Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, os juízes desembargadores da Subsecção Administrativa Comum, do Tribunal Central Administrativo Sul:
I. Relatório
M........, (doravante Recorrente, Requerente ou A.) instaurou, no Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, uma providência cautelar contra o Município de Cascais (doravante Recorrido, Requerido ou ER), visando a suspensão de eficácia do ato administrativo consubstanciado na Deliberação n.º 443/2023, de 26 de maio de 2023, que determinou,
“1. Declarar que, M........ ocupa abusivamente o domínio público marítimo relativo à parcela ocupada pelo estabelecimento de restauração denominado "P........", também conhecido por "A........" sito na praia de Carcavelos, por carecer de título para o efeito, nos termos do artigo 2.° do DL 226-A/2007, de 31 de maio;
2. Promover juntos dos serviços municipais as diligências conducentes ao procedimento destinado de remoção/demolição das instalações do estabelecimento de restauração denominado "P........", e da remoção dos pertences que possam existir no referido local, procedendo ao inventário, recolha e armazenamento dos bens móveis que possam aí existir.!
Por sentença proferida em 13 de dezembro de 2023, o referido Tribunal indeferiu a providência cautelar, improcedendo o pedido formulado.
Inconformado, o Requerente interpôs recurso jurisdicional dessa decisão para este Tribunal Central Administrativo Sul, concluindo as suas alegações nos seguintes termos:
“1.
O Requerente explora, ininterruptamente, desde 7 de dezembro de 2012, um estabelecimento comercial de restauração, localizado num apoio de praia simples, sito na Praia de Carcavelos, concelho de Cascais, denominado “B........”, a funcionar na instalação n.º 71.
2.
O Requerente explora o estabelecimento comercial, usando-o e fruindo de forma diária, exercendo uma atividade de porta aberta e da qual aufere rendimentos necessários ao seu sustento e da sua família.
3.
O estabelecimento comercial é explorado ao abrigo da autorização que lhe foi concedida pela Agência Portuguesa do Ambiente, I.P., e que devia vigorar até ao termo do concurso público para adjudicação de um novo contrato de concessão daquele espaço.
4.
Em 30 de maio de 2023, a Câmara Municipal de Cascais aprovou a Deliberação n.º 443/2023, que determinou a demolição das instalações do estabelecimento denominado "P........", na praia de Carcavelos por ocupação abusiva do domínio público marítimo.
5.
O Recorrente não ocupa abusivamente o domínio público marítimo.
6.
Em 15 de junho de 2023, o Recorrido, remeteu ao mandatário do Recorrente, por correio eletrónico, o Ofício S-CMC/2023/20547.
7.
O acto suspendendo, - Deliberação n.º 443/2023, de 30 de maio de 2023, da Câmara Municipal de Cascais -, não acompanhou o Ofício S-CMC/2023/20547.
8.
A decisão recorrida de indeferimento da prova requerida pelo Recorrente, impediu-o de provar que é legalmente possível a permanência da construção onde tem instalado o seu estabelecimento, impugnando a força probatória do documento acessível em https://www.apambiente.pt/index.php?ref=x239 no qual se assinala uma previsão de demolição.
9.
A prova requerida pelo Recorrente é legalmente admissível, pertinente e não tem cariz dilatório.
10.
O direito à prova é um dos componentes do direito de acesso ao direito e aos tribunais para defesa de direitos e interesses legalmente protegidos, que está constitucionalmente consagrado no artigo 20.º da CRP.
11.
A violação, pelo Tribunal a quo, do direito à prova, transformou os autos num processo sem equidade e impediu, sem razão, a realização efetiva do direito de ação judicial, pois que, sem a possibilidade de oferecimento e produção de provas, o direito de ação judicial não passa de uma concessão vazia de qualquer conteúdo.
12.
A decisão recorrida viola o disposto nos artigos 20º, da CRP (designadamente o n.º 1), e o artigo 6º, nº 3, al. d), da Convenção Europeia dos Direitos do Homem e o artigo 211º, n.º 2 do CPPT.
13.
O Recorrente alicerçou parte da sua defesa no fundamento que do POC-ACE não resulta a imperatividade da demolição da instalação onde funciona o estabelecimento do Recorrente.
14.
Em sede de contestação, veio o Recorrido alegar que é o Regulamento de Gestão das Praias Marítimas e do Domínio Hídrico, na Planta de Praia n.º 23, do Anexo IV, referente aos Planos de Intervenção nas Zonas Balneares, que prevê a demolição da construção onde funciona o apoio de praia explorado pelo Recorrente.
15.
O Oficio S-CMC/2023/20547, remetido ao mandatário do Recorrente, por correio eletrónico, em de 15 de junho de 2023, e a Deliberação da Câmara Municipal n.° 443/2023, justificam a decisão com a alegada inexistência de licença válida e com o facto do POC- ACE - Plano de Ordenamento da Orla Costeira Alcobaça/Cabo Espichel, aprovado pela Resolução do Conselho de Ministros n.° 66/2019, de 11 de abril (publicado no Diário da República, 1. ª série — N.° 72 — 11 de abril de 2019), não prever qualquer utilização para a área ocupada pelas instalações do estabelecimento "P........";
16.
O Recorrente apenas tomou conhecimento que seria o Regulamento de Gestão das Praias Marítimas e do Domínio Hídrico a prever a demolição com a contestação do Recorrido.
17.
Esta omissão na fundamentação do ato suspendendo privou o Recorrente de exercer cabalmente o seu direito de defesa, quer em sede de procedimento cautelar, quer em sede de impugnação do ato, mormente através da impugnação do referido Regulamento, nos termos do artigo 147.º do CPA, ou da impugnação contenciosa, prevista nos artigos 72.º a 77.º do CPTA.
18.
O POC- ACE - Plano de Ordenamento da Orla Costeira Alcobaça/Cabo Espichel, aprovado pela Resolução do Conselho de Ministros n.° 66/2019, de 11 de abril (publicado no Diário da República, 1. ª série — N.° 72 — 11 de abril de 2019), não se confunde com o Regulamento de Gestão das Praias Marítimas e do Domínio Hídrico que estabelece o regime de ordenamento e gestão do domínio hídrico, nomeadamente das praias marítimas e das zonas contíguas à margem das águas do mar integradas no Programa da Orla Costeira Alcobaça – Cabo Espichel.
19.
A omissão na fundamentação de que é o Regulamento de Gestão das Praias Marítimas e do Domínio Hídrico que prevê a demolição, viola o dever de fundamentação, viola o direito de defesa do Recorrente e viola os artigos 3º, 4º, 11º e artigo 151º, n.º 1, d), 152º, n.º 1, a) 153º, n.º1 e 2 todos do CPA.
20.
A Deliberação n.º 443/2023, de 30 de maio de 2023, da Câmara Municipal de Cascais é nula, ao abrigo do artigo 161º, n.º 1 e 2, alínea d) do CPA, pois ofende os direitos fundamentais previstos no artigo 266º, n.º 1 e 2, 268º, n.º 3, 4 e 5 da CRP.
21.
Caso assim não se entenda é o ato anulável, nos termos do disposto no artigo 163º, n.º 1 do CPA.
22.
O Tribunal a quo não se pronunciou sobre a questão da nulidade e anulabilidade da Deliberação da Câmara Municipal n.° 443/2023, de 30 de maio de 2023, porquanto a sentença é nula nos termos do disposto no artigo 615º, n.º 1, alínea d) do CPC, ex vi dos artigos 1º e 140º, n.º 3 do CPTA.
23.
A nulidade da Deliberação n.° 443/2023, impunha que a decisão recorrida se tivesse pronunciado sobre os demais requisitos para o decretamento de uma providência cautelar: periculum in mora e sobre o juízo de ponderação de interesses destinado a aferir a proporcionalidade e a adequação da providência.
24.
Ao ter incidido apenas sobre o critério fumus boni iuris, a decisão recorrida é nula ao abrigo do artigo 615º, n.º 1, alínea d) do CPC.
25.
A Resolução do Conselho de Ministros n.º 66/2019, de 1 de abril, publicada no Diário da República, 1.ª série n.º 72, de 1 de abril de 2019, que aprovou o Plano de Ordenamento da Orla Costeira Alcobaça/Cabo Espichel (POC – ACE), não impossibilita manutenção e a utilização da instalação n.º 71, sita na praia de Carcavelos, ocupada pelo estabelecimento comercial, denominado "P........";
26.
A deliberação, cuja suspensão vem requerida, viola o princípio da proporcionalidade previsto no artigo 7.º do Código de Procedimento Administrativo, por impor uma demolição;
27.
É jurisprudência pacifica e aceite que a demolição consubstancia uma situação de facto consumado, relativamente aos interesses que o Requerente cautelar visa assegurar no processo principal, tendo em conta o disposto no artigo 120.º do CPTA.
28.
A demolição afigura-se desproporcional, por desnecessária, reiterando-se que se verifica o requisito do fumus boni iuris a que se refere o artigo 120.º, n.º 1, do CPTA.
29.
A sentença recorrida não dá cumprimento ao disposto nos artigos 6.º, 7.º, 8.º e 10.º do CPA.
30.
Parafraseando o entendimento já expresso pelo STA, a ordem de demolição não serve à punição da atividade ilícita, tendo como fim apenas a reposição da legalidade, devendo o respeito pelo princípio da proporcionalidade e a lógica do menor sacrifício exigível ao particular levar à conclusão de que só é razoável a demolição das obras quando não for possível reparar a ordem jurídica por elas violada (acórdãos de 14/12/2005, proc. n.º 959/05, e de 16/01/208, proc. n.º 962/07, disponíveis em www.dgsi.pt).
31.
A sentença recorrida não dá cumprimento ao disposto no artigo 266.º, da CRP que institui como princípio fundamental da Administração Pública a prossecução do interesse público, no respeito pelos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos, n.º 1, impondo-se aos órgãos e agentes administrativos que atuem, no exercício das suas funções, com respeito pelos princípios da igualdade, da proporcionalidade, da justiça, da imparcialidade e da boa-fé, n.º 2.
32.
O Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento de direito.
33.
O Recorrente instaurou a competente ação administrativa de impugnação da Deliberação da Câmara Municipal n.° 443/2023, de 30 de maio de 2023, que corre termos na mesma Unidade Organica 3, deste Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, sob o Processo n.º 820/23.8BESNT-A.
Com os fundamentos alegados, e nos demais a serem doutamente supridos por Vossas Excelências, Senhores Juízes Desembargadores, o Recorrente requer, respeitosamente, que seja concedido provimento ao presente recurso e, consequentemente, seja revogada a decisão recorrida e ordenada a produção da prova indicada pelo Recorrente.”
O Recorrido, Município de Cascais, apresentou contra-alegações, nas quais, sem formular as respetivas conclusões, terminou:
“Naturalmente, tendo sido rebatidas todas as questões alegadas pela Recorrente e concluindo-se que nenhum dos vícios assacados à sentença recorrida ou à deliberação municipal pode proceder, devem os vícios subsequentes ser igualmente julgados improcedentes.
TERMOS EM QUE
Deve o recurso ser julgado improcedente, com as legais consequências.”
O Tribunal pronunciou-se no sentido da não verificação das alegadas nulidades de sentença apontadas pelo Recorrente.
O recurso foi admitido com subida imediata nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.
O Ministério Público junto deste TCA Sul, notificado nos termos e para efeitos do disposto no n.º 1, do artigo 146.º do CPTA, não emitiu parecer.
Prescindindo-se dos vistos legais, atento o carácter urgente do processo, mas com envio prévio do projeto de acórdão aos juízes desembargadores adjuntos, foi o processo submetido à conferência para julgamento.
II. Delimitação do objeto do recurso
Conforme jurisprudência firmada, o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do apelante, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso (cfr. artigos 144.º, n.º 2 e 146.º, n.º4 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), 608.º, n.º2, 635.º, nºs 4 e 5 e 639.º, nºs 1 e 2, do CPC ex vi artigos 1.º e 140.º do CPTA).
Tendo em conta o exposto, as questões que a este Tribunal cumpre apreciar reconduzem-se a saber se,
i. O despacho de dispensa de produção de prova enferma de erro de julgamento de direito por o ter impedido de demonstrar a legalidade da permanência da construção onde tem instalado o seu estabelecimento;
ii. A sentença recorrida padece de,
ii.1. Nulidade por omissão de pronúncia quanto à falta de fundamentação do ato suspendendo e por apenas ter apreciado o requisito do fumus boni iuris;
ii.2. Erro de julgamento de direito quanto à falta de fundamentação e à violação do princípio da proporcionalidade.
III. Fundamentação de facto
III.1. Na sentença recorrida foi julgada indiciariamente provada a seguinte factualidade:
“1. O Requerente explora desde 7 de dezembro de 2012 um estabelecimento comercial de restauração, localizado num apoio de praia simples, sito na Praia de Carcavelos, concelho de Cascais, denominado “B........”, a funcionar na instalação n.º 71 – facto não impugnado;
2. O estabelecimento acima identificado encontra-se instalado em domínio público marítimo – facto não impugnado;
3. Por ofício datado de 7 de dezembro de 2012 o Vice-Presidente da Agência Portuguesa do Ambiente notificou o Requerente da decisão de autorizar a exploração do estabelecimento comercial identificado no número 1, por um período de seis meses, do qual se transcreve o seguinte: “Na sequência do processo administrativo que se encontra a decorrer, relativo à análise das condições de licenciamento do equipamento com função da apoio da praia simples (E/AS), a atenta a pretensão apresentada por V. Exa. consubstanciada na manifestação de interesse na utilização em causa, ficam desde já notificados do seguinte: Atendendo à necessidade de se assegurar os interesses dos utentes da praia relativamente ao equipamento com função de apoio de praia simples, que é conferido através dos serviços que se propõem desenvolver na estrutura em causa, ficam desde já autorizados a permanecer no local durante o período de seis meses, nos termos do disposto no art.º 84.º do Código do Procedimento Administrativo (CPA), para que o interesso público não fique prejudicado enquanto se desenrola o procedimento administrativo acima mencionado. (…)” - cfr. documento 1 do requerimento inicial, documento n.º 006713900 dos autos no SITAF;
4. Por ofício datado de 14 de maio de 2013 o Vice Presidente do Conselho Diretivo da Agência Portuguesa do Ambiente notificou o Requerente da decisão de autorizar a exploração do estabelecimento comercial identificado no número 1, até ao termo do concurso público para adjudicação de um novo contrato de concessão daquele espaço, do qual se transcreve o seguinte: “Assunto: POOC Cidadela/Forte de S. Julião da Barra Designação: Praia d........ (Ex. A........) Local: Carcavelos concelho de Cascais Na sequência do seu pedido da prorrogação da autorização excecional para permanecer no estabelecimento em causa, informamos V. Exa. do seguinte:
O processo administrativo de notificação da caducidade do título pelo términus do prazo encontra-se a decorrer, prevendo-se a breve trecho, abertura de um concurso público para adjudicação de um novo contrato de concessão para o estabelecimento em causa. Assim, e na sequência da autorização excecional de permanência naquele espaço ao seu estabelecimento denominado “Praia d........”, concedida no dia 7 de dezembro de 2012, pelo prazo de 6 meses, informamos V. Exa., que a sua pretensão, consubstanciada na manifestação de interesse na utilização em causa até final do concurso público em questão e atendendo à necessidade de se assegurar os interesses dos utentes da praia relativamente ao equipamento com função de apoio de praia simples, que é conferido através dos serviços que se propõe desenvolver na estrutura em causa, ficam desde já autorizados a permanecer no local até ao final do concurso público em questão, nos termos do disposto no art.° 84.° do Código do Procedimento Administrativo (CPA), para que o interesso público não fique prejudicado enquanto se desenrola o procedimento administrativo acima mencionado. (...)” - cfr. documento 2 do requerimento inicial, documento n.° 006713900 dos autos no SITAF;
5. Em 11 de fevereiro de 2014, por despacho do Vice-Presidente do Conselho Diretivo da Agência Portuguesa do Ambiente foi revogada a autorização excecional para permanência no estabelecimento que explora, melhor identificado no número 1, concedida ao Requerente em 14 de maio de 2013, identificada no número anterior, nos termos e com os fundamentos da informação n.° 100800-201401-DJUR.DDA, datada de 15 de janeiro de 2014, da qual consta, designadamente, o seguinte: “Assunto: Plano de Ordenamento Cidadela/Forte S. Julião da Barra, concelho de Cascais - Praia de Carcavelos - Estabelecimento denominado "Praia d……" (ex A........) requerimento de M.........
Resumo: O requerente possui uma prorrogação da autorização excecional cfr. (Of. SAI - DSG- 1001/2013, de 29/04/2013) inicialmente emitida pela APA I.P., pelo período de 6 meses, fundamentada na prossecução da Interesse público, consubstanciado na necessidade de assegurar os interesses dos utentes da praia, designadamente a vigilância e assistência a banhistas, que lhe permite continuar a exploração comercial do citado estabelecimento até à conclusão do concurso público para atribuição da concessão. Todavia, na sequência do auto de notícia exarado pela polícia marítima a propósito do incumprimento reiterado acerca das suas obrigações de assistência e vigilância a banhistas na época balnear de 2013, a que se vinculara como condição da autorização excecional para explorar o apoio de praia em causa, reportado pela Polícia Marítima à ARHT e Oeste, em dezembro de 2013 através do ofício S08228 - 201312 - ARHT e Oeste de 9 de dezembro foi notificado da proposta de decisão da APA I.P., de revogar à autorização concedida por violação das suas condições de facto e de direito, devendo por isso ao abrigo do disposto no artigo 100.° e seguintes do CPA, oferecer a sua pronúncia no prazo de dez dias, findo o qual, deveria retirar todos os seus bens do estabelecimento no prazo de quinze dias.
Factualidade
(...)
Análise:
Enquadramento:
Em 29-03-2011 deu entrada uma ação executiva contra C.........., Lda, pedindo que fosse ordenada a restituição da sua posse sobre o imóvel sito na Av. Marginal, Praia de Carcavelos, i.e., do estabelecimento em causa.
Através desta ação M.......... citado como contra- interessado teve conhecimento do processo judicial.
O Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de não admissão de Recurso de Revista Excecional transitou em julgado em 30 de setembro de 2013.
Nessa medida, deixou de existir fundamento para a suspensão da sua execução, pelo que, em 28 de novembro de 2013, os agentes da PSP de Cascais acompanharem a agente de execução e a advogada do autor para a entrega do bem, deixando o contra interessado de deter a posse do imóvel.
No que toca à questão que opõe o requerente ao A........ - A.........., Lda. ressalta, que a Administração tem o dever de respeitar o caso julgado, conformando-se com o conteúdo da sentença e com as eventuais limitações que daí derivam para o eventual exercício futuro dos seus poderes - isto é, reconhece-se um efeito conformativo (preclusivo ou Inibitório) da sentença, que exclui, no mínimo, a possibilidade de a Administração reproduzir o ato com os mesmos vícios individualizados e condenados pelo Juiz sob pena de nulidade por ofensa do caso julgado - vide ”A justiça Administrativa (Lições) As sentenças e os seus efeitos -pág. 227 -- de J..........”. Tratando-se de negócios jurídicos celebrados entre particulares, apenas os vinculam a eles nos termos e condições neles previstas, não vinculam a Administração e não legitimam a ocupação do DPM.
E sendo assim, à pretensão do Senhor M.......... de 10.01.2014, nada mais há a acrescentar acerca da mesma, pelo que, propomos o indeferimento do pedido liminarmente. Aos tribunais o que é do foro dos tribunais.
II. No que concerne à apreciação de facto e de direito da pronúncia oferecida em sede de audiência do Interessado nos termos dos artigos 100.º e seguintes do Código do Procedimento Administrativo:
A autorização excecional de permanência no espaço designado “Praia d´Açúcar, a M........, através do ofício n.º SAI -DSG - 1001/2013, de 29/04/2013, fundamentada na prossecução do Interesse público, traduzia a necessidade de assegurar os interesses dos utentes da praia, designadamente, vigilância e assistência a banhistas, condicionava a sua permanência no estabelecimento, ao cumprimento dessa imposição enquanto condição de validade do ato, e da própria legalidade do ato, dado que, de acordo com o POOC Cidadela /Forte de S. Julião da Barra, o apoio de praia em causa classificado como apoio de praia simples obriga a prestar apoio e assistência e salvamento aos banhistas.
O requerente sabia e aceitou essas condições.
Porém, o requerente, conforme denúncia da Associação de Concessionários "Praia - Viva”- cfr. IT n.º 101549 - 201310 - ARH Tejo e Oeste, e e-mail da Autoridade Marítima, a expor a situação à DOV que inclusive conduziu à ação de fiscalização e ao Auto de Notícia da Polícia Marítima, não deu sequência às suas obrigações no que respeita a vigilância e assistência a banhistas, enquadradas no Plano Integrado de Segurança 2013 para a praia de Carcavelos, elaborado pela Autoridade Marítima em colaboração com os concessionários de praia - violou os pressupostos da manutenção da autorização concedida, atendendo à necessidade de acautelar o bem jurídico que é a proteção da vigilância e socorro dos utilizadores da praia e não a proteção do seu negócio.
O requerente, enquanto possuidor de uma mera autorização excecional (embora não lhe confira o título de concessionário, pelas razões acima aduzidas,) encontrava-se obrigado à prestação de facto a que se vinculou, isto é, à prestação de vigilância e assistência a banhistas, por si só, ou, inserido no Plano Integrado de Salvamento da Praia de Carcavelos, donde, obrigatoriamente tinha que garantir a condição que sustentou a prorrogação da autorização excecional de permanência.
E obviamente que sabia que naquele espaço não havia possibilidade de colocar chapéus - de - sol e espreguiçadeiras porque é ali naquele local que existe a foz da ribeira mas isso não era para o requerente nenhuma novidade com toda a certeza uma vez que conhecia o local e mostrou interesse em agir, propondo-se, junto da APA cumprir os pressupostos da autorização na esteira da prossecução do interesse público, aliado a um nicho de negócio que logrou desenvolver durante um período de tempo.
É óbvio que à partida as autoridades com jurisdição na área, seja a APA IP, em matéria de licenciamento no DPM, seja a Autoridade Marítima em matéria de fiscalização e Segurança e Socorro das Praias, partem do pressuposto que aceita integrar o Plano Integrado de Segurança, independentemente das questões monetárias que veio alegar. Por isso, é que o Capitão do Porto de Cascais, no e-mail identificado como Doc. 1 que dirigiu ao Sr. M.......... faz parte do Plano Integrado de Salvamento, mas também lhe refere que se não quiser fazer parte do plano pode implantar o posto de vigia no paredão.
Aqui chegados, cumpre refletir sob o seguinte aspeto:
Afigura-se-nos que o interessado M.......... achou que a Associação Praia Viva o onerava com um montante elevado dado que fora informado da obrigatoriedade de pagar mensalmente € 1305,00, em igualdade com os restantes concessionários de bares/restaurantes com concessão de zona de praia para exploração do serviço de toldos e cadeiras, com a presença de nadadores salvadores, mas se assim considerou devia ter resolvido a questão contratando nadadores salvadores a suas expensas e montando o posto de vigia onde lhe fora indicado que o podia fazer i.e no paredão.
E é também por isso, que apesar de ter sido submetido à aprovação do ISN dois planos de praia integrados - Carcavelos nascente e poente a frente de praia afecta ao equipamento P52 não foi abrangida por nenhum deles.
Nesta medida essa sua querela é a meu ver um problema do requerente - não da Administração - que deveria ter sido equacionada a montante do pedido que fez à Administração não pode por isso alegar que não sabia que tinha que assegurar o socorro e vigilância da praia com ou sem areal, sem possibilidade de colocar toldos e espreguiçadeiras e que com toda a certeza tinha que efetuar despesas com a missão de socorro dos utilizadores da praia em associação ou por si só.
E se tivesse ocorrido um problema com qualquer banhista naquela frente de praia seriam os nadadores -salvadores pagos pelas concessões vizinhas do apoio de praia em causa a pagar para prodigalizar o socorro aos banhistas porque o Senhor M.......... não concorda com o montante pago pelos outros, mas também não concorda com o montante a pagar por si só, uma vez que não tratou de contratar dois nadadores salvadores em permanente exercício de funções no local e um posto de vigia devidamente equipado, tanto assim que nada fez para resolver a situação.
E é por isso que não cumpre nem as disposições do POOC que Implicam no caso concreto (apoio de praia simples) a obrigação de assistência e salvamento aos banhistas nos termos que Autoridade Marítima repute por adequados, nem cumpre os pressupostos que conduziram e fundamentaram a autorização que lhe permitiu permanecer no estabelecimento em apreço.
Por último refira-se que as licenças sio atos precários, visto que as situações por elas tituladas não se cristalizam, em virtude da sua revogabilidade, todas as licenças são concedidas sob uma reserva Implícita de revogação, que decorre ope legis do regime Jurídico que lhes é aplicável e estão sujeitas, a condições resolutivas decorrentes da alteração das circunstâncias de facto ou da violação pelo particular dos limites Impostos - vide Direito Administrativo Geral, Tomo lll, 2.» Edição, Lisboa, 2006, pág. 155 e FILIPA URBANO CALVÃO, op. cit, pág. 105.
(...)
- Se a Administração não estando vinculada legalmente a autorizar o requerente a ocupar o espaço porque não possuía título válido para explorar o equipamento concede a autorização ao Interessado, tendo em conta a prossecução do Interesse público, mesmo sem a violação dos pressupostos da autorização conferida, pode a Administração proceder à revogação dos seus atos, quanto mais quando ocorre essa violação, pelo que, a Administração promove a cessação ou a alteração da regulação das relações jurídicas.
- Se a Administração vinculada ao princípio da legalidade deve obediência à decisão do Tribunal com a limitação do exercício futuro do seu poder - atribuição de nova autorização, licença ou concessão a qualquer Interessado seja o requerente ou o A........
- A.........., Lda.
Em conclusão:
• Face ao exposto, reitero e proponho a revogação do ato administrativo que autorizou o requerente o Senhor M........ a ocupar o apoio de praia denominado "Praia d...........
• Mais propomos que não se emita qualquer autorização ou título para aquele estabelecimento até trânsito em julgado da decisão da ação em curso. ” - cfr. documento de fls. 17 a 25 do processo administrativo, cujo teor se dá integralmente por reproduzido, documento n.° 006716689 dos autos no SITAF;
6. Em 7 de julho de 2014 o Requerente instaurou neste Tribunal uma ação administrativa especial, à qual corresponde o processo n.° 1647/14.3BESNT, cujo pedido deduzido foi a declaração de nulidade ou de anulação do despacho proferido, em 11 de fevereiro de 2014, pelo Vice-Presidente do Conselho Diretivo da Agência Portuguesa do Ambiente, que revogou a autorização excecional que lhe tinha sido concedida para exploração do estabelecimento instalado no apoio de praia 71, melhor identificado no número 1 - cfr. informação constante no SITAF à qual nesta data se acedeu;
7. Em 2017 o Requerente celebrou com a sociedade “J..........Lda”, pessoa coletiva número 5……, representada por J.........., um contrato de arrendamento para fins não habitacionais, para a exploração do estabelecimento comercial sito na praia de Carcavelos, Avenida da Marginal, em Carcavelos, cujo valor da renda é de €1.200,00 - cfr. fls. 14 a 23 do documento n.° 006740447 dos autos no SITAF, cujo teor se dá integralmente por reproduzido;
8. Em 29 de maio de 2019, no âmbito da ação administrativa especial intentada pelo Requerente neste Tribunal, por proferida sentença no processo n.° 1647/14.3BESNT, julgou-se improcedente o pedido de declaração de nulidade ou de anulação do despacho, proferido em 11 de fevereiro de 2014, pelo Vice-Presidente do Conselho Diretivo da Agência Portuguesa do Ambiente (APA), identificado no número 5, que revogou a autorização excecional concedida relativamente ao estabelecimento que o Requerente explora, instalado no apoio de praia 71, melhor identificado no número 1 - cfr. documento n.° 006733844 dos autos no SITAF, cujo teor se dá integralmente por reproduzido;
9. Em 3 de janeiro de 2023, a coberto do ofício com a ref.ª S-CMC/2023/355, o Diretor Municipal de Apoio a Gestão, no uso de competências delegadas pelo despacho do Presidente da Câmara Municipal de Cascais n.° 46/2021, de 29 de novembro, remeteu ao Requerente a notificação para o exercício do direito de audiência prévia, nos termos do disposto nos artigos 121.° e 122.° do Código do Procedimento Administrativo, sobre a intenção do Município de proceder à demolição do estabelecimento, identificado no número 1, e de proceder à remoção dos pertences que possam existir no referido local, elaborando o inventário, recolha e armazenamento dos bens móveis que aí possam existir - cfr. documento de fls. 36 e 37 do processo administrativo, cujo teor se dá integralmente por reproduzido, documento n.° 006716689 dos autos no SITAF;
10. Em 7 de fevereiro de 2023 os serviços da Entidade Requerida afixaram, na Travessa do R.........., Rebelva, Carcavelos, o Edital n.° 84/2023, do Diretor Municipal de Apoio a Gestão da Câmara Municipal de Cascais, no uso de competências delegadas pelo despacho do Presidente da Câmara Municipal de Cascais n.° 46/2021, para o Requerente, querendo, no prazo de 30 (trinta) dias úteis, se pronunciar, em sede de audiência prévia, sobre a intenção do Município praticar o ato administrativo conducente à demolição do estabelecimento, identificado no número 1, ordenada pelo POOC-ACE (Plano de Ordenamento da Orla Costeira Cabo Espichel/Alcobaça), aprovado pela Resolução de Conselho de Ministros n.° 66/2019, de 11 de abril, e da remoção dos pertences que possam existir no referido local, com o fundamento de ocupação abusiva do domínio publico marítimo por falta de titulo para o efeito, nos termos do artigo 2.° do Decreto-Lei n.° 226-A/2007, de 31 de maio - cfr. documento de fls. 35 do processo administrativo, cujo teor se dá integralmente por reproduzido, documento n.° 006716689 dos autos no SITAF;
11. Em 30 de março de 2023 o Requerente, através do seu Mandatário remeteu, por correio eletrónico, ao Diretor Municipal de Apoio à Gestão, um pedido de agendamento de uma reunião presencial - cfr. documento de fls. 34 do processo administrativo, cujo teor se dá integralmente por reproduzido, documento n.° 006716689 dos autos no SITAF;
12. Em 3 de abril 2023 os serviços da Entidade Demandada remeteram, por correio eletrónico, ao Mandatário do Requerente a confirmação do agendamento de uma reunião presencial com o Diretor Municipal de Apoio à Gestão, para o dia 4 de abril de 2023, em resposta ao “email” identificado no número anterior - cfr. documento de fls. 28 do processo administrativo, cujo teor se dá integralmente por reproduzido, documento n.° 006716689 dos autos no SITAF;
13. Em 19 de abril de 2023 o Mandatário do Requerente remeteu, por correio eletrónico, aos serviços da Direção Municipal de Apoio à Gestão a sua pronúncia em audiência prévia, onde alegou que a exploração do estabelecimento comercial acima referido tem sido realizada ao abrigo da autorização concedida pela Agência Portuguesa do Ambiente, através do Despacho exarado na Informação n° 100800-201401-DJUR.DDA, a decisão de demolição constituirá a violação de direitos constitucionalmente protegidos e que já encetou contactos com a Câmara, para aprovação o seu projeto para o local - cfr. documento de fls. 27 do processo administrativo, cujo teor se dá integralmente por reproduzido, documento n.° 006716689 dos autos no SITAF;
14. Em 19 de abril de 2023 os serviços da Direção Municipal de Apoio à Gestão remeteram ao Mandatário do Requerente, por correio eletrónico, a resposta à sua pronúncia em audiência prévia, informando que se considera existir uma ocupação abusiva do estabelecimento comercial identificado no número 1, do qual consta o seguinte: “A utilização privativa do domínio público marítimo levada a cabo pelo seu Cliente foi objeto de análise fático-jurídica e do procedimento administrativo competente, no âmbito do qual se concluiu o seguinte:
1. A referência que faz à suposta "autorização da APA" com a refJ n.9 100800-201401- DJUR.DDA, corresponde a uma informação da Administração da Região Hidrográfica (ARH) do Tejo e Oeste (e não pela APA), confirmada por despacho de 14.3.2014 e tem um sentido precisamente oposto ao que refere: configura uma ordem de desocupação da área.
2. Juntamos em anexo o referido despacho e a informação a que se refere.
3. Para além desta ordem de desocupação - nunca cumprida pelo seu Cliente, que se encontra há oito anos a ocupar a área em causa sem título que o legitime - cumpre ainda ter em consideração o seguinte:
a. Na sequência de reclamação apresentada pelo seu Cliente em 15.4.2014 do despacho mencionado no número anterior, veio a mesma a ser indeferida pelo despacho da mesma entidade, de 21.5.2014, confirmando-se dessa forma a ordem de desocupação;
b. O POOC - ACE - Plano de Ordenamento da Orla Costeira Alcobaça/Cabo Espichei, aprovado pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 66/2019, de 11 de abril (publicado no Diário da República, 1ª série — N.º 72 — 11 de abril de 2019), prevê que não exista qualquer ocupação para o espaço ocupado pelo "P........".
c. Nos termos do artigo 34.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.9 226-A/2007, de 31 de maio, "com o termo da licença, o titular procede à entrega do respectivo título junto da autoridade competente no prazo de 15 dias e remove, no prazo que lhe for fixado, as instalações desmontáveis, devendo as obras executadas e as instalações fixas serem demolidas"
d. Ao abrigo da Lei 50/2018, de 16 de agosto, e do DL 97/2018, de 27 de novembro, as competências de gestão do domínio público marítimo foram transferidas para o Município de Cascais.
Em face do exposto, conclui-se que as instalações do estabelecimento denominado "P........", na praia de Carcavelos ocupam abusivamente o domínio público marítimo, por carecer de título para o efeito, nos termos do artigo 2.º do DL 226-A/2007, de 31 de maio, pelo que será este, decisão submetida a reunião de câmara, visando o ulterior acionamento dos meios adequados à cessação dessa situação de ilegalidade. ” - cfr. documento de fls. 11 do processo administrativo, documento n.° 006716689 dos autos no SITAF;
15. Em 30 de maio de 2023 a Câmara Municipal de Cascais aprovou a deliberação n.° 443/2023, pela qual foi determinada a demolição das instalações do estabelecimento denominado "P........", na praia de Carcavelos por ocupação abusiva do domínio público marítimo, de onde consta o seguinte: “
Considerando que:
a) Por força do Decreto-Lei de 97/2018, de 27 de novembro, que entrou em vigor em 1 de janeiro de 2019, foram transferidas para os municípios as competências relativas à gestão das praias marítimas integradas no domínio público hídrico do Estado, tendo por essa via o Município de Cascais passado a ser a entidade competente para a gestão das licenças e concessões existentes no concelho de Cascais;
b) Após assumir a gestão concreta dos processos de domínio público marítimo que lhe foram transferidos pela APA em 24.6.2019, e uma vez decorrido o período da pandemia de Covid-19 que recomendava contenção na fiscalização da atividade económica, os serviços municipais iniciaram um processo de revisão da conformidade legal dos processos que lhe foram transferidos;
c) Neste contexto, após análise da documentação referente à exploração do estabelecimento de restauração denominado "P........", também conhecido por "A........" sito na praia de Carcavelos, situado em domínio público marítimo (DPM), verifica-se que o mesmo não dispõe de título válido para a ocupação da dita parcela;
d) Da informação constante do processo referente ao referido estabelecimento comercial resulta que, em 29.04.2013, foi emitida pela Administração da Região Hidrográfica (ARH) do Tejo e Oeste, uma licença, de caráter excecional, para ocupação do domínio público marítimo por um período de 6 meses, não renovável, em nome de M........;
e) Aquela licença foi posteriormente revogada por despacho da mesma ARH Tejo e Oeste, de 14.3.2014, e confirmado em 21.5.2014, na sequência de reclamação apresentada pelo titular da licença, M........;
f) Nos termos do artigo 34.°, n.° 1 do Decreto-Lei n.° 226-A/2007, de 31 de maio, "com o termo da licença, o titular procede à entrega do respetivo título junto da autoridade competente no prazo de 15 dias e remove, no prazo que lhe for fixado, as instalações desmontáveis, devendo as obras executadas e as instalações fixas serem demolidas"',
g) Consequentemente, M........ foi notificado pela ARH Tejo e Oeste para desocupar e desmontar as instalações e remover os seus pertences do local, disposição que, até à data, ainda não cumpriu;
h) Na pendência das diligências administrativas supramencionadas, foi publicado o POC- ACE - Plano de Ordenamento da Orla Costeira Alcobaça/Cabo Espichel, aprovado pela Resolução do Conselho de Ministros n.° 66/2019, de 11 de abril (publicado no Diário da República, 1.a série — N.° 72 — 11 de abril de 2019), no qual não se prevê qualquer utilização para a área ocupada pelas instalações do estabelecimento "P........";
i) Pese embora a existência de prévia decisão administrativa emitida pela entidade competente à data, a ARH Tejo e Oeste, e regularmente notificada a M........, o Município de Cascais envidou esforços no sentido de notificar aquele, para, no prazo de 30 (trinta) dias úteis, se pronunciar, em sede de audiência prévia, nos termos do artigo 121.° e seguintes do Código do Procedimento Administrativo ("CPA"), sobre a intenção do Município praticar o ato administrativo conducente à demolição do estabelecimento e da remoção dos pertences que possam existir no referido local, com o fundamento de ocupação abusiva do domínio publico marítimo por falta de título para o efeito, nos termos do artigo 2.° do Decreto-Lei n.° 226-A/2007, de 31 de maio, o que alcançou através do Edital n.° 84/2023, de 7 de fevereiro;
j) Por defesa escrita datada de 19.4.2023, M........ apresentou pronúncia alegando que a exploração do estabelecimento tem sido realizada ao abrigo da autorização concedida pela APA através do Despacho exarado na Informação n° 100800- 201401-DJUR.DDA;
k) Não obstante a intempestividade da pronúncia, a análise jurídica dos serviços camarários que recaiu sobre aquela concluiu que a mesma é improcedente, não aduzindo argumentos suscetíveis de reverter a mencionada intenção, porquanto e sumariamente:
i. A referência feita à suposta "autorização da APA” com a ref.º n.° 100800- 201401- DJUR.DDA, corresponde a uma informação da ARH do Tejo e Oeste (e não pela APA), confirmada por despacho de 14.3.2014 e tem um sentido precisamente oposto ao alegado na pronuncia, uma vez que configura uma ordem de desocupação da área.
ii. O POC - ACE - Plano de Ordenamento da Orla Costeira Alcobaça/Cabo Espichei, aprovado pela Resolução do Conselho de Ministros n.° 66/2019, de 11 de abril (publicado no Diário da República, l.ª série — N.° 72 — 11 de abril de 2019), não prevê qualquer utilização para a área ocupada pelas instalações do estabelecimento "P........", razão pela qual, em obediência ao princípio da inderrogabilidade singular dos regulamentos, o Município de Cascais não pode deixar de o aplicar;
iii. Logo, nos termos do artigo 34.°, n.° 1 do Decreto-Lei n.° 226-A/2007, de 31 de maio, "com o termo da licença, o titular procede à entrega do respetivo título junto da autoridade competente no prazo de 15 dias e remove, no prazo que lhe for fixado, as instalações desmontáveis, devendo as obras executadas e as instalações fixas serem demolidas";
iv. Em face do exposto, conclui-se que as instalações do estabelecimento denominado “P........", na praia de Carcavelos ocupam abusivamente o domínio público marítimo, por carecer de título para o efeito, nos termos do artigo 2.° do DL 226-A/2007, de 31 de maio, pelo que será este, decisão submetida a reunião de câmara, visando o ulterior acionamento dos meios adequados à cessação dessa situação de ilegalidade. Tenho a honra de propor que a Câmara Municipal delibere, nos termos do artigo 33.°, n.° 1, alínea qq) da Lei das Autarquias Locais:
1. Declarar que, M........ ocupa abusivamente o domínio público marítimo relativo à parcela ocupada pelo estabelecimento de restauração denominado "P........", também conhecido por "A........" sito na praia de Carcavelos, por carecer de título para o efeito, nos termos do artigo 2.° do DL 226-A/2007, de 31 de maio;
2. Promover juntos dos serviços municipais as diligências conducentes ao procedimento destinado de remoção/demolição das instalações do estabelecimento de restauração denominado "P........", e da remoção dos pertences que possam existir no referido local, procedendo ao inventário, recolha e armazenamento dos bens móveis que possam aí existir.” - cfr. fls. 8 a 10 do processo administrativo, documento n.° 006716689 dos autos no SITAF (ato cuja suspensão é aqui requerida);
16. Por oficio datado de 15 de junho de 2023, com a refª: S-CMC/2023/20547, o Diretor Municipal de Apoio à Gestão remeteu ao Requerente, por carta registada com aviso de receção, a notificação da deliberação identificada no número anterior, acompanhada de um ofício no qual conferia o prazo de cinco dias úteis para proceder à execução da demolição e entrega das instalações, da qual consta o seguinte: “1. O teor da pronúncia recebida, não obstante a sua intempestividade, não é de molde a afastar os fundamentos invocados pelo projeto de ato administrativo que foi notificado, porquanto e sumariamente:
a. A referência feita à suposta "autorização da APA" com a ref.c n.° 100800-201401- DJUR.DDA, corresponde a uma informação da ARH do Tejo e Oeste (e não pela APA), confirmada por despacho de 14.3.2014 e tem um sentido precisamente oposto ao alegado na pronúncia, uma vez que configura uma ordem de desocupação da área.
b. O POC - ACE - Plano de Ordenamento da Orla Costeira Alcobaça/Cabo Espichei, aprovado pela Resolução do Conselho de Ministros n.° 66/2019, de 11 de abril (publicado no Diário da República, I.c série — N.° 72 — 11 de abril de 2019), não prevê qualquer utilização para a área ocupada pelas instalações do estabelecimento "P........", razão pela qual, em obediência ao princípio da inderrogabilidade singular dos regulamentos, o Município de Cascais não pode deixar de o aplicar;
c. Conclui-se assim, que as instalações do estabelecimento denominado "P........", na praia de Carcavelos ocupam abusivamente o domínio público marítimo, por carecer de título para o efeito, nos termos do artigo 2.° do DL 226-A/2007, de 31 de maio. Nestes termos, reitera-se:
2. Na qualidade de último titular de licença de ocupação do domínio público marítimo relativo ao estabelecimento denominado "P........" localizado na praia de Carcavelos, obteve uma autorização, de caráter excecional, para explorar o mencionado estabelecimento, a qual foi emitida em 29.04.2013, pela Administração da Região Hidrográfica (ARH) do Tejo e Oeste, por um período de 6 meses, não renovável.
3. Este ato foi revogado por despacho da mesma ARH Tejo e Oeste, de 14.3.2014, tendo V. Exa. sido notificado daquela revogação através do Ofício 5016395-201403 da ARH Tejo e Oeste, para remover os seus pertences do local.
4. As instalações do estabelecimento denominado "P........", na praia de Carcavelos, ocupam abusivamente o domínio público marítimo, por carecer de título para o efeito, nos termos do artigo 2.° do DL 226-A/2007, de 31 de maio.
5. Logo, nos termos do artigo 34.°, n.° 1 do Decreto-Lei n.° 226-A/2007, de 31 de maio, "com o termo da licença, o titular procede à entrega do respetivo título junto da autoridade competente no prazo de 15 dias e remove, no prazo que lhe for fixado, as instalações desmontáveis, devendo as obras executadas e as instalações fixas serem demolidas".
6. Em face do exposto, em 30 de maio último, foi proferida a Deliberação da Câmara Municipal n.° 443/2023 (em anexo), que declarou a ocupação abusiva do domínio público marítimo correspondente à parcela ocupada pelo estabelecimento de restauração denominado "P........", também conhecido por "A........" sito na praia de Carcavelos, por carecer de título para o efeito, nos termos do artigo 2.° do DL 226- A/2007, de 31 de maio;
7. Na sequência da qual, fica V. Exa. notificado para no prazo de 5 (cinco) dias úteis a contar após a receção deste ofício, remover as instalações desmontáveis e proceder à demolição das obras executadas e das instalações fixas, repondo a situação existente antes da instalação daquele estabelecimento. ” - cfr. documento 3 do requerimento inicial, documento n.° 006713902 dos autos no SITAF;
17. Em 15 de junho de 2023 os serviços da Direção Municipal de Apoio à Gestão remeteram, por correio eletrónico, ao Mandatário do Requerente cópia do ofício identificado no número anterior - cfr. documento n.° 006736684 dos autos no SITAF, cujo teor se dá integralmente por reproduzido;
18. Em 10 de julho de 2023 o Mandatário do Requerente remeteu ao cuidado da Dra. C..., dos serviços da Entidade Requerida, por correio eletrónico, em resposta ao “email” da Requerida de 15 de junho de 2023, identificado no número 16, cópia da decisão proferida por este Tribunal no processo n.° 1647/14.3BESNT, identificada no número 6, no qual também informa que o seu cliente não recebeu o ofício identificado no número 15, por se encontrar ausente do país, alega que a deliberação n.° 443/2023 enferma de diversos vícios e, por último, propõe a realização de uma reunião no dia 17 de julho de 2023, do qual consta o seguinte: “O Oficio n.° S-CMC/2023/20547, enviado por correio registado c/aviso de receção para o meu Cliente Sr. M........, não recebido pois esteve ausente no pais, que ordena a remoção das instalações desmontáveis e ordena a demolição das obras executadas e das instalações fixas, repondo a situação existente antes da instalação daquele estabelecimento, assenta na alegada revogação da autorização para explorar o estabelecimento denominado “P........”, constante do despacho da AH Tejo e Oeste, de 14.3.2014, porquanto as instalações do estabelecimento ocupam abusivamente o domínio público marítimo, por carecer de título para o efeito, nos termos do artigo 2.° do DL 226-A/2007, de 13 de maio. Importa, em primeiro lugar, notar que o despacho que revoga a autorização foi comunicado através do Ofício S16395-201403 da ARH TEJO E OESTE e não através do Oficio 5016395-201403. O Oficio datado de 14 de maio de 2013, e não de 29 de abril de 2013 conforme é referido no Oficio a que ora se responde, concede, desde o dia 7 de dezembro de 2012, autorização para explorar o estabelecimento denominado “P........, pelo prazo de 6 meses, é certo, mas, com fundamento no Interesse Público, a caducidade operaria apenas no final do concurso público, nos termos do disposto no artigo 84° do Código do Procedimento Administrativo (CPA).
Em conformidade com a fundamentação do ato de revogação da autorização, constante do Despacho da AH Tejo e Oeste, de 14.3.2014, os fundamentos da revogação da autorização assentam em alegado incumprimento dos deveres de vigilância e assistência (presença de dois nadadores-salvadores em permanência), e não em caducidade.
Em segundo lugar, este ato de revogação foi impugnado em 7 de julho de 2014, deu origem ao processo 1647/14.3BESNT e corre termos no TAF de Sintra. Neste momento e conforme despacho em anexo, o processo está em fase de recurso a ser apreciado pelo T.C.A. Sul, com efeitos suspensivos. Pelo exposto e salvo melhor entendimento, os fundamentos vertidos nas alíneas a.), c) 2, 3, 4 e 6 do Oficio a que se responde carecem de fundamento e, nessa conformidade, será apresentada uma providencia cautelar de suspensão da eficácia do ato que ordena a remoção das instalações desmontáveis e à demolição das obras executadas e das instalações fixas.
No que respeita à questão relativa ao POC - ACE - Plano de Ordenamento da Orla Costeira Alcobaça/Cabo Espichel, não prever qualquer utilização para a área ocupada pelas instalações do estabelecimento "P........", a Resolução do Conselho de Ministros n.° 66/2019 que aprovou o Programa da Orla Costeira de Alcobaça-Cabo Espichel (POC-ACE), estabeleceu também o seguinte: a) A atualização dos planos territoriais preexistentes e efetuada com recurso as figuras da alteração ou da revisão, nos termos dos artigos, 118.° 119.° e 124.° do Regime Jurídico dos Instrumentos de Gestão Territorial (RJIGT), cujo procedimento deve ser iniciado no prazo máximo de um ano contado a partir da entrada em vigor da presente resolução; b) As normas dos planos territoriais incompatíveis com o POC-ACE, como tal identificadas no anexo III a presente resolução, da qual faz parte integrante, devem ser atualizadas de acordo com as formas e os prazos estabelecidos nesse anexo. Salvo melhor análise ou interpretação o POC ACE enquanto instrumento programático para o ordenamento dos recursos hídricos, não prevê, nem deixa de prever, a utilização concreta do espaço onde está instalado o estabelecimento P......... Por esta razão, o meu Cliente discorda da posição transmitida e, nessa conformidade irá oportunamente lançar mão dos meios à sua disposição para reagir legalmente.
Por último, não posso deixar de relevar a inoportunidade, face ao conteúdo, da comunicação/Oficio para ordenar o encerramento da atividade em plena época alta da atividade.
Não obstante a posição ora transmitida, o meu Cliente reitera que pretende fazer parte da solução e não do problema e, nessa medida, está disponível para reunir com Vossas Excelências com o propósito de se encontrar a melhor solução que salvaguarde os interesses em causa, propondo, para o efeito, a data de 17 de julho de 2023 para reunir.
Fico a aguardar pelas notícias de Vossas Excelências o que desde já muito agradeço.” - cfr. documento n.° 006736686 dos autos no SITAF;
19. Em 27 de junho de 2023 o ofício identificado no número 15 veio devolvido pelos CTT com a seguinte informação: “Objeto não reclamado” - cfr. cópia do A.R. e da correspondência devolvida, constante do documento n.° 006736691 dos autos no SITAF.”
III.2. Mais se consignou na sentença recorrida quanto a factos indiciariamente não provados:
“Não existem outros factos que importe dar como indiciariamente provados com relevância para a decisão a proferir nos presentes autos.”
III.3. Foi a seguinte a motivação da decisão quanto à matéria de facto:
“O Tribunal fundou a sua convicção quanto ao descrito nos vários números do probatório na análise dos documentos juntos aos autos pelas partes, que não foram impugnados e que, pela sua natureza e qualidade, mereceram a credibilidade do tribunal, em conjugação com o princípio da livre apreciação da prova previsto no artigo 607.º, n.º 5.º do Código Processo Civil, aplicável por remissão do artigo 1.º do CPTA.”
IV. Fundamentação de direito
1. Do erro de julgamento quanto à desnecessidade de produção de prova
O Recorrente imputa erro de julgamento ao despacho de 13.12.2023 que indeferiu a prova testemunhal e por declarações de parte, aduzindo, em suma, que a prova por si requerida é legalmente admissível, pertinente e não tem cariz dilatório, tendo-o impedido de provar “que é legalmente possível a permanência da construção onde tem instalado o seu estabelecimento, impugnando a força probatória do documento acessível em https://www.apambiente.pt/index.php?ref=x239 no qual se assinala uma previsão de demolição” (fls. 6 das alegações), assim, violando o seu direito à prova e à tutela jurisdicional efetiva.
É inegável que o direito à prova é parte essencial do direito fundamental de acesso ao direito (artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa(1)), na vertente do direito a um processo equitativo, constituindo-se como peça fundamental para a realização efetiva do direito de ação judicial. Assim, “o direito fundamental à prova implica que as partes tenham liberdade para demonstrar quaisquer factos, mesmo que não possuam o respetivo ónus da prova, desde que entendam que a sua comprovação diminuirá os seus riscos processuais” (Ac. do Tribunal da Relação de Guimarães de 23.5.2019, proferido no proc. 1345/18.9T8CHV-A.G1).
No entanto, como qualquer direito, o direito à prova não é um direito absoluto na sua essência, isto é, não é um direito ilimitado. De tal forma que pode comportar restrições, designadamente colocadas em função de interesses atinentes à lógica e à finalidade do processo.
Em conformidade, refira-se que, no âmbito das providências cautelares, dispõe-se nos n.ºs 1, 3 e 5 do art.º 118.º do CPTA que,
1 - Juntas as oposições ou decorrido o respetivo prazo, o processo é concluso ao juiz, podendo haver lugar a produção de prova, quando este a considere necessária.
3 - O juiz pode ordenar as diligências de prova que considere necessárias, não sendo admissível a prova pericial.
5 - Mediante despacho fundamentado, o juiz pode recusar a utilização de meios de prova quando considere assentes ou irrelevantes os factos sobre os quais eles recaem ou quando entenda que os mesmos são manifestamente dilatórios.
Como resulta deste normativo, atenta a celeridade e eficiência que devem pautar o processo cautelar, a produção de prova – e, portanto, o direito a esta - só tem lugar quando o juiz a considere necessária, devendo ler-se o n.º 1 do art.º 118.º do CPTA em conjugação com os seus n.ºs 3 e 5.
O n.º 3 deste normativo concretiza o princípio do inquisitório “na dimensão de que o juiz não tem de satisfazer-se com as provas carreadas pelas partes, podendo ordenar oficiosamente a produção de outros meios de prova (cfr. artigo 367.º, n.º 1 do CPC) e promover diligências que não lhe tenham sido requeridas, mas que considere necessárias. (…) [C]abendo ao juiz determinar, em função do caso concreto, quais devem ser utlizadas para se obter o adequado esclarecimento das questões colocadas. Cumpre, em todo o caso, ter presente que este esclarecimento deve ser o estritamente necessário, atendendo ao caráter sumário da apreciação que, em sede cautelar, cumpre realizar, atenta a celeridade exigida na resolução do processo, devendo ser evitada a promoção oficiosa da produção de prova inútil ou, em todo o caso, excessiva.” (Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha, Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 4.ª edição, Almedina, pp. 1009-1010).
Por sua vez, o n.º 5 do art.º 118.º do CPTA “explicita, entretanto, que, tal como em processo civil, o juiz não está limitado à possibilidade de ordenar a produção dos meios de prova requeridos pelas partes, mas pode, pelo contrário, recusar diligências que lhe tenham sido requeridas, quando “considere assentes ou irrelevantes os factos sobre os quais eles recaem ou quando entenda que os mesmos são manifestamente dilatórios” (Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha, Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 4.ª edição, Almedina, pp. 1009-1010).
Cumprindo ao julgador, no âmbito das providências cautelares, ponderar se a produção de prova é ou não necessária para o apuramento da matéria de facto pertinente, há que ter em conta que, por um lado, a prova é sumária [art.º 114.º, n.º 2 al. g) do CPTA], feita com base perfunctória e indiciária, e, por outro, que incidindo a prova sobre factos concretos que permitam dar como verificados os requisitos de que depende o decretamento da providência, ela excluirá conceitos, proposições normativas ou juízos jurídico-conclusivos.
Por outro lado, refira-se que o juiz está sempre limitado pela proibição de prática de atos inúteis prevista no art.º 130.º do CPC.
Isto posto, importa, desde logo, dar conta que o Requerente não invoca, para o efeito de consubstanciar o erro de julgamento, qualquer factualidade, por si alegada, que, com vista à decisão da causa e à luz das soluções plausíveis de direito, fosse objeto de prova.
Com efeito, apurar se “é legalmente possível a permanência da construção onde tem instalado o seu estabelecimento” não corresponde a qualquer facto concreto, mas antes a um juízo jurídico-conclusivo que emerge da subsunção jurídico-normativa dos factos que, tendo sido alegados, fossem apurados.
Isto é, sabido que corresponde a facto “tudo o que se reporta ao apuramento de ocorrências da vida real e de quaisquer mudanças ocorridas no mundo exterior, bem como à averiguação do estado, qualidade ou situação real das pessoas ou das coisas” e que “(..) além dos factos reais e dos factos externos, a doutrina também considera matéria de facto os factos internos, isto é, aqueles que respeitam à vida psíquica e sensorial do indivíduo, e os factos hipotéticos, ou seja, os que se referem a ocorrências virtuais” (Henrique Araújo, A matéria de facto no processo civil, disponível em https://carlospintodeabreu.com/public/files/materia_facto_processo_civil.pdf, consult. Março 2024), deles se distinguem os “juízos de facto, ou seja, juízos de valor sobre a matéria de facto. Os factos (matéria de facto) abrangem principalmente as ocorrências concretas da vida real. Os juízos de facto situam-se na meia encosta entre os puros factos (que ocorrem na planície terrena da vida) e as questões de direito (situadas nas cumeadas das normas jurídicas)” (Jorge Augusto Pais de Amaral, Direito Processual Civil, 4.ª edição, Almedina, p. 229). Acresce que, também, não constituem factos as afirmações de natureza conclusiva, enquanto conjunto de questões de natureza jurídica que integram o objeto do processo a decidir.
Ora, é patente que a questão de saber se é legal – porque conforme ao direito - a manutenção do estabelecimento do Requerente representa, na realidade, a questão jurídica a decidir – no que respeita à verificação do requisito do fumus boni iuris -, pelo que sobre a mesma não poderia ser produzida prova. E o certo é que o Recorrente nem sequer esclarece quais os factos, alegados no requerimento inicial, que demandariam a produção de prova por si reclamada, para o efeito de, à luz da sua demonstração, realizada a sua subsunção jurídica em sede de fundamentação de direito, pudesse conduzir o Tribunal à conclusão da verificação do preenchimento dos pressupostos de adoção da medida cautelar por si requerida.
Lido o requerimento inicial nem sequer logra este Tribunal alcançar sobre que matéria factual, com relevância ao requisito do fumus boni iuris, e que não se mostrasse já perfunctoriamente demonstrada seja pelo acordo das partes, seja pela prova documental constante dos autos, fosse necessário, nos termos do art.º 118.º, n.º 1 do CPTA, produzir a prova testemunhal e por declarações de prova por si requerida. O Requerente não o diz e, consequentemente, o Tribunal não o sabe.
Acrescente-se que nem sequer se compreende a sua intenção de prova para o efeito de impugnação da força probatória do alegado documento correspondente à Planta n.º 23 do Regulamento de Gestão das Praias Marítimas e do Domínio Hídrico do POC-ACE, quando o referido documento não constitui, nem constituiu (como decorre da fundamentação de facto), qualquer meio de prova (documental). Na realidade, o que aí está em causa é o quadro legal jurídico normativo aplicável à situação dos autos. E tanto assim é que pelo Requerente não foi, nem poderia ter sido, sobre o mesmo deduzido qualquer incidente de impugnação nos termos dos artigos 444.º e ss. do CPC.
Isto é, nunca poderia ter sido produzida prova com vista a afastar a força probatória do Regulamento de Gestão das Praias Marítimas e do Domínio Hídrico do POC-ACE, concretamente da sua Planta n.º 23, exatamente porque esse Regulamento não consubstancia um documento - meio de prova - ao abrigo do art.º 362.º do CC e destinado a fazer prova dos fundamentos da ação ou da defesa nos termos dos art.ºs 423.º e ss do CPC.
Opostamente, o referenciado Regulamento, e a sua planta, integram o quadro jurídico normativo ao abrigo do qual foi proferida a decisão. Donde, se do referido Regulamento não resulta a “previsão de demolição”, o que está em causa é uma errónea/deficiente interpretação do regime jurídico, ou seja, um eventual erro de julgamento de direito, que, naturalmente, não é objeto de prova.
Neste sentido, é patente que não foi violado o direito à prova do Recorrente e, consequentemente, o seu direito à tutela jurisdicional efetiva (art.º 20.º da CRP), pelo simples facto de que o direito à prova não é ilimitado e, não o sendo, não se mostravam preenchidos os pressupostos legais, previstos no art.º 118.º do CPTA, de que dependia a existência de tal direito na esfera do Recorrente. Isto é, como visto, inexistindo factualidade sobre a qual fosse necessária – com vista à decisão da causa – a produção da prova requerida, o Recorrente simplesmente não tinha direito à prova.
Assim, impõe-se concluir que não se verifica o apontado erro de julgamento de direito imputado ao despacho de 13.12.2023 que rejeitou a produção de prova testemunhal e por declarações de parte requerida pelo Recorrente.
2. Da nulidade da sentença por omissão de pronúncia
O Recorrente imputa à decisão a nulidade por omissão de pronúncia, ao abrigo do disposto na alínea d) do n.° 1 do artigo 615.° do CPC, sustentando que o Tribunal a quo não se pronunciou pela nulidade e anulabilidade do ato por violação do dever de fundamentação e por apenas ter apreciado o requisito do fumus boni iuris.
O artigo 615.º, n.º 1, do CPC, sob a epígrafe, “Causas de nulidade da sentença”, preceitua que a sentença é nula quando: “d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões que não devia conhecer”.
A nulidade da sentença a que se refere este normativo verifica-se quando ocorre o incumprimento, por parte do julgador, do poder/dever prescrito nos artigos 95.º, n.ºs 1 e 3 do CPTA e 608, n.º 2 do CPC, e que se traduz em decidir todas as questões submetidas à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, e, por outro, de só conhecer de questões que tenham sido suscitadas pelas partes, salvo quando a lei lhe permita ou imponha o conhecimento oficioso de outras. No âmbito dos processos impugnatórios esse dever comporta a pronúncia sobre todas as causas de invalidade que tenham sido invocadas contra o ato (art.º 95.º, n.º 3 do CPTA).
Esclarece-se que, como é jurisprudência pacífica, a causa de pedir, ou melhor, as questões a decidir, não se confundem com as razões ou argumentos de que a parte se serve para sustentar a mesma causa de pedir. Pelo que apenas integra a nulidade prevista no citado normativo, a omissão de conhecimento das “questões”, mas já não a mera falta de discussão das “razões” ou “argumentos” invocados para concluir sobre as questões.
Importa considerar que, no âmbito cautelar, as questões a decidir pelo tribunal respeitam à verificação do preenchimento dos pressupostos, cumulativos, de adoção da medida cautelar requerida e que, nos termos do art.º 120.º, n.ºs 1 e 2 do CPTA, correspondem (i) à verificação de fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que o requerente visa assegurar no processo principal (periculum in mora), (ii) à probabilidade de que a pretensão formulada ou a formular nesse processo venha a ser julgada procedente (fumus boni iuris) e (iii) caso se verifiquem estes dois requisitos, o tribunal terá ainda de proceder ao juízo relativo à ponderação dos interesses públicos e privados em presença, que poderá determinar a recusa da providência quando, num juízo de proporcionalidade, os danos que resultariam da sua concessão se mostrem superiores àqueles que podem resultar da sua recusa, sem que possam ser evitados ou atenuados pela adoção de outras providências.
Analisado o requerimento inicial constata-se que, para o efeito de demonstrar a verificação do requisito do fumus boni iuris, ou seja, a probabilidade de procedência da pretensão de declaração de nulidade ou anulação da Deliberação da Câmara Municipal n.° 443/2023, de 30 de maio de 2023 que constitui o ato suspendendo, o Requerente imputou-lhe os seguintes vícios: a falta de notificação do ato administrativo (artigos 11.º e 12.º do r.i.), o erro nos pressupostos de facto (artigos 13.º a 39.º, 67.º, 72.º, 117.º a 119.º) e a violação do princípio da proporcionalidade (artigos 40.º a 42.º, 71.º, 74.º a 84.º).
Em momento algum, lido o requerimento inicial, é imputada à deliberação suspendendo o vício de falta de fundamentação.
Com efeito, e com referência à fundamentação, apenas no ponto 22.º sustenta o Requerente que por não se verificarem nenhum dos pressupostos legais que conduzem à caducidade da autorização concedida “é o ato administrativo em apreço ilegal por ausência de fundamento”.
Sucede que o vício de falta de fundamentação (formal) não se confunde com a falta de fundamento substantivo, isto é, com a (falta de) fundamentação substancial. Assim é porque “à fundamentação formal interessa a enunciação dos motivos que determinaram o autor a proferir a decisão com um concreto conteúdo; à fundamentação material interessa a correspondência dos motivos enunciados com a realidade, bem como a sua suficiência para legitimar a actuação administrativa no caso concreto (ou seja, esta deve exprimir a real verificação dos pressupostos de facto invocados e a correcta interpretação e aplicação das normas indicadas como fundamento jurídico).” (Ac. do STA de 20.2.2019, proferido no processo 0775/02.2BTVIS).
Ora, o que o Requerente alegou no requerimento inicial, não foi, como sustenta agora em sede de recurso (fls. 7 a 9 das alegações), a falta de fundamentação formal, no sentido de que o ato não lhe deu a conhecer o itinerário cognoscitivo e valorativo seguido para a tomada de decisão, omitindo as razões que estiveram subjacentes à sua prática, e a consequente violação dos artigos 3º, 4º, 11º e artigo 151º, n.º 1, d), 152º, n.º 1, a) 153º, n.º1 e 2 do CPA e dos artigos 266º, n.º 1 e 2, 268º, n.º 3, 4 e 5 da CRP – normativos que, de resto, no requerimento inicial, nem sequer convoca ou, no que respeita aos artigos 266.º e 268.º da CRP não invoca para o efeito de consubstanciar a violação do direito à fundamentação dos atos administrativos – determinante, no agora seu entender, da nulidade do ato nos termos do art.º 161º, n.ºs 1 e 2, alínea d) do CPA.
Na realidade, o vício que o Requerente invocou para fundar a invalidade do ato suspendendo e a consequente verificação da aparência do bom direito foi, além da falta de notificação do ato administrativo e da violação do princípio da proporcionalidade, a falta de fundamento substantivo para o ato, ou seja o erro nos pressupostos de facto.
Analisada a sentença recorrida, constata-se que o Tribunal a quo, iniciando pela aferição do preenchimento (ou não) do requisito do fumus boni iuris, apreciou a falta de notificação do ato suspendendo (fls. 27 a 28), o erro nos pressupostos de facto (fls. 28 a 35) e a violação do princípio da proporcionalidade (fls. 35), concluindo perfunctoriamente pela não procedência de qualquer deles.
É certo que a fls. 29 da sentença se refere que o Requerente alega que “o ato cuja suspensão vem requerida enferma de vício de falta de fundamentação”. Contudo, como resulta dos próprios termos em que o vício foi consubstanciado pelo Requerente, o que o Tribunal a quo apreciou não foi a falta de fundamentação formal, sim de fundamento substantivo. Ou seja, o Tribunal a quo apreciou o erro nos pressupostos quanto à questão de saber se a autorização que tinha sido concedida ao Requerente em 14 de maio de 2013 pelo Vice Presidente do Conselho Diretivo da Agência Portuguesa do Ambiente se mantinha em vigor. E fê-lo porque foi esse o vício, e não o de falta de fundamentação formal, que foi pelo Requerente alegado.
Do exposto resulta, pois, que não ocorreu qualquer omissão de pronúncia, concretamente no que corresponde à nulidade e anulabilidade do ato por violação do dever de fundamentação(2), pois que, não tendo o Requerente imputado ao ato suspendendo tal vício, sobre o Tribunal não recaía o dever de o apreciar, em termos tais que tal falta de apreciação correspondesse a uma nulidade da sentença por omissão de pronúncia.
Acresce que, igualmente, não padece a sentença da nulidade por omissão de pronúncia quanto à não apreciação dos demais requisitos de procedência da providência cautelar, a saber o periculum in mora e a ponderação de interesses.
De facto, impõe-se recordar que os requisitos de adoção de providência cautelar prescritos nos n.ºs 1 e 2 do art.º 120.º do CPTA são de verificação cumulativa, de tal forma que basta a não verificação de qualquer deles para que a providência seja julgada improcedente sem necessidade de analisar os outros, ou seja, a não verificação de um desses requisitos significa que fica prejudicada a apreciação dos demais (art.º 608.º, n.º 2 do CPC).
Na sentença recorrida disso deu expressamente conta o tribunal a quo, adiantando que, “[n]estes termos, e sem necessidade de mais considerações, tendo presente a summario cognitio, próprias da lide cautelar, se conclui não estar verificado o pressuposto do fumus boni iuris, o que tem como consequência a improcedência da requerida providência, que será indeferida, pois, sendo de carácter e conhecimento cumulativo os pressupostos de que depende a adoção de medidas cautelares ao abrigo do regime jurídico ínsito no artigo 120º do CPTA, a falta do preenchimento de um dos pressupostos prejudica o conhecimento dos demais, determinando per si, o indeferimento da providência cautelar requerida”.
Ou seja, pronunciou-se expressamente sobre o periculum in mora e a ponderação de interesses, simplesmente entendendo que a sua apreciação se mostrava prejudicada face ao não preenchimento do requisito do fumus boni iuris. Assim, não ocorre nulidade por omissão de pronúncia quando na sentença expressamente se apontam as razões pelas quais se não conhecem das questões tidas por não apreciadas: tal abstenção poderá integrar erro de julgamento mas não aquela nulidade, ou seja, se nesse juízo o tribunal a quo errou, do que se trata é de erro de julgamento, mas já não de omissão de pronúncia.
Em conclusão, haverá que se dar por não verificada a nulidade da sentença por omissão de pronúncia.
3. Do erro de julgamento de direito
O Recorrente imputa o erro de julgamento à sentença recorrida sustentando que (i) o ato suspendendo é nulo por falta de fundamentação, na medida em que “apenas tomou conhecimento que seria o Regulamento de Gestão das Praias Marítimas e do Domínio Hídrico a prever a demolição com a contestação do Recorrido, omissão de fundamentação que o privou de exercer cabalmente o seu direito de defesa, quer em sede de procedimento cautelar, quer em sede de impugnação do ato, mormente através da impugnação do referido Regulamento, nos termos do artigo 147.º do CPA, ou da impugnação contenciosa, prevista nos artigos 72.º a 77.º do CPTA” e, consequentemente, “a omissão do Regulamento de Gestão das Praias Marítimas e do Domínio Hídrico na fundamentação da Deliberação subjudice, viola o dever de fundamentação, viola o direito de defesa do Recorrente, viola os artigos 3º, 4º, 11º e artigo 151º, n.º 1, d), 152º, n.º 1, a) 153º, n.º1 e 2 todos do CPA” e que (ii) a demolição afigura-se desproporcional, por desnecessária, razão pela qual se verifica o requisito do fumus boni iuris a que se refere o artigo 120.º, n.º 1, do CPTA e a sentença viola os artigos 6.º, 7.º, 8.º e 10.º do CPA e 266.º, da CRP,
Em primeiro lugar, dá-se nota que é no requerimento inicial que o requerente deve “[e]specificar, de forma articulada, os fundamentos do pedido” [al. g) do n.º 3 do art.º 114.º do CPTA], o que, em sede cautelar, significa que é no requerimento inicial que devem ser alegados os fundamentos que consubstanciam o preenchimento dos requisitos de adoção da tutela cautelar previstos no art.º 120.º, n.º 1 e 2 do CPTA, incluindo o da aparência do bom direito (fumus boni iuris).
Como vimos no ponto supra (IV.2.), no requerimento inicial o Recorrente não imputou ao ato suspendendo o vício de falta de fundamentação (formal), designadamente por do mesmo não constar como fundamento legal o disposto no Regulamento de Gestão das Praias Marítimas e do Domínio Hídrico, mas apenas suscitou a falta de notificação, o erro nos pressupostos e a violação do princípio da proporcionalidade.
Assim, a invocação deste novo vício, consubstancia-se numa questão nova, não apreciada nos autos, enquanto integrante do pressuposto do fumus boni iuris.
Ora, os recursos, naturalmente e como é entendimento pacífico e consolidado na doutrina e na jurisprudência, têm por objeto a reapreciação de decisões anteriores - visando anulá-las ou alterá-las com fundamento em vício de forma (nulidade) ou de fundo (erro de julgamento) - e não a decisão de questões que não foram anteriormente suscitadas, ou seja, esta questão (alegação deste novo vício) está subtraída do conhecimento deste tribunal de recurso, pois além de não ser de não ter sido alegada em 1ª instância, também a entidade requerida não deu o acordo ao seu conhecimento (cfr. art. 264º, do CPC de 2013), não integrando o objeto da sentença recorrida e, consequentemente, o objeto do recurso [neste sentido, Jorge Augusto Pais do Amaral, Direito Processual Civil, 11ª Edição, 2014, pág. 420 ,João de Castro Mendes, Direito Processual Civil, Recursos e Acção Executiva, III Vol., págs. 29 e 32, Ac. do STA de 27.4.2016, proferido no proc. n.º 288/15, Acs. do STJ de 14.5.2015, proc. n.º 2428/09.1 TTLSB.L1.S1 e 7.7.2016, proc. n.º 156/12.0 TTCSC.L1.S1 e Ac. do TCA Sul de 22.9.2016, proc. n.º 13594/16].
Daí que, naturalmente, não pode este Tribunal de recurso apreciar um novo fundamento integrante do fumus boni iuris que, porque não invocado no requerimento inicial, não foi apreciado pelo Tribunal a quo.
Sem prejuízo, é certo que o Recorrente alega que apenas terá tomado conhecimento de que o ato suspendendo encontra fundamento no Regulamento de Gestão das Praias Marítimas e do Domínio Hídrico, na Planta de Praia n.º 23, do Anexo IV, referente aos Planos de Intervenção nas Zonas Balneares, que prevê a demolição da construção onde funciona o apoio de praia explorado pelo Recorrente, na sequência da oposição do Requerido.
Contudo, além de tal não se mostrar acertado - já que o ato suspendendo se funda exatamente no POC-ACE - Plano de Ordenamento da Orla Costeira Alcobaça/Cabo Espichel, aprovado pela Resolução do Conselho de Ministros n.° 66/2019, de 11 de abril [facto 15., ponto k)], o qual integra o Regulamento do POC-ACE e os seus Anexos I e IV (invocados nos pontos 39 a 45 da oposição) e, nesse sentido, não poderia o Requerente desconhecê-lo -, tal alegação não configura o vício de falta de fundamentação do ato, posto que os atos administrativos não são fundamentados a posteriori, antes sendo a sua fundamentação integrante e contemporânea ao ato.
Na realidade, o que estaria, eventualmente, em causa, seria a alegação pelo Requerido, em sede de oposição, de um facto impeditivo do direito do Requerente, ou seja, uma exceção peremptória, relativamente à qual sempre assistia ao Requerido o direito ao contraditório ao abrigo do art.º 3.º, n.º 3 do CPC ou, extensivamente, pelo art.º 85.º-A, n.º 1 do CPTA. Se o Tribunal não o notificou para o efeito, poderíamos estar perante uma nulidade processual a ser invocada nos termos do art.º 195.º e ss. do CPC – o que o Requerente não fez -, mas não perante um erro de julgamento.
Sucede que nem sequer é esse o caso, pois que a invocação pelo Requerido de tal previsão do Regulamento do POC-ACE, mais não consubstancia do que a defesa por impugnação, no sentido da demonstração da verificação do não preenchimento do pressuposto do fumus boni iuris.
À luz do exposto, estando em causa uma questão nova não apreciada pela sentença recorrida, não pode este Tribunal sobre a mesma emitir pronúncia.
No que respeita ao erro de julgamento quanto à não verificação da violação do princípio da proporcionalidade, como dá nota a sentença recorrida, “[o] Requerente, embora alegue que a decisão em causa viola o princípio da proporcionalidade, não invoca quaisquer factos que concretizem essa violação.
Alega que o ato proferido pelo Diretor Municipal de Apoio à Gestão, em 15 de junho de 2023, lhe concedeu o prazo de 5 (cinco) dias úteis para proceder à remoção/demolição do seu estabelecimento de restauração. Sucede que o pedido deduzido nos autos não se refere a esse ato, mas apenas à suspensão de eficácia Deliberação n.º 443/2023.”.
Também aqui neste recurso o Recorrente limita-se a, nas conclusões 26 a 31, concluir que a demolição se afigura desproporcional e daí extrair que a sentença recorrida não dá cumprimento ao disposto nos artigos 6.º, 7.º, 8.º e 10.º do CPA e 266.º da CRP. Contudo, nada consubstancia, designadamente que permita considerar que, o Tribunal recorrido errou no julgamento que, a esse respeito, formulou.
Não obstante, é certo que a demolição de obras (ilegais) só deve ser ordenada como última e indeclinável medida sancionatória de ilegalidades cometidas, por força dos princípios da necessidade, adequação e indispensabilidade ou menor ingerência possível, decorrentes do princípio da proporcionalidade, de tal forma que a demolição só pode ter lugar se a autoridade houver previamente concluído pela inviabilidade da legalização das obras, por estas não poderem satisfazer aos requisitos legais e regulamentares aplicáveis. Contudo, verificando-se a impossibilidade de a obra se mostrar conforme ao direito, é o princípio da legalidade a impor a demolição, surgindo esta como um ato vinculado.
O ato suspendendo determinou a demolição das instalações do estabelecimento denominado "P........", na praia de Carcavelos por ocupação abusiva do domínio público marítimo por se verificar que o Requerente/Recorrente não dispõe de título válido para a ocupação da parcela, fundando-se nos artigos 2.°, n.º 2 - que prevê que “[s]em prejuízo da aplicação das penas que no caso couberem e da efectivação da responsabilidade civil do infractor pelos danos causados, uma vez decorrido o prazo fixado pela autoridade competente, esta assegurará a reposição da parcela na situação anterior à ocupação abusiva, podendo para o efeito recorrer à força pública e ordenar a demolição das obras por conta do infractor” - e 34.°, n.° 1 do Decreto-Lei n.° 226-A/2007, de 31 de maio - que dispõe que "com o termo da licença, o titular procede à entrega do respetivo título junto da autoridade competente no prazo de 15 dias e remove, no prazo que lhe for fixado, as instalações desmontáveis, devendo as obras executadas e as instalações fixas serem demolidas"'.
Como resultou da sentença recorrida, sem que o Recorrente lograsse comprovar o erro de julgamento, mostra-se, perfunctoriamente, demonstrada a conformidade do ato suspendendo com o quadro normativo ao qual o mesmo se subsume. Isto é, não se demonstrou, perfunctoriamente, que o ato suspendendo padeça do erro nos pressupostos de facto que o Recorrente lhe imputou, designadamente no que respeita à existência na esfera deste de um título de ocupação válido e da conformidade das instalações com as disposições urbanísticas aplicáveis.
Isto significa que a demolição emerge, por força do disposto naqueles artigos 2.º, n.º 2 e 34.º, n.º 1 do DL 226-A/2007, como um ato vinculado, no sentido de que a reposição da legalidade só com a remoção daquelas instalações é obtida. Neste sentido, porque não estamos no âmbito de atividade discricionária da Administração, naturalmente que não ocorre a violação do princípio da proporcionalidade que atua o âmbito do controlo jurisdicional da atividade discricionária da Administração.
Isto é, não se pode reputar desproporcional o ato de demolição que, à luz do quadro legal aplicável, se apresenta como a única forma de reposição da legalidade e, consequentemente, se integra no domínio da atuação vinculada da Administração.
À luz do exposto, impõe-se concluir que a sentença recorrida não padece, também, do erro de julgamento de direito que lhe foi imputado.
4. Da condenação em custas
Vencido, é o Recorrente condenado nas custas do presente recurso (art.ºs 527.º n.ºs 1 e 2 do CPC, 7.º, n.º 2 e 12.º, n.º 2 do RCP e 189.º, n.º 2, do CPTA).
V. Decisão
Nestes termos, acordam os juízes desembargadores da Subsecção Administrativa Comum, do Tribunal Central Administrativo Sul, em,
a. Negar provimento ao recurso e, em consequência, confirmar a sentença recorrida;
b. Condenar o Recorrente nas custas do presente recurso.
Mara de Magalhães Silveira
Carlos Evêncio Figueiredo Rodrigues de Almada Araújo
Ricardo Ferreira Leite
* (1)Mostram-se inaplicáveis as normas contidas no artigo 6.º, n.º 3, al. d), da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, que se reporta aos direitos do acusado “de interrogar ou fazer interrogar as testemunhas de acusação e obter a convocação e o interrogatório das testemunhas de defesa nas mesmas condições que as testemunhas de acusação”, porquanto não estamos no âmbito de um processo de tipo acusatório, e no artigo 211.º, n.º 2 do CPPT aplicável em sede de processo tributário.
(2)Esclarece-se que o vício a apreciar, enquanto fundamento para o preenchimento do fumus boni iuris, não se confunde com o tipo de invalidade (nulidade ou anulabilidade) que o mesmo gera, pelo que a questão a apreciar não era a nulidade ou anulabilidade do ato. |