal de apoio, por não haver previsão orçamental das mesmas. Sem previsão orçamental, a Autoridade Tributária deixa de ter autorização para cobrança desta receita.” (cf. p. 77 do Parecer Jurídico da Professora Doutora Maria D’Oliveira Martins, cit. ANEXO N.º 3).

KKK. Por este motivo, o ato de (auto)liquidação da CESE aqui em apreço enferma de um vício gerador de ilegalidade abstrata, porquanto a sua liquidação e cobrança não terão sido devidamente autorizados em conformidade com a CRP e a LEO.

LLL. No que respeita ao desvalor jurídico do acto de autoliquidação em crise, em resultado da violação das regras orçamentais acima descritas, deverá este conduzir-se à nulidade dos "créditos orçamentais que possibilitem a existência de dotações para utilização confidencial ou para fundos secretos (...)", conforme prevêem o artigo 8.° n.° 6, da LEO de 2001 e o artigo 17.°, n.° 3, da LEO de 2015, o que deverá significar que esses créditos se devem ter por não escritos, reconstituindo-se a ordem jurídica como se a cobrança da CESE nunca tivesse sido prevista.

MMM. Neste sentido, merecem acolhimento as considerações do Conselheiro Jorge Lopes de Sousa, quando indica que “(…) A falta de inscrição orçamental de receita liquidada sujeita a tal inscrição será um vício do acto tributário gerador da sua ilegalidade abstracta, equiparável aos vícios de inexistência do tributo (…)” (cf. Lopes de Sousa, Jorge – Código de Procedimento e Processo Tributário – Anotado e Comentado, Volume III, 6.ª Edição, p. 451).

NNN. Com efeito, a ilegalidade, in casu, é abstracta pelo facto de a mesma não residir directamente no acto que faz a aplicação da lei ao caso concreto – rectius, acto de liquidação -, mas na lei cuja aplicação é feita (cf. Lopes de Sousa, Jorge, Código de Procedimento e Processo Tributário – Anotado e Comentado, Vol. III, 6ª edição, Áreas Editora, 2011, pp. 443).

OOO. Ora, esta ilegalidade, decorrente da falta de previsão e de especificação das
receitas proporcionadas pela CESE resulta, efectivamente, numa ilegalidade grave dos respectivos actos de liquidação e cobrança, a qual, salvo melhor opinião, nunca pode reconduzir-se à mera anulabilidade, devendo materializar-se numa nulidade típica ou integral.

PPP. Com efeito, com a entrada em vigor do Código de Procedimento Administrativo (CPA), publicado em 7 de janeiro de 2015, pelo Decreto-Lei n.º 4/2015, o legislador procedeu à anulação da antiga cláusula geral de nulidade do antigo CPA, passando a prever quatro novos casos de nulidade no atual artigo 161.º daquele diploma, de entre os quais a alínea k), onde se dispõe que são nulos “Os atos que criem obrigações pecuniárias não previstas na lei”.

QQQ. Assim, de acordo com esta norma, são nulos quaisquer atos que gerem uma obrigação de pagamento não prevista na lei – com desrespeito do princípio da legalidade ou da tipicidade –, garantindo-se, assim, que todas as receitas têm cabimento legal.

RRR. Como explicam FAUSTO DE QUADROS, JOSÉ MANUEL SÉRVULO CORREIA, RUI CHANCERELLE DE MACHETE, JOSÉ CARLOS VIEIRA DE ANDRADE, MARIA DA GLÓRIA DIAS GARCIA, MÁRIO AROSO DE ALMEIDA, ANTÓNIO POLÍBIO HENRIQUES e JOSÉ MIGUEL SARDINHA, dá-se assim “expressão e merecido relevo a uma regra constitucional, nos termos da qual os atos de imposição pela Administração de uma obrigação pecuniária aos particulares, designadamente a liquidação de um tributo (imposto, taxa ou outra contribuição), têm como pressuposto necessário a respetiva base legal impositiva” (cf. Comentários à Revisão do Código de Procedimento Administrativo, Coimbra: Almedina, 2016, p. 324).

SSS. Ora, se um dos fundamentos legais da realização da receita da CESE é o Orçamento de Estado, então não devem gerar-se obrigações pecuniárias por meio de ato administrativo quando um tributo não foi adequadamente orçamentado.

TTT. Donde é forçoso concluir-se que as deficiências de orçamentação da CESE, desde a sua criação até à presente data, são tão graves que este tributo deve ter-se, mesmo, por não orçamentado, com a consequente nulidade das respetivas (auto)liquidações, ao abrigo da alínea k) do artigo 161.º do CPA.

UUU. Considerando as exigências do ónus de suscitação prévia e as particularidades dos vícios de inconstitucionalidade e ilegalidade, os quais aderem, em rigor, a todo o escopo normativo conducente à cobrança do crédito tributário nulo, elucida-nos TIAGO DUARTE que “Deverá, assim, ser suscitada ao Tribunal a quo a inconstitucionalidade da norma que no ano em causa tenha mantido em vigor a CESE, bem como as normas do regime jurídico da CESE (com a redação em vigor nesse ano) que serão aplicadas pelo Tribunal a quo (…). (…) Todas estas normas (na versão em vigor relativamente ao ano a que a impugnação judicial diga respeito) contribuem para a criação da receita não orçamentada e são normas que serão necessariamente aplicadas pelo Tribunal a quo no momento de decidir um litígio em torno da liquidação e cobrança da CESE no contexto de uma impugnação judicial do acto de liquidação da mesma” (cf. cit. DOCUMENTO Nº 4, pp. 23 e 24).

VVV. Em face do exposto, e atenta a desconformidade da CESE – mormente do disposto nos artigos 228.º, da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro (que institui o Regime jurídico da CESE), 1.º (objeto), 2.º (base de incidência subjetiva), 3.º (base de incidência objetiva), 6.º (determinação da taxa aplicável), 11.º (determinação da consignação da receita ao FSSSE) e 12.º (não dedutibilidade do tributo) do seu regime jurídico – com o disposto no artigo 17.º da LEO e com o artigo 105.º da CRP, é manifestamente ilegal e inconstitucional (indiretamente que seja) o ato de autoliquidação ora impugnado, devendo ser declarado nulo, nos termos da alínea k) do artigo 161.º do CPA, com todas as consequências legais.
Termos em que deve o presente recurso ser julgado procedente, por provado, com todas as consequências legais, designadamente a anulação da Sentença recorrida.
Mais se requer a V. Exas., nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 651.º, n.º 2, do Código de Processo Civil (CPC), se dignem admitir a junção aos presentes autos de recurso dos Pareceres da autoria do Prof. Rui Medeiros, do Prof. J. J. Gomes Canotilho, da Prof. Maria d´Oliveira Martins, do Prof. Tiago
Pires Duarte e do Prof. José Casalta Nabais, identificados como Anexos n.º 1, n.º 2, n.º 3, n.º 4 e n.º 5, respetivamente.”
* *
A Recorrida não apresentou contra-alegações.
* *
O Exmº. Magistrado do Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer defendendo a improcedência do presente recurso.
* *
Colhidos os vistos legais e nada mais obstando, vêm os autos à conferência para decisão.

II – DO OBJECTO DO RECURSO

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das respectivas alegações (cfr. artigo 635°, n.° 4 e artigo 639°, n.°s 1 e 2, do Código de Processo Civil), sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente.

Assim, delimitado o objecto do recurso pelas conclusões das alegações da Recorrente, importa decidir se a sentença enferma de erro de julgamento e se a Contribuição Extraordinária sobre o Sector Energético (CESE) é um imposto materialmente inconstitucional e, ainda que a CESE seja uma contribuição financeira, aferir se a mesma é inconstitucional por violação do princípio da especificação orçamental, da proporcionalidade, da igualdade e da consignação da receita.


III – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

O Tribunal recorrido considerou provada a seguinte matéria de facto:

“1. A Impugnante exerce a atividade de “Aprovisionamento e distribuição de gás
natural e outros gases combustíveis canalizados” (CAE 035220) – cfr. documento a fls. dos autos;

2. A Impugnante não entregou a modelo 27, aprovada pela Portaria n.º 208/2014, de 10 de Outubro e, concomitantemente, não pagou , até ao final do prazo previsto para o efeito (31/10/2014, depois alargado até 15/11/2014) , a Contribuição Extraordinária sobre o Setor Energético, a que se encontra sujeita e não isenta. – cfr. p.a.

3. Em 28/11/2014, A AT notificou a Impugnante nos seguintes termos:
“ 1. Considerando que a sociedade D...... – S....., S.A. se encontra abrangida pelas regras de incidência previstas no art.º 2.º do Regime da Contribuição Extraordinária sobre o Setor Energético, constante do art.º 228.º da Lei n.º 83 - C/2013, de 31/12, e que por esse motivo se encontra obrigada ao cumprimento do disposto nos art. º 7.º e 8.º do supra referido regime, queiram apresentar a Declaração Modelo 27, prevista na Portaria n.º 208/2014, de 10/10.
2. Entregar em suporte informático (ficheiros excel ou compatíveis), listagem dos ativos fixos tangíveis, ativos intangíveis, com exceção dos elementos da propriedade industrial e ativos financeiros afetos a concessões ou a atividades licenciadas nos termos do art.º 2.º do Regime da Contribuição Extraordinária sobre o Setor Energético, com a indicação do seu valor líquido contabilístico e do valor dos ativos regulados (se aplicável à situação em apreço), bem como o centro de custo associado, com referência a 1 de janeiro de 2014.
3. Indicar o valor das perdas por imparidade reconhecidas, associadas aos ativos fixos tangíveis, ativos intangíveis e ativos financeiros mencionados no ponto anterior, com referência a 1 de janeiro de 2014.
4. Relativamente ao valor total dos ativos regulados (se aplicável à situação em apreço), queiram justificar a não inclusão naquele valor, designadamente dos montantes inerentes a reavaliações e a ativos não remunerados ”.

4. A Impugnante respondeu à notificação – cfr. doc. de fls. do p.a., cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

5. Em sequência, com base nos elementos entregues pela Impugnante, os Serviços de Inspeção Tributária procederam, ao abrigo da Ordem de Serviço n.º ……10, emitida pela Unidade dos Grandes Contribuintes (UGC), em 20 de
Novembro de 2014, ao apuramento dos valores considerados em falta.

6. O referido procedimento de inspeção externo teve início no dia 28 de Novembro
de 2014, ao abrigo da Ordem de Serviço ……10, sendo de âmbito parcial e
incidente sobre o exercício de 2014, tendo como objetivo a verificação do cumprimento declarativo, determinação do montante e respetivo pagamento da Contribuição Extraordinária sobre o Setor Energético (CESE), aprovada pelo art.
228.º da Lei n.º 83 - C/2013, de 31 de Dezembro.

7. Em 30/12/2015, foi emitida a liquidação n.º ……..00 0 4, Nota de cobrança n.º ……..50, de 30/12/2014, e Nota de compensação n.º …….503, da mesma data), no montante de € 93.291,54, a qual não foi paga. – cfr. doc. de fls. do p.a., cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

8. Em 11/02/2015, foi instaurado o Processo de Execução Fiscal n.º ……. 482, o qual se encontra suspenso por apresentação de garantia.
**
Factos não provados:
Inexiste qualquer outra factualidade que, relevando para o exame e decisão da causa, tenha sido julgada como não provada.
Alicerçou-se a convicção do tribunal, na consideração dos factos provados, no teor
dos documentos juntos aos autos, dos ínsitos no processo administrativo, tudo conforme referido em cada um dos pontos do probatório.”.
* *

IV – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

Como resulta dos autos, o Tribunal a quo julgou improcedente a impugnação judicial do acto de autoliquidação de “Contribuição Extraordinária sobre o Sector Energético” (CESE), relativa ao ano de 2014. Dissente do decidido vem a Recorrente invocar que a sentença enferma de erro de julgamento porquanto a Contribuição Extraordinária sobre o Sector Energético (CESE) é um imposto materialmente inconstitucional e, ainda que a CESE fosse uma contribuição financeira, seria inconstitucional, por violação do princípio da especificação orçamental, da proporcionalidade e da igualdade e da consignação financeira.

Vejamos então.

Com referência à alegada violação do princípio da especificação orçamental, desde já adiantamos que não assiste razão à Recorrente. Na verdade o Supremo Tribunal Administrativo já se pronunciou sobre aquela questão em diversos Arestos no sentido que tal violação não se verifica.

Desde logo no Acórdão do STA de 08/09/2021 – proc. 01587/18.7BEPRT ao afirmar que “Um argumento extraído da jurisprudência constitucional sobre a interpretação do princípio da especificidade orçamental, segundo a qual, para efeitos constitucionais (designadamente do exercício de poderes reservados ao Parlamento no âmbito do orçamental), este princípio é relevante, sobretudo, para efeitos de despesas e não tanto de orçamentação de receitas. Neste sentido v. acórdão n.º 206/87, no qual pode ler-se o seguinte:
«[…] A análise, ainda que superficial, deste preceito [à data, artigo 108.º, n.º 1, al. a) e n.º 5 da CRP] logo mostra que a CRP se preocupa muito mais em precisar o grau de especificação das despesas que o grau de especificação das receitas, talvez porque, no respeitante às receitas, e uma vez discriminadas as suas fontes, uma maior ou menor especificação, para além disso - e diferentemente do que sucede com as despesas - é desprovida de consequências jurídicas de qualquer ordem, pelo menos para o Estado. Assim é que, por exemplo, a cobrança de receitas pode ser efectuada mesmo para além do montante inscrito (artigo 17.º, n.º 2, da Lei n.º 40/83) […]».
Ora, mantendo-se hoje em vigor, quer uma redacção semelhante das normas constitucionais em matéria de exigência constitucional quanto à discriminação de receitas e despesas do Estado [a actual alínea a) do n.º 1 do artigo 105.º da CRP)], quer uma formulação normativa idêntica quanto à admissibilidade em sede de LEO de liquidação e cobrança de receitas para além do previsto na respectiva inscrição orçamental, devemos considerar que se mantém válida a interpretação jurisprudencial veiculada no aresto antes mencionado quanto à relativa desconsideração para efeitos jurídicos das exigências de especificação orçamental em matéria de receitas.”.

De igual modo destacamos o entendimento, no mesmo sentido, vertido no Acórdão do STA de 08/09/2022 proc. 0545/19.9BEPRT onde se enuncia que “No que respeita à questão da alegada violação do princípio da especificação orçamental, isto é, ao facto de a CESE e as respectivas receitas não estarem alegadamente orçamentadas nos termos exigidos pelo artigo 17.º da Lei de Enquadramento Orçamental (Lei n.º 151/2015, de 11 de Setembro) e, como tal, daí resultar, consequentemente, um vício de inconstitucionalidade por violação do artigo 105.º da CRP (conclusões PP) a TT) das alegações de recurso), foi a mesma objecto de julgamento na presente data, no acórdão proferido no processo n.º 1587/18.7BEPRT, tendo aí sido julgada improcedente, pelas razões de direito que também aqui se acolhem e reproduzem:
«3.2. Na impugnação judicial cuja decisão agora se aprecia em sede de recurso foi também suscitada uma questão ainda não tratada na jurisprudência antes invocada, a saber: a alegada violação do princípio da especificação orçamental, i. e. o facto de a CESE e as respectivas receitas não estarem alegadamente orçamentadas nos termos exigidos pelo artigo 17.º da Lei de Enquadramento Orçamental (Lei n.º 151/2015, de 11 de Setembro) e, como tal, daí resultar, consequentemente, um vício de inconstitucionalidade por violação do artigo 105.º da CRP.
Sobre este específico fundamento da impugnação, que o Tribunal a quo igualmente julgou improcedente, sustentou-se a decisão recorrida nos seguintes argumentos.
Primeiro, no princípio da plenitude orçamental ou da plenitude do Orçamento do Estado. De acordo com este princípio, o que as regras da alínea a) do n.º 1 e do n.º 3 do artigo 105.º da CRP pretendem impedir é a desorçamentação de verbas e não eventuais desacertos quanto às respectivas rubricas de inscrição. E apoiou-se, para o efeito, no acórdão do TC n.º 414/2011.
Segundo, invocou a suficiência da conjugação dos critérios da classificação do tributo como contribuição, da autonomia do FSSSE decorrente do seu regime legal (Decreto-Lei n.º 55/2014, de 9 de Abril), dos critérios legais de incidência objectiva da CESE e da previsão das receitas (globais) do FSSSE no Mapa V do orçamento, e assim fundamentou, in casu, o respeito pelo princípio da suficiência da especificação orçamental.
Cumpre sublinhar que o que a Recorrente pretende essencialmente questionar com este argumento é a conformidade constitucional e legal, no plano orçamental, da circunstância de estas contribuições serem cobradas pela AT, não obstante a lei as configurar como receitas consignadas do FSSSE. E reconduz depois a complexidade deste circuito tributário-financeiro e a sua configuração no plano orçamental a uma violação do princípio constitucional da especificidade orçamental.
Ora, para além de acompanharmos os fundamentos da decisão recorrida, aditamos ainda uma terceira razão pela qual o recurso há-de também improceder quanto a este fundamento. Um argumento extraído da jurisprudência constitucional sobre a interpretação do princípio da especificidade orçamental, segundo a qual, para efeitos constitucionais (designadamente do exercício de poderes reservados ao Parlamento no âmbito do orçamental), este princípio é relevante, sobretudo, para efeitos de despesas e não tanto de orçamentação de receitas. Neste sentido v. acórdão n.º 206/87, no qual pode ler-se o seguinte:
«[…] A análise, ainda que superficial, deste preceito [à data, artigo 108.º, n.º 1, al. a) e n.º 5 da CRP] logo mostra que a CRP se preocupa muito mais em precisar o grau de especificação das despesas que o grau de especificação das receitas, talvez porque, no respeitante às receitas, e uma vez discriminadas as suas fontes, uma maior ou menor especificação, para além disso - e diferentemente do que sucede com as despesas - é desprovida de consequências jurídicas de qualquer ordem, pelo menos para o Estado. Assim é que, por exemplo, a cobrança de receitas pode ser efectuada mesmo para além do montante inscrito (artigo 17.º, n.º 2, da Lei n.º 40/83) […]».
Ora, mantendo-se hoje em vigor, quer uma redacção semelhante das normas constitucionais em matéria de exigência constitucional quanto à discriminação de receitas e despesas do Estado [a actual alínea a) do n.º 1 do artigo 105.º da CRP)], quer uma formulação normativa idêntica quanto à admissibilidade em sede de LEO de liquidação e cobrança de receitas para além do previsto na respectiva inscrição orçamental, devemos considerar que se mantém válida a interpretação jurisprudencial veiculada no aresto antes mencionado quanto à relativa desconsideração para efeitos jurídicos das exigências de especificação orçamental em matéria de receitas.” (no mesmo sentido v. Acórdãos do STA de 10/11/2021- proc. 01471/17 e de 08/05/2022 - proc. 0994/20.0BEPRT, entre outros).

Quanto à apreciação das demais questões colocadas no presente recurso e em que as conclusões de recurso são semelhantes, ainda que respeitante a outra Recorrente, mas relativamente à CESE de 2017, já se pronunciou o TCAS no Acórdão de 14/01/2021, proc. n.º 1034/18.4BELRA, cuja fundamentação é inteiramente aplicável ao caso dos autos, com a qual concordamos e seguiremos tendo em vista uma interpretação e aplicação uniformes do direito (cfr.artigo 8.º, n.º 3, do C.Civil), e que passamos a transcrever:

“Considera a Recorrente que o Tribunal a quo laborou em erro, na medida em que a CESE é um verdadeiro imposto, materialmente inconstitucional, e que, ademais, ainda que seja considerada contribuição financeira, é inconstitucional, por violação dos princípios da proporcionalidade e igualdade. Defende ainda que este tributo atenta contra o princípio da não consignação de receitas.
Vejamos então.
A CESE foi criada pela lei do orçamento do estado para 2014 (Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro), em cujo art.º 228.º consta o respetivo regime.
Do mesmo, na sua redação inicial, extrai-se, desde logo, que este tributo tem por “objetivo financiar mecanismos que promovam a sustentabilidade sistémica do setor energético, através da constituição de um fundo que visa contribuir para a redução da dívida tarifária e para o financiamento de políticas sociais e ambientais do setor energético”.
O regime em causa veio a ser objeto de alterações, sendo que apenas iremos abordar aquelas que se refletem in casu, considerando que estamos a tratar de autoliquidação relativa ao ano de 2017.
Assim, como decorre do art.º 237.º da Lei n.º 82-B/2014, de 31 de dezembro, do art.º 6.º da Lei n.º 159-C/2015, de 30 de dezembro, e do art.º 264.º da Lei n.º 42/2016, de 28 de dezembro, o regime da CESE foi prorrogado, respetivamente, para os anos de 2015, 2016 e 2017.
Em termos de incidência subjetiva, nos termos do seu art.º 2.º, são designadamente sujeitos passivos de CESE:
“… [A]s pessoas singulares ou coletivas que integram o setor energético nacional, com domicílio fiscal ou com sede, direção efetiva ou estabelecimento estável em território português, que, em 1 de janeiro de 2015, se encontrem numa das seguintes situações:
a) - Sejam titulares de licenças de exploração de centros eletroprodutores, com exceção dos localizados nas Regiões Autónomas dos Açores ou da Madeira;
b) - Sejam titulares, no caso de centros eletroprodutores licenciados ao abrigo do Decreto-Lei n.º 172/2006, de 23 de agosto, de licença de produção e tenham sido considerados em condições de ser autorizada a entrada em exploração, conforme relatório de vistoria elaborado nos termos do n.º 5 do artigo 21.º do referido decreto-lei, com exceção dos localizados nas Regiões Autónomas dos Açores ou da Madeira;
c) - Sejam concessionárias das atividades de transporte ou de distribuição de eletricidade, nos termos definidos no Decreto-Lei n.º 29/2006, de 15 de fevereiro, alterado pelos Decretos-Leis n.ºs 104/2010, de 29 de setembro, 78/2011, de 20 de junho, 75/2012, de 26 de março, 112/2012, de 23 de maio, e 215-A/2012, de 8 de outubro;
d) - Sejam concessionárias das atividades de transporte, de distribuição ou de armazenamento subterrâneo de gás natural, nos termos definidos no Decreto-Lei n.º 140/2006, de 26 de julho, alterado pelos Decretos-Leis nºs 65/2008, de 9 de abril, 66/2010, de 11 de junho, e 231/2012, de 26 de outubro;
e) - Sejam titulares de licenças de distribuição local de gás natural, nos termos definidos no Decreto-Lei n.º 140/2006, de 26 de julho, alterado pelos Decretos-Leis nºs 65/2008, de 9 de abril, 66/2010, de 11 de junho, e 231/2012, de 26 de outubro;
f) - Sejam operadores de refinação de petróleo bruto e de tratamento de produtos de petróleo, nos termos definidos no Decreto-Lei n.º 31/2006, de 15 de fevereiro;
g) - Sejam operadores de armazenamento de petróleo bruto e de produtos de petróleo, nos termos definidos no Decreto-Lei n.º 31/2006, de 15 de fevereiro;
h) - Sejam operadores de transporte de petróleo bruto e de produtos de petróleo, nos termos definidos no Decreto-Lei n.º 31/2006, de 15 de fevereiro;
i) - Sejam operadores de distribuição de produtos de petróleo, nos termos definidos no Decreto-Lei n.º 31/2006, de 15 de fevereiro;
j) - Sejam comercializadores grossistas de gás natural, nos termos definidos no Decreto-Lei n.º 140/2006, de 26 de julho, alterado pelos Decretos-Leis n. os 65/2008, de 9 de abril, 66/2010, de 11 de junho, e 231/2012, de 26 de outubro;
k) - Sejam comercializadores grossistas de petróleo bruto e de produtos de petróleo, nos termos definidos no Decreto-Lei n.º 31/2006, de 15 de fevereiro;
l) - Sejam comercializadores grossistas de eletricidade, nos termos definidos no Decreto-Lei n.º 29/2006, de 15 de fevereiro, alterado pelos Decretos-Leis nºs 104/2010, de 29 de setembro, 78/2011, de 20 de junho, 75/2012, de 26 de março, 112/2012, de 23 de maio, e 215-A/2012, de 8 de outubro;
m) Seja comercializador do Sistema Nacional de Gás Natural (SNGN), nos termos definidos no artigo 39.º-A do Decreto-Lei n.º 140/2006, de 26 de julho, alterado pelos Decretos-Leis nºs 65/2008, de 9 de abril, 66/2010, de 11 de junho, e 231/2012, de 26 de outubro”.
Atento o disposto no art.º 3.º do Regime da CESE, atinente à incidência objetiva:
“1- A contribuição extraordinária sobre o setor energético incide sobre o valor dos elementos do ativo dos sujeitos passivos que respeitem, cumulativamente, a:
a) - Ativos fixos tangíveis;
b) - Ativos intangíveis, com exceção dos elementos da propriedade industrial; e
c) - Ativos financeiros afetos a concessões ou a atividades licenciadas nos termos do artigo anterior.
2- No caso previsto na alínea m) do artigo anterior, a contribuição extraordinária sobre o setor energético incide ainda, para além dos elementos previstos no número anterior, sobre o valor económico equivalente dos contratos de aprovisionamento de longo prazo em regime de take-or-pay, previstos no artigo 39.º-A do Decreto-Lei n.º 140/2006, de 26 de julho, alterado pelos Decretos-Leis n. os 65/2008, de 9 de abril, 66/2010, de 11 de junho, e 231/2012, de 26 de outubro.
3-A contribuição extraordinária sobre o setor energético incide ainda sobre o excedente apurado para o valor económico equivalente dos contratos a que se refere o número anterior, tendo em conta a informação sobre o real valor desses contratos.
4- No caso das atividades reguladas, a contribuição extraordinária sobre o setor energético incide sobre o valor dos ativos regulados aceites pela Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos (ERSE) na determinação dos proveitos permitidos recuperados pelas tarifas do ano seguinte, caso este seja superior ao valor dos ativos referidos no n.º 1.
5- Para efeitos do n.º 1, entende-se por 'valor dos elementos do ativo' os ativos líquidos reconhecidos na contabilidade dos sujeitos passivos, com referência a 1 de janeiro de 2015, ou no 1.º dia do exercício económico, caso ocorra em data posterior.
6- O valor económico equivalente dos contratos previstos no n.º 2 é determinado por aplicação da fórmula prevista no anexo I a este regime, que dele faz parte integrante, cujos parâmetros e valores são definidos por portaria do membro do Governo responsável pela área da energia, ouvidas a Direção-Geral de Energia e Geologia (DGEG) e a ERSE, no prazo de 60 dias após a entrada em vigor da presente lei, os quais devem ter em conta a informação disponível, designadamente a relativa à duração dos contratos, às quantidades contratadas e às regras de cálculo do preço do gás previstas nos contratos.
7- Nas situações previstas no n.º 3, o excedente do valor económico equivalente dos contratos corresponde à diferença positiva entre o valor económico equivalente apurado com a informação sobre o real valor desses contratos, designadamente a relativa à sua duração, às quantidades contratadas e às regras de cálculo do preço do gás previstas nos contratos, aplicando-se ao excedente a metodologia prevista no anexo I a este regime, considerando como ano base de valor unitário para efeitos do parâmetro k o ano de 2017 e o valor económico equivalente inicialmente apurado, ao qual é aplicável a Portaria n.º 157-B/2015, de 28 de maio.
8- O valor do excedente ao valor económico equivalente é apurado fazendo-se uso de parâmetros e valores que são definidos por portaria do membro do Governo responsável pela área da energia, ouvidas a Direção-Geral de Energia e Geologia (DGEG) e a ERSE, no prazo de 60 dias após a entrada em vigor do Orçamento do Estado para 2017.
9- Nos casos em que a obrigação prevista no n.º 8 do artigo 7.º não é cumprida de forma atempada, impedindo a ponderação da informação ali mencionada para efeitos de elaboração e aprovação da portaria referida no número anterior, o pagamento da contribuição extraordinária sobre o setor energético passa a ter natureza de pagamento por conta da contribuição extraordinária sobre o setor energético definitiva, procedendo-se à cobrança do valor remanescente ou ao reembolso do excesso pago, consoante o caso, após análise dos mencionados documentos e informações necessárias à aplicação da contribuição extraordinária.
10- Nos casos em que a obrigação prevista no n.º 7 do artigo 7.º não é cumprida de forma atempada, impedindo a ponderação da informação ali mencionada para efeitos de elaboração e aprovação da portaria referida no número anterior, o pagamento da contribuição extraordinária sobre o setor energético passa a ter natureza de pagamento por conta da contribuição extraordinária sobre o setor energético definitiva, procedendo-se à cobrança do valor remanescente ou ao reembolso do excesso pago, consoante o caso, após análise dos mencionados documentos e informações necessárias à aplicação da contribuição extraordinária.
11- A liquidação, a cobrança e o pagamento da contribuição extraordinária sobre o setor energético cobrada ao abrigo deste artigo segue, com as necessárias adaptações, o disposto nos artigos 7.º e 8.º.
12- Para efeitos do disposto no n.º 4, entende-se por 'valor dos ativos regulados' o valor reconhecido pela ERSE para efeitos de apuramento dos proveitos permitidos, com referência a 1 de janeiro de 2015.
13- Para efeitos do disposto no n.º 3, entende-se por 'valor dos ativos regulados' o valor reconhecido pela ERSE para efeitos de apuramento dos proveitos permitidos, com referência a 1 de janeiro de 2015”.
À base de incidência definida nos termos referidos, é aplicada, em regra, uma taxa de 0,85% (art.º 6.º, n.º 1), estando ainda consagradas outras taxas específicas no mesmo art.º 6.º.
No art.º 4.º do mencionado regime estão previstas as situações de isenção de CESE.
O regime consagra ainda a impossibilidade de repercussão deste tributo (cfr. art.º 5.º).
Nos termos do art.º 11.º do regime da CESE, sob a epígrafe “Consignação”:
“1 - A receita obtida com a contribuição extraordinária sobre o setor energético é consignada ao Fundo para a Sustentabilidade Sistémica do Setor Energético (FSSSE), criado pelo Decreto-Lei n.º 55/2014, de 9 de abril, com o objetivo de estabelecer mecanismos que contribuam para a sustentabilidade sistémica do setor energético, designadamente através da contribuição para a redução da dívida e ou pressão tarifárias e do financiamento de políticas do setor energético de cariz social e ambiental, de medidas relacionadas com a eficiência energética, de medidas de apoio às empresas e da minimização dos encargos financeiros para o Sistema Elétrico Nacional decorrentes de custos de interesse económico geral (CIEG), designadamente resultantes dos sobrecustos com a convergência tarifária com as regiões autónomas dos Açores e da Madeira, e para o SNGN.
2 - (Revogado.)
3 - (Revogado.)
4 - A parcela da receita relativa ao produto da contribuição extraordinária sobre o setor energético obtida nos termos do disposto nos n.ºs 2 e 3 do artigo 3.º é totalmente afeta à minimização dos encargos do SNGN, devendo o FSSSE prever, para o efeito, mecanismos para abater o montante das respetivas cobranças que daí resultem na tarifa de uso global do sistema de gás natural, excluindo as tarifas aplicáveis aos centros eletroprodutores, e definir a respetiva periodicidade.
5 - A receita referida no número anterior não é considerada para efeitos de aplicação do n.º 2 do artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 55/2014, de 9 de abril, que define os termos da alocação do produto da contribuição extraordinária sobre o setor energético previsto na alínea a) do n.º 1 do artigo 3.º do referido decreto-lei.
6 - Fica o Governo autorizado a transferir para o FSSSE o montante das cobranças provenientes da contribuição extraordinária sobre o setor energético.
7 - Os encargos de liquidação e cobrança incorridos pela Autoridade Tributária e Aduaneira são compensados através da retenção de uma percentagem de 3 % do produto da contribuição, a qual constitui receita própria”.
O FSSSE veio a ser criado pelo DL n.º 55/2014, de 9 de abril (tendo ainda sido aprovada a Portaria n.º 1059/2014, publicada no Diário da República n.º 244, 2.ª Série, de 18.12.2014, relativa ao seu regulamento de gestão), tendo a natureza de património autónomo, sem personalidade jurídica e com autonomia administrativa e financeira. De acordo com o art.º 2.º do mencionado diploma:
“… [V]isa contribuir para a promoção do equilíbrio e sustentabilidade sistémica do setor energético e da política energética nacional, designadamente através:
a) Do financiamento de políticas do setor energético de cariz social e ambiental, relacionadas com medidas de eficiência energética;
b) Da redução da dívida tarifária do Sistema Elétrico Nacional (SEN), mediante a receita obtida com a contribuição extraordinária sobre o setor energético prevista no artigo 228.º da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro”.
Uma das receitas do FSSSE é, pois, a CESE [cfr. art.º 3.º, n.º 1, al. a)], sendo que devem ser alocados dois terços da receita em causa ao financiamento de políticas do setor energético de cariz social e ambiental, relacionadas com medidas de eficiência energética, até ao limite máximo de 100.000.000,00 Eur. [cfr. art.º 4.º, n.º 2, al. a)].
A questão que se coloca, em primeiro lugar, prende-se com a configuração da CESE, enquanto tributo.
Refira-se, a este respeito, que a Recorrente, no corpo das suas alegações, mas sem que nunca tenha suscitado qualquer nulidade da sentença, considera que o Tribunal a quo nem se pronunciou sobre a natureza do tributo. Ora, da sentença resulta que o Tribunal a quo considera o tributo em causa como uma contribuição financeira. O facto de não ter abordado todos os argumentos aventados pela Recorrente não altera a circunstância de a questão ter sido conhecida. Portanto, do que se tratará aqui é apenas de aferir se existiu, desde logo, erro de julgamento nessa qualificação.
Prosseguindo.
Como já referido, a Recorrente considera que, face às suas caraterísticas, a CESE não se pode configurar se não como imposto.
Cumpre, assim e antes de mais, atentar na tipologia de tributos previstos no ordenamento jurídico português.
Independentemente da nomenclatura utilizada pelo legislador para designar os tributos, a sua natureza depende das suas específicas caraterísticas.
Com efeito, o nosso ordenamento consagra um conceito amplo de tributo.
Como resulta desde logo do art.º 165.º, n.º 1, al. i), da Constituição da República Portuguesa (CRP), os tributos têm uma natureza tripartida:
a) Impostos;
b) Taxas; e
c) Demais contribuições financeiras a favor das entidades públicas.
Este quadro tripartido surge, ao nível da lei ordinária, previsto no art.º 3.º da Lei Geral Tributária (LGT).
Assim, esta configuração implica que cada um dos tributos tenha caraterísticas e finalidades próprias.
Quanto à sua noção, em traços largos, e começando pela de imposto, este define-se como uma prestação pecuniária unilateral, imposta coativa ou autoritariamente pelo Estado ou por uma entidade pública, sem caráter sancionatório, visando angariar receita. É ainda de atentar que, do art.º 103.º, n.º 1, da CRP, resulta igualmente que o sistema fiscal visa diminuir as desigualdades e promover a distribuição de rendimentos e riquezas, conjugando o que se poderá denominar como um interesse financeiro ou imediato com um interesse de justiça social, mediato ou metajurídico.
No que respeita às taxas as mesmas configuram-se como prestações pecuniárias impostas coativa ou autoritariamente, pelo Estado ou outro ente público, sem que tenham caráter sancionatório, pressupondo sim a existência de uma contraprestação, seja ela a prestação de um serviço público, a utilização de um bem do domínio público ou a remoção de um obstáculo jurídico.
A par das taxas e dos impostos surge a terceira categoria, a das contribuições financeiras, classificação de caráter residual, abrangendo os tributos que não são nem impostos nem taxas.
Como se refere no Acórdão n.º 539/2015, do Plenário do Tribunal Constitucional, de 20.10.2015:
“[A] revisão constitucional de 1997, introduziu, a propósito da delimitação da reserva parlamentar, a categoria tributária das contribuições financeiras a favor das entidades públicas, dando cobertura constitucional a um conjunto de tributos parafiscais que se situam num ponto intermédio entre a taxa e o imposto (artigo 165.º, n.º 1, alínea i)). As contribuições financeiras constituem um tertium genus de receitas fiscais, que poderão ser qualificadas como taxas coletivas, na medida em que compartilham em parte da natureza dos impostos (porque não têm necessariamente uma contrapartida individualizada para cada contribuinte) e em parte da natureza das taxas (porque visam retribuir o serviço prestado por uma instituição pública a certo círculo ou certa categoria de pessoas ou entidades que beneficiam coletivamente de um atividade administrativa) (Gomes Canotilho/Vital Moreira, em “Constituição da República Portuguesa Anotada,” I vol., pág. 1095, 4.ª ed., Coimbra Editora).
As contribuições distinguem-se especialmente das taxas porque não se dirigem à compensação de prestações efetivamente provocadas ou aproveitadas pelo sujeito passivo, mas à compensação de prestações que apenas presumivelmente são provocadas ou aproveitadas pelo sujeito passivo, correspondendo a uma relação de bilateralidade genérica. Preenchem esse requisito as situações em que a prestação poderá beneficiar potencialmente um grupo homogéneo ou um conjunto diferenciável de destinatários e aquelas em que a responsabilidade pelo financiamento de uma tarefa administrativa é imputável a um determinado grupo que mantém alguma proximidade com as finalidades que através dessa atividade se pretendem atingir (…).
Por via da nova redação dada à norma do artigo 165.º, n.º 1, alínea i), a Constituição autonomizou uma terceira categoria de tributos, para efeitos de reserva de lei parlamentar, relativizando as diferenças entre os tributos unilaterais e os tributos comutativos e obrigando a uma reformulação da discussão sobre a exigência da reserva de lei, relativamente às contribuições especiais que não se pudessem enquadrar no preciso conceito de taxa” (sublinhados nossos).
Como referido por Sérgio Vasques[1]:
“O que (…) carateriza os tributos que hoje em dia encontramos a meio caminho entre as taxas e os impostos é o estarem voltados à compensação de prestações de que só presumivelmente se pode dizer causador ou beneficiário o sujeito passivo, sendo o seu pressuposto constituído por factos que apenas com segurança relativa permitem concluir pela provocação ou aproveitamento das prestações administrativas. Em suma, o que as define é visarem uma troca entre a administração e grupos de pessoas que se presume provocarem os mesmos custos ou aproveitarem os mesmos benefícios”.
Nos termos do art.º 165.º, n.º 1, al. i), da CRP, é da competência relativa da Assembleia da República legislar em matéria de impostos e sistema fiscal e sobre o regime geral das taxas e contribuições financeiras.
Assim, e analisando a mencionada al. i) do n.º 1 do art.º 165.º da CRP, lida em consonância com o n.º 2 do art.º 103.º da lei fundamental, dúvidas não há que, no que toca aos impostos, a reserva relativa de lei abrange tudo o que respeite à sua criação, determinação da incidência, da taxa, dos benefícios fiscais e das garantias dos contribuintes.
Quanto aos demais tributos, o princípio da reserva de lei formal não tem o mesmo alcance.
Com efeito, do disposto no art.º 165.º, n.º 1, al. i), da CRP, resulta que a reserva de lei parlamentar se circunscreve ao regime geral das taxas e demais contribuições financeiras a favor das entidades públicas, sendo que até à presente data não foi aprovado qualquer regime geral das contribuições financeiras e, ao nível das taxas, apenas foi aprovado o regime geral das taxas das autarquias locais.
Feito este introito cumpre, antes de mais, atentar na natureza do tributo em causa.
No caso dos autos, não há dúvidas de que o mesmo não é uma taxa.
Efetivamente, no regime legal que o prevê, o mesmo não surge como reflexo de uma prestação concreta de um serviço público ou da remoção de um obstáculo jurídico, nem como reflexo, por parte do sujeito passivo, da utilização de um bem do domínio público.
No entanto, face ao regime jurídico previsto no seu conjunto e a que já se fez referência, o mesmo aproxima-se do conceito de contribuição financeira, por lhe estar subjacente justamente a bilateralidade genérica a que se fez menção supra.
Sobre esta questão, num primeiro momento, já se pronunciaram os tribunais arbitrais tributários, em decisão proferida a 07.01.2016, no processo n.º 312/2015-T, decisão de que houve recurso para o Tribunal Constitucional, na sequência do qual foi proferido o Acórdão n.º 7/2019, a 08.01.2019. É ainda de sublinhar que, também neste caso, o sujeito passivo da CESE era uma entidade que não exercia atividade no setor electroprodutor ou em qualquer outro subsetor da eletricidade. No mesmo sentido também já se pronunciou o Supremo Tribunal Administrativo, em Acórdãos de 08.01.2020 (Processo: 0386/17.8BEMDL), de 16.09.2020 (Processo: 0387/17.6BEMDL) e de 16.12.2020 (Processo: 0415/16.2BEVIS), e, bem assim, este TCAS, em Acórdãos de 17.09.2020 (Processo: 322/19.7BEALM), de 30.09.2020 (Processo: 536/17.4BEALM) e de 16.12.2020 (Processo: 822/18.6BELRA).
Escreveu-se no mencionado aresto do Tribunal Constitucional:
“(…) A recorrente veio invocar que, em virtude da sua atividade, não exercia «qualquer atividade no sector electroprodutor, nem sequer em qualquer outro subsector da eletricidade (a atividade da Recorrente é a de armazenamento subterrâneo de gás natural), pelo que em nada contribuiria para o problema da dívida tarifária do SEN». Assim sendo, não usufruiria da contrapartida traduzida na redução do défice ou dívida tarifária, pelo que não estaria assegurada a bilateralidade ou sinalagmaticidade do tributo, devendo este ser considerado um imposto.
Sucede que aquela redução é apenas um dos objetivos da CESE, prescrevendo a lei que esta contribuição visa, genericamente, o desenvolvimento de medidas que contribuam para o equilíbrio e sustentabilidade sistémica do setor energético.
Ainda que não referida a uma contraprestação direta, específica e efetiva, resultante de uma relação concreta com um bem ou serviço, o que afasta a sua qualificação como taxa, a sujeição à CESE de determinados operadores económicos tem como um dos seus objetivos «financiar mecanismos que promovam a sustentabilidade sistémica do sector energético» (artigo 1º, n.º 2, do regime da CESE). É, a par do objetivo da redução da dívida tarifária – que é uma das suas causas –, o objetivo da promoção de mecanismos para financiamento de políticas do setor energético de cariz social e ambiental, e de medidas relacionadas com a eficiência energética, bem como de medidas de apoio às empresas, que gerará, igualmente, contrapartidas, ainda que difusas, dirigidas aos sujeitos passivos da CESE. A existência destas presumidas contraprestações que vão além do mero objetivo da redução tarifária, e que a criação do FSSSE garante, assegura, também, o caráter estrutural de bilateralidade ou sinalagmaticidade da relação subjacente ao tributo em causa, permitindo excluir a sua caracterização como imposto, já que nelas é possível identificar a satisfação das utilidades do sujeito passivo do tributo como contrapartida do respetivo pagamento. É a participação de um especial setor da atividade económica nos benefícios/custos presumidos da adoção destas políticas de financiamento que permite isolá-los dos demais contribuintes, sujeitando-os à contribuição criada pelas normas em apreciação, sem que essa diferenciação possa considerar-se violadora da Constituição, como veremos. Assim, apesar de não pressupor uma contraprestação direta, específica e efetiva, razão pela qual não pode ser qualificada como taxa, a CESE, reveste características de bilateralidade na relação entre o Estado e os sujeitos passivos do tributo, pela conexão entre a origem das receitas e o seu destino.
Não estamos, por isso, perante uma cobrança de tributo para participação nos gastos gerais da comunidade, numa pura angariação de receitas, que vise prover, indistintamente, às necessidades financeiras do Estado, que traduza o cumprimento de um dever geral de cidadania e solidariedade, como o dever de pagar impostos, em que esteja ausente uma qualquer contraprestação pública dedicada. Isto porque não é finalidade imediata e genérica deste tributo a obtenção de receitas, a serem afetadas, geral e indiscriminadamente, à satisfação de encargos públicos.
O facto de não ser possível individualizar-se, de forma concreta e absolutamente objetiva, uma compensação efetiva que, pelo seu conteúdo e natureza, seja especificamente dirigida aos sujeitos passivos que desenvolvam a atividade da recorrente, mas apenas as vantagens difusas, tal não retira caráter comutativo às prestações que visem financiar os objetivos que vão além da redução da dívida tarifária, já que estas contrapartidas não estão dissociadas de prestações públicas, ainda que genericamente destinadas a um grupo específico, sendo de presumir que os sujeitos passivos da CESE beneficiarão dos mecanismos que promovam a sustentabilidade sistémica do sector energético. Ou seja, no caso da CESE, estamos perante um tributo comutativo, em virtude de, ainda que de forma difusa, ser possível identificar nos objetivos do FSSSE, a que foi consignada, contraprestações destinadas a um determinado grupo de sujeitos passivos que mantêm suficiente proximidade com as finalidades que este prosseguirá, e no qual se se incluirá a recorrente.
Realizando a recorrente o armazenamento subterrâneo de gás natural e a construção, exploração e manutenção das infraestruturas e instalações necessárias para esse fim, dúvidas não restam que a recorrente sempre usufruirá do desenvolvimento das medidas que contribuam para o equilíbrio e sustentabilidade sistémica do setor energético, designadamente das que se associem à atividade do fundo criado que visa, entre outros objetivos, financiar políticas sociais e ambientais do setor energético, enquanto setor de serviços económicos de interesse geral.
Como é bom de ver, os operadores económicos deste sector, entre os quais a recorrente, em virtude do seu específico objeto social, irão, presumivelmente, aproveitar, como contrapartida da CESE, de mecanismos que promovem a sustentabilidade sistémica do sector energético, de cariz social e ambiental, a desenvolver pelo Estado regulador, garante dessa sustentabilidade. Ou seja, uma vez que a atividade desenvolvida por estes agentes económicos beneficiará das ações de regulação traduzidas no desenvolvimento de políticas sociais e ambientais do setor energético, que promovam a sustentabilidade sistémica do setor, designadamente através da constituição do FSSSE dedicado ao seu financiamento, financiamento este que também respeitará ao subsector do gás natural, existem, então, razões que autorizam o legislador a estabelecer que o grupo de operadores, no qual se inclui a recorrente, deve contribuir para os custos decorrente dessas medidas regulatórias. A recorrente é uma das entidades cuja atividade desenvolvida é uma atividade regulada, nos termos do Decreto-Lei n.º 30/2006, de 15 de fevereiro, e pelo Decreto-Lei n.º 140/2006, de 26 de julho. E a regulação e os seus custos foi já anteriormente identificada pelo Tribunal Constitucional como justificando o lançamento deste tipo de tributos, como atrás se referiu. Como os exemplos de outras contribuições invocados bem demonstram, essas medidas regulatórias não se reduzem à definição de tarifas reguladas.
E sendo assim, é possível identificar, também no caso da recorrente, uma contrapartida presumivelmente provocada e aproveitada pela recorrente, enquanto sujeito passivo, que o legislador faz repercutir, através da CESE, nestes operadores económicos sujeitos a regulação, e não na comunidade em geral.
Como se refere na decisão recorrida, no contexto do Estado regulador, «as contribuições financeiras impostas aos operadores económicos, quer para financiar os sobrecustos do sistema, quer para financiar novos encargos no contexto da regulação social, cumprem ainda a exigida “conexão entre a origem das receitas [o pressuposto do tributo] e o destino [finalidade] que a lei lhes assinala”; conexão que neste caso é reconduzida a uma „relação causal‟ entre o Estado, na qualidade de garantidor do funcionamento eficiente e socialmente equitativo do sistema (neste caso do sector energético), e o sujeito passivo»; e «a CESE, ao ser exigida aos operadores do sector energético com o intuito de financiar políticas do sector energético de cariz social e ambiental, relacionadas com medidas de eficiência energética e com a redução do stock da dívida tarifária do Sistema Elétrico Nacional, inscreve-se claramente neste tipo de contribuições exigidas pelo modelo económico-social do Estado regulador».
Neste sentido pronunciou-se igualmente o Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República, no seu Parecer n.º 4/2016 (publicado no Diário da República, 2.ª série, de 2 de março de 2018):
«[A] CESE, correspondendo a uma relação de bilateralidade genérica, no sentido acima referido, [trata-se] de uma contribuição financeira.
A CESE é uma contrapartida para o financiamento da eficiência energética e da redução da dívida do SEN, exigida pelo modelo do Estado regulador.»
(…) Evidentemente, ao contrário do que pretende a requerente, o facto de a CESE ter, igualmente, como objetivo a redução da dívida tarifária do SEN, encarado, também ele, como um mecanismo que promove a sustentabilidade sistémica do sector energético, tal não faz obnubilar aquela outra contrapartida. Deixando de lado o problema de saber se a CESE assume natureza extraordinária, (…) é de acompanhar, sem reservas, a apreciação deste aspeto realizada na decisão recorrida:
«Em relação à afetação de um terço da receita da contribuição à redução da dívida tarifária do Sector Elétrico Nacional, cumpre sublinhar que, efetivamente, nesta parte, existe uma redução intensa (senão mesmo uma exclusão) do nexo causal que é pressuposto desta afetação do tributo, uma vez que é especialmente difícil sustentar que a exigência da CESE aos operadores económicos do sector do gás natural tem sentido no contexto da amortização de um stock de dívida que foi gerado pela adoção de medidas de regulação social no subsector da energia elétrica (o stock da dívida tarifária do sector elétrico é consequência da cláusula-travão na admissibilidade da repercussão integral dos custos do Sistema Elétrico Nacional nas tarifas a suportar pelos consumidores finais), mesmo sabendo que as empresas que hoje são credoras dessa dívida tarifária (pelo menos uma parte significativa das que recebem custos de manutenção do equilíbrio contratual ou garantia de potência e que operam centrais termelétricas) são consumidoras de gás natural que é fornecido pelas operadoras deste segundo sector e através das respetivas infra-estruturas.
Todavia, essa atenuação (ou mesmo interrupção) do nexo causal respeitante a um terço do valor da contribuição não se afigura suficiente para determinar a se uma situação de desproporção significativa entre a exigência do tributo e a finalidade a que o mesmo se destina, pois não só dois terços do valor do mesmo mantêm, como veremos, aquele nexo causal, como ainda a CESE assume um carácter extraordinário.
Este carácter extraordinário está logo expresso na sua mesma qualificação legal – sendo que não pode deixar de atribuir-se a esta toda a relevância. Naturalmente que, se o legislador qualifica e designa ab initio um tributo como “extraordinário”, é porque o seu fundamento está numa circunstância ou razão excecional, que “exige” a sua instituição, e a sua instituição com a configuração que o legislador lhe dá. Ainda que a lei não estabeleça expressamente um limite temporal para tal tributo, o facto é que uma tal qualificação indicia que o mesmo tributo não será para manter indefinidamente, ou não será para manter indefinidamente nos termos e com a conformação jurídica que recebeu – será, nesse sentido, «provisório».
Mas ao que fica dito acresce que a regulação da CESE na Lei do Orçamento para 2014 só confirma a sua natureza “extraordinária” – e isso quando, em várias disposições do respetivo regime jurídico (tal como constam do artigo 228.º daquela Lei), se fazem referências temporais determinadas, a 1 de Janeiro de 2014 (artigo 2.º e artigo 3.º, n.º 4), a 31 de Dezembro de 2013 [artigo 4.º, alínea o)], a 1 de Janeiro e 15 de Dezembro de 2014 ou a 31 de Outubro e a 20 de Dezembro de 2014, para determinar, sejam a incidência e o âmbito da isenções, sejam a taxa e a liquidação da contribuição. Tais referências não seriam certamente curiais num tributo criado com uma vocação de permanência – e antes apontam mesmo para a aparente necessidade da sua renovação anual.
Sobre este último ponto, este Tribunal, no caso sub judice que se reporta, de resto ao primeiro ano da cobrança do tributo, e em que, logo, a questão do seu prolongamento não se põe não tem de, nem pretende tomar posição. as o facto – o que só confirma o carácter «extraordinário da contribuição é que, em ordem à sua manutenção ainda no ano de 2015, o legislador orçamental sentiu necessidade de, pelo menos, «renovar» correspondentemente aquelas referências temporais, no artigo 238.º da Lei n.º 82-B/2014 (Lei do Orçamento para 2015).
E não se argumente, contra o carácter extraordinário e «provisório» da CESE, com o facto de a mesma integrar o leque de receitas do Fundo para a Sustentabilidade Sistémica do Sector Energético, e este Fundo ter sido criado com um carácter permanente, à semelhança dos seus homólogos europeus (ex. Fondo nazionale per l'efficienza energética, art. 15 do Decreto Legislativo 4 luglio 2014, n. 102): é que tal circunstância, como é claro, é perfeitamente irrelevante, ou ineficaz, para alterar normativamente a natureza da CESE, tal como resulta das leis que a preveem. […]
Ora, sendo a CESE uma contribuição «extraordinária», essa sua natureza assume um relevo determinante – será mesmo causa suficiente– para, com esse carácter, não julgá-la desproporcional (inadequada, desnecessária e desproporcional), no quadro do estado de emergência económico-financeiro conjuntural (respeitante ao contexto económico-financeiro do país) e sectorial (respeitante ao peso que a dívida tarifária do SEN assumiu em 2014, totalizando mais de 5 mil milhões de euros), em que foi instituída. […]
(…) Acresce que a CESE é consignada a um fundo que tem natureza de património autónomo, sem personalidade jurídica e com autonomia administrativa e financeira, o Fundo para a Sustentabilidade Sistémica do Setor Energético (FSSSE) (…). Esta consignação ao FSSSE foi expressamente fixada, logo na Lei do Orçamento de Estado para 2014 (artigo 11.º do regime da CESE, aprovado pelo artigo 228.º da Lei n.º 83-C/2013), retirando esta receita ao financiamento de despesas públicas gerais do Estado.
A jurisprudência do Tribunal Constitucional já considerou ser esta uma qualidade reveladora da natureza comutativa destes tributos, por tal consignação significar que a receita não pode ser desviada para o financiamento de despesas públicas gerais, confirmando a relação de bilateralidade, como decidido pelo Tribunal no Acórdão n.º 152/2013, relativo à taxa pela utilização do espetro radioelétrico.
Independentemente de se considerar esta consignação de receitas decisiva para a caracterização do tributo em causa, a verdade é que a natureza de contribuição financeira da CESE resulta, inequivocamente, da presença de um sinalagma, ainda que difuso, que lhe confere bilateralidade, nos termos atrás desenvolvidos.
Aliás, a circunstância de ser ainda possível identificar, na CESE, quer a tributação de benefícios, mesmo que reflexos, destinados a um especial conjunto ou categoria de sujeitos passivos, quer o objetivo de cobrir os custos que as soluções regulatórias desse financiamento pressupõem, legitima materialmente a consignação de receitas, por lei considerada excecional.
Por todas estas razões, não pode deixar de se considerar que a CESE assume as características de uma contribuição financeira”.
Considerando este entendimento, a que se adere, conclui-se, pois, que, ao contrário do referido pela Recorrente, se está perante uma contribuição financeira e não perante um imposto (motivo pelo qual resulta prejudicada a apreciação do alegado, em termos de inconstitucionalidade, exclusivamente respeitante à CESE na perspetiva de ser um imposto – seja sobre o rendimento seja sobre o património – , e, bem assim, em termos de alegada dupla tributação e sobreposição ao IRC).
Este mesmo entendimento afasta, pois, os argumentos esgrimidos pela Recorrente, designadamente os atinentes ao facto de não integrar o sector electroprodutor ou outro subsector da eletricidade, não contribuindo para o problema da dívida tarifária do SEN (não carecendo, pois, de análise tudo o alegado em termos de origem desta dívida, face aos argumentos expendidos pelo TC, sendo certo que a interpretação no sentido de a verdadeira finalidade da CESE ser a redução da dívida tarifária não encontra reflexo na divisão do destino da receita arrecadada), e, bem assim, o impacto que a afetação de parte da receita à redução da dívida tarifária tem em termos de configuração do tributo – afastando, dessa forma, o argumento de que o objetivo da CESE é de consolidação orçamental ou de consolidação das contas públicas.
Por outro lado, quanto ao facto de alegadamente a Recorrente não conhecer as políticas sociais e ambientais do setor energético, tal circunstância não é de molde a afastar a configuração como contribuição financeira, a aferir de acordo com os termos em que o legislador consagrou e densificou a disciplina deste tributo. Sempre se diga, aliás, que são conhecidas medidas enquadradas nesse domínio. Veja-se, por exemplo, que o Fundo de Inovação, Tecnologia e Economia Circular, criado pelo DL n.º 86-C/2016, de 29 de dezembro, cuja finalidade é a de “apoiar políticas de valorização do conhecimento científico e tecnológico e sua transformação em inovação, de estímulo à cooperação entre Instituições de Ensino Superior, centros de interface tecnológico (CIT) e o tecido empresarial e de capacitação para um uso mais eficiente dos recursos, preservando a sua utilidade e valor ao longo de toda a cadeia de produção e utilização, nomeadamente através da eficiência material e energética”, conta com parte da receita do FSSSE (cfr. art.º 5.º do mencionado diploma). Por outro lado, dos instrumentos de gestão da direção geral de energia e geologia, a quem cabe a gestão, na vertente técnica, do FSSSE, consta justamente o elenco de atividades desenvolvidas a esse respeito, designadamente a articulação com entidades beneficiárias do FSSSE (cfr. relatório de atividades da direção geral de energia e geologia relativo a 2017, disponível para consulta em http://www.dgeg.gov.pt/).
Não tem, por outro lado, a consequência que a Recorrente lhe extrai aferir se a receita da CESE está a ser efetivamente utilizada para diminuir a dívida tarifária ou se chegou a ser transferida para o FSSSE, porquanto trata-se de matéria atinente à concretização de uma consignação da receita que não se confunde com a configuração do tributo em concreto.
Como já referido, a Recorrente, na hipótese de a CESE ser entendida como uma contribuição financeira, considera-a igualmente inconstitucional, por violação do princípio da proporcionalidade e do da igualdade (neste último caso, sob a perspetiva do princípio da equivalência).
Chamando novamente à colação o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 7/2019, a 08.01.2019, refere-se a esse propósito (numa análise conjunta de ambas as alegadas inconstitucionalidades, designadamente em termos de igualdade proporcional):
“(…) A recorrente argumenta que o regime deste tributo, resultante das normas impugnadas, caso se considere a CESE como verdadeira contribuição financeira e não como imposto, sempre seria materialmente inconstitucional, por violar o princípio da equivalência, enquanto subprincípio do princípio da igualdade, aplicável aos tributos paracomutativos, constituindo, igualmente, uma restrição do direito de propriedade imposta em violação do princípio da proporcionalidade (…).
Vejamos se serão postos em causa o princípio da equivalência e da proporcionalidade.
Embora não expressamente consagrado na Constituição, o princípio da equivalência resulta do princípio da igualdade, previsto no artigo 13.º da Lei Fundamental, com ele se procurando que taxas e contribuições se adequem às prestações públicas de que beneficiarão, real ou presumidamente, os respetivos sujeitos passivos.
Decorre, do que atrás se explicitou, que a CESE é um tributo da categoria das contribuições, excluindo a sua classificação, quer como taxa, quer, para o que mais aqui relevava, como imposto.
Garantido que esteja que a contribuição lançada encontra justificação no benefício recebido/custo provocado relativo a uma prestação diferenciada de que efetiva ou presumivelmente beneficiará/ou terá provocado um grupo seu sujeito passivo, estará assegurado o sinalagma que justifica a diferenciação tributária, bem como o respeito pelo princípio da equivalência.
No caso, como atrás se demonstrou, a sujeição à CESE do grupo constituído pelos operadores económicos em que a recorrente se inclui não é desprovida de contrapartidas. Nem quando globalmente considerado o grupo de operadores no setor da energia, nem quando especificamente considerados aqueles que operam no setor do gás natural. Aliás, na definição da consignação de receitas, é para o setor da energia globalmente considerado que são destinadas a maior parte das verbas, visando o financiamento de políticas do setor energético de cariz social e ambiental, relacionadas com medidas de eficiência energética, e de apoio às empresas, já que apenas um terço é reservado à redução da dívida tarifária do SEN.
É, em suma, o carácter sinalagmático, atrás enunciado, que traduz a verificação da equivalência necessária, pelo que não pode deixar de se concluir não existir desrespeito pelo princípio da equivalência. Ao mesmo tempo, a assinalada bilateralidade, encontrada na contraprestação correspondente à sujeição à CESE, retira-lhe o carácter de imposto que incidiria sobre o património das empresas do setor energético que a ela estão obrigadas. Como descrevemos, a estrutura bilateral do tributo justifica que se distinga estes sujeitos passivos dos demais contribuintes, respeitando-se, por isso mesmo, o princípio da equivalência, afastando-se uma injustificada desigualdade.
(…) A recorrente invoca, ainda, que esta correspondência não pode violar o princípio da proporcionalidade, sob pena de violar a propriedade privada e livre iniciativa económica. Afastada a caracterização como imposto, em virtude da aceite sinalagmaticidade, uma tal questão remete-nos para o controlo do critério escolhido para definição desta contribuição, ou seja, para o equilíbrio entre prestação e contraprestação.
Significa que, encontrada na relação causal enunciada a justificação para a diferenciação deste grupo na tributação, restaria saber se colhe a invocação da recorrente de que a imposição deste encargo violaria o princípio da proporcionalidade.
Ora, está bem de ver (…) que a objetividade conseguida na relação entre uma taxa e a troca real e efetiva que a justifica, e uma contribuição e a prestação genérica e presumida que lhe dá origem, será de grau necessariamente diferenciado, já que, nas prestações presumidas/custos provocados, esta relação não poderá deixar de ser mais difusa ou reflexa, pela sua própria natureza. Por isso, na finalidade de promoção de mecanismos para financiamento de políticas do setor energético de cariz social e ambiental, e de medidas relacionadas com a eficiência energética, prevista como um dos destinos da CESE, a que, aliás, a lei consigna a maior parte das receitas deste tributo [artigo 4.º, n.º 2, alínea a)], não se procura a identificação de benefícios efetivos, concretos, objetivamente mensuráveis e comparáveis com o sacrifício imposto, mas um mínimo de probabilidade na obtenção desses benefícios pelos sujeitos passivos. E, no caso da recorrente, ainda que se pudesse considerar que inexistiria relação causal entre o desempenho da sua atividade e a dívida tarifária do Setor Elétrico Nacional, ou que não beneficiaria de medidas promovidas para sua redução – já que a requerente não integra o setor electroprodutor –, sempre aqueloutro objetivo, enunciado como destino maioritário da alocação de verbas, pode ser identificado como elemento suficientemente justificador da relação causal entre o tributo a pagar e o financiamento de políticas do setor energético de cariz social e ambiental. É que, como se afirmou já, a causalidade estrutural desta contribuição não assenta, de modo algum, exclusivamente, na redução da dívida tarifária do SEN.
Adiante-se, aliás, que não cabe ao Tribunal Constitucional apurar do posterior e efetivo grau de desenvolvimento de concretas políticas sociais e ambientais, relacionadas com medidas de eficiência energética, que concretizem a intervenção estadual no setor energético de modo a satisfazer aquele que é um dos objetivos da CESE elencado no artigo 1.º, n.º 2, do seu regime, aprovado pelo artigo 228.º da Lei n.º 83.º-C/2013, de 31 de dezembro, no qual se determinou que esta «contribuição tem por objetivo financiar mecanismos que promovam a sustentabilidade sistémica do setor energético… , finalidade reforçada no artigo 2.º do diploma que criou o Fundo para o qual a contribuição reverte, que visa a «promoção do equilíbrio e sustentabilidade sistémica do setor energético e da política energética nacional».
No caso, ao lançar esta contribuição, o legislador definiu uma base de incidência subjetiva suficientemente estreita, com a preocupação de delimitar, com a certeza possível, os sujeitos passivos que virão a beneficiar de presumida prestação, em troca da sujeição a este tributo. Deliberadamente, afastou a solução de fazer repercutir a responsabilidade desta contraprestação em toda a comunidade, que, se assim não fosse, custearia, através dos impostos, prestações públicas de que a sociedade, no seu todo, não seria causadora ou beneficiária. Concebido como encargo a suportar por estes operadores económicos, a consagração deste tributo é, desde logo, acompanhada da proibição da sua repercussão nos consumidores, por via tarifária (artigo 5.º do Regime jurídico da CESE).
Consequentemente, a incidência subjetiva da CESE abrange um conjunto justificável e diferenciável de destinatários que irão, através dela, compensar prestações que presumivelmente serão por estes provocadas ou aproveitadas – seja, a redução tarifária do SEN, ou, no caso dos operadores económicos desempenhando a atividade da requerente, os encargos com os mecanismos de promoção da sustentabilidade do setor energético –, mantendo estes inegável proximidade com as finalidades procuradas com o lançamento da CESE, nesse sentido assumindo aquela contraprestação uma natureza grupal, razão justificadora da tributação que sobre o grupo recai, distinguindo-o dos demais contribuintes.
No quadro de um modelo de Estado regulador, o objetivo do financiamento de mecanismos que promovam a sustentabilidade sistémica do setor energético é especialmente aproveitada pelo grupo de operadores económicos em que a recorrente se inclui. Como já se afirmou, neste contexto, é possível identificar uma suficiente conexão entre a origem da receita, cuja fonte são os agentes económicos sujeitos à CESE, e a sua finalidade, que a lei consignou ao FSSSE, de instituição de mecanismos para financiamento de políticas do setor energético de cariz social e ambiental, e de medidas relacionadas com a eficiência energética, de que o setor económico beneficiará.
É na promoção desta finalidade, e nos benefícios e encargos que daí advêm para determinados setores, que o legislador sustenta a imposição a operadores do setor económico da energia de um tributo que não recai sobre outros operadores económicos, nem sobre a generalidade dos cidadãos contribuintes. E esta prestação é inegavelmente útil à consecução do fim a que se destina, de assegurar as medidas do setor energético referidas, sem onerar a generalidade dos operadores de setores distintos e os cidadãos em geral, a que não se destinam, que as não causaram nem delas beneficiam.
É por esta mesma razão, de afastar do financiamento destas medidas de sustentabilidade energética os demais contribuintes que não lhes dão origem, nem delas beneficiarão de modo direto, que resulta patente que impô-las não se poderá considerar discriminatório.
Também no que respeita à incidência objetiva da CESE se considera estar garantido um nexo causal suficiente entre os ativos (no caso, ativos regulados) sobre os quais recai a CESE (artigo 3.º, n.º 1, do Regime jurídico da CESE) e as políticas públicas de cariz social e ambiental do setor energético.
A titularidade dos ativos tributáveis por parte das empresas que as normas legais sujeitam à CESE, cuja justificação radica na sustentabilidade sistémica do setor energético, torna-as presumíveis beneficiárias das políticas públicas de energia e da sua regulação. Os ativos não surgem como manifestação meramente hipotética da capacidade contributiva, que fosse exigida como receita para despesas gerais do Estado, mas como indicador que permite presumir a potencial utilidade das prestações públicas que aos operadores aproveitam, e os custos presumidos que provocam, já que os ativos são elementos essenciais ao desenvolvimento da atividade, sendo suficientemente adequados para diferenciarem aquele impacto. Também por esta razão, não pode ligar-se a sujeição do ativo ao tributo a qualquer demonstração de que estaríamos perante um imposto sobre o património das empresas. Na lógica do legislador, a titularidade de ativos em certa área da economia é um dado que permite aferir da suscetibilidade da empresa para ser causa de ou beneficiar de políticas de sustentabilidade, o que a distingue dos demais operadores de outras áreas e dos cidadãos. Não é, assim, uma forma de arrecadar receita, indistintamente. É, por isso, uma base de incidência adequada. Corrobora-se, por isso, a conclusão alcançada pelo tribunal a quo:
«[E]ntende-se que no caso é ainda possível estabelecer uma relação de causalidade suficiente entre o critério adotado pelo legislador para a determinação da base tributável da CESE e a sua finalidade, pois o valor dos ativos é um índice adequado para medir a diferença de capacidade (potencial) de impacto da atividade desenvolvida pelos sujeitos passivos, no contexto das políticas de eficiência energética. Um juízo onde tem especial peso a circunstância de estarmos perante um tributo de natureza extraordinária, que por isso se requer de fácil implementação e aplicação para um período de aplicação transitório e curto, onde não se justificaria a implementação de critérios, porventura mais adequados, como a “medida do impacto das economias de energia potenciais” (algo que os contratos de gestão de eficiência energética têm provado ser de elevada complexidade técnica), mas muito complexos e com elevados custos de cumprimento, ou seja, totalmente desajustados da urgência no caso pretendida.»
Embora a propósito do respeito deste princípio da equivalência no âmbito da fixação das taxas, o Tribunal Constitucional teve já ocasião de decidir que «em matéria tributária, não cabe ao Tribunal Constitucional, em linha de princípio, controlar as opções do legislador ou da Administração nas escolhas que estes fazem para estabelecer o quantum dos tributos, quer se trate de impostos, de taxas ou de contribuições especiais» (Acórdão n.º 640/1995). Chegando, mesmo, a afirmar-se, no mesmo aresto que «o Tribunal Constitucional rejeita – seguindo a doutrina fiscalista portuguesa que se exprime sem discrepâncias – o entendimento de que uma taxa cujo montante exceda o custo dos bens e serviços prestados ao utente se deve qualificar como imposto ou de que deve ter o tratamento constitucional de imposto».
A mesma ideia veio a ser explicitada, por exemplo, no Acórdão n.º 140/1996: «as opções feitas pelo legislador (ou pela Administração) na fixação do montante das taxas são, em princípio, insindicáveis por este Tribunal, que, quando muito, poderá cassar as decisões legislativas (ou regulamentares), se, entre o montante do tributo e o custo do bem ou serviço prestado, houver uma desproporção intolerável - se a taxa for de montante manifestamente excessivo».
Bem se compreenderá que, no caso das contribuições, como nas contribuições de regulação, relativamente às quais o sinalagma que é possível identificar não é, como no caso das taxas, individualizado e efetivo, mas apenas presumido, não poderá este Tribunal deixar, por maioria de razão, de lhes estender um tal entendimento.
Ora, como se afirmou, se é verdade que também nas contribuições não se dispensa alguma objetividade mínima no estabelecimento da relação entre a contribuição a pagar e a vantagem para um grupo determinado ou determinável de contribuintes que a suportará, acontece que, sendo esta vantagem presumida, contrariamente ao que sucede nas taxas, em que a vantagem que lhe dá origem é real e singularizável, permitindo melhor adequar o tributo ao custo ou benefício do sujeito passivo, já no caso das contribuições, pela natureza da relação, mais difusa ou reflexa, o grau de exigência na objetividade exigida será ainda mais atenuado.
Note-se, na sequência do que vem dito, que o facto de a sujeição à CESE ser diferenciada (artigo 3.º da Lei n.º 83-C/2013) em função da titularidade do valor dos elementos do ativo de determinados operadores económicos, ou do valor dos ativos regulados – como é o caso da recorrente –, assim afastando a imposição de um encargo à generalidade dos contribuintes, e ajustando a base de incidência em função dos diferentes grupos de sujeitos passivos do tributo, não é, ao contrário do que sustenta a recorrente, indício de desigualdade, mas, antes, de delimitação da base de incidência em função da presumida contraprestação, cujo benefício/custo respeita ao setor energético, desde logo, não a impondo à generalidade dos contribuintes, e procurando a acomodação da contribuição ao custo/benefício presumidos.
Por outro lado, e relativamente às isenções previstas no artigo 4.º do regime da CESE, sendo, à partida, variado o leque de obrigados pelo tributo, a pretensão da sua criação será a de permitir, de algum modo, a distinção do seu impacto nos diferentes operadores económicos, visto que as diferenças normativas de regime já lhes definiram, previamente, distintos direitos e obrigações administrativas, ao modelarem a respetiva atividade. Ao estabelecer isenções, o legislador dá indicação de procurar atender aos diversos regimes jurídicos a que estão obrigados os operadores, em função da natureza da sua atividade, que os colocam em planos não coincidentes relativamente ao seu contributo para a sustentabilidade sistémica do setor energético. O mesmo se diga da opção de não estabelecer uma taxa única aplicável à base de incidência definida, que fosse indiferenciável para todos os operadores.
Daqui não se segue – o que é reforçado pela natureza do tributo em causa – que, da definição das isenções, ou da diferenciação introduzida, dentro de cada grupo de operadores económicos, em função do critério dos ativos como base de incidência, ou da distinção feita através da definição de taxas diferentes, tenham de resultar esforços com peso relativo rigorosamente igual, sob pena de se dever considerá-los arbitrários, já que, não apenas se entende que a definição das obrigações encontra fundamento nas características da sua atividade, como procura levar em conta os diversos contributos dos operadores para a sustentabilidade, verificando-se que a diferenciação não é arbitrária. Nesse sentido, acompanha-se a análise desenvolvida pelo tribunal a quo quanto ao contributo das entidades isentas do pagamento da CESE:
«[I]mporta destacar que a maior parte desses operadores económicos foram chamados a „contribuir‟ por outra via para a eliminação do défice tarifário do Sistema Eléctrico Nacional, ou seja, para impedir que o mesmo subsista e continue a avolumar-se sob a forma de dívida tarifária. Referimo-nos, no caso da produção elétrica: i) à eliminação, para o futuro, do regime de subsidiação à tarifa da produção em regime especial (a partir de fontes renováveis), com a entrada em vigor da nova redação dos Decretos-Lei n.º 29/2006 e 172/2006, dada pelos Decretos-Lei n.º 215-A/2012 e 215-B/2012; ii) com a imposição aos centros electroprodutores eólicos já instalados de uma compensação anual ao SEN, durante o período de oito anos, compreendido entre 2013 e 2020 (artigos 5.º e 9.º do Decreto-Lei n.º 35/2013, de 28 de Fevereiro); iii) com a redução drástica das subvenções à cogeração (primeiro com a aprovação do Decreto-Lei n.º 23/2010, de 25 de Março e a respetiva alteração por apreciação parlamentar pela Lei n.º 19/2010, de 23 de Agosto e, por último, com a aprovação do Decreto-Lei n.º 68-A/2015, de 30 de Abril); iv) com a redução, igualmente drástica, das subvenções ao regime do autoconsumo (abrangendo a microgeração e a minigeração), após a entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 153/2014, de 20 de Outubro; v) com a redução dos custos com a garantia de potência após a entrada em vigor do novo regime de remuneração previsto na Portaria n.º 251/2012, de 20 de Agosto. Todos estes exemplos mostram que a reforma financeira do Sistema Eléctrico Nacional foi promovida também por outras vias, com sacrifícios financeiros impostos aos respetivos operadores económicos, no intuito de alcançar a sustentabilidade do sector, ou seja, a redução dos custos para permitir que todos possam ser repercutidos nas tarifas e que esta repercussão não se traduza num preço final a pagar pelo consumidor que possa excluir uma parte da população de um consumo normal deste serviço. Nesta parte, pode dizer-se que tendo sido chamados a contribuir financeiramente por outra via para o fim do deficit tarifário existe uma razão que sustenta a sua exclusão do âmbito da contribuição para a redução do stock da dívida tarifária acumulada em anos anteriores, mesmo que as contribuições não sejam financeiramente equivalentes nos respetivos montantes. E vale lembrar também que esta comparação do esforço financeiro exigido a cada operador há-de limitar-se apenas, no caso dos sujeitos passivos da CESE, ao valor de um terço da mesma, por ser apenas essa a parcela afeta àquela finalidade.
Por outro lado, e no que respeita ao contributo para a sustentabilidade social e ambiental em termos de financiamento de medidas que promovam a eficiência energética, haverá que dizer que a maior parte dos operadores isentos da CESE dão o respetivo contributo nesta matéria através do exercício das respetivas atividades, que, em si, internalizam os custos ambientais e de escassez de produtos energéticos primários, seja a produção elétrica a partir de fontes renováveis (para a Europa a estratégia da eficiência energética é hoje indissociável da geração a partir de fontes renováveis), seja a produção de biocombustíveis, seja a cogeração (em si um dos eixos fundamentais da eficiência energética), seja a gestão mais eficiente do serviço de despacho/disponibilidade, que compõe a garantia de potência, e onde as centrais termoeléctricas a gás natural são as principais operadoras. E até os pequenos produtores aportam um contributo útil para esta política através dos denominados benefícios da geração distribuída.»
Assim, quer porque o critério escolhido pelo legislador para delimitar a base subjetiva e objetiva da CESE não é totalmente desligado da finalidade que com a contribuição financeira se procura realizar, quer porque o critério definidor do montante não é manifestamente injusto, flagrante e intolerável (Acórdão n.º 640/1995), não se deverá afastar as normas em causa”.
Assim, o mencionado tributo não atenta nem contra o princípio da proporcionalidade nem contra o da igualdade (na perspetiva da equivalência), sendo ainda, pelos motivos explanados pelo TC, afastada a argumentação no sentido de a base de incidência escolhida afastar a bilateralidade do tributo. Por outro lado, o alegado pela Recorrente, no sentido de que a CESE, em termos de configuração, não é um instrumento tendente a resolver o problema da dívida tarifária é uma configuração meramente opinativa, em termos de políticas públicas, que ultrapassa a questão da configuração do tributo. Sublinhe-se, no entanto, como referido no citado Acórdão do Tribunal Constitucional, que a receita afeta à resolução deste problema não representa a maior fatia em termos de afetação de receita da CESE, configurando-se, aliás, como o aspeto do tributo que menos nexo causal tem com entidades como a Recorrente, mas que, ainda assim, não justifica a sua não configuração como contribuição financeira.
Por outro lado, a comparação entre a CESE e a redução de taxa de IRC em dois pontos percentuais afigura-se como uma comparação entre duas realidades distintas, não se alcançando de que forma o princípio da proporcionalidade é afetado por tais opções legislativas.
Como tal, não se verifica qualquer violação dos mencionados princípios.
Quanto à circunstância de a CESE não ter caráter extraordinário, invocada nas alegações, nada se extraindo, no entanto, do alegado, veja-se que, no caso, estamos perante o quarto ano em que tal tributo é aplicado, sempre sendo objeto de prorrogação específica, como referimos supra, não havendo elementos que nos possam fazer concluir pelo seu carater definitivo.
No que respeita às experiências de outros ordenamentos, não nos compete, nesta sede, qualquer apreciação em seu torno, dado tratar-se de medidas nacionais de outros países e não de medidas associadas a enquadramentos legislativos aplicáveis no caso português.
Finalmente, cumpre ainda apreciar o alegado quanto à violação do princípio da não consignação de receita, em virtude de, na perspetiva da Recorrente, o legislador não esclarecer por que razão as específicas finalidades de interesse público por si invocadas não poderão ser prosseguidas com igual grau de eficácia mediante a observância do princípio da não consignação de receitas, e do art.º 228.º da Lei n.º 83-C/2013 não resultar o carácter excecional e temporário da consignação ao Fundo da receita obtida com a cobrança da CESE.
Vejamos.
Nos termos do art.º 105.º, n.º 3, da CRP:
“3. O Orçamento é unitário e especifica as despesas segundo a respetiva classificação orgânica e funcional, de modo a impedir a existência de dotações e fundos secretos, podendo ainda ser estruturado por programas.”.
Cumpre chamar ainda à colação a Lei n.º 151/2015, de 11 de setembro (Lei de Enquadramento Orçamental – LEO), concretamente o seu art.º 16.º, relativo ao principio da não consignação, nos termos do qual:
“1 - Não pode afetar-se o produto de quaisquer receitas à cobertura de determinadas despesas.
2 - Excetuam-se do disposto no número anterior:
a) As receitas das reprivatizações;
b) As receitas relativas aos recursos próprios comunitários tradicionais;
c) As receitas afetas ao financiamento da segurança social e dos seus diferentes sistemas e subsistemas, nos termos legais;
d) As receitas que correspondam a transferências provenientes da União Europeia e de organizações internacionais;
e) As receitas provenientes de subsídios, donativos e legados de particulares, que, por vontade destes, devam ser afetados à cobertura de determinadas despesas;
f) As receitas que sejam, por razão especial, afetas a determinadas despesas por expressa estatuição legal ou contratual.
3 - As normas que, nos termos da alínea f) do número anterior, consignem receitas a determinadas despesas têm caráter excecional e temporário”.
Antes de mais, refira-se, na esteira do entendimento defendido pelo TC, que o princípio da não consignação de receitas não tem assento na nossa lei fundamental, mas sim na lei ordinária.
A este propósito, chama-se à colação o Acórdão do TC n.º 414/2011, de 28.09.2011, onde se refere:
“A consignação de receitas consiste, segundo a doutrina corrente e como se disse no acórdão n.º 452/87, www.tribunalconstitucional.pt “na afectação de determinada receita a uma determinada despesa, por tal forma que esta apenas poderá ser satisfeita se e na medida em que o montante (cobrado) dessa receita o possibilite (duplo cabimento). E, por outro lado, aquela receita não pode ser destinada a outras despesas, a menos que se verifique um excesso dela sobre a despesa a que foi afectada (cf. J. J. Teixeira Ribeiro, Lições..., cit., pp. 49 e segs., Sousa Franco, Finanças Públicas e Direito Financeiro, Coimbra, 1987, p. 324, e Sabino Teixeira, «Consignação de Receita», in Dicionário Jurídico da Administração Pública, II, Coimbra, 1972, p. 659)”. A razão desta regra é não só a de “evitar a existência de uma Administração Pública fragmentária, desprovida de uma gestão de conjunto, coerente e racional” (Guilherme d´Oliveira Martins, Constituição Financeira, 2.º Vol. 2.º, ed. AFDL, p. 289), mas também, como causa próxima, a de que, correspondendo a fixação das despesas ao montante dos gastos que se prevê necessário suportar, é conveniente que as receitas se destinem indistintamente à cobertura de todas as despesas porque, se assim não for e se a realização da receita previsionalmente afecta a determinada despesa vier a revelar-se inferior ao previsto, a despesa ficaria na contingência de ter de ser menor do que o necessário à satisfação da necessidade pública que a justifica.
(…) [O] princípio da não consignação de receitas, apesar de ser uma das “regras clássicas” da organização do orçamento (Teixeira Ribeiro, Lições de Finanças Públicas, 5ª ed., p 59), não tem consagração a nível constitucional. O Tribunal já o reconheceu, designadamente, nos acórdãos n.º 452/87 e n.º 361/91, sendo que as revisões constitucionais posteriores a esses arestos não modificaram a base deste entendimento. Como se disse neste último acórdão “a regra da não-consignação – regra que postula que «todas as receitas devem servir para cobrir todas as despesas» – não tem consagração constitucional, tendo conhecido «múltiplas excepções, que derivam da existência de situações de autonomia financeira, em que as receitas de determinados organismos são afectadas à cobertura das suas despesas no âmbito da sua administração própria, e, também, de expressas determinações da lei, no sentido de que certas despesas só podem ser efectuadas se forem cobradas receitas que as cubram (consignação de receitas, em sentido estrito: exige-se então duplo cabimento da despesa, na verba da despesa e na verba da receita que a financia)» (A. Sousa Franco, ob. cit., p. 325; no sentido de que a regra orçamental da não-consignação não tem consagração constitucional, vejam-se, além deste autor, a pp. 327 e segs., J. J. Teixeira Ribeiro, «Os Poderes Orçamentais da Assembleia da República», in Boletim de Ciências Económicas, Coimbra, vol. xxx, 1987, p. 181, e Lições de Finanças Públicas, 3.ª ed., Coimbra, 1990, p. 83, e, na jurisprudência do Tribunal Constitucional, embora incidentalmente, o Acórdão n.º 452/87, já atrás citado, que versa uma questão da afectação ou consignação em sentido amplo de receitas municipais a despesas municipais determinada pelo Estado, a qual apenas foi tida por inconstitucional por constar de diploma do Governo, sem dispor de autorização legislativa)”.
Por outro lado, e abstraindo de analisar se a alegada violação de uma norma de disciplina orçamental contende com a legalidade da liquidação de um tributo, sempre se diga que a consignação prevista no caso da CESE está acolhida na LEO, concretamente no citado art.º 16.º, n.º 2, al. f) e n.º 3, dado que tal consignação se encontra expressamente prevista na lei (cfr. art.º 11.º do regime da CESE), estando o caráter excecional subjacente à própria excecionalidade do tributo.
Refere-se a este respeito no já citado Acórdão n.º 7/2019, a 08.01.2019, do TC:
“… [U]ma vez encontrada no caráter sinalagmático da relação entre a sujeição ao tributo e a prestação/benefício presumido para o sujeito passivo, a razão para o lançamento daquele e, tendo em conta o que vem de ser dito sobre o equilíbrio da adoção deste tributo, devendo a bilateralidade identificada ser considerada como argumento suficientemente atendível, então, há que concluir que também a opção pela consignação desta receita, que é por lei, em si mesma, excecional, não merece censura”.
Assim, carece de razão a Recorrente.”
Acrescente-se, finalmente, que muito recentemente, em 22/09/2021 o Tribunal Constitucional voltou a pronunciar-se sobre as questões ora colocadas nos presentes autos, no seu acórdão n.º 736/2021, proc. n.º 105/2021, reiterou o seu entendimento anterior de não julgar inconstitucionais as normas dos artigos 2.º, 3.º, 4.º, 11.º e 12.º do regime jurídico da Contribuição Extraordinária sobre o Setor Energético, aprovado pelo artigo 228.º da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro, mantido em vigor pela Lei n.º 42/2016, de 28 de dezembro.
Na verdade, e na parte com relevo para o caso dos autos em que está em causa a CESE de 2017, neste acórdão se salientou o seguinte:
“2.3. Considerando o supra exposto, designadamente nos Acórdãos nºs 41/2017 e 532/2021, citado em último lugar, pode questionar-se se a justificação do caráter extraordinário da CESE se mantém em 2017, à semelhança do que se concluiu relativamente aos anos anteriores. A este propósito, a recorrente assinala, designadamente, que “[…] o Estado português já se comprometeu oficialmente com a prorrogação da CESE, pelo menos até 2021, nos termos do Programa de Estabilidade para o período 2017-2021 apresentado pelo atual Governo, o que, claramente, põe em causa o seu caráter extraordinário ou transitório”. Importa notar, porém, que a intenção manifestada de manutenção da CESE para futuro, só por si, não releva para a apreciação a fazer nesta matéria: independentemente do número de anos pelos quais se pretenda manter o tributo, o Tribunal Constitucional analisará se, relativamente ao(s) relevante(s) em cada processo, a justificação para a sua subsistência existe ou não. Concretamente no que respeita a 2017, importa notar que, aquando da aprovação da Lei n.º 42/2016, de 28 de dezembro, Portugal ainda se encontrava sob o procedimento de défice excessivo. Ademais, em 12/07/2016, o Conselho Europeu decidiu, nos termos do artigo 126.º, n.º 8, do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE), que Portugal não tinha tomado medidas eficazes em resposta à sua Recomendação de 21/06/2013 e, em 08/08/2016, adotou uma decisão em que notificava Portugal para que tomasse as medidas consideradas necessárias para corrigir a situação de défice excessivo, fixando um novo prazo para a correção até 2016, nos termos do artigo 126.º, n.º 9, do TFUE, fixando a data-limite de 15/10/2016 para que fossem tomadas medidas eficazes – cfr. considerando (4) da Decisão (UE) 2017/1225 do Conselho, de 16/06/2017, que revoga a Decisão 2010/288/UE sobre a existência de um défice excessivo em Portugal. Neste conspecto, para que a Comissão Europeia pudesse ter concluído, como concluiu, em 16/11/2016, que “[…] Portugal tinha tomado medidas eficazes, em cumprimento da Decisão do Conselho de 8 de agosto de 2016, ao abrigo do artigo 126.º, n.º 9, do Tratado” [cfr. considerando (5) da Decisão (UE) 2017/1225] teve de atender às opções tomadas sobre o exercício orçamental (ao tempo, futuro) de 2017. Dito de outro modo, o esforço para pôr termo ao procedimento por défice excessivo prolongou-se por 2017, designadamente através das medidas orçamentais destinadas a vigorar durante esse ano, entre as quais a manutenção da CESE. O procedimento por défice excessivo só veio a cessar em 16/06/2017, por força da referida Decisão (UE) 2017/1225, ficando o Estado português adstrito “[…] à vertente preventiva do Pacto de Estabilidade e Crescimento e [devendo] concretizar o seu objetivo orçamental de médio prazo a um ritmo adequado, respeitando nomeadamente o valor de referência para as despesas, e cumprir o critério da dívida nos termos do artigo 2.º, n.º 1-A, do Regulamento (CE) n.º 1467/97”.
Assim, e em síntese, tendo em conta as obrigações internacionais a que Portugal ainda se encontrava vinculado em 2017 – quadro temporal relevante para apreciação do complexo normativo sub judice –, deve considerar-se transponível para esse período o juízo de viabilidade constitucional da CESE afirmado na jurisprudência citada, designadamente no que respeita à aceitação do seu caráter extraordinário. O sentido dessa jurisprudência, que se acolhe, é reiterado e coerente, afastando, no essencial, os argumentos da recorrente, designadamente quanto ao pretendido afastamento da jurisprudência afirmada no Acórdão n.º 7/2019. Não se prefigurando razões para divergir do sentido decisório, nem dos fundamentos dos Acórdãos n.os 7/2019, 301/2021, 303/2021, 436/2021, 437/2021, 438/2021, 513/2021 e 532/2021 – para cujos fundamentos se remete –, impõe-se, à semelhança do aí decidido, um juízo de não inconstitucionalidade das normas dos artigos 2.º, 3.º, 4.º, 11.º e 12.º do regime jurídico da Contribuição Extraordinária sobre o Setor Energético, aprovado pelo artigo 228.º da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro, e mantido em vigor, para 2017, pela Lei n.º 42/2016, de 28 de dezembro, com a consequente improcedência do recurso.”

Pelo exposto, não assiste razão à Recorrente, e sem mais considerações por desnecessárias, improcedem todas as conclusões de recurso.

V- DECISÃO

Em face do exposto, acordam em conferência os juízes da Subsecção Tributária Comum deste Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao recurso, mantendo-se a sentença recorrida.

Custas pela Recorrente
Lisboa, 16 de Novembro de 2023
Luisa Soares
Patrícia Manuel Pires
Jorge Alexandre Trindade Cardoso Cortês