Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
| Processo: | 158/24.3BEPDL-B |
| Secção: | CA |
| Data do Acordão: | 09/25/2025 |
| Relator: | ILDA CÔCO |
| Sumário: | |
| Votação: | UNANIMIDADE |
| Indicações Eventuais: | Subsecção Administrativa Social |
| Aditamento: |
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| Decisão Texto Integral: | Acórdão
I – Relatório AA intentou, no Tribunal Administrativo e Fiscal de Ponta Delgada, o presente processo cautelar contra a Universidade dos Açores, pedindo que se decrete a suspensão de eficácia “do ato administrativo que determina a execução da pena disciplinar de 30 (trinta) dias de suspensão, com perda de retribuição e de contagem de tempo de serviço para efeitos de antiguidade, com efeitos a partir do dia 25 de fevereiro de 2025, determinando ainda que a Requerida se abstenha por completo de impedir o ora Autor de frequentar a Universidade e de dar aulas e realizar provas de avaliação aos seus alunos, por verificação dos requisitos constantes do artigo 120.º/1 e 2 do CPTA”. Por sentença proferida em 05/05/2025, o Tribunal Administrativo e Fiscal de Ponta Delgada julgou “procedente a presente providência cautelar” e, em consequência, suspendeu “a eficácia do ato administrativo que aplicou ao Requerente a pena disciplinar de suspensão por 30 (trinta) dias, devendo a Entidade Requerida abster-se da sua execução”. Inconformada, a entidade requerida interpôs recurso da sentença para este Tribunal Central Administrativo Sul, terminando as alegações de recurso com as seguintes conclusões, que se transcrevem: 1. Vem o presente recurso interposto da douta Sentença que julgou totalmente procedente a presente providência cautelar, tendo suspendido a eficácia do ato administrativo que aplicou ao requerente a pena disciplinar de suspensão por 30 (trinta) dias, devendo a entidade requerida abster-se da sua execução; 2. Pelo presente procedimento cautelar, o recorrido peticionou a suspensão do ato de execução (21 de fevereiro de 2025) da sanção que foi aplicada ao recorrido (no passado dia 7 de agosto de 2024 por Despacho n.º ... em agosto de 2024); 3. Ora, este ato administrativo do passado dia 7 de agosto de 2024, que é o ato pelo qual efetivamente se aplica ao recorrido uma sanção disciplinar, foi impugnado em 15 de setembro de 2024, no Tribunal a quo, por ação administrativa distribuída sob o processo n.º 158/24.3BEPDL, como ficou provado no ponto 9 da douta Sentença recorrida; 4. Acontece que, no presente procedimento cautelar, no pedido e na causa de pedir constantes do respetivo requerimento inicial, o recorrido não coloca em crise esse acto administrativo que lhe aplicou a sanção, datado do passado dia 7 de agosto de 2024; 5. Contudo, a Decisão de que se recorre vem, como decorre do dispositivo, “suspender a eficácia do ato administrativo que aplicou ao requerente a pena disciplinar de suspensão por 30 dias” – isto é, o ato administrativo de 7 de agosto de 2024 que aplicou a pena disciplinar que é, de facto, impugnando na ação principal, mas não o é neste procedimento cautelar; 6. Ao decidir desta forma, suspendendo a eficácia de um ato administrativo suja suspensão não foi sequer requerida, o Tribunal a quo extravasou o peticionado, em violação do princípio do dispositivo e do princípio do pedido (artigo 3.º n.º 1 e 609.º do CPC) e, ainda, em excesso de pronúncia, bem como do princípio do contraditório, porquanto a suspensão deste ato não foi objeto de discussão neste procedimento cautelar, onde só se peticionou a suspensão do ato exequendo; 7. Pelo que, a Sentença aqui recorrida é, salvo o devido respeito, nula, nos termos do artigo 615.º n.º 1 alínea e) do CPC, por excesso de pronúncia, também por violar o princípio do dispositivo e do contraditório, nos termos do artigo 3.º n.º 1 e 3 do CPC, devendo a douta Sentença proferida ser anulada e substituída por Acórdão que respeite os limites da condenação; 8. Para além disso a aqui recorrente invocou a exceção de caso julgado e, subsidiariamente, a da proibição de repetição de providência cautelar; 9. Porquanto, o aqui recorrido já havia intentado esta providência cautelar no apenso A. dos presentes autos, tendo a mesma sido julgada injustificada; 10. Neste caso, porque a aqui recorrente foi citada da primeira providência cautelar, ficou impedida de executar o ato, nos termos do artigo 128.º do Código de Processo dos Tribunais Administrativos, conforme facto provado do ponto 3) do saneamento de fls. 12 da douta Sentença; 11. Sendo que, tendo essa providência sido julgada injustificada, a aqui recorrente estava livre de proceder à execução dessa sanção, o que fez, com a comunicação que o recorrido aqui impugna de 24 de fevereiro de 2025 e é essa execução que o recorrido pretende que seja suspensa, sem que exista aqui qualquer superveniência factual que justifique esta nova providencia cautelar; 12. Sendo que, o Tribunal a quo não se pronunciou sobre essa exceção que foi invocada e que até é de conhecimento oficioso, pelo que, nesta parte, também é nula a Sentença por omissão de pronúncia; 13. De todo o modo, sempre deveria o Tribunal a quo ter julgado procedente, por provada, essa invoca exceção, por se tratar aqui da repetição de providência cautelar o que não é admissível nos termos do artigo 381.º n.º 4 do Código de Processo Civil, aplicável ex vi o artigo 1.º do Código de Processo dos Tribunais Administrativos; 14. De igual modo, o Tribunal a quo não deu como provados factos que constavam da acusação, da decisão, que foram alegados na oposição, que resultam de prova documental e que não foram impugnados pelo recorrido, a saber: 1. O requerente é proprietário de uma quota no valor atual de € 3.750,00 sobre o capital social da sociedade comercial MMM, pessoa coletiva n.º ..., com sede na ... Delgada, sendo assim sócio da mesma; 2. A empresa MMM de que requerente é sócio, apresentou uma proposta no procedimento concursal de "Aquisição de Serviços para Elaboração do Estudo sobre o Impacto Macroeconómico do Turismo na Região Autónoma dos Açores", aberto pelo Governo Regional dos Açores, procedimento este que a requerida também apresentou proposta; 3. O requerente é coordenador da equipa técnica que aquela empresa propõe, em concorrência com a entidade arguente, executar o estudo ali posto a concurso, tal como resulta do documento intitulado “Declaração de Composição da Equipa Técnica” que consta da proposta daquela empresa ao referido procedimento concursal e que é datado de 28 de novembro de 2023; 4. Aquela sociedade apresentou uma proposta com um preço anormalmente baixo, com a justificação constante da respetiva proposta que possui nos seus quadros e na sua estrutura societária dois doutorados em Gestão, “o que confere à empresa rigor e qualidade técnico-científica em todos os trabalhos que desenvolve sem ter que recorrer a entidades externas para esse efeito”, sendo que um dos sócios é o aqui requerente; 5. O requerente participou, nos últimos oito anos, na elaboração de diversos estudos na área do turismo e outros, desenvolvidos por aquela empresa, a saber: • Importância do Alojamento Local no Enquadramento Socioeconómico da Região Autónoma dos Açores (em 2022, para a PPP); • Proposta para a Estratégia de Gestão da Informação Turística Digital nos Açores (em 2022, para o OOO); • Estudo sobre o Impacto na Economia do Turismo dos Apoios Financeiros Concedidos às SSS - Época 2019/2020 (em 2020, para a Direção Regional do Turismo); • Proposta de Plano para Tornar os Açores num Destino Turístico Inteligente (entre 2018 e 2020, para o CCC); • Açores - Guia do investidor para o turismo sustentável (em 2018, para a DDD); • Plano de Ação Local para o Concelho de Ponta Delgada para o Ecoturismo (em 2018, para a Câmara Municipal de Ponta Delgada); • Plano Estratégico de Desenvolvimento Turístico de Ponta Delgada 2017-2021 (em 2017, para a Câmara Municipal de Ponta Delgada); • Projeto ... (projeto de &ID em contexto empresarial promovido pela MMM entre 2017 å 2019); • Plano Estratégico para o Turismo da Ribeira Grande 2015-2020 (em 2015, para a Câmara Municipal de Ribeira Grande); • Análises de impacte económico no setor turístico por via de investimentos públicos [incluindo o investimento no porto das A (2016), porto de Ponta Delgada (2017), portos das B e C (2016), porto do D (2020), porto da E (2019) e porto de F (2020)]. 15. Pelo que, deverá a Sentença recorrida ser substituída por Acórdão que considere como provados os supra referidos factos; 16. Por outro lado, a douta Sentença dá erroneamente como provados os factos contantes do ponto 16) e 17); 17. Efetivamente, o que resulta da prova junta pelo recorrido – e da sua alegação – o montante exato das suas despesas mensais é de € 300,41 e nada mais, não podendo o Tribunal se substituir à parte, para ao abrigo de “factos notórios” colmatar não só a falta de alegação e a falta de prova; 18. De igual modo, não foi sequer alegado pelo recorrido, nem muito menos foi junta prova nesse sentido que o seu agregado familiar é composto por ele e deus dois filhos e que existe um regime de guarda conjunta; 19. Sendo que, muito embora o recorrido alega que suporta despesas de alimentação, escola, transporte, atividades educativas, não fez qualquer prova nesse sentido; 20. Pelo que, o facto dado como provado do ponto 16) deverá ser substituído pelo seguinte: “O Requerente suporta despesas mensais com empréstimo para a casa, água, eletricidade no valor total de € 300,41”; 21. E, ainda que assim não se entenda, o certo é que o recorrido alegou ter despesas de € 1.000,00 (facto 32.º do requerimento inicial), pelo que, no limite, só se poderá dar como provado que o requerente tem € 1.000,00 de despesas mensais e nada mais; 22. E, no que respeita ao facto dado como provado constante do ponto 17) deve passar a constar do elenco dos factos dados como não provados; 23. Ora, o Tribunal a quo veio a entender verificarem-se prejuízos de difícil reparação na esfera jurídica do recorrido, porquanto o mesmo ficará privado do seu rendimento por 30 dias e porque o seu afastamento da universidade por 30 dias e notícia de que lhe foi aplicada uma sanção disciplinar, trata prejuízos para a sua reputação e honra, não obstante todos esses prejuízos sejam passíveis de indemnização compensatória e indemnizatório, não sendo nenhum desses prejuízos de difícil reparação; 24. Por outro lado, o recorrido não provou, minimamente, a existência de quaisquer despesas para além dos € 300,41 mensais que, nesta parte, o próprio Tribunal recorrido reconhece ter presumido serem superiores, socorrendo-se das “regras da experiência comum” para colmatar a falta de alegação e de prova feita pelo requerente desta providência; 25. Na verdade, o recorrido não alegou sequer o porquê de ficar – durante queles trinta dias – impossibilitado de liquidar quaisquer despesas; 26. A este propósito, importa referir que a jurisprudência que decorre da fundamentação da decisão recorrida reporta-se a casos em que os trabalhadores recebiam salários mínimos e, em dois daqueles casos, tinham sido despedidos, pelo que, nenhum daqueles casos é minimamente comparável com o dos presentes autos; 27. Aliás, ficou provado que o aqui recorrido em 2023 recebeu mais de cinquenta e seis mil euros, e que que o recorrido é um professor de economia (facto provado do ponto 1), que já tem notícia desde agosto de 2024 que lhe seria aplicada uma sanção de suspensão por trinta dias caso não cumprisse com os pressupostos da suspensão dessa sanção; 28. Ainda assim, o recorrido, escolheu não cumprir com essas injunções, bem sabendo que lhe seria aplicada essa sanção de suspensão; 29. Pelo que, o que as regras da experiência comum teriam de ditar, é que o recorrido é perfeitamente capaz de suportar todas e quaisquer despesas durante esses trinta dias, não só porque teve tempo de se preparar para essa suspensão, com um salário que permite essa preparação, como também é certo que, com os seus rendimentos, é mais que evidente que o recorrido tem poupanças que lhe permitiram ficar um mês sem receber o seu ordenado; 30. Dito isto, não temos aqui nenhum caso em que o recorrente verá o seu nível de vida reduzir drasticamente, nem muito menos esta aqui em risco a subsistência do recorrido e dos seus filhos. 31. Por outro lado, o facto de ser executada uma sanção disciplinar que já lhe foi aplicada em agosto de 2024, não traz quaisquer danos reputacionais para o recorrido. 32. Na verdade, já desde agosto de 2024 que toda a comunidade académica tem conhecimento dessa sanção disciplinar, tanto que até foi noticiada, tendo o recorrido exercido o seu direito de resposta; 33. E aliás, na ação principal rigorosamente nada é alegado quanto a esses supostos danos reputacionais, não podendo estes servir para que seja decretada esta providência cautelar; 34. Por tudo isto, não existe qualquer perigo na demora, não se verificando este requisito que é cumulativo com os demais, deverá a presente providência cautelar ser rejeitada, devendo a Sentença proferida ser substituída por Acórdão que rejeite a providência requerida, por não provada; 35. Já no que diz respeito ao requisito de Fumus Boni Iuris, importa deixar claro que são dois os comportamentos que foram sancionados por esta decisão disciplinar; 36. O primeiro diz respeito ao facto do recorrido optou livremente pelo regime de dedicação exclusiva, previsto no artigo 70.º da Estatuto da Carreia Docente e ter violado o regime por elaborar, coordenar e participar em estudos, pareceres ou relatórios por conta da sociedade comercial “MMM” de que é sócio, sendo esta sociedade remunerada por tais trabalhos, aumentando assim o valor da sua participação social junto daquela; 37. Ora, por todos estes estudos, pareceres e trabalhos foram elaborados pelo recorrido por conta da empresa de que é sócio, essa empresa recebeu o respetivo preço por esses serviços que prestou, com o trabalho do aqui recorrido e este, com essa atividade que prestou por conta da sua empresa, aumentou, consequentemente, o valor da sua participação social naquela; 38. Para além disto, ficou provado na decisão administrativa sub judice que o recorrido não se limita a ser sócio nessa sociedade comercial, pois é ainda uma parte ativa do desenvolvimento do objeto social daquela empresa, participando, colaborando e coordenando diversos estudos e pareceres que aquela entidade comercial foi contratada para executar no desenvolvimento da sua atividade, sendo remunerada pelos mesmos; 39. Não sendo necessário que o recorrido tenha recebido um salário ou lucros dessa sociedade, para que se verifique uma violação desse regime de dedicação exclusiva; 40. Uma vez que, aquela empresa “MMM” tem apenas dois sócios: o aqui recorrido e um outro Professor da Universidade dos Açores, como se disse já, alvo de idêntico procedimento disciplinar, 41. Ora, estes dois sócios conhecem bem o ECDU e a proibição prevista no seu artigo 70.º - a de serem remunerados pela atividade paralela que desenvolvem; 42. Assim, para poderem continuar a receber a remuneração devida pelo regime de dedicação e o respetivo complemento e para poderem fintar esta proibição de serem compensados pela atividade paralela que desenvolvem, decidem não distribuir os lucros que a sua empresa tem com a sua atividade, o que não pode deixar de ser sancionado; 43. É que a empresa que ambos são proprietários auferiu aqueles rendimentos no desenvolvimento daquela atividade com vista à obtenção de lucro e, como é sabido, esses resultados podem ou não serem divididos pelos sócios, sendo esta uma decisão exclusiva deles; 44. Assim, ao manterem os resultados na empresa, não os distribuindo, tal significa apenas que os sócios diferem no tempo a sua distribuição ou que reinvestem aqueles resultados na própria empresa, aumentando a sua atividade e o seu valor; 45. Não podendo o requisito da remuneração ser interpretado de forma tão restrita que apenas se reconduza a uma entrega de dinheiro ao trabalhador, na verdade, o que essa norma pretende impedir é que os docentes sob este regime de exclusividade desenvolvam paralelamente uma qualquer atividade lucrativa, no sentido que essa atividade lhes permita, de alguma forma, ser compensados e, por isso, inevitavelmente dividam a sua atenção entre as funções que prestam como docentes e essa atividade paralela que desenvolvem; 46. Se fosse esta a intenção do legislador – a de reduzir esta proibição ao sentido literal da palavra retribuição - então todos os docentes que optassem pelo regime de dedicação exclusiva poderiam simplesmente prestar serviços através de uma empresa que fossem sócios (até por exemplo através da constituição de uma sociedade unipessoal) e nunca distribuírem/receberem lucros; 47. Ora, enquanto deferissem a distribuição desses lucros, poderiam estes docentes, através dessas sociedades, realizar todos os investimentos que quisessem e, quando escolhessem vender ou até liquidar as suas participações sociais, seriam assim compensados por todo este trabalho sem que isso significasse uma violação do regime da dedicação exclusiva, na interpretação que o Tribunal a quo dá a esta norma; 48. Na verdade, o recorrido dedica-se, paralelamente às suas funções de docente, a prosseguir o objeto social da empresa de que é sócio, elaborando pareceres e estudos, porque sabe que essa empresa será paga por estes serviços, porque sabe que, com esse trabalho, a sua quota irá valorizar, porque sabe que pode reinvestir esses lucros ou reservá-los, e porque sabe que poderá, eventualmente, distribuir estes lucros ou até liquidar a empresa e todo o património que a mesma adquiriu até à data e, assim, irá nesse momento ser compensado efetivamente por toda essa atividade que foi prestando ao longo de todos estes anos; 49. Por tudo isto, andou mal a decisão recorrida, por ter entendido que apenas porque não resulta alegado que o recorrido tenha recebido lucros dessa sociedade não está violado o regime de dedicação exclusiva, não se verificando também este requisito, sendo mais provável que venha a ser improcedente ação principal intentada pelo recorrido; 50. Para além de tudo isto, o Tribunal a quo passou completamente ao lado do facto de que o outro comportamento sancionado com a aplicação da pena disciplinar que é impugnada nos autos principais, é o facto do recorrido ter participado numa proposta no âmbito de um concurso público para a elaboração de um estudo em clara e manifesta concorrência com a sua entidade patronal, ali também concorrente para aquela adjudicação, o que é também, em si, uma infração disciplinar; 51. Note-se que, ficou provado na decisão que aplica ao recorrido uma sanção disciplinar que o recorrido é proprietário de uma quota no valor atual de € 3.750,00 sobre o capital social da sociedade comercial MMM, pessoa coletiva n.º ...; 52. Que aquela empresa apresentou uma proposta no mesmo procedimento concursal em que a entidade arguente também apresentou uma proposta; 53. Que a proposta daquela empresa, em concorrência com a proposta da entidade patronal do requente - a aqui recorrente, apresenta o requerente como coordenador do grupo técnico, sendo este um dos motivos que apresentou para justificar o preço anormalmente baixo da proposta submetida naquele procedimento; 54. Que a proposta daquela empresa, em concorrência com a proposta da aqui recorrente, apresenta o requerente como co-coordenador do grupo técnico, sendo este um dos motivos que apresentou para justificar o preço anormalmente baixo da proposta submetida naquele procedimento, tudo isto conforme factos provados da decisão constantes dos pontos 6.º, 7.º, 8.º, 9.º, 10.º, 11.º, 12.º, 13.º e 14.º, e conforme facto provado do ponto 4 da douta Sentença; 55. Isto é, como resultou provado naquele processo disciplinar, a empresa MMM, de que o recorrido é sócio, apresentou uma proposta de adjudicação no procedimento concursal de "Aquisição de Serviços para Elaboração do Estudo sobre o Impacto Macroeconómico do Turismo na Região Autónoma dos Açores", aberto pelo Governo Regional dos Açores, procedimento este que a aqui recorrente também foi concorrente e apresentou a sua proposta; 56. Pelo que, não resulta qualquer dúvida que aquela sociedade, e em especial o recorrido, estão a desenvolver atividade em concorrência com a recorrente, tendo inclusive apresentado uma proposta com um preço anormalmente baixo, com a justificação que possui nos seus quadros e na sua estrutura societária dois doutorados em Gestão, “o que confere à empresa rigor e qualidade técnico-científica em todos os trabalhos que desenvolve sem ter que recorrer a entidades externas para este efeito”, sendo que um dos sócios doutorados é o recorrido; 57. Sendo que, é o recorrido o coordenador da equipa técnica que aquela empresa propõe, em concorrência direta com a recorrente, executar o estudo ali posto a concurso, tal como resulta do documento intitulado “Declaração de Composição da Equipa Técnica” que consta da proposta daquela empresa ao referido procedimento concursal; 58. Ora, o recorrido não refuta este facto em lado algum neste processo judicial pois não consegue engendrar uma “explicação” para pertencer a uma equipa técnica que está em direta concorrência com a sua entidade empregadora; 59. Sendo que, ao exercer esta atividade, seja ela ou não remunerada, mas em clara concorrência com a sua entidade patronal, contribuindo ativa e decisivamente para que um concorrente apresente um preço anormalmente baixo e assim extremamente mais favorável que o apresentado pela sua entidade empregadora, é claramente violador dos deveres que um qualquer trabalhador está adstrito e é uma clara infração disciplinar, por violação do dever de lealdade, estando tudo isto mais que fundamentado nos pontos 6.º, 7.º, 8.º, 9.º, 10.º, 11.º, 12.º, 13.º e 14.º da decisão administrativa (facto 4 da decisão recorrida); 60. Assim, não pode haver dúvidas que o recorrido praticou uma infração disciplinar, por ter concorrido com a sua entidade empregadora, pelo que, sempre por aqui teria de se concluir pela elevada probabilidade da ação intentada pelo recorrido vir a ser julgada improcedente e, assim, nunca poderia ter sido decretada a presente providência cautelar. O requerente da providência, ora recorrido, apresentou contra-alegações, formulando as seguintes conclusões, que se transcrevem: I. As Alegações e Conclusões de Recurso da Recorrente centraram-se em diversos vícios imputados à Douta Sentença proferida pelo Tribunal a quo, entre os quais a nulidade da mesma por uma suposta violação do princípio do pedido, a nulidade da Sentença por omissão de pronúncia sobre a exceção de repetição da providência que alegadamente foi invocada e que deveria ter sido julgada procedente e, por fim, um hipotético erro no que à matéria de facto provada e não provada concerne. II. Nas palavras da Recorrente “alegadamente” no presente procedimento cautelar, no pedido e na causa de pedir constantes do requerimento inicial, o Recorrido não colocou em crise o ato administrativo exequendo – decisão de aplicação da sanção disciplina consubstanciada no Despacho n.º ..., de 7 de agosto de 2024. III. Tendo apenas colocado em crise, na ótica da Recorrente, o ato administrativo de execução, de 21 de fevereiro de 2025 – o que não corresponde à verdade, conforme se logrará demonstrar. IV. Através do requerimento inicial apresentado pelo Recorrido, verificou-se que este deduziu pedido através do qual requereu o seguinte ao Tribunal a quo: a. Decretar provisoriamente a presente providência cautelar, nos termos do artigo 131.º do CPTA, ou, caso assim não se entenda, b. Citar com urgência o Requerido, advertindo-os dos efeitos jurídicos associados à presente providência, nos termos do artigo 128.º do CPTA, e, após corridos os trâmites normais, c. Decretar a presente providência cautelar, e suspender a eficácia do ato administrativo que determina a execução da pena disciplinar de 30 (trinta) dias de suspensão, com pera de retribuição e de contagem de tempo de serviço para efeitos de antiguidade, com efeitos a partir do dia 25 de fevereiro de 2025, determinando ainda que a Requerida se abstenha de impedir o ora Autor de frequentar a Universidade e de dar aulas e realizar provas de avaliação aos seus alunos, por verificação dos requisitos constantes do artigo 120.º/1 e 2 do CPTA.” (destaque nosso) V. Uma leitura atenta e cuidada do pedido aduzido pelo Recorrido, permite-nos demonstrar que, para além do propósito de ver suspensa a eficácia do ato administrativo de execução, foi também intenção deste ver suspenso o ato administrativo exequendo. VI. E tal não poderia ser diferente atendendo ao efeito útil da presente providência cautelar, VII. Sendo certo que se apenas fosse decretada, sem mais, a suspensão da eficácia do ato administrativo de execução de 21 de fevereiro de 2025, a Recorrente continuaria a praticar sucessivos e reiterados atos de execução da sanção disciplinar, VIII. Mantendo-se a produção dos plenos efeitos subjacentes ao ato administrativo exequendo, e materializando continuadas lesões dos interesses do Recorrido. IX. Mais legitimando a perpetuação da litigância judicial, dado que, supondo que não era decretada a suspensão da eficácia do ato exequendo ou a suspensão da eficácia dos atos exequendo e de execução, a Recorrente continuaria a praticar atos de execução da sanção disciplinar, X. E, por seu turno, o Recorrido continuaria a coloca-los incessantemente em crise, o que não se revela adequado. Mas mais, XI. Lógico se torna que, para que se cumpra a totalidade do peticionado na alínea c) do pedido cautelar – a determinação de que a Recorrente se deveria abster por completo de impedir o Recorrido de frequentar a Universidade e de dar aulas e realizar provas de avaliação, ter-se-ia também de suspender a eficácia do ato administrativo exequendo, XII. O que se verificou através da Douta Sentença, e bem! XIII. Por tal, ao contrário daquilo que a Recorrente faz crer, a Sentença proferida não materializa uma qualquer excesso de pronúncia, dado que, conforme se logrou demonstrar e que apenas se encontra dependente de uma leitura e interpretação cuidadas do pedido cautelar, sempre foi intenção que o próprio ato administrativo exequendo fosse, também ele, suspenso na sua eficácia, XIV. Isto, porque, só assim se poderia acautelar os efeitos úteis da presente providência cautelar. XV. Devendo improceder, in totum, a nulidade da Sentença invocada pela Recorrente, o que se releva e se requer para os devidos efeitos legais. Mesmo que tal não se interprete, o que só por mera hipótese académica se concebe, XVI. A situação em apreço poderia ter enquadramento no âmbito do regime consagrado no artigo 120.º, n.º 3 do CPTA. XVII. Através deste regime, o Tribunal a quo não se encontrava vinculado à concessão da medida cautelar suscitada pelo Recorrido, detendo a liberdade para integrar na decisão concretizada na Sentença proferida, a medida ou providência que entender mais adequada a tutelar a situação em face dos interesses em presença. Nesse seguimento, XVIII. A Recorrente, através das suas Alegações e Conclusões de Recurso, ventila que “supostamente” invocou a exceção de repetição da providência de forma subsidiária à alegada exceção de caso julgado, contudo, tal invocação não se verificou conforme se depreende da Oposição apresentada pela Recorrente. XIX. Da mesma constata-se a invocação da exceção de caso julgado, devidamente tratada na Sentença proferida pelo Tribunal a quo, XX. Não se verificando, em qualquer momento, uma parca menção que fosse à exceção de repetição da providência. XXI. O que se verificou foi o tratamento dos requisitos cumulativos dessa mesma exceção em sede de réplica do Recorrido, XXII. Não tendo, em momento algum, a Recorrente procedido à sua invocação de forma tempestiva e em meio processual próprio, XXIII. Pelo que bem andou o Tribunal a quo, não carecendo a Douta Sentença de qualquer reparo, devendo improceder a alegada nulidade da Sentença proferida por omissão de pronúncia, XXIV. O que se releva e se requer para os devidos efeitos legais. Posteriormente, e no que aos supostos factos não dados como provados concerne, XXV. Alega a Recorrente que o Tribunal a quo não deu como provados factos que constavam da acusação, da decisão, que foram alegados na oposição, que resultam de prova documental e que não foram impugnados pelo Recorrido. XXVI. Ora, atentos os critérios cumulativos para o decretamento da presente providência, não se concebe que seja necessário dar-se como provado ou sequer tecer qualquer consideração acerca de: 1. A titularidade do Recorrido de uma quota numa sociedade comercial, o respetivo valor e, até mesmo, a sede da sociedade em apreço; 2. O alegado facto de a referida sociedade ter ou não apresentado uma proposta num qualquer procedimento concursal; 3. O ventilado facto de o Recorrido ser ou não coordenador de uma qualquer equipa técnica; 4. O sustentado facto de que a sociedade comercial anteriormente enunciada apresentou uma proposta “supostamente” com um preço anormalmente baixo; 5. Os estudos elencados que não se reportam nem sustentam qualquer processo disciplinar, muito menos o processo do qual derivaram os atos administrativos aqui em crise. XXVII. A Recorrente tenta efetuar um exercício de prova, em sede de providência cautelar como se de um procedimento disciplinar se tratasse, XXVIII. Verificada a ausência de prova em que sustentou a tomada de decisão relativamente à sanção aplicada, isto, porque, como se logrou demonstrar e por mais factos que considere a Recorrente que não foram provados ou que foram erroneamente assim considerados, há algo de maior relevo que a Recorrente não logrou provar: que o Recorrido, efetivamente, violou o dever de exclusividade a que se encontrava adstrito. XXIX. Por tudo isto, e não assistindo qualquer razão à Recorrente, verifica-se que a Sentença proferida pelo Tribunal a quo bem andou no que também concerne à factualidade dada como provada e com interesse para a causa, não se afigurando como necessário qualquer correção. XXX. O que se releva e se requer para os devidos efeitos legais. Por outro lado, e no que concerne aos factos que “supostamente” foram erroneamente dados como provados, XXXI. Sustenta a Recorrente que a Douta Sentença deu erroneamente como provados os factos constantes do ponto 16) e 17), XXXII. O que não pode o Recorrido conceber e, muito menos, aceitar. XXXIII. Como bem fundamentou a Douta Sentença, o Recorrido sustenta diversas outras despesas inerentes à vida quotidiana, e tal prova deriva da experiência comum dado que se considera que um qualquer ser humano dispõe de outros gastos quotidianos para além de gastos com eletricidade, água e empréstimo bancário. XXXIV. E tal constatação é de compreensão e de sabedoria comum, não se alcançando o pretendido pela Recorrente, dado que esta não pode desconhecer nem ignorar os referidos gastos quotidianos que um qualquer cidadão detém, não se afigura como justo e adequado, XXXV. Conforme sustentado em sede de requerimento inicial pelo Recorrido, este suporta mensalmente despensas em torno dos €1.000,00 mensais, sobretudo por decurso das responsabilidades parentais partilhadas e despesas a assumir que decorrem da guarda dos seus filhos dependentes conforme supra se logrará demonstrar. XXXVI. Por tal, não carece a Douta Sentença qualquer reparo também no que a este aspeto concerne. XXXVII. Alega ainda a Recorrente que não consegue “perceber – mesmo – como é que o Tribunal a quo pôde dar como provado o ponto 17, dos factos dados como provados (…)”. XXXVIII. Não consegue em perceber o Recorrido como é que a Recorrente continua a sustentar as suas Alegações em factos imprecisos, e através destes suscitando a ausência de prova que sustenta os factos alegados pelo Recorrido em sede de requerimento inicial. Pois bem, XXXIX. Cumpre demonstrar à Recorrente que o facto 17) dado como provado extrai-se, por exemplo, através de uma rápida análise das declarações de IRS juntas como documento n.º 7 no requerimento inicial. XL. Melhor localizando, para que não continue a Recorrente em desconhecimento, verificase no referido documento e logo na declaração oficiosa referente ao ano 2019, a composição do agregado familiar do Recorrido e que se mantém até aos dias de hoje. XLI. Ora, através da análise que aqui se efetua – mas que a Recorrente não logrou efetuar antes mesmo de colocar em crise este mesmo facto, numa completa postura de inércia perante o apuramento da verdade – verifica-se através do campo do agregado familiar que o mesmo é composto pelo sujeito passivo – o aqui Recorrido – e por DOIS DEPENDENTES EM GUARDA CONJUNTA. XLII. Mais se constata que os dois dependentes em guarda conjunta, não só têm residência alternada, como também as despesas destes dependentes são partilhadas em 50% com outro sujeito passivo. XLIII. É completamente desprovido a Recorrente alegar que o Tribunal a quo apenas se baseou no documento n.º 9 que “nada mais é do que uma cópia de dois cartões de cidadão.” XLIV. Não se pode conceber e, muito menos, aceitar o estilo argumentativo levado a cabo pela Recorrente, a qual, conforme se verificou, não logrou inteirar-se de toda a prova documental junta pelo Recorrido… XLV. Assim sendo, não carece, igualmente, de qualquer reparo a Sentença proferida pelo Douto Tribunal também no que a este ponto concerne. Prosseguindo, XLVI. Alega a Recorrente que não existe qualquer perigo na demora, dada que o Recorrido não provou a existência de quaisquer despesas para além dos €300,41 mensais; e que o Tribunal a quo entendeu que um Professor Universitário, com formação em Economia e Gestão, que leciona aquelas unidades curriculares e com um vencimento de cinquenta e seis mil euros anuais, com uma única dívida relativamente ao empréstimo para habitação (no valor mensal de €150,87), não tem quaisquer poupanças que lhe permitam ficar privado de um só salário. XLVII. Não pode o Recorrido concordar e, muito menos, aceitar esta fundamentação da Recorrente. XLVIII. Conforme se logrou demonstrar, o vencimento auferido pelo Recorrido decorrente da sua atividade profissional, é o único rendimento mensal que permite fazer face às despesas do quotidiano do Recorrido e dos seus filhos, sendo certo que a suspensão do exercício de funções com a consequente privação de remuneração, importariam consequências gravosas para a esfera particular do Recorrido, podendo mesmo entrar em situação de incumprimento das suas obrigações mensais. XLIX. Ademais, não pode colher o argumento de que o Recorrido dispõe de poupanças (alegado pela Recorrente, como mera suposição sem qualquer sustentação probatória), e que a privação de remuneração não importaria qualquer consequência na sua esfera patrimonial dado que com as supostas poupanças poderia fazer face às despesas do mês em que não iria auferir rendimentos decorrente da suspensão. L. Aliás, chega mesmo a Recorrente a ventilar nas suas Alegações que, considerando o estofo patrimonial do Recorrido, o mesmo poderia lançar mão de um empréstimo pessoal para fazer face às despesas de um só mês… LI. Pois bem, o Recorrido teria de arcar, na ótica da Recorrente, com um empréstimo pessoal e com o montante dos respetivos juros para fazer face às despesas da vida pessoal por deixar de auferir a remuneração a que tem direito para que a Recorrente pudesse executar a (ilegal) sanção disciplinar a todo o custo e em prossecução do interesse público – seja ele qual for, porque, sinceramente, não se alcança quais os verdadeiros interesses da Recorrente! LII. Por tudo o que se considera dito, também na merece qualquer correção a Douta Sentença no que ao verificado requisito do periculum in mora diz respeito. LIII. Já no que concerne ao fumus bonis iuris, alegada a Recorrente que “supostamente” foram dois os comportamento que foram sancionados por esta decisão disciplinar: a suposta violação ao regime da dedicação exclusiva e a alegada atividade concorrencial levada a cabo pelo Recorrido – seja ela qual for porque, sinceramente, não se alcança! LIV. Alega a Recorrente que, em suma, o Recorrido optou livremente pelo regime de dedicação exclusiva, previsto no artigo 70.º do Estatuto da Carreira Docente Universitária (ECDU) e que, por tal, este conhece bem o diploma e sabe que ao abrigo desse regime não pode ser compensado de quaisquer outras funções para além das que exerce na Recorrente. LV. Mais sustenta a Recorrente que o Recorrido ao colaborar na elaboração de estudos, pareceres e trabalhos que exaustivamente elenca mesmo que não importem, aos dias de hoje, qualquer efeito disciplinar, verificando-se empresa recebeu o respetivo preço por os referidos trabalhos e que, “supostamente”, o Recorrido com essa atividade que prestou por conta da empresa aumentou, por consequência, o valor da sua participação social, LVI. E que resulta dos factos elencados, que o Recorrido, “alegadamente”, violou o regime de exclusividade das suas funções junto da Recorrente, assim como exerce uma atividade concorrencial à Recorrente… LVII. Não pode o Recorrido concordar e, muito menos, aceitar que a argumentação adotada pela Recorrente. Isto, porque, LVIII. O dever de exclusividade é um dever consagrado constitucionalmente, mas não com a amplitude que é dada pela Recorrente no caso sub judice, e que ora pretende ver praticado pelo Recorrido no âmbito de uma sua renúncia. LIX. Recorde-se que o artigo 269.º da Constituição da República Portuguesa (CRP) estipula o seguinte: “os trabalhadores da Administração Pública e demais agentes do Estado e outras entidades públicas estão exclusivamente ao serviço do interesse público, tal como é definido, nos termos da lei, pelos órgãos competentes da Administração” [n.º 1], não sendo “permitida a acumulação de empregos ou cargos públicos, salvo nos casos expressamente admitidos por lei” [n.º 4], determinando a lei “as incompatibilidades entre exercício de empregos ou cargos públicos e o de outras actividades” [n.º 5]. LX. Ou seja, desde logo, a CRP dá, como assim tem de ser, muito mais ênfase à proibição de acumulação do exercício de empregos ou cargos públicos – não prevendo qualquer tipo de restrição no que reporta ao exercício de funções privadas. LXI. Assim, importa ter presente que os trabalhadores em exercício de funções públicas são detentores dos direitos fundamentais previstos na CRP, em condições equiparáveis aos trabalhadores do setor privado. Mas mais, LXII. Conforme dita o Tribunal de Contas, nomeadamente em vários relatórios recentes onde densificou esta matéria, “o regime de dedicação exclusiva visa assegurar a dedicação do docente à Universidade, constrangendo a dispersão da sua atividade. Assim, caracterizase pela renúncia ao exercício de qualquer outra função ou atividade remunerada (incluindo o exercício de profissão liberal), compensada por uma remuneração mais elevada.” LXIII. Em consequência, a violação (ou não) de um dever de exclusividade implica sempre uma apreciação casuística, consoante os factos que contornam cada situação, nomeadamente para se perceber se a prática de outras tipo de atividades dispersou o docente em causa do cumprimento das suas funções enquanto tal e se prejudicou a sua dedicação à Universidade, o que não se verificou e continua a não se verificar no caso concreto. LXIV. Veja-se o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, proc. n.º 01105/12, de 24 de abril de 2013, também disponível em www.dgsi.pt, onde apenas se censurou a conduta daquele docente por este ter exercido uma “atividade remunerada”: “Todavia, e apesar disso, nos anos de 2003 e 2004, o Autor ignorou aquela proibição e, quebrando o compromisso assumido, a par da docência, exerceu a actividade de empresário, gerindo em nome individual uma propriedade agrícola que lhe pertencia (Contratando a mãode-obra indispensável, comprando os produtos necessários a essa exploração e vendendo os produtos agrícolas/cinegéticos dela resultante tendo, até, recebido subsídios atribuídos pelo IFADAP (€ 21.917,38) ao projecto de investimento realizado.), a qual foi fonte de rendimentos declarados em sede de IRS. Se assim foi, é forçoso concluir que o Autor, no apontado período, exerceu uma actividade económica privada pela qual foi remunerado e colectado, o que constitui uma clara violação das normas acima apontadas.” LXV. O que significa, a contrario, que não existe violação do dever de exclusividade quando não se exerçam atividades económicas pelas quais se é remunerado. LXVI. Assim como, a detenção de capital de uma sociedade não pode, por isso mesmo, ser equiparada ao exercício de uma atividade profissional paralela à docência no Ensino Superior. LXVII. Aliás, os tribunais portugueses também já se pronunciaram sobre essa questão, tendo deixado bem claro que não se pode confundir quadros ou gerentes da sociedade com sócios, como se da mesma coisa se tratasse, que é o que a Recorrente tenta, sucessiva e reiteradamente, fazer crer. LXVIII. Por outro lado, e quanto ao facto do Recorrido ter participado na coordenação de estudos de investigação sem receber qualquer remuneração a título de honorários, refira-se que tal não lhe está proibido por lei. LXIX. Não existindo na lei nenhuma norma que faça presumir que a atividade de consultoria ou de coordenação de equipas é sempre remunerada. LXX. E, a bem da verdade se diga que o aqui Recorrido participou nos estudos indicados na Decisão Final sempre na qualidade de docente do ensino universitário da Universidade dos Açores, facto este como causa de o Recorrido pertencer ao Centro de Investigação da Faculdade de Economia da Universidade dos Açores, como bem sabe a Recorrente, não podendo esta vir agora alegar uma suposta atividade concorrencial – seja ela qual for, porque não se alcança! LXXI. Acresce que o Recorrido não recebeu nem remunerações - salários, honorários ou qualquer outra - nem lucros da Sociedade de que é sócio, conforme foi já comprovado pelo próprio junto da Universidade dos Açores, e que, a Douta Sentença, bem reconhece. LXXII. Aliás, no procedimento disciplinar não há um único facto, ou documento idóneo, que comprove que o aqui Recorrido auferiu ou não qualquer rendimento a título de lucros, o que para efeitos de aplicação da norma prevista no artigo 70º do Estatuto da Carreira Docente Universitária (ECDU), no caso da dedicação exclusiva, é absolutamente não subsumível. LXXIII. Assim e em abono da verdade, a qualidade de sócio que este detém na sociedade comercial MMM nada obsta não prejudicou a qualidade de docente universitário, bem pelo contrário. LXXIV. Cumpre, por fim, acrescentar que, como em momento algum, o Recorrido entendeu estar a violar o artigo 70.º do ECDU, também em momento algum o Recorrido se sentiu obrigado a comunicar à Universidade que era detentor de capital da empresa MMM ou que já tinha participado em determinados projetos em regime pro bono – único motivo pelo qual não comunicou estes factos à sua entidade empregadora. LXXV. Em suma, e por tudo quanto foi supra exposto, a Sentença proferida pelo Tribunal a quo não merece qualquer reparo também no que ao fumus bonis iuris concerne. Aqui chegados, LXXVI. Importa demonstrar que o Recorrido desconhece qualquer ponderação de interesses efetuada pela Recorrente, sendo certo que esta última não logrou demonstrar a fundamentação subjacente à execução da sanção disciplinar nestas circunstâncias de tempo, LXXVII. É que, conforme acabou por se verificar, a Recorrente não retirou qualquer tipo de benefício em querer suspender “à força” o Recorrido, dado que a execução do ato administrativo exequendo só prejudicou a Universidade, os seus alunos e, a final, o interesse público. LXXVIII. Por tudo quanto foi supra exposto, a Sentença proferida pelo Tribunal a quo não merece qualquer reparo, o que se releva e se requer para os devidos efeitos legais. * Por despacho proferido em 17/06/2025, o Tribunal a quo admitiu o recurso e pronunciou-se sobre as nulidades imputadas à sentença recorrida, concluindo que as mesmas não se verificam. * O Ministério Público emitiu Parecer no sentido da procedência do recurso. * Com dispensa de vistos, atenta a sua natureza urgente, vem o processo à conferência para julgamento. * II – Questões a decidir Tendo em consideração que o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da respectiva alegação, a questão a decidir é a de saber se a sentença recorrida é nula e se padece de erro de julgamento de facto, devendo ser alterado o facto da alínea 16), considerado não provado o facto da alínea 17) e aditados factos à factualidade provada, e de direito, em virtude de não se encontrarem preenchidos os pressupostos de decretamento da providência cautelar requerida. * III – Fundamentação 3.1 – De Facto A decisão da matéria de facto que consta da sentença recorrida tem o seguinte teor: Com interesse para a decisão da providência cautelar, e de acordo com as várias soluções plausíveis de direito, consideram-se, indiciariamente, provados os seguintes factos: 1. O Requerente exerce funções de docente na Universidade dos Açores e, no 2.º semestre do ano letivo de 2024-2025, é regente das unidades curriculares de Análise e Relato Financeiro (ARF) do Mestrado em Ciências Económicas e Empresariais e de Finanças Internacionais (FI) do Mestrado em Ciências Económicas e Empresariais – cf. documentos n.º 10, 11 e 12 da p.i.; 2. O Requerente é o único docente a lecionar as Unidades Curriculares identificadas em 1) - cf. documentos n.º 10 e 11 da p.i.; 3. Em 15-03-2024, por despacho n.º ..., da Reitora da Universidade dos Açores foi determinada a instauração de processo disciplinar ao Requerente – cf. despacho integrante do p.a. junto à ação principal, de fls. 334-433 do SITAF; 4. Em 18-07-2024 foi elaborado pelo Instrutor o Relatório Final do processo disciplinar do Requerente, do qual se extrai, além do mais, o seguinte teor: «[...] [IMAGEM; NA ÍNTEGRA NO ORIGINAL]
[IMAGEM; NA ÍNTEGRA NO ORIGINAL] [IMAGEM; NA ÍNTEGRA NO ORIGINAL][ […] [IMAGEM; NA ÍNTEGRA NO ORIGINAL] [IMAGEM; NA ÍNTEGRA NO ORIGINAL] [IMAGEM; NA ÍNTEGRA NO ORIGINAL] […] [IMAGEM; NA ÍNTEGRA NO ORIGINAL] [IMAGEM; NA ÍNTEGRA NO ORIGINAL] [IMAGEM; NA ÍNTEGRA NO ORIGINAL] [IMAGEM; NA ÍNTEGRA NO ORIGINAL] [IMAGEM; NA ÍNTEGRA NO ORIGINAL]
[…]» cf. relatório final do instrutor integrante do P.A. junto à acção principal fls. 849-948 do SITAF; 5. Em 7-08-2024, pela Reitora da Universidade dos Açores, foi proferido o despacho n.º ..., sob a epígrafe «Decisão Final do procedimento disciplinar instaurado a AA» do qual se extrai o seguinte teor: «[….] [IMAGEM; NA ÍNTEGRA NO ORIGINAL]
[...]» - cf. documento n.º 1 da p.i. e P.A. junto à ação principal, fls. 849-948 do SITAF; 6. O despacho identificado na alínea antecedente e o relatório final do instrutor foram notificados ao mandatário do Requerente conjuntamente com o ofício n.º ......................... por carta registada com aviso de receção, tendo o aviso de receção sido assinado em 9-08-2024 – cf. documento n.º 1 da p.i. e aviso de receção integrante do p.a. junto à ação principal, fls. 849-948 do SITAF; 7. Em 30-08-2024 o Requerente dirigiu à Reitoria da Universidade dos Açores o requerimento de «recurso tutelar do despacho da Reitora da Universidade dos Açores, de 7 de agosto de 2024 no procedimento disciplinar instaurado pelo despacho reitoral n.º ....» - cf. requerimento integrante do P.A. junto à ação principal, fls. 849-948 do SITAF; 8. Por despacho de 17-10-2024 do Ministro da Educação, Ciência e Inovação, aposto sob a informação n.º... de 11-10-2024, foi rejeitado o recurso apresentado pelo Requerente - cf. decisão de recurso integrante do p.a. junto à ação principal, fls. 949-1080 do SITAF; 9. Em 15-11-2024 deu entrada neste Tribunal a ação administrativa apresentada pelo Requerente, distribuída sob o processo n.º 158/24.3BEPDL, na qual o Requerente impugna o despacho da Reitora da Entidade Requerida com o n.º ..., de 7-08-2024 identificado em 5) – cf. consulta oficiosa dos autos do processo principal; 10. Em 30-01-2025 a Reitora da Universidade dos Açores elaborou o ofício com a referência n.º ... com o assunto «Notificação |Despacho reitoral n.º ..., de 7 de agosto | Aplicação de pena disciplinar| audiência prévia», do qual se extrai o seguinte teor: «Relativamente ao assunto mencionado em epígrafe, no seguimento do meu despacho n.º ..., datado de 7 de agosto p.p, e atendendo não ter sido feita prova, no prazo concedido para o efeito, de que cessou as atividades cuja acumulação de funções não estava autorizada, nem tendo, tão pouco, sido requerida a isenção do regime de exclusividade, fica V. Exa. notificado, nos termos e para os efeitos dos artigos 121.º e 122° e, ainda, o n.º 1 do artigo 153 ° do Código do Procedimento Administrativo, para, querendo, no prazo de dez dias, dizer por escrito o que se lhe oferecer sobre o aludido incumprimento, do qual decorrerá a respetiva aplicação da pena disciplinar» - cf. documento n.º 2 da p.i. 11. Em 18-02-2025 o Requerente dirigiu um Requerimento à Universidade dos Açores com o assunto «Resposta a ofício em sede de Audiência dos Interessados – Aplicação de Pena Disciplinar», no qual peticionou o seguinte: «Nestes termos e nos melhores de direito, que não deixarão de ser douta e proficientemente supridos, requer-se a V. “ Ex. a que se digne a aceitar a presente resposta em sede de audiência dos interessados, nos termos do artigo 121.º e 122° do CPA e, por consequência, determinar que: a. Seja sustada a praticada de ato administrativo de execução que materialize a execução da pena disciplinar de 30 (tinta) dias de suspensão, com perda de retribuição e de contagem de tempo de serviço para efeitos de antiguidade, nos termos do artigo 38" do CPA, por questão prejudicial de correr termos no Tribunal Administrativo e Fiscal, no âmbito do processo n.° 158/24.3BEPDL, a impugnação do ato administrativo exequendo e cuja decisão se aguarda; caso assim não se entenda, no que não se concede, b. Seja sustada a praticada de ato administrativo de execução que materialize a execução da pena disciplinar de 30 (tinta) dias de suspensão, com perda de retribuição e de contagem de tempo de serviço para efeitos de antiguidade, pelos prejuízos patrimoniais, académicos, prestígio e pessoais de difícil reparação que o Requerente sofrerá na sua esfera jurídica, ao contrário dos eventuais prejuízos que a Requerida poderá sofrer pela sua não aplicação; [...]» - cf. documento n.º 3 da p.i.; 12. Em 21-02-2025 a Reitora da Universidade dos Açores emitiu o despacho n.º..., do qual se extrai o seguinte teor: «[...] Execução da Pena Disciplinar – AA No seguimento do meu despacho n.° ..., de 7 de agosto, e apreciada a pronúncia do docente, em sede de audiência dos interessados, ao teor do ofício ..., de 30 de janeiro, e por não resultar da mesma prova de que cessou as atividades cuja acumulação não autorizada é sancionada no âmbito do processo disciplinar instaurado ao Doutor AA ou, em alternativa, de que este solicitou a isenção do regime de exclusividade, apenas sendo invocados argumentos que já se encontram vertidos e contraditados neste processo, na ação administrativa de impugnação de ato administrativo e, ainda, na providência cautelar ambas com o número de processo 158/24.3BEPDL e que aqui dou por integralmente reproduzidos, mantendo-se assim todos os fundamentos e pressupostos de facto e de direito da decisão vertida no meu despacho supra citado, assente no Relatório Final do respetivo instrutor, datado de 18 de julho de 2024, que aqui se dá por integralmente reproduzido e oportunamente notificado, assim, nos termos conjugados do disposto no n.° 2 do artigo 197.° da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas (LTFP), aprovada pela Lei n.° 35/2014, de 20 de junho, com o n.° 1 do artigo 153 ° do Código do Procedimento Administrativo, decido revogar aquela suspensão da execução da pena disciplinar porquanto não foi cumprida a sua condição ali prevista, peio que determino a execução da pena disciplinar de 30 (trinta) dias de suspensão com inicio a 25 de fevereiro de 2025. [...]» - cf. documento n.º 4 da p.i.; 13. O despacho identificado na alínea antecedente foi remetido ao Requerente conjuntamente com o ofício com a referência...., datado de 24- 02-2025, no qual se lê, de entre o mais, o seguinte: «[...] Assunto: Notificação | Execução da Pena Disciplinar | Processo disciplinar instaurado a AA Encarrega-me a Magnífica Reitora, em conformidade com o disposto no n.° 2 do artigo 197.° da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas, aprovada pela Lei n.° 35/2014, de 20 de junho, de notificar V. Ex. a do despacho reitoral de 21 de fevereiro de 2025, que se junta, relativo à execução da pena disciplinar no âmbito do processo disciplinar mandado instaurar pelo despacho reitoral n.° ..., de 15 de março» - cf. documento n.º 4 da p.i.; 14. Nas declarações de IRS dos anos de 2019 a 2022, os únicos rendimentos declarados pelo Requerente respeitam a rendimentos de trabalho dependente (categoria A) referentes ao exercício da sua atividade de docência na Universidade dos Açores, nos valores de, respetivamente, € 50.414,42 (2019), € 50.565,62 (2020), € 50.565,62 (2021) e € 51.020,76 (2022)– cf. declarações de rendimentos integrantes do documento n.º 7 da p.i.; 15. Na declaração de IRS referente ao ano de 2023, os únicos rendimentos declarados pelo Requerente respeitam a rendimentos de trabalho dependente (categoria A) referentes ao exercício da sua atividade de docência na Universidade dos Açores, no valor de € 54.950,56, e a rendimentos de capitais (categoria E), no valor de €2.487,56, pagos pela sociedade ZZZ» com o NIPC ... - cf. declarações de rendimentos integrantes do documento n.º 7 da p.i. e consulta oficiosa das publicações de consulta pública de atos societário em https://publicacoes.mj.pt/; 16. O Requerente suporta despesas mensais com alimentação, empréstimo para a casa, água, eletricidade e impostos, entre outras despesas inerentes à vida quotidiana, em valor que não foi possível apurar – cf. documento n.º 8 da p.i. e facto notório; 17. O agregado familiar do Requerente é composto pelo Requerente e dois filhos, em guarda conjunta, com os quais suporta despesas com alimentação, escola, transporte, atividades educativas, entre outras, em valor que não foi possível apurar – cf. documento n.º 9 da p.i.e declarações de IRS que integram o documento n.º 7 da p.i.; 18. Do calendário de planificação das aulas para o 2.º semestre da Unidade Curricular de Análise e Relato Financeiro, consta o seguinte teor: « [IMAGEM; NA ÍNTEGRA NO ORIGINAL] [IMAGEM; NA ÍNTEGRA NO ORIGINAL] [IMAGEM; NA ÍNTEGRA NO ORIGINAL] [IMAGEM; NA ÍNTEGRA NO ORIGINAL] […]» - cf. documento n.º12 da p.i.; 19. Do calendário de planificação das aulas para o 2.º semestre da Unidade Curricular de Finanças Internacionais, consta o seguinte teor: «[…] [IMAGEM; NA ÍNTEGRA NO ORIGINAL] [IMAGEM; NA ÍNTEGRA NO ORIGINAL] [IMAGEM; NA ÍNTEGRA NO ORIGINAL] [IMAGEM; NA ÍNTEGRA NO ORIGINAL] […]» - cf, documento n.º13 da p.i.; 20. Nunca foi dado a conhecer ao Requerente, pela Entidade Requerida, qual a solução de substituição da docência das aulas das duas unidades curriculares de que o Requerente é docente – admitido por acordo por não impugnado; 21. Nos períodos compreendidos entre 2008 e 2022 o Requerente obteve, nas avaliações de desempenho dos docentes, promovida pela Universidade dos Açores, a classificação de «Excelente» - cf. documento n.º 14 da p.i.; * Factos não provados Com interesse para a decisão a proferir, em face das possíveis soluções de direito, não se provaram os seguintes factos: A. Não se provou que, com a suspensão do Requerente do exercício de funções, os alunos da universidade ficarão sem aulas e não conseguirão ser avaliados – artigo 50.º do requerimento cautelar; B. Não se provou que é o próprio Requerente quem noticia o facto de lhe ter sido aplicada uma sanção disciplinar, inclusive no telejornal RRR do passado dia 12 de março de 2025 – cf. artigo 89.º da oposição, do link indicado pela Requerida, concretamente ..., a partir do minuto 18:28 resulta que o Requerente apenas exerceu o seu direito de resposta relativamente a uma notícia anteriormente divulgada, em 28-02-2025, relativamente à aplicação da sanção disciplinar ao Requerente; * Inexistem outros factos que importe dar como não provados, com relevância para a decisão do presente processo cautelar. * Motivação da decisão da matéria de facto A decisão da matéria de facto assentou na análise crítica das posições vertidas pelas partes nos seus articulados e no exame dos documentos constantes dos autos, incluindo o processo administrativo instrutor junto à ação principal de que estes autos cautelares constituem apenso (processo n.º 158/24.3BEPDL), tudo conforme discriminado nas diversas alíneas do probatório, os quais não tendo sido impugnados mereceram a credibilidade do tribunal. Relativamente aos factos dados como não provados, não obstante virem alegados nos articulados, não foi produzido qualquer tipo de prova nesse sentido. * 3.2 – De Direito 3.2.1 – Da nulidade da sentença A recorrente imputa à sentença recorrida a nulidade prevista na alínea e) do n.º1 do artigo 615.º do CPC, alegando, em suma, que o Tribunal a quo suspendeu a eficácia de um acto cuja suspensão não foi sequer requerida, extravasando o peticionado, em violação do princípio do dispositivo e do princípio do pedido, bem como do princípio do contraditório. Vejamos. As nulidades da sentença “reconduzem-se a vícios formais decorrentes de erro de actividade ou de procedimento (error in procedendo) respeitante à disciplina legal; trata-se de vícios de formação ou actividades (referentes à inteligibilidade, à estrutura ou aos limites da decisão) que afectam a regularidade do silogismo judiciário, da peça processual que é a decisão e que se mostram obstativos de qualquer pronunciamento de mérito” [Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 03/03/2021, proferido no Processo n.º3157/17.8...]. Nos termos do artigo 615.º, n.º1, alínea e), do CPC, é nula a sentença quando “o juiz condene em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido”. A nulidade prevista na norma citada encontra o seu fundamento no princípio do dispositivo, segundo o qual pertence às partes o ónus da iniciativa processual e de conformação do objecto do processo, através da enunciação do pedido, que, nos termos do artigo 609.º, n.º1, do CPC, delimita o âmbito da decisão do Tribunal. No presente processo cautelar, o requerente da providência, ora recorrido, pediu, a final, que se decrete a suspensão de eficácia “do ato administrativo que determina a execução da pena disciplinar de 30 (trinta) dias de suspensão, com perda de retribuição e de contagem de tempo de serviço para efeitos de antiguidade, com efeitos a partir do dia 25 de fevereiro de 2025, determinando ainda que a Requerida se abstenha por completo de impedir o ora Autor de frequentar a Universidade e de dar aulas e realizar provas de avaliação aos seus alunos, por verificação dos requisitos constantes do artigo 120.º/1 e 2 do CPTA”. No artigo 6.º do requerimento inicial, o requerente da providência, ora recorrido, identifica a “decisão cuja suspensão ora se requer”, remetendo para o documento n.º4 junto com aquele articulado e reproduzindo o despacho n.º..., de 21/02/2025, da Reitora da Universidade dos Açores, que decidiu revogar a suspensão da execução da pena disciplinar e determinou a sua execução. Na sentença recorrida, o Tribunal a quo suspendeu a eficácia “do ato administrativo que aplicou ao Requerente a pena disciplinar de suspensão por 30 (trinta) dias”, ou seja, do despacho n.º..., de 07/08/2024, da Reitora da Universidade dos Açores, a que se refere a alínea 5) da factualidade provada. Verifica-se, assim, que, tendo sido requerida a suspensão de eficácia do despacho n.º..., de 21/02/2025, da Reitora da Universidade dos Açores, o Tribunal a quo suspendeu a eficácia do despacho n.º..., de 07/08/2024, que não integra o objecto do processo. Ora, sendo claro, como refere o Tribunal a quo no despacho em que se pronunciou sobre a invocada nulidade da sentença, que aquilo que o requerente da providência pretende “é suspender a execução da sanção disciplinar que lhe aplicou 30 dias de suspensão do exercício de funções e obstar, portanto, ao seu afastamento de funções”, é também claro que o mesmo não pediu que fosse decretada a suspensão de eficácia do acto que lhe aplicou a pena disciplinar, nos termos do qual, aliás, foi suspensa a execução da pena – despacho n.º..., de 07/08/2024 –, mas sim do despacho que determinou a execução daquela pena – despacho n.º..., de 21/02/2025. Como resulta do disposto no artigo 114.º, n.º3, alíneas f) e h), do CPTA, impende sobre o requerente da providência o ónus de indicar a providência que pretende ver adoptada, o que significa que, quando pretenda que seja decretada a providência cautelar de suspensão de eficácia de um acto administrativo, deve identificar o acto administrativo que constitui objecto da providência, fazendo prova da sua notificação ou publicação. Tendo o requerente da providência identificado o acto administrativo cuja eficácia pretende que seja suspensa, qual seja, reitere-se, o despacho que determinou a execução da pena disciplinar, o Tribunal a quo não podia, com base num juízo sobre a intenção do requerente que não tem correspondência com o pedido formulado e com o alegado no artigo 6.º do requerimento inicial, considerar que foi pedida a suspensão de eficácia do acto que aplicou a pena disciplinar. Importa ter presente que, na situação dos autos, a execução da pena disciplinar não resulta do acto que aplicou a pena, uma vez que este acto determinou a suspensão da sua execução, a qual foi determinada posteriormente, face ao alegado incumprimento da condição imposta para a suspensão, por um acto administrativo distinto daquele, qual seja, como já referimos, o despacho n.º..., de 21/02/2025. Acresce, tendo presente o alegado pelo recorrido, que a norma do n.º3, do artigo 120.º do CPTA, apenas permite a adopção de providência diferente da concretamente requerida quando tal se revele adequado a evitar a lesão dos interesses defendidos pelo requerente da providência e seja menos gravoso para os demais interesses públicos ou privados em presença, e já não que o Tribunal, tendo sido requerida a suspensão de eficácia de um determinado acto administrativo, decrete, sem mais, a suspensão de eficácia de outro acto, por entender que, não obstante a indicação efectuada pelo requerente em cumprimento do disposto no artigo 114.º, n.º3, alínea f), do CPTA, é este o acto cuja eficácia aquele pretende suspender. Atento o exposto, considerando que decretou a suspensão de eficácia de um acto que não integra o objecto da providência cautelar de suspensão de eficácia requerida pelo requerente da providência, o Tribunal a quo condenou em objecto diverso do pedido, pelo que a sentença recorrida é nula, nos termos do artigo 615.º, n.º1, alínea e), do CPC, devendo, no entanto, este Tribunal de recurso conhecer do objecto da apelação, não se limitando, pois, a declarar a nulidade da sentença [artigo 665.º, n.º1, do CPC]. Alega, ainda, o recorrente que a sentença recorrida é nula por omissão de pronúncia, em virtude de o Tribunal a quo não se ter pronunciado sobre a excepção de repetição da providência suscitada na oposição. Vejamos. Nos termos do artigo 615.º, n.º1, alínea d), do CPC, é nula a sentença quando “o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento”. A nulidade da sentença prevista na norma citada constitui a sanção legal para o incumprimento do disposto no artigo 608.º, n.º2, do CPC, a saber: “O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras”. Ora, na oposição, a recorrente apenas suscitou a excepção de caso julgado, a qual foi conhecida na sentença recorrida, e já não o que designa de “excepção de repetição da providência”, que se prende com o disposto no artigo 362.º, n.º4, do CPC, a saber: “Não é admissível, na dependência da mesma causa, a repetição de providência que haja sido julgada injustificada ou tenha caducado”. Assim, tendo o Tribunal a quo se pronunciado sobre a excepção concretamente suscitada pela recorrente, impõe-se concluir que a sentença recorrida não padece da nulidade prevista na alínea d), do n.º1, do artigo 615.º do CPC. * 3.2.1 – Da impugnação da decisão da matéria de facto Nos termos do artigo 640.º, n.ºs 1 e 2, do CPC, “1. Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados; b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas. 2. No caso previsto na alínea b) do número anterior, observase o seguinte: a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes; b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes”. A norma citada estabelece o ónus que impende sobre o recorrente que impugne a decisão da matéria de facto, sendo que o ónus previsto no n.º1, designado de ónus primário, tem como função delimitar o objecto da impugnação, razão pela qual o seu incumprimento determina a rejeição imediata da impugnação da matéria de facto. Relativamente à modificabilidade da decisão da matéria de facto, o artigo 662.º, n.º1, do CPC, aplicável ex vi do n.º3 do artigo 140.º do CPTA, estabelece o seguinte: “A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa”. Alega o recorrente que o facto dado como provado no ponto 16) deverá ser substituído pelo seguinte: “O Requerente suporta despesas mensais com empréstimo para a casa, água, eletricidade no valor total de €300,41” e, ainda que assim não se entenda, o certo é que o recorrido alegou ter despesas de €1.000,00 (facto 32.º do requerimento inicial), pelo que, no limite, só se poderá dar como provado que o requerente tem €1.000,00 de despesas mensais e nada mais”. Vejamos. A alínea 16) da factualidade provada tem o seguinte teor: “O Requerente suporta despesas mensais com alimentação, empréstimo para a casa, água, electricidade e impostos, entre outras despesas inerentes à vida quotidiana, em valor que não foi possível apurar – cf. documento n.º8 da p.i. e facto notório”. O documento n.º8 junto com o requerimento inicial, para que se remete na alínea 16) da factualidade provada, é composto por 3 documentos, a saber: uma factura de electricidade, relativa ao período compreendido entre 07/01/2025 e 05/02/2025, no valor de €105.44; uma factura de água, referente ao mês de Janeiro de 2025, no valor de €44.10; um documento emitido pela KKK relativo a um crédito à habitação, onde consta que a próxima prestação tem o valor de €150.87. Os valores que constam dos mencionados documentos perfazem o valor global de €300.41. Ora, no requerimento inicial, o requerente da providência, ora recorrido, alegou o seguinte: “31.º E, com isso, terá enormes dificuldades no pagamento das despesas mensais a que tem de fazer face – alimentação, empréstimo para a casa, água, eletricidade e impostos, entre outras despesas necessárias ao adequado funcionamento do lar. – Doc. 8, que se junta e que se dá por integralmente por reproduzido para os devidos efeitos legais. 32.º Tudo isto implica o pagamento despesas mensais fixas no valor de 1.000,00€ - o que não é comportável de ser pago sem o Requerente auferir o seu rendimento mensal habitual e único”. Ora, os documentos juntos com o requerimento inicial sob o n.º8 não permitem concluir que as despesas mensais fixas do requerente da providência, ora recorrido, ascendem a €1.000.00, tal como alegado. No entanto, tais documentos permitem concluir que o recorrido suporta despesas com a electricidade, água e crédito à habitação, sendo que, com base nas regras da experiência comum, podemos concluir que também suportará despesas com a alimentação e impostos, ainda que, quanto a estas últimas, em valor que não é possível determinar. Assim sendo, considerando que os documentos juntos aos autos não permitem determinar o valor das despesas mensais suportadas pelo recorrido, as quais, como resulta das regras da experiência, não se limitam àquelas a que se reportam os documentos, improcede a pretensão do recorrente no sentido de ser alterada a alínea 16) da factualidade provada. Alega, ainda, o recorrente que o facto dado como provado constante do ponto 17) deve passar a constar do elenco dos factos dados como não provados, uma vez que em lado algum do requerimento inicial é alegado que o agregado familiar do requerente se limita a ele e aos seus filhos e, de igual forma, nenhum documento junto aos autos serve de prova para tal facto, sendo que, por outro lado, o recorrido também não alegou – ou provou – haver qualquer regime de “guarda conjunta” e limitou-se a alegar ter despesas com os seus filhos com alimentação, escola e actividades educativas, sem juntar um único documento que o comprove. A alínea 17) da factualidade provada tem o seguinte teor: “O agregado familiar do Requerente é composto pelo Requerente e dois filhos, em guarda conjunta, com os quais suporta despesas com alimentação, escola, transporte, actividades educativas, entre outras, em valor que não foi possível apurar – cf. documento n.º9 da p.i. e declarações de IRS que integram o documento n.º7 da p.i.”. No artigo 33.º do requerimento inicial, foi alegado o seguinte: “Para além disso, importa ainda referir que o Requerente tem dois filhos e, por isso, tem também despesas financeiras acrescidas dessa condição – não podendo, de forma alguma, o Requerente ver prejudicado o assegurar das necessidades básicas dos seus filhos, por um mês que seja, como seja a sua alimentação, escola, transporte, atividades educativas, entre outras – Doc. 9, que se junta e que se dá integralmente por reproduzido para os devidos efeitos legais”. O documento n.º9 junto com o requerimento inicial, para que se remete no artigo 33.º daquele articulado e na alínea 17) da factualidade provada, é uma cópia dos cartões do cidadão dos filhos do recorrido, apenas permitindo, pois, concluir que este tem dois filhos. No entanto, nas Declarações de Rendimentos – IRS, Modelo 3, que integram o documento n.º7 junto com o requerimento inicial, consta, no campo relativo ao agregado familiar, que o recorrente tem dois dependentes em guarda conjunta, com partilha de despesas de 50%, sendo que, relativamente ao estado civil do sujeito passivo, consta que o mesmo é separado de facto. Assim, o mencionado documento mostra-se suficiente para se considerar indiciariamente provado, tal como considerou o Tribunal a quo, que o agregado familiar do requerente, ora recorrido, é composto por si e pelos seus dois filhos, em guarda conjunta, sendo que, com base nas regras da experiência, é possível concluir que o mesmo, tal como alegou, suporta despesas com a alimentação, escola, transporte e actividades educativas dos seus filhos, já que se tratam de despesas que, em regra, são suportadas pelos progenitores. Nesta medida, improcede a pretensão do recorrente no sentido de o facto da alínea 17) da factualidade provada ser considerado não provado. Alega, ainda, o recorrente que, na decisão recorrida, estão em falta factos que constavam da decisão administrativa que aplica ao recorrido uma sanção disciplinar e que por ele não são, nem neste procedimento cautelar, nem na acção principal, colocados em crise. Ora, os factos que o recorrente pretende que sejam aditados à factualidade provada, que se encontram elencados na conclusão 14 das alegações de recurso, apenas poderiam assumir relevância para a apreciação do pressuposto de decretamento da providência cautelar do fumus boni iuris, sendo que um dos fundamentos do recurso é a falta de preenchimento daquele pressuposto, que o Tribunal a quo considerou que se encontra preenchido. Contudo, também constitui fundamento do presente recurso a falta de preenchimento do pressuposto do periculum in mora, sendo que, como veremos, e ao contrário do que entendeu o Tribunal a quo, o mesmo não se encontra preenchido, o que, sendo os pressupostos de decretamento das providências cautelares de verificação cumulativa, determina a improcedência do pedido cautelar. Assim sendo, atendendo a que este Tribunal de recurso não irá apreciar se a sentença recorrida padece de erro de julgamento com fundamento na falta de preenchimento do pressuposto do fumus boni iuris, uma vez que o conhecimento deste fundamento do recurso fica prejudicado face à decisão sobre o periculum in mora, a reapreciação da matéria de facto com vista ao aditamento de factos que apenas poderiam ser relevantes para aferir do fumus boni iuris consubstancia um acto inútil, pelo que não se procede a tal reapreciação. * 3.2.2 – Do erro de julgamento de Direito A tutela cautelar encontra-se prevista nos artigos 112.º a 134.º do CPTA, estabelecendo o n.º1 do primeiro dos artigos referidos que “quem possua legitimidade para intentar um processo junto dos tribunais administrativos pode solicitar a adopção da providência ou das providências cautelares, antecipatórias ou conservatórias, que se mostrem adequadas a assegurar a utilidade da sentença a proferir nesse processo”. O processo cautelar caracteriza-se pela sua instrumentalidade, na medida em que depende da existência de uma acção principal, a propor ou já proposta, pela provisoriedade da decisão, uma vez que esta não se destina a resolver definitivamente o litígio, e pela sumariedade, porque implica uma summaria cognitio da situação através de um processo simplificado e célere. Os pressupostos de decretamento das providências cautelares constam do artigo 120.º do CPTA, cujos n.ºs 1 e 2 estabelecem o seguinte: “1. Sem prejuízo do disposto nos números seguintes, as providências cautelares são adotadas quando haja fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que o requerente visa assegurar no processo principal e seja provável que a pretensão formulada ou a formular nesse processo venha a ser julgada procedente. 2. Nas situações previstas no número anterior, a adoção da providência ou das providências é recusada quando, devidamente ponderados os interesses públicos e privados em presença, os danos que resultariam da sua concessão se mostrem superiores àqueles que podem resultar da sua recusa, sem que possam ser evitados ou atenuados pela adoção de outras providências”. Da norma legal citada resulta que os pressupostos de decretamento das providências cautelares são os seguintes: i. o periculum in mora, ou seja, o receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação; ii. o fumus boni iuris, na sua formulação positiva, isto é, que seja provável a procedência da pretensão formulada ou a formular na acção principal; iii. a ponderação de todos os interesses em presença, segundo critérios de proporcionalidade. Os pressupostos de decretamento das providências cautelares são de verificação cumulativa, o que significa que a falta de preenchimento de um deles determina a improcedência do pedido cautelar. No que se refere ao pressuposto do periculum in mora, impende sobre o requerente da providência o ónus de especificar e concretizar o fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado e/ou da produção de prejuízos de difícil reparação, alegando factos concretos que permitam concluir pela verificação da referida situação e/ou prejuízos, sendo que este ónus da alegação não se mostra cumprido com a mera alegação vaga ou genérica de que a demora da acção principal lhe causa prejuízos ou com a alegação de factos que não se encontrem devidamente concretizados. Como referem Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha, in "Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos", 3.ª Edição revista, páginas 805 a 807, "(…) Se não falharem os demais pressupostos de que, nos termos do artigo 120º, depende a concessão da providência, ela deve ser concedida desde que os factos concretamente alegados pelo requerente inspirem o fundado receio de que, se a providência for recusada, se tornará depois impossível, no caso de o processo principal vir a ser julgado procedente, proceder à reintegração, no plano dos factos, da situação conforme à legalidade. É este o único sentido a atribuir à expressão "facto consumado". (…) Do ponto de vista do periculum in mora, a providência também deve ser, entretanto, concedida quando, mesmo que não seja de prever que a reintegração no plano dos factos da situação conforme à legalidade se tornará impossível pela mora do processo, os factos concretos alegados pelo requerente inspirem o fundado receio da produção de “prejuízos de difícil reparação” no caso de a providência ser recusada, seja porque a reintegração no plano dos factos se perspectiva difícil, seja porque pode haver prejuízos que, em qualquer caso, se produzirão ao longo do tempo e que a reintegração da legalidade não é capaz de reparar ou, pelo menos, de reparar integralmente. (…)”. Na sentença recorrida, o Tribunal a quo concluiu que se encontra preenchido o pressuposto do periculum in mora, constando da sentença recorrida, quanto à apreciação deste pressuposto, designadamente, o seguinte: “(…) in casu resultou provado que, nos últimos anos, com exceção de um rendimento de capitais declarado de valor pouco significativo auferido em 2023, a única fonte de rendimento do Requerente é o vencimento mensal que o mesmo aufere enquanto trabalhador/docente da Entidade Requerida (cf. alíneas 14) e 15) do probatório). Resultou ainda provado o Requerente tem dois filhos, com os quais suporta despesas com alimentação, escola, transporte, atividades educativas, entre outras, (cf. alínea 17) dos factos provados). Para além disso, pese embora o Requerente não tenha logrado comprovar o quantum das despesas mensais suportadas mensalmente, resultou provado que o Requerente suporta despesas mensais inerentes à vida quotidiana, tais como alimentação, empréstimo para a casa, água, eletricidade e impostos, o que em parte consubstancia um facto notório passível de ser extraído das regras da experiência comum (cf. alínea 16) dos factos provados). Também quanto às despesas suportadas com os seus dois filhos, não obstante o Requerente não ter feito prova do concreto montante suportado, é evidente, das regras da experiência comum, que tal acarretará sempre – seja em maior ou menor montante – despesas com educação, alimentação, vestuário, entre outros. A este respeito diga-se que é evidente que, sendo a remuneração auferida pelo Requerente o único rendimento do mesmo que permite fazer face às despesas do quotidiano e da vida em sociedade do Requerente e dos seus filhos, a suspensão do exercício de funções com a correspondente privação de remuneração durante um mês, acarretará consequências gravosas para o Requerente, que, sem prejuízo de poder dispor de outras poupanças, poderá entrar em incumprimento das suas obrigações mensais, o que levará à constituição de prejuízos de difícil reparação. (…) Em suma, ter-se-á de considerar que, tendo ficado demonstrado nos autos que a única fonte de rendimento da Requerente é o salário que aufere em virtude do serviço prestado, enquanto docente, à Entidade Requerida, é possível concluir que a perda de remuneração por um período de um mês (o que resultará da execução da decisão suspendenda) causará natural e seguramente prejuízos de difícil reparação se a providência não for decretada, pois não é de estranhar que a ausência de salário determinará consequências nefastas na sua economia doméstica”. O Tribunal a quo considerou, assim, que a perda de remuneração pelo período de um mês causará prejuízos de difícil reparação ao recorrido. Contudo, atenta a factualidade provada nos autos, apenas podemos concluir que a remuneração que o recorrido aufere pelo exercício da sua actividade docente na Universidade dos Açores é a sua principal fonte de rendimento – no ano de 2023, o recorrido declarou rendimentos de capitais no valor de €2.847.56 – e que o mesmo suporta despesas, em valor não concretamente apurado, com alimentação, empréstimo para a casa, água, electricidade e impostos, bem como despesas com a alimentação, escola, transporte, actividades educativas, entre outras, dos seus filhos [cfr. alíneas 15) a 17) da factualidade provada]. Ora, a privação da remuneração/vencimento de um funcionário em consequência da imediata execução de acto punitivo que o afaste de funções é susceptível de causar prejuízos de difícil reparação, quando “tal privação diminuir drasticamente o seu nível de vida ou do seu agregado familiar, pondo em risco a satisfação das necessidades normais, correspondentes ao padrão de vida médio das famílias de idêntica condição social” [Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 24/05/2018, proferido no Processo n.º0371/18]. Na situação dos autos, atenta a factualidade provada, não podemos concluir que a privação da remuneração por 30 dias seja susceptível de causar prejuízos de difícil reparação ao recorrido, ou seja, que tal privação contenda com a satisfação das suas necessidades normais, sendo certo que não podemos olvidar que, nos anos de 2019 a 2022, o recorrido declarou rendimentos anuais superiores a €50.000.00, pelo que não se mostra plausível que a privação da sua remuneração por um curto espaço de tempo implique a diminuição drástica do seu nível de vida, impedindo-o de prover à satisfação das suas necessidades e do seu agregado familiar. É certo que a privação da remuneração por 30 dias causa ao recorrido um prejuízo patrimonial. No entanto, este prejuízo, enquanto tal, pode ser ressarcido caso o recorrido logre obter vencimento na acção principal, não podendo considerar-se que esse prejuízo é de difícil reparação quando a factualidade provada não permite concluir que, por força daquela privação, o recorrido poderá ficar impedido de prover à satisfação das suas necessidades normais e do seu agregado familiar. Como pode ler-se no recente Acórdão deste Tribunal Central Administrativo Sul, de 11/09/2025, proferido no Processo n.º159/24.1...-B, em que estava em causa situação idêntica à dos presentes autos, “ainda que, no plano dos factos, seja admissível que em consequência da execução da sanção disciplinar aplicada ao requerente possam sobrevir prejuízos – nomeadamente pelo facto de não receber a respectiva remuneração durante quarenta dias –, o facto é que atento o reduzido período em que aquele se verá impedido de receber a sua remuneração, por si só, não é suficiente para concluir pelo preenchimento do requisito “periculum in mora”, o qual exige, para além da existência de danos, que estes sejam de difícil reparação”. O Tribunal a quo considerou, ainda, que “também os prejuízos para a reputação e honra do Requerente, enquanto regente de duas unidades curriculares de cursos de mestrado na Universidade dos Açores, poderão considerar-se prejuízos dificilmente reparáveis para o Requerente”. Verifica-se, no entanto, que não constam da factualidade provada quaisquer factos que permitam concluir que a execução da pena de suspensão prejudica a reputação e honra do recorrido, sendo que, aliás, para fundamentar a conclusão a que chegou, o Tribunal a quo se limitou a remeter para os factos relativos às disciplinas leccionadas pelo recorrido, à calendarização de cada uma das unidades curriculares em causa e a não ter sido dado conhecimento ao recorrido da “solução de substituição da docência das aulas das duas unidades curriculares de que o Requerente é docente”, a que se reportam as alíneas 1), 2) e 18) a 20) da factualidade provada. Admitindo-se que a execução da pena de suspensão seja susceptível de causar, como referiu o Tribunal a quo, “uma mancha na reputação do Requerente, enquanto professor”, tal não constitui uma situação insusceptível de ser revertida ou fonte de prejuízos de difícil reparação, que, aliás, o recorrido não concretizou, limitando-se a referir, de forma conclusiva, que a sua reputação “já terá sido gravemente afetada e colocada em causa, sem possibilidade de reversão, pois a sanção disciplinar já terá sido executada e disso saberá toda a comunidade académica, o que gerará repercussões negativas incalculáveis para o Requerente” [cfr. artigo 60.º do requerimento inicial]. Assim sendo, e atenta a factualidade provada, não podemos concluir, primeiro, que a execução da pena de suspensão prejudica a reputação e honra do recorrido e, depois, que tal execução criará uma situação de facto consumado ou produzirá prejuízos de difícil reparação naquelas honra e reputação. Pelo exposto, concluímos que, ao contrário do que entendeu o Tribunal a quo, não se encontra preenchido o pressuposto do periculum in mora, o que, sendo os pressupostos de decretamento das providências cautelares de verificação cumulativa, determina a improcedência do pedido cautelar. Cumpre, pois, conceder provimento ao recurso e revogar a sentença recorrida, julgando-se improcedente o pedido cautelar, ficando prejudicado o conhecimento dos demais fundamentos do recurso. * IV – Decisão Nos termos e com os fundamentos expostos, acordam em conferência os juízes da Subsecção Social da Secção de Contencioso Administrativo deste Tribunal Central Administrativo Sul em conceder provimento ao recurso e revogar a sentença recorrida, julgando-se improcedente o pedido cautelar. Custas em ambas as instâncias a cargo do recorrido. * Lisboa, 25/09/2025 Ilda Côco Rui Pereira Luís Borges Freitas |