Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:5/09.6 BEBJA
Secção:CA
Data do Acordão:11/02/2022
Relator:DORA LUCAS NETO
Descritores:EMPREITADA DE OBRAS PÚBLICAS
DL 59/99, DE 02.03
TRABALHOS A MAIS
SOBRECUSTOS
AÇÃO NÃO CONTESTADA
Sumário:
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:

I. Relatório

C... - Estradas e Construção Civil SA, A., veio interpor recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Beja, de 09.10.2018, que julgou improcedente a ação administrativa comum por si intentada contra o MUNICÍPIO DE ÉVORA, e na qual peticionou a sua condenação no pagamento, a título de responsabilidade contratual, na quantia de €38.677,56, acrescida de juros de mora desde a data da citação até ao efetivo e integral pagamento.

Nas alegações de recurso que apresentou, culminou com as seguintes conclusões – cfr. fls. 381 e ss., ref. SITAF:

«(…) 1- Encontram-se provados por confissão do Réu os seguintes factos:

a) A execução de mais 301,83 m3 de escavação de terras, que a quantidade prevista na Lista de Preços Unitários patenteada pelo Réu, o que aplicando o preço unitário à quantidade final, resulta num valor de 1.207,32 Euros (Artigo 1.2.1 da Lista de Preços Unitários), que é devido à Autora, ora recorrente.

b) A execução de mais 489,57 m3 de movimentação de materiais, que a quantidade prevista na Lista de Preços Unitários patenteada pelo Réu, o que aplicando o preço unitário à quantidade final, resulta num valor de 1.223,93 Euros (Artigo 1.7 da Lista de Preços Unitários)

c) Tratando-se de uma empreitada por série de preços, o seu pagamento apenas depende da respectiva medição, que não foi realizada pela fiscalização, como era seu dever.

d) A formalização contratual desta quantidade superior à prevista, não tem, nem pode ser antecedente da realização do trabalho, pois apenas no final se pode apurar, a quantidade a mais ou a menos, não tendo havido, por tal não ser possível, dada a natureza da empreitada, nenhuma formalização prévia de autorização de execução de tais quantidades. Se não ocorreu posteriormente, isso não depende da Autora, mas do Réu.

2 - Encontra-se igualmente provado, por confissão do Réu, que a Autora, transportou terras e materiais a vazadouro a uma distância de 10 km do local dos trabalhos, quando o Caderno de Encargos indicava 1km, gerando com isso um prejuízo de 30.338,46 Euros.

3 - Este montante corresponde a um sobrecusto, indemnizável nos termos do artigo 196º do RJEOP, não configurando um trabalho a mais, mas sim o mesmo trabalho realizado em condições de maior onerosidade, por conseguinte não lhe sendo aplicável os formalismos do artigo 26.º do RJEOP, invocados na sentença.

4 - Provado igualmente que a Autora procedeu à execução de escavação em rocha não prevista no Caderno de Encargos, que gerou um custo de 4.868,00 Euros.

5 - Provado por confissão que a Autora procedeu ao levantamento de 164,90 m2 de calçada não prevista no Caderno de Encargos, que gerou um custo de 329,80 Euros e que procedeu à execução de 2 caixas de visita não previstas, mas indispensáveis à completa execução da empreitada com um custo de 700,00 Euros.

6 - Não existe evidência nos Autos que estes trabalhos não tenham sido solicitados pelo Réu, pelo que confessada a sua execução, o Réu é devedor do seu pagamento, sem necessidade de outras formalidades.

7 - O Mt Juiz a quo, aplicou incorretamente o direito aos factos provados, pelo que deve a sentença recorrida ser objecto de anulação e substituída por outra que aplicando corretamente o direito aos factos provados, condene o Réu no pagamento das quantias peticionadas, acrescida dos juros de mora à taxa legal desde a data da citação. (…)».

O Recorrido Município de Évora, contra-alegou, tendo concluído nos seguintes termos – cfr. fls. 407 e ss., ref. SITAF:
«(…)
I. Entre a recorrente e recorrida foi celebrado contrato de empreitada, em 21 Junho de 2007 para a execução da empreitada designada por “Urbanização da ...”, a que foi aplicado o regime de série de preços.
II. A Recorrente interpôs uma ação administrativa contra o Município de Évora na qual pedia a sua condenação no pagamento da quantia de 38.667,56 €, acrescida dos juros legais, a título de sobrecustos devidos por alegados erros de conceção do projeto e demais elementos patenteados no concurso para construção da empreitada “Urbanização da ...”.
III. Entendeu o douto Tribunal a quo que o valor de 38.249,86 €, peticionado pela Recorrente, atinente a alegados “trabalhos de escavação de materiais não medida”, de “movimentação de materiais” e de “aumento da distância do vazadouro dos materiais a depositar em obra", não é devido.
IV. À recorrente cumpria o ónus de provar a realização desses trabalhos, o que não observou.
V. Entende a Recorrente que o dono de obra não procedeu à medição da totalidade dos trabalhos e que não pagou as referidas quantidades de trabalho.
VI. No entanto esse incumprimento não existiu tendo a recorrida previsto em sede de concurso as condições necessárias para a preparação da obra, tanto no que toca à sua conceção, como à sua execução.
VII. O regime de remuneração aplicável à obra de empreitada era o da “séria de preços"
VIII. Resulta do livro de obra, que a Recorrida não verificou as alegadas quantidades de escavação, aterro, transporte e vazadouro porque a recorrente apenas apresentou essa reclamação quando a empreitada se encontra concluída, pelo que era impossível verificar essas quantidades.
IX. Erros e omissões que só serão atendíveis, do ponto de vista financeiro, se forem reclamados pelo adjudicatário nos prazos estabelecidos no art. 14° do citado Decreto-Lei n° 59/99.
X. A recorrente, ao contrário do que prevê o Programa de Concurso, não apresentou, à data da elaboração da sua proposta, qualquer reclamação ou qualquer pedido de esclarecimento de qualquer dúvida surgida na interpretação das peças patenteadas, certamente por não ter tido qualquer dúvida (não tendo, portanto, nessa altura, solicitado qualquer esclarecimento sobre a expressão “terreno de qualquer natureza”, “distância vazadouro”), e, ao que se sabe, também não terá, durante o prazo do concurso, inspecionado o local da execução da obra, onde poderia ter realizado os reconhecimentos que entendesse por indispensáveis à elaboração da sua proposta, conforme era referido e permitido pelo Caderno de Encargos.
XI. Ora, usando dos mesmos argumentos supra exposto, não pode a recorrente ser condenada no pagamento de sobrecustos por violação do disposto do artigo 37 e 63° n.° 4 do RJEOP.
XII. Mais, não estão apenas em sobrecustos resultantes de aumentos de quantidades, para além dos expostos, a recorrente alega a realização de novos trabalhos, levantamento de calçada e execução de 2 caixas de visita.
XIII. O projeto não era alheio a estas necessidades e o dono de obra informou o empreiteiro de que esses trabalhos se encontravam previstos nos trabalhos de abertura de vala.
XIV. Pelo que, mesmo que se tratasse apenas de quantidade a corrigir ficou demonstrado pelo Tribunal a quo que a recorrida não reconheceu essa quantidade de trabalhos nem os podia ter reconhecido porque a recorrente apresentou a reclamação já a empreitada se encontrava concluída.
XV. Pelo que, não tendo sido reclamados no prazo previsto, e por consequência não foram reconhecidos pelo dono de obra, não podem ser financeiramente atendíveis (…)».

Neste tribunal, o DMMP não emitiu pronúncia.

Colhidos os vistos legais, importa apreciar e decidir.

I. 1. Questões a apreciar e decidir

Delimitado o recurso pelas questões suscitadas pela Recorrente em sede de alegações de recurso e respetivas conclusões, importará apreciar e decidir sobre o pretendido aditamento à matéria de facto, por confessados, atenta a revelia absoluta do R. na ação, dos seguintes factos – cfr. conclusões n.º 1 a 3:

i) A execução de mais 301,83 m3 de escavação de terras, que a quantidade prevista na Lista de Preços Unitários patenteada pelo Réu, o que aplicando o preço unitário à quantidade final, resulta num valor de 1.207,32€ (Artigo 1.2.1 da Lista de Preços Unitários), que é devido à Autora, ora recorrente.

ii) A execução de mais 489,57 m3 de movimentação de materiais, que a quantidade prevista na Lista de Preços Unitários patenteada pelo Réu, o que aplicando o preço unitário à quantidade final, resulta num valor de 1.223,93€ (cfr. artigo 1.7 da Lista de Preços Unitários)

iii) Que a Autora, transportou terras e materiais a vazadouro a uma distância de 10 km do local dos trabalhos, quando o Caderno de Encargos indicava 1km, gerando com isso um prejuízo de 30.338,46€.

Assim como a nulidade da sentença recorrida, por omissão de pronúncia sobre o pedido de pagamento adicional decorrente dos trabalhos de execução de escavação em rocha, não prevista no CE, que gerou um custo de 4.868,00€; do levantamento de 164,90 m2 de calçada, também não prevista no CE e que gerou um custo de 329,80€ e da execução de duas caixas de visita, igualmente não previstas mas indispensáveis à completa execução da empreitada, a que imputa um custo de 700,00€ - cfr. conclusões n.º 4 e 5.

Procedendo a suscitada nulidade, pretende a Recorrente que, conhecendo este tribunal de recurso em substituição, sejam aditados à matéria de facto, os seguintes factos:

i) Que a Autora procedeu à execução de escavação em rocha não prevista no Caderno de Encargos, que gerou um custo de 4.868,00€.

ii) Que a Autora procedeu ao levantamento de 164,90 m2 de calçada não prevista no Caderno de Encargos, que gerou um custo de 329,80€ e, por fim,

iii) Que procedeu também à execução de 2 caixas de visita não previstas, mas indispensáveis à completa execução da empreitada com um custo de 700,00€.

Mais imputa à sentença recorrida, erro de julgamento por ter «aplicado incorretamente o direito aos factos provados», designadamente, quanto à classificação dos trabalhos em apreço.

II. Fundamentação

II.1. De facto

A matéria de facto constante da sentença recorrida é aqui se transcreve ipsis verbis:
«(…)
A) Mediante prévio concurso público, a realização da obra de empreitada da “Urbanização da ...”, em Évora, foi adjudicada à Autora pelo preço de € 90.365,20 (noventa mil, trezentos e sessenta e cinco euros e vinte cêntimos) _ cfr. Documento n.° 1 junto com a petição inicial, constante a fls. 27-54 dos autos;
B) O regime de remuneração aplicável à obra de empreitada da “Urbanização da ...”, em Évora, era o da “série de preços” _ cfr. Cláusula 13a, ponto 5, das “Cláusulas Especiais do respectivo Caderno de Encargos”;
C) Em 21.07.2007, entre a Autora e o Réu, foi outorgado contrato de realização da empreitada da “Urbanização da ...”, em Évora _ cfr., de novo, Documento n.° 1 junto com a petição inicial, constante a fls. 27-54 dos autos;
D) Em 20.08.2007, a Autora (ali adjudicatária) iniciou os trabalhos tendentes à concretização da empreitada da “Urbanização da ...”, em Évora _ cfr. fls. 2452 do processo administrativo;
E) Em 22.04.2008, sob o assunto “Empreitada: Urbanização da ...”, a Autora expôs e requereu junto do Réu como se segue:
“(...) O objecto da empreitada encontrava-se definido nas peças desenhadas e escritas do projecto base, (...), tendo em conta o regime de retribuição do empreiteiro estabelecido no art. 13.5 das Cláusulas Especiais do Caderno de Encargos, isto é, serie de preços.
Fazia parte integrante do objecto da empreitada a execução de trabalhos de movimento de terras os quais incluem as actividades de escavação, carga, transporte a vazadouro, descarga e aterro. A execução destes trabalhos deveria ser remunerado com base na aplicação dos preços unitários, contratualmente fixados, nos vários artigos do mapa de medições, às quantidades de trabalhos efectivamente realizadas pelo Empreiteiro.
Aliás conforme prescreve o n.° 1 do art. 18.° do DL 59/99, de 2 de Março. Tratando-se de um contrato de empreitada por série de preços, as quantidades de trabalhos indicadas no mapa de medições não passavam de uma previsão, sem carácter preciso e absoluto.
(...).
[ora] Constatou-se que, efectivamente, as quantidades de trabalhos previstas no mapa de medições não se afiguravam exactas e, por conseguinte, o Empreiteiro, no âmbito dos trabalhos de movimento de terras, realizou mais quantidades do que as inicialmente previstas no mapa de medições, a saber:
a) Escavação - o Empreiteiro escavou a totalidade de 1363,24 m3 de terras, o que corresponde à soma dos seguintes volumes 449.88 m3 + 900,64 m3 + 12,72 m3, no entanto, só lhe foi pago a escavação de 1061.41 m3 de terras. Assim sendo, deve ser pago ao Empreiteiro a quantia de 1.207,32 € a título de execução de escavação de 301,83 m3, que corresponde à diferença entre o volume efectivamente escavado e o volume pago ao Empreiteiro, considerando o preço unitário de 4,00 € por m3 de escavação.
b) Aterro - o empreiteiro executou aterro com o volume total de 119.36 m3, o que corresponde à soma dos seguintes volumes 61,99 m3 + 57,37 m3. Todavia, o Empreiteiro foi remunerado pela execução de 212,17 m3 de aterro o que corresponde ao valor total de 954,75 €, desta forma ser deduzido a quantia de 417,65 €, que corresponde à remuneração de 92,81 m3 de aterro não executado.
c) Remoção a vazadouro - o Empreiteiro transportou para vazadouro o volume total de 1531,68 m3 de materiais (...), porém o Empreiteiro só foi remunerado pelo transporte de 1042,11 m3 de materiais a vazadouro, em consequência deve ser pago a este a quantia de 1223,93 €, o que corresponde ao
pagamento do transporte de 489,57 m3 de materiais a mais, [de] acordo com preço unitário contratualmente fixado de 2.50 €.
(...).
Face ao supra exposto, conclui-se que os sobrecustos em que o Empreiteiro incorreu durante a execução da obra, todos supra indicados, deveu-se a factos que não lhe são imputáveis, os quais são da responsabilidade do Dono da Obra. Assim sendo, deve este pagar ao Empreiteiro a quantia total de 38.249,86 € (trinta e oito mil, duzentos e quarenta e nove euros e oitenta e seis cêntimos) (...).” _ cfr. fls. 2475 a 2483 do processo administrativo;
F) Em 29.10.2008, sob o assunto “Empreitada: Urbanização da ...” e por referência à exposição mencionada em E), o Presidente da Câmara Municipal de Évora comunicou à Autora que:
“1. Quanto a v/ reclamação atinente às quantidades de escavação, aterro e transporte a vazadouro somos a informar:
Na fase em que a v/ reclamação foi apresentada à nossa Fiscalização, com a empreitada já concluída, era impossível a verificação das quantidades alegadas por V. Exas.. Efectivamente, tal só seria possível através da realização de um levantamento topográfico antes da entrada do empreiteiro na obra (...) em que se verificassem eventuais diferenças no levantamento topográfico que serviu de base ao projecto posto a concurso.
Atente-se que, o levantamento com as quantidades alvo da vossa reclamação foi apresentado em 2008 e a obra encontra-se concluída desde o final de Novembro de 2007.
Nos termos expostos, consideramos que o montante solicitado (...) não é devido.
2. Quanto a v/ solicitação de pagamento de 2 caixas de visita, somos a dizer:
A execução das mesmas foi proposta pelo empreiteiro à Fiscalização de forma a evitar o desmonte do maciço rochoso, criando uma queda de 0,50 metros, [assim] diminuindo a inclinação do troço a montante.
Foi-vos comunicado que o Dono da Obra só aceitaria a solução proposta pelo empreiteiro se daí não resultassem encargos para o Dono da Obra, conforme se pode constatar pela leitura do livro de obra relativo ao dia 21/09/2007.
Entende-se, como sempre foi transmitido ao empreiteiro, que a especificação na lista de preços unitários de “escavação mecânica em terreno de qualquer natureza” é suficiente para cumprir o estipulado no n.° 4 do artigo 63.° do DL. n.° 59/99, que o empreiteiro, ao inscrever na sua proposta, o preço unitário correspondente a essa espécie de trabalhos emitiu uma declaração negociai no sentido de escavar em terreno de qualquer natureza, sendo que terreno de qualquer natureza poderá ser terreno com rocha, pelo que o eventual aumento de encargos decorrente do aparecimento de rocha nos trabalhos de escavação deverá ser única e exclusivamente suportado pelo empreiteiro, pois, é um risco normal do contrato.
Efectivamente, considerando que é obrigação do empreiteiro proceder à escavação e ao desmonte da rocha, por serem trabalhos incluídos na definição de “terreno de qualquer natureza”, o Dono da Obra nunca aprovaria uma solução destinada a facilitar a execução por parte do empreiteiro e da qual resultassem encargos para o Dono da obra. Como tal, e conforme já supra se referiu, foi-vos oportunamente comunicado que o da Obra s6 aceitaria a solução proposta pelo empreiteiro se daí não resultassem encargos para o Dono da Obra.
Consideramos, como tal, que o montante solicitado por (...) não é devido.
3. Quanto aos valores solicitados pelo empreiteiro relativos ao acréscimo da distância do vazadouro, os mesmos, desde logo, não foram aceites pela Fiscalização que, a 21/11/2007 (...) entendeu que o empreiteiro deveria rever os valores apresentados (que, a 21/11/2007, conforme se constata por esse livro, apresentou um acréscimo de 10 €/m3 e que na exposição de 17/04/2008 vem apresentar um acréscimo de 18 €/m3).
Não aceitamos os vossos valores e entendemos que o acréscimo a considerar deve ser de 6,05 €/m3.
4. Quanto a v/ reclamação relativa ao desmonte de rocha, somos a informar:
Desde o início da obra que foi comunicado ao empreiteiro a posição do Dono da Obra quanto ao previsto no projecto no que diz respeito à expressão “terreno de qualquer natureza”, pelo que nos-dispensamos aqui de a voltar a repetir essa posição.
Refira-se ainda que o empreiteiro, ao contrário do que prevê o Programa de Concurso, não apresentou, à data da elaboração da sua proposta, qualquer reclamação ou qualquer pedido de esclarecimento de qualquer dúvida surgida na interpretação das peças patenteadas, certamente por não ter tido qualquer dúvida (não tendo, portanto, nessa altura, solicitado qualquer esclarecimento sobre a expressão “terreno de qualquer natureza”), e, ao que se saiba, também não terá, durante o prazo do concurso, inspeccionado o local da execução da obra, onde poderia ter realizado os reconhecimentos que entendesse por indispensáveis à elaboração da sua proposta, conforme era referido e permitido pelo Caderno de Encargos.
Consideramos, assim, que o montante solicitado (...) não é devido.
5. Quanto a v/ reclamação relativa ao levantamento e transporte de calçada levantada na Rua A somos a dizer:
Conforme consta de fls. 35 do livro de obras, a 14/11/2007, a Fiscalização informou o empreiteiro que o preço por ele apresentado para o levantamento da calçada na Rua A não tinha sido solicitado, pois conforme tinha sido comunicado ao empreiteiro, considera-se o levantamento da calçada incluído na abertura de vala.
O empreiteiro foi oportunamente informado que deveria proceder à abertura de vala e proceder ao depósito dessa primeira escavação (terra + cubos) dos lados da vala, junto do edifício e as restantes tetras deveriam ser colocadas no outro lado da vala.
Não foi efectuado nenhum transporte de calçada pelo empreiteiro. A calçada da zona adjacente ao Teatro Garcia de Resende foi retirada por uma equipa da Câmara Municipal de Évora, tendo a mesma equipa recolhido os que se encontravam junto do edifício da Cerca de S. Domingos, resultado dessa primeira escavação (terra+ cubos).
Consideramos, pelo exposto, que o montante solicitado (...) não é devido.
Em conclusão, pelo exposto, não se defere a v/ pretensão, sendo que se considera devido tão só o pagamento de um acréscimo de 6,05 €/m3 pelos trabalhos a que se refere o ponto 3. do presente ofício (...).” _ cfr. fls. 2451 a 2474 do processo administrativo;
G) Em 05.01.2009, foi intentada a presente acção administrativa comum cfr. fls. 1 dos autos;
*
FACTOS NÃO PROVADOS
Com interesse para a decisão da causa, não se julgam provados os seguintes factos:
A) Que o Réu não incluiu, no objecto do concurso público tendente à outorga do contrato de empreitada da “Urbanização da ...”, o “estudo geológico e geotécnico” do local de implantação daquela _ cfr. artigo 342.°, n.° 1, do Código Civil;
B) Que, a título de sobrecustos com a realização da empreitada da “Urbanização da ...”, a Autora teve os seguintes encargos: € 1.207,31 por “escavação de materiais não medida”; € 1.223,93 por “movimentação de materiais” e, ainda, € 30.338,46 “pelo aumento da distância do vazadouro dos materiais a depositar da obra” _ cfr. artigo 342.°, n.° 1, do Código Civil;
*
MOTIVAÇÃO DA DECISÃO DE FACTO
Como se sabe, a revelia pode ser absoluta ou relativa. A revelia é absoluta quando o réu não pratica qualquer acto na acção pendente; é relativa se o réu não contesta, mas prática em juízo qualquer outro acto processual, designadamente a constituição de mandatário judicial. Acresce que, a revelia (seja a relativa ou a absoluta), pode ser operante ou inoperante. É operante quando produz efeitos quanto à composição da acção; é inoperante quando esses efeitos não se realizam, isto é, quando a falta de contestação nada implica quanto à decisão da causa.
Assim, dispõe o n.° 1 do artigo 567° do Código de Processo Civil (CPC) aqui aplicável ex vi artigos 1.° e 35.°, n.° 1, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, sob a epígrafe “Efeitos da revelia”, que: “1. Se o réu não contestar, tendo sido ou devendo considerar-se citado regularmente na sua própria pessoa ou tendo juntado procuração a mandatário judicial no prazo da contestação, consideram-se confessados os factos articulados pelo autor.”.
Ademais, importa ter presente que a lei processual estabelece uma cominação semi-plena e não um efeito cominatório pleno. Isto é, não há “(...) uma incontornável e fatal condenação imediata no pedido como consequência da revelia operante (...)” (J.P. Remédio Marques, in “Acção Declarativa à Luz do Código Revisto”, 3." edição, 2011, pp. 502). Na verdade, a parte final do n.° 2, do artigo 567.° do CPC, estabelece que “(...) e em seguida é proferida sentença, julgando a causa conforme for de direito”.
Assim, o tribunal irá “julgar a causa conforme for de direito”, o que significa que os factos reconhecidos por falta de contestação tanto podem determinar a procedência da acção, total ou parcial, como podem conduzir à absolvição do Réu da instância (maxime, com base na verificação de excepções dilatórias de que o tribunal tenha conhecimento oficioso) ou do pedido.
Quer dizer, considerarem-se os factos alegados pelo(a) Autor(a) como confessados não determina que o desfecho da lide seja, necessariamente, aquele que o demandante pretende, na medida em que o juiz deve, depois, julgar a causa aplicando o direito aos factos admitidos (no que se denomina, jus- processualmente, como o "efeito cominatório semi-pleno da revelia operante". A este respeito, vide, J. Lebre de Freitas, Montalvão Machado e Rui Pinto, in "Código de Processo Civil Anotado", II volume, páginas 266-267).
Ora, aqui chegados e no caso vertente, o tribunal fundou a sua convicção - atento o supra aflorado "efeito cominatório semi-pleno da revelia operante" na matéria alegada pela Autora no respectivo articulado e na prova documental carreada para os autos, aqui se incluindo o processo administrativo apenso, tudo conforme referido em cada uma das alíneas do probatório. (…)».

Adita-se à matéria de facto supra, ao abrigo do disposto no art. 662.º, n.º 1, do CPC, ex vi art. 140.º do CPTA, os seguintes factos provados:
H) Nas peças do procedimento a localização do vazadouro estaria a 1Km de distância do local dos trabalhos – cfr. Pasta 1 do PA, fls. 74 e ss., em particular, fls. 89 e 90; admitido por acordo;
I) Na realidade, o vazadouro municipal estava a 10 Km de distância do local dos trabalhos – cfr. Pasta 6 do PA, fls. 2461-2462 e fls. 2470 – Livro de Obra, fls. 36; admitido por acordo;
J) A A. solicitou um acréscimo em 10€ no preço unitário previsto – de 2.50 € por m3 - para o transporte de terras para o vazadouro, propondo um preço unitário em 12,50€ por m3 – admitido por acordo;
K) O R., através da sua Fiscalização, não concordou com o preço proposto – admitido por acordo;

II.2. De direito

Sobre o requerido aditamento de factos à matéria de facto provada, para além dos que resultam já da decisão proferida supra, e que melhor explicitaremos infra, e do correspondente erro de julgamento de direito por errónea aplicação do direito aos factos, importa atentar, antes de mais, sobre a natureza dos trabalhos cujo pagamento é peticionado nos presentes autos.

Entende a Recorrente que os trabalhos de:
a) Escavação - o Empreiteiro escavou a totalidade de 1363,24 m3 de terras, o que corresponde à soma dos seguintes volumes 449.88 m3 + 900,64 m3 + 12,72 m3, no entanto, só lhe foi pago a escavação de 1061.41 m3 de terras. Assim sendo, deve ser pago ao Empreiteiro a quantia de 1.207,32 € a título de execução de escavação de 301,83 m3, que corresponde à diferença entre o volume efectivamente escavado e o volume pago ao Empreiteiro, considerando o preço unitário de 4,00 € por m3 de escavação.
b) Aterro - o empreiteiro executou aterro com o volume total de 119.36 m3, o que corresponde à soma dos seguintes volumes 61,99 m3 + 57,37 m3. Todavia, o Empreiteiro foi remunerado pela execução de 212,17 m3 de aterro o que corresponde ao valor total de 954,75 €, desta forma ser deduzido a quantia de 417,65 €, que corresponde à remuneração de 92,81 m3 de aterro não executado.
c) Remoção a vazadouro - o Empreiteiro transportou para vazadouro o volume total de 1531,68 m3 de materiais (...), porém o Empreiteiro só foi remunerado pelo transporte de 1042,11 m3 de materiais a vazadouro, em consequência deve ser pago a este a quantia de 1223,93 €, o que corresponde ao
pagamento do transporte de 489,57 m3 de materiais a mais, [de] acordo com preço unitário contratualmente fixado de 2.50 €. – cfr. alínea E) da matéria de facto provada – não são trabalhos a mais, mas sim, sobrecustos, carecendo de sentido a exigência que o tribunal a quo lhe impõe de observar ónus previsto no art. 26.º do RJEOP(1) Decreto- Lei n.º 59/99, de 02.03, com as alterações decorrentes do Decreto-Lei n.º 245/2003, de 07.10..

Porém, concatenando o que resulta da descrição dos trabalhos transcritos nas alíneas que antecedem, e da previsão do citado art. 26.º do RJEOP, dúvidas não há que referidos trabalhos se enquadram na previsão de «trabalhos (…) cuja (…) quantidade não [haja] sido previst[a] ou incluíd[a] no contrato», pois que a Recorrente pretende ser paga pelo diferencial entre as quantidades previstas nas peças do procedimento e as quantidades resultantes da medição dos trabalhos executados, ali apresentada e reclamada, por si, na qualidade de empreiteira.

Ora, do citado art. 26.º RJEOP resulta, como tal, que no âmbito deste tipo de trabalhos, que excedem, em espécie e/ou quantidade, os trabalhos contratualizados, deveria ter sido seguido, mesmo no caso de uma empreitada por série de preços, pois que a norma não distingue, o procedimento que onerava a Recorrente com a necessária e prévia «ordem escrita que impusesse a execução de trabalhos a mais, e constituindo tal ordem elemento essencial para que se pudesse reclamar o respetivo pagamento», como se aduz na decisão recorrida, que, nesta parte, se deverá manter, improcedendo as conclusões de recurso n.º 1, alíneas a) e b).

Neste sentido, v. acórdão deste Tribunal Central Administrativo Sul, de 25.09.2014, P.04630/08, no qual se sumariou «(…) 1. A empreitada de obras públicas por série de preços – artº 8º nº 1 b) RJEOP/99 – é uma modalidade em que a remuneração do empreiteiro resulta da aplicação de preços unitários previstos no contrato para cada espécie de trabalho a realizar às quantidades de trabalhos realmente executados (artº 18º) o que, para a determinação do respectivo preço, implica operações de medição das quantidades de trabalhos executados em cada uma das espécies previstas.

2. Na empreitada por série de preços a realização de quantidades de trabalhos não incluídas no contrato tem lugar no quadro da figura dos trabalhos a mais e deve ser ordenada pelo dono da obra – vd. artºs. 8º nº 1 b), 18º e 26º nº 1 a) e b) e nº 2 RJEOP/99.».

Diferente conclusão, porém, se alcança relativamente à natureza do pedido que tem subjacente a distância do vazadouro dos materiais a depositar da obra, pois que o que aqui é peticionado é uma majoração do valor unitário previsto para tais trabalhos, em razão do aumento da distância entre o local dos trabalhos e o vazadouro.

Vejamos em que termos.

Resulta da matéria de facto provada pelo tribunal a quo que, e designadamente, na sequência de exposição da Recorrente, datada de 22.04.2008 – alínea E) da matéria de facto – e da resposta do Recorrido, a 29.10.2008 – cfr. alínea F) da matéria de facto – mas também das peças processuais e dos documentos que constam do PA – melhor identificados na matéria de facto constante das alíneas H) a J) da matéria de facto supra - que A., ora Recorrente, transportou as terras e os materiais previstos ao vazadouro, trabalho este que estava previsto, mas o vazadouro, ao invés de estar localizado a 1km do local dos trabalhos – conforme resultava das peças do procedimento -, se localizava, na realidade, a 10km, gerando com isso – com a diferença de 9km de distância - o invocado prejuízo que a Recorrente calcula ser de 30.338,46€.

A Recorrente diz que chega a este valor porque majorou o valor unitário de 2,50€ previsto nas peças do procedimento para o transporte de terras a 1km entre o local dos trabalhos e o vazadouro, para um valor unitário de 12,50€ para o transporte de terras em 10km entre aqueles locais.

Ora, face a todo o exposto, este montante corresponde a um sobrecusto e não a um trabalho a mais. Pois que o transporte de terras estava previsto e foi executado para as quantidades previstas. O que se alterou foi a distância, que passou de 1 km para 10km, entre o local dos trabalhos e o vazadouro, conforme se veio a revelar e foi aceite por ambas as partes - desde logo em sede de procedimento, mas também nos autos -, residindo a discordância entre ambas, apenas, no valor a pagar por esta diferença de 9km – cfr. factos aditados à matéria de facto e que constam das alíneas H) a J) da matéria de facto supra.

Ora, não configurando um trabalho a mais, porque previsto na sua integralidade no CE, mas que foi realizado em condições de maior onerosidade, maior onerosidade esta que, no caso, redunda num acréscimos de 9km na distância entre a obra e o vazadouro, não lhe são aplicáveis nem o ónus e nem a formalidade prevista no citado art. 26.º do RJEOP, mas sim o disposto no art. 196º do RJEOP, razão pela qual, nesta parte, não se poderá manter a decisão recorrida, procedendo, quanto a esta questão, o recurso interposto pela A. – cfr. conclusões n.º 2 e 3.

Alega ainda a Recorrente que o tribunal a quo não se pronunciou sobre a execução de escavação em rocha, não prevista no CE, que gerou um custo de 4.868,00€, sobre o levantamento de 164,90 m2 de calçada, também não prevista no CE e que gerou um custo de 329,80€, assim como não se pronunciou sobre a execução de duas caixas de visita, igualmente não previstas mas indispensáveis à completa execução da empreitada, a que imputa um custo de 700,00€ - cfr. conclusões n.º 4 e 5.

E com razão, pois que foi omitida a devida pronúncia pelo tribunal a quo sobre estas questões, o que determina a nulidade da sentença recorrida, ao abrigo da alínea d) do n.º 1 do art. 615.º do CPC, ex vi art. 140.º. do CPTA, pois que o juiz deixou de se pronunciar sobre questões que devia apreciar, submetidas que foram, pela A., ora Recorrente, à apreciação do tribunal - cfr. n.º 2 do art. 608.º do CPC.

Procedendo o recurso relativamente à condenação do R. na majoração do preço unitário previsto para o transporte de terras ao vazadouro, decorrente da maior distância entre este e o local dos trabalhos, e declarada a nulidade da sentença recorrida por omissão de pronúncia, cumpre decidir – cfr. art. 149.º, n.ºs 1 e 3, do CPTA.

Atenta a matéria de facto provada – cfr. factos constantes das alíneas E) e F), H a J), resulta que o empreiteiro, aqui A. e Recorrente, e o R., aqui Recorrido, concordam que nas peças do procedimento o vazadouro estaria localizado a 1Km de distância do local dos trabalhos, quando, na verdade, estava a 10 Km.

Tendo solicitado a A., ora Recorrente, um acréscimo de 10€ no preço unitário previsto – de 2.50€ por m3 -, que corresponde, no total, a uma majoração em cinco vezes o referido preço unitário, perfazendo um preço unitário em 12,50€ por m3.

Mais resulta dos autos que a Fiscalização do dono da obra, ora Recorrido, apenas não concordou com o preço proposto, embora aceitasse uma majoração do preço unitário previsto para este trabalho, mas que se devia ficar pelos 6.50€m3.

Ora, do exposto resulta que a discordância entre A. e R. reside, assim e apenas, no valor deste sobrecusto, pelo que pode ser dirimida por decisão jurisdicional.

E, assim, não tendo a R. contestado a ação, não pode, em sede de alegações, vir contrapor o que oportunamente não fez. Neste sentido v. acórdão, de 02.05.2019, do Tribunal da Relação de Évora, P. 3897/17.1T8LLE.E1, no qual se sumariou o seguinte:

«(…) II - A falta absoluta de intervenção nos autos por parte da ré regularmente citada, por não se verificar nenhum dos casos previstos no artigo 568.º do CPC, fê-la incorrer na situação de revelia absoluta operante, com as consequências previstas nos artigos 566.º e 567.º, n.º 1, do CPC quanto ao denominado regime-regra, ou seja, a confissão dos factos articulados pelos autores.
(…)

IV - Na realidade, não pode o recurso servir para que a Apelante alegue por esta via, aquilo que não alegou oportunamente no prazo de apresentação da respectiva contestação, pois o momento de dedução da sua defesa, na vertente de facto, há muito se esgotou, precludindo o decurso do prazo para o efeito a possibilidade de impugnação do julgamento de facto, salvo se tiver havido violação de meio de prova tarifada.»

Neste pressuposto, e não configurando o valor apresentado pela A., ora Recorrente, claramente excessivo, ou abusivo, pois que, e tal como resulta da justificação apresentada pelo mesmo, a distância considerada no CE aumentou 10 vezes e o sobrecusto apresentado apenas 5 vezes, condena-se o R. a pagar à A., ora Recorrente, o preço unitário de 12,50€ pelo transporte de terras ao vazadouro, tal como fora peticionado – cfr. art. 30.º da petição inicial.

Atentemos agora no pedido de condenação no pagamento dos seguintes valores, sobre os quais a sentença recorrida não se pronunciou e que este tribunal de recurso conhecerá em substituição – cfr. art. 149.º, do CPTA:

a) de 4.868,00€ pela execução de escavação em rocha – cfr. constante do artigo 41.º da petição inicial;

b) de 329,80€, de levantamento de calçada – cfr. artigo 43.º da petição inicial; e

c) de 700,00€, de execução de caixas de visita – cfr. artigo 47.º da petição inicial,

Entende a Recorrente que se encontram confessados, face à falta de contestação do R., ora Recorrido, e que sobre as quais não foi desenvolvida qualquer questão de direito que obste à condenação no seu pagamento.

Entende o Recorrido, por seu turno que sobre a execução da escavação em rocha, que procedeu ao pagamento dessa quantia no decurso da ação, conforme documento n.° 1 que juntou aos autos – cfr. artigo 13.º deste articulado - e que, o levantamento da calçada e execução das caixas de visita enquadrados que foram pela Recorrente como novos trabalhos, tais não poderiam ser pagos, pois que extemporaneamente reclamados.

Comecemos, pois, por estes últimos.

Decorre do pedido formulado nos autos o que o levantamento de 164,90 m2 de calçada, foi um trabalho não previsto no CE e, bem assim, a invocada execução de 2 caixas de visita, não previstas, mas indispensáveis à completa execução da empreitada” – cfr. supra referidos artigos da petição inicial e conclusão n.º 5 do recurso apresentado pela A.

Perante o que, a natureza destes trabalhos relega-os para a supra enunciada e explicitada categoria de trabalhos a mais, desta feita, na vertente de trabalhos de espécie diferente, cujo procedimento e ónus que recaia sobre a A., não foi cumprido – cfr. art. 26.º e 27.º do RJEOP, o que impede que a sua deverosidade seja reconhecida em tribunal, mesmo no caso de ação não contestada, pois que «(…) tratando-se de um efeito cominatório semi-pleno, a falta de contestação não determina inelutavelmente a procedência da acção, cabendo ao juiz aquilatar seguidamente se dos factos alegados e declarados confessados decorre ou não a consequência jurídica pretendida» - cfr. acórdão TRE já citado e, bem assim, no acórdão do TRL, de 28.09.2021, P. 1336/20.0T8FNC.L1-7, e no qual se sumariou, por seu turno que «(…) 3. No art. 567.º, n.º 2, do C.P.C., está consagrado o efeito do cominatório semipleno, segundo o qual, apesar de os factos alegados pelo autor se considerarem admitidos, o juiz fica liberto para julgar a ação materialmente procedente, mas também para se abster de conhecer do mérito da causa e absolver o réu da instância quando verifique a falta insanável de pressupostos processuais, para julgar a ação apenas parcialmente procedente quando, por exemplo, o autor tiver formulado dois pedidos, sendo um deles manifestamente infundado, para a julgar totalmente improcedente se dos factos admitidos não puder resultar o efeito jurídico pretendido, e até para reduzir aos justos limites determinada indemnização peticionada (art. 566.º, n.º 2, do Cód. Civil)

Relativamente à quantia que recai sobre o pedido dos valores gastos em execução da escavação em rocha, embora o Recorrido alegue que já foi paga essa quantia, tal facto é contrariado pelos documentos juntos pela A., em requerimento que deu entrada a 05.02.2014 e respetivos documentos nº 1 e 2, atenta a diferença de valores – 4.868,00€ pela execução de escavação em rocha – cfr. constante do artigo 41.º da PI – e de 4.979,93€ a que corresponde, quer o cheque junto aos autos pelo Recorrido no referido documento n.º 1, quer as faturas recibos juntos aos autos pela Recorrente – cfr. fls. 210 e ss., ref. SITAF – o que induz a que efetivamente, de diferentes despesas se trate.

Em todo o caso, tal é irrelevante para a decisão em apreço, pois que, à semelhança do que sucede com as anteriores despesas reclamadas, invocado a A., ora Recorrente que o trabalho em causa não estava previsto no CE – cfr. artigos 36.º e ss. da petição inicial – ao mesmo se aplica, igualmente, o regime dos trabalhos a mais, pois que, como vimos, integra a categoria de trabalhos de espécie diferente, ao abrigo do já citado art. 26.º do RJEOP, pois que o n.º 2 deste artigo impõe com carácter de obrigatoriedade, a execução de trabalhos a mais por parte do empreiteiro desde que lhe sejam ordenados por escrito pelo dono da obra (e, nesse pressuposto, o fiscal da obra lhes forneça os planos, os desenhos, perfis, mapa da natureza e volume dos trabalhos e demais elementos técnicos indispensáveis para a sua perfeita execução e para a realização das medições).

Por outro lado, o art. 27.º definia as condições em que poderiam ser executados trabalhos a mais de espécie diversa dos que constavam no contrato. O procedimento para execução de trabalhos a mais de espécie diversa dos que constavam no contrato começava pela apresentação por parte do empreiteiro de uma lista de preços novos, no prazo de quinze dias a contar da data de receção da ordem de execução de trabalhos.

Nestes termos, e face a todo o exposto, carece a A., ora Recorrente, de razão, ao peticionar o pagamento desta quantia em tribunal, mesmo no caso de ação não contestada, pois que a revelia do R., in casu, operante, tem apenas um efeito cominatório semi-pleno que não se pode sobrepor ao que resulta dos efeitos de um procedimento legalmente fixado, como é o caso, no RJEOP.

Isso mesmo resulta da jurisprudência dos tribunais superiores, designadamente, do já citado acórdão deste Tribunal Central Administrativo Sul, de 25.03.2014, P. 04630/08, de cuja fundamentação consta, designadamente, o seguinte: «Seguindo a doutrina especializada, a empreitada de obras públicas por série de preços – artº 8º nº 1 b) RJEOP/99 – é uma modalidade em que a “(..) remuneração do empreiteiro resulta da aplicação de preços unitários previstos no contrato para cada espécie de trabalho a realizar às quantidades de trabalhos realmente executados, como diz o artº 18º. Esta modalidade de empreitada implica, pois, para a determinação do respectivo preço, operações de medição das quantidades de trabalhos executados em cada uma das espécies previstas. Assim, há, para esse fim, dois elementos essenciais: as espécies de trabalho a executar (aterro, desaterro, demolições, parede, pintura, etc) e os preços unitários previstos para cada uma dessas espécies de trabalho; como há uma lista de preços para cada uma dessas espécies de trabalhos, diz-se que há séries de preços; porque o preço final só é conhecido após a conclusão da obra através do produto da aplicação dessas séries de preços às quantidades de trabalhos cuja execução se verifica pela sua medição, também se chama a este tipo de empreitada por medição.

Assim, porque no caderno de encargos e na lista de trabalhos, apenas constam os trabalhos que previsivelmente, se têm por necessários, só a final de pode verificar se e em que medida essa previsão foi confirmada pela realidade. (..)” (2)

Embora o Código dos Contratos Públicos não preveja a empreitada por série de preços, continua, evidentemente, a prever a medição, entendendo-se por tal “(..) É a operação que, durante a execução de um contrato de empreitada de obras públicas, periodicamente tem lugar, destinada a verificar quais as quantidades de trabalhos de cada uma das espécies, previstas ou não no respectivo mapa de trabalhos, foram efectivamente realizadas em determinado período de tempo. (..) é feita com referência ao mapa das quantidades de trabalhos (..)”. (3)[ Idem: Jorge Andrade da Silva, Dicionário dos contratos públicos, Almedina/2010, pág. 282.]

Na empreitada por série de preços, a circunstância de o valor da empreitada à data da adjudicação e, portanto, decorrente do procedimento pré-contratual, ser meramente indicador por não serem conhecidas as quantidades e espécies de trabalhos que vão ser realmente necessários, não significa que “(..) o dono da obra conceda uma espécie de cheque em branco ao empreiteiro quanto às quantidades de trabalho a realizar. Pelo contrário, nos termos do artº 26º do RJEOP/99, a realização de quantidades de trabalhos não incluídas no contrato há-de ter lugar no quadro da figura dos trabalhos a mais e deve ser ordenada pelo dono da obra. (..)” (4)

A estreita conexão entre a empreitada por série de preços e a figura dos trabalhos a mais é, como tal, evidente, assumindo as operações de medição um papel determinante para aferir da quantidade de trabalho realizado na respectiva espécie que sobreleve a quantidade inicialmente estimada no caderno de encargos. (…)».

Sobre as medições dos trabalhos, importará dizer ainda, pois que a Recorrente insiste em fazer correr o risco pela sua falta apenas pelo dono da obra, que, relativamente à respetiva oportunidade, dispunha o RJOEP, no art. 202.º, inserido no TÍTULO V, referentes a «Pagamentos», CAPÍTULO I, sobre «Pagamento por medição», dispunha-se, sob a epígrafe «Periodicidade e formalidades da medição», que:

«1 - Sempre que deva proceder-se à medição dos trabalhos efectuados, realizar-se-á esta mensalmente, salvo estipulação em contrário.

2 - As medições devem ser feitas no local da obra com a assistência do empreiteiro ou seu representante e delas se lavrará auto, assinado pelos intervenientes, no qual estes poderão fazer exarar tudo o que reputarem conveniente, bem como a colheita de amostras de quaisquer materiais ou produtos de escavação.

3 - Os métodos e critérios a adoptar para realização das medições serão obrigatoriamente estabelecidos no caderno de encargos e, em caso de alterações, os novos critérios de medição, que porventura se tornem necessários, devem ser desde logo definidos.

4 - Se o dono da obra não proceder tempestivamente à medição dos trabalhos efectuados, aplicar-se-á o disposto no artigo 208.º» (sublinhados nossos).

Artigo 208.º este que, por seu turno, e sob a epígrafe «Situações provisórias», dispunha o seguinte:

«(…) 1 - Quando a distância, o difícil acesso ou a multiplicidade das frentes, a própria natureza dos trabalhos ou outras circunstâncias impossibilitarem eventualmente a realização da medição mensal e, bem assim, quando a fiscalização, por qualquer motivo, deixe de fazê-la, o empreiteiro apresentará, até ao fim do mês seguinte, um mapa das quantidades dos trabalhos efectuados no mês anterior, com os documentos respectivos.

2 - Apresentado o mapa e visado pela fiscalização só para o efeito de comprovar a verificação de alguma das condições que nos termos do número anterior justifiquem o procedimento, será considerado como situação provisória de trabalhos e proceder-se-á como se de situação de trabalhos se tratasse.

3 - O visto a que se refere o número anterior deverá ser produzido no prazo de cinco dias, decorridos os quais o mapa se considerará visado para todos os efeitos.

4 - A exactidão das quantidades inscritas nos mapas será verificada no primeiro auto de medição que se efectuar, com base no qual se procederá às rectificações a que houver lugar.» (negritos e sublinhados nossos).

Neste pressuposto, é evidente que, pese embora as medições dos trabalhos sejam da responsabilidade do dono da obra, a verdade é que o empreiteiro, perante a omissão das operações de medição devidas, tinha à sua disposição um remédio ao qual deveria ter recorrido, nos termos das citadas disposições conjugadas dos art.s 202.º e 208.º do RJEOP.

Porém, no caso dos autos, o que resulta é que a A., ora Recorrente, não recorreu ao remédio legal previsto no RJEOP, de onde decorre a impossibilidade de, por via da presente ação, mesmo que não contestada, ultrapassar a inevitabilidade de, no caso dos autos, os trabalhos realizados não terem sido medidos de acordo com o que resultava do regime legal aplicável à execução dos mesmos, com a consequência de não poderem ser agora reconhecidos por via judicial, após a obra estar concluída, como é o caso.

E isto porque não tendo sido seguido o procedimento legal previsto para o efeito, a possibilidade de o dono da obra poder agora, em sede de processo judicial, mesmo que tivesse contestado a ação, corrigir ou contrapor valores de medição apresentados pelo empreiteiro, não é possível.

A dupla função, ou valência, da medição do trabalho, a função verificadora e a função financeira, caracterizando-se a primeira por conferir segurança e certeza jurídica à realização dos trabalhos no período sob medição (5) e, a segunda, por via de que os documentos necessários à liquidação e pagamentos dos trabalhos serem preparados com base nas medições.(6), assim o determina.

Ou seja, mesmo nos casos em que a medição não ocorre – por qualquer motivo – o legislador não prescindiu da necessidade de, em momento posterior, tal medição se formalizar em auto, pois que, como vimos, quando a medição não se faça, o empreiteiro assume a obrigação de apresentar, até ao fim do mês seguinte, um mapa de quantidades dos trabalhos efetuados no mês em causa, juntamente com os documentos respetivos, assumindo este uma natureza de situação de trabalhos provisória. (7)

Tendo faltado, nos presentes autos, uma oportuna medição dos trabalhos, quer pelo dono da obra, quer pelo recurso ao remédio previsto no art. 208.º, ex vi art. 202.º, do RJEOP, pelo empreiteiro, tal impede que este tribunal possa concluir, sem mais, como pretende a Recorrente, que os trabalhos em causa tenham sido, de facto, executados.

Nestes termos, e por todos os fundamentos expostos, o recurso jurisdicional em apreço apenas podes proceder parcialmente.

III. Decisão

Acordam os juízes da secção do contencioso administrativo deste Tribunal Central Administrativo Sul em conceder parcial provimento ao recurso e, consequentemente:

a) condenar o R., ora Recorrido, a pagar à A., ora Recorrente, pelo valor unitário de 12,50€ (doze euros e cinquenta cêntimos) o transporte de terras para o vazadouro, tal como foi peticionado nos autos;

b) à quantia referida na alínea que antecede, deverá acrescer o pagamento de juros, à taxa legal, desde a data de citação e até efetivo e integral pagamento;

b) julgar improcedente, em substituição do tribunal a quo, o pedido de condenação do R. no pagamento adicional decorrente dos trabalhos de execução de escavação em rocha, do levantamento de 164,90 m2 de calçada e sobre a execução de duas caixas de visita.

Custas pela Recorrente e pelo Recorrido, na proporção do decaimento que se fixa em 15% e 85%, respetivamente.

Lisboa, 02.11.2022

Dora Lucas Neto

Pedro Nuno Figueiredo

Ana Cristina Lameira

(1) Decreto- lei n.º 59/99, de 02.03, com as alterações decorrentes do decreto-lei n.º 245/2003, de 07.10.
(2) Nota de rodapé no texto original: Jorge Andrade da Silva, Regime Jurídico das Empreitadas de Obras Públicas, 8ª ed. Almedina/2003, págs. 53/54.
(3) Idem: Jorge Andrade da Silva, Dicionário dos contratos públicos, Almedina/2010, pág. 282.
(4) Idem: Freitas do Amaral e Rui Medeiros, Obras Públicas – do pagamento do prémio pela conclusão antecipada da empreitada – ed./2001 - Azeredo Perdição Advogados, pág. 60.
(5) Tendo presente que a medição dos trabalhos não inclui um juízo de quanto à sua boa execução, mas apenas que estes foram, de facto, executados
(6) Sobre a Medição e pagamento nas empreitadas de obras públicas, v. DAVID COELHO, in RDA, número especial, agosto 2022, cuja doutrina, embora por referência ao CCP, tem inteira aplicação nos seus traços gerais.
(7) Sobre este aspeto, embora se referindo também ao regime do CCP mas que é inteiramente replicável ao regime que decorria dos citados art.s 202.º e 208.º, do RJEOP, v. Diogo Macedo Graça, Empreitadas de Obras Públicas: a importância da formalização do auto, in RDA, número especial, agosto 2022.