Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
Processo: | 764/19.8BELSB |
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Secção: | CA |
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Data do Acordão: | 04/16/2020 |
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Relator: | PEDRO MARCHÃO MARQUES |
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Descritores: | PRÉ-CONTRATUAL; FORMALIDADES ESSENCIAIS; FORMALIDADES NÃO ESSENCIAIS; ERRO; RECTIFICAÇÃO |
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Sumário: | i) Não são essenciais as formalidades que, embora preteridas, não tenham impedido a consecução do objectivo ou finalidade prevista pela lei ao exigi-las. ii) De acordo com a teoria das formalidades relativamente essenciais, a inobservância de formalidades legais ou regulamentares pelo candidato a um concurso público só implica a exclusão da respetiva proposta quando a lei estabeleça tal sanção ou se não puder, no caso concreto, dar-se como assegurados os interesses ou valores que a formalidade preterida visava tutelar. iii) Tendo a Autora entregue a Declaração a que se reporta o artigo 57.º, nº 1, al. a), do CCP, fazendo-o porém por referência à versão anterior do Decreto-Lei n.º 111-B/2017, e mais resultando provado que, ainda em sede de audiência prévia, fez juntar ao procedimento a Declaração rectificada, não pode ser a sua proposta excluída com fundamento na falta de apresentação dessa Declaração. |
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Votação: | UNANIMIDADE |
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Aditamento: | ![]() |
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Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:
I. Relatório S..., SA. (Recorrente), interpôs recurso jurisdicional da sentença de 25.09.2019 do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa que julgou procedente a acção administrativa de contencioso pré-contratual intentada pela C..., Lda. contra o Centro Hospitalar de Lisboa Ocidental com vista a sindicar o procedimento pré-contratual “ Concessão de Exploração de Máquinas Automáticas de Distribuição de Bebidas e Snacks, no Centro Hospitalar de Lisboa Ocidental”, obtendo a anulação da decisão de exclusão da proposta da impugnante e do acto de adjudicação, bem como a condenação da adjudicação da referida concessão à A. dos autos. As alegações de recurso que apresentou culminam com as seguintes conclusões: 1.ª No entender da ora Recorrente, a douta decisão recorrida padece de erro de julgamento, tendo aplicado incorretamente o direito aos factos que considerou provados. 2.ª Não andou bem o Tribunal a quo ao considerar que o vício constante da proposta da Recorrida correspondia a uma mera irregularidade formal não essencial, sendo, como tal, suprível ao abrigo do disposto no artigo 72.º n.º 3 do CCP. 3.ª Como resulta da alínea b) dos factos dados como provados, a Recorrida apresentou a declaração de compromisso em desconformidade com o Anexo 1 do CCP, não observando o disposto na alínea a) do artigo 57.º n.º 1 do daquele código e o disposto no artigo 6.º, n.º 1 do Programa do Procedimento. 4.ª Com efeito, no Anexo 1 da sua proposta a Recorrida omitiu a sua vinculação, entre autos, aos aspetos fundamentais constantes das alíneas j), k) e 1) do artigo 55.º n.º 1 do CCP. 5.ª Ao contrário do que se sustenta na douta decisão recorrida, não estão em causa meras irregularidades formais não essenciais, suscetíveis de correção ao abrigo do disposto no artigo 72.º, n.º 3 do CCP. 6.ª Ainda que não esteja prevista no artigo 70.º n.º 2 do CCP, tal causa de exclusão encontra-se prevista no artigo 146.º n.º 2, alínea d) do CCP - conjugada com o disposto nó artigo 57.º n.º 1, alínea a) do CCP. 7.ª No procedimento sub judice, a exclusão da proposta pelo motivo em apreço consta ainda de norma regulamentar expressamente prevista no Programa do Procedimento - cfr. artigo 6.º, n.º 1, do qual decorre que os concorrentes estavam obrigados a instruir as suas propostas, sob pena de exclusão, com todos os documentos ali elencados nomeadamente, com “a) Declaração de aceitação do conteúdo do caderno de encargos a que se refere a alínea a) do n.º 1 do artigo 57.º do Código dos Contratos Públicos (CCP), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 18/2018, de 29 de janeiro, na sua versão atual, com observância das formalidades previstas, conforme o caso, nos n.ºs 4 ou 5 do mesmo artigo"; (sublinhado nosso) 8.ª O entendimento vertido a este respeito na douta sentença recorrida violou, pois, o disposto nos artigos 146.º n.º 2, alínea d) do CCP e, bem assim, o disposto no artigo 6.º, n.º 1 do Programa do Procedimento em apreço. 9.ª Diferentemente do que se sustenta na douta decisão recorrida, os vícios da declaração Anexo 1 do CCP constante da proposta da Recorrida correspondem a uma falta essencial, pois estão em causa declarações de garantia fundamentais, referentes às alíneas j), k) e 1) do artigo 55.º n.º 1do CCP, na redação conferida pelo Decreto-Lei n.º 111-B/2017, de 31 de agosto. 10.ª Tais declarações de vinculação não são despiciendas nem podiam ser dispensadas, sendo a sua falta determinante de exclusão ao abrigo das normas legais e da norma regulamentar acima citada. 11.ª Ao determinar a exclusão prevista naquela norma legal, o legislador considerou essencial a irregularidade em causa, isto é, a falta de apresentação do Anexo 1 do CCP em conformidade com o legalmente exigido. 12.ª Não podiam, como tal, as omissões constantes da Anexo 1 da proposta da Recorrida ser supridas por via do mecanismo previsto no artigo 72.º n.º 3 do CCP. 13.ª A declaração de aceitação do conteúdo do caderno de encargos visa conferir segurança jurídica na manifestação da vontade de contratar por parte dos concorrentes, mas também garantir que no procedimento pré-contratual não participam entidades abrangidas pelas situações de impedimento previstas no artigo 55.º do CCP. 14.ª Esta formalidade é essencial pois que, caso contrário, admitir-se-ia a participação em procedimentos de concorrentes que não preenchessem os requisitos legais, permitindo o suprimento de tais declarações já na fase de apreciação do mérito das propostas, com toda a insegurança jurídica daí decorrente. 15.ª O disposto no artigo 72.º n.º 3 do CCP não tem, portanto, a virtualidade de afastar a aplicação de normas de exclusão relativas ao não cumprimento de formalidades essenciais (como são as relativas à declaração de compromisso a que se reporta o Anexo 1 do CCP), nem de afastar a aplicação de normas de exclusão específicas do próprio procedimento, constantes do seu regulamento, aprovado pela entidade adjudicante. 16.ª Ao contrário do que se consta da fundamentação da decisão recorrida, as omissões constantes do Anexo 1 da proposta da Recorrida não constituem qualquer suposto erro manifesto de escrita, suprível ao abrigo do disposto nos artigos 249.º do Código Civil e 72.º, n.º 4 do CCP. 17.ª Trata-se da omissão de diversas declarações relativas a aspetos essenciais da declaração Anexo 1 que o legislador fez constar do respetivo modelo do CCP em vigor, na transposição das normas comunitárias contidas, desde logo, na Diretiva 2014/24/UE. 18.ª Tal invocado "erro material" não se revela por si, no contexto da proposta da Recorrida e das circunstâncias em que a mesma foi apresentada. 19.ª Tivessem ou não "estruturas jurídicas altamente especializadas em contratação pública", sejam ou não empresas de "máquinas vending" (como a elas se reporta a decisão recorrida), os concorrentes não estavam dispensados de apresentar a declaração Anexo 1 em conformidade com a redação em vigor, como expressamente constava do Programa do Procedimento. 20.ª Não se compreende, nem se aceita, assim, a referência constante da douta sentença recorrida de que estaria em causa um suposto erro “desculpável”. 21.ª Muito menos se entende ou aceita o argumento da proximidade entre a data da entrada em vigor da nova redação do CCP (1 de janeiro de 2018) e a data do procedimento em apreço, quando este foi lançado já em 12 de dezembro de 2018, isto é, quase um ano depois da entrada em vigor da nova redação do Anexo 1 do CCP - cfr. alínea a) dos factos provados. 22 .ª Ao considerar admissível, com base em erro material (“desculpável”), a retificação da declaração Anexo 1 apresentada pela Recorrida, a douta decisão a quo violou o disposto nos artigos 249.º do CC e 72.º, n.º 4 do CCP e, bem assim, o próprio princípio da imutabilidade propostas, o qual proíbe retificações que não sejam consentidas pelo disposto na lei, em especial, no artigo 72.º do CCP.
A C..., LDA. contra-alegou, expendeu o seguinte quadro conclusivo: I. In casu, não está em causa a falta de um documento exigido no artigo 57º do CCP mas do lapso de atualização verificado no n.º 4 do Anexo I que não está em conformidade com a versão atual da minuta; II. Ainda que assim não fosse, a causa de exclusão é a existência do impedimento e não a falta de apresentação da declaração; III. Tratou-se, em qualquer circunstância, de um erro manifesto em que o concorrente apresentou uma versão anterior da “minuta” de declaração relativa ao Anexo I, o que corresponde a um erro de escrita e não a uma omissão intencional com o intuito de se furtar a declarar a existência de impedimentos legais; IV. Interpretação em sentido contrário, viola os princípios da proporcionalidade e do aproveitamento do procedimento que enformam o direito administrativo e, em especial, as normas de contratação pública; V. Perante uma preterição de uma formalidade não essencial, competia ao Júri, nos termos do n.º 3 do artigo 72.º, notificar a ora Autora para retificar a declaração, o que não foi feito; VI. A retificação de um erro humano de submissão de uma minuta desatualizada não colide com a igualdade entre concorrentes; VII. Pelo contrário, a retificação vai reforçar o interesse público subjacente de encontrar o melhor preço para o serviço a contratar e que, no caso, foi apresentado pela Autora; VIII. Concretiza-se assim, de forma expressa, a prevalência do princípio de aproveitamento dos atos, proporcionalidade e razoabilidade; IX. Não merece, em conclusão, qualquer censura a decisão objeto do presente recurso, em obediência à letra da lei e aos princípios que enforma o CCP, conforme doutrina e jurisprudência maioritárias amplamente citadas. • Neste Tribunal Central Administrativo, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto, foi notificado nos termos e para os efeitos do n.º 1 do artigo 146.º do CPTA, não tendo emitido pronúncia. • Com dispensa dos vistos legais, vem o processo submetido à conferência desta Secção do Contencioso Administrativo para decisão. • I. 1. Questões a apreciar e decidir: As questões suscitadas pelo Recorrente, delimitadas pelas alegações de recurso e respectivas conclusões, traduzem-se em saber: - Se a decisão recorrida errou ao ter concluído que os vícios da declaração constante da proposta da C..., LDA., ora Recorrida, não correspondem a uma falta essencial, pois estavam em causa declarações de garantia fundamentais; e assim, - Se a decisão recorrida errou ao ter anulado o acto impugnado, consubstanciado na decisão de exclusão da proposta da Autora e de adjudicação à proposta apresentada pela S..., S.A. • II. Fundamentação II.1. De facto É a seguinte a decisão sobre a matéria de facto proferida pelo Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, a qual se reproduz ipsis verbis: a) Através de procedimento publicado na plataforma electrónica Vortal, e publicação de Anúncio na II Série do Diário da República, de 12 de dezembro de 2018, o Centro Hospitalar de Lisboa Ocidental. E.P.E (CHLO), na qualidade de entidade adjudicante, iniciou um procedimento por concurso público, tendo em vista a ¯Concessão de Exploração de Máquinas Automáticas de Distribuição de Bebidas e Snacks, no Centro Hospitalar de Lisboa Ocidental‖ (cfr. Doc. n.º 1 e n.º2 junto aos autos com a PI, e cfr. PA); b) A autora, no âmbito do procedimento a que se reporta a alínea anterior do probatório, submeteu uma proposta, juntando Anexo 1, com o seguinte teor (cfr. PA – 3 junto aos autos com a Contestação, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido); «IMAGEM NO ORIGINAL»
c) A 04/02/2019, foi elaborado pelo júri do concurso Relatório Preliminar, do qual resulta que a aqui autora foi ordenada, em 1.º lugar (cfr. doc. 3, junto aos autos com a PI, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido); d) Em sede de audiência prévia, a concorrente S..., S.A apresentou pronúncia, na qual pugna pela exclusão da aqui autora, por não apresentação da Declaração de Compromisso correspondente ao Anexo I, nos termos da alínea a) do n.º1 do artigo 57.º do CCP, alterado pelo Decreto-Lei n.º111-B/2017, de 31 de Agosto. (cfr. PA n.º4 - junto aos autos com a Contestação, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido); e) Após elaboração de novo relatório, no qual o júri do procedimento acolheu o entendimento a que se reporta a alínea anterior do probatório, a aqui autora, em sede de audiência prévia, apresentou pronúncia, na qual pugna pela não exclusão da proposta apresentada, juntando nova minuta, devidamente actualizada, bem como pela manutenção das conclusões do relatório preliminar e consequente adjudicação (cfr. PA - 5, junto aos autos com a Contestação); f) A 18/03/2019, pelo júri do procedimento foi elaborado Relatório Final, no qual pode ler-se, entre o mais e no que aqui interessa, o seguinte (cfr. PA-5, junto aos autos com a contestação, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido): «IMAGEM NO ORIGINAL»
«IMAGEM NO ORIGINAL» g) A 27/03/2019, foi proferido o acto de adjudicação à S..., com base no relatório final a que se reporta a alínea anterior do probatório (cfr. PA -5, junto aos autos com a contestação; h) A 16/04/2019, entre a entidade adjudicante, CHLO e a S..., foi celebrado o contrato de concessão de exploração de Máquinas Automáticas de Distribuição de Bebidas e Snacks, no Centro Hospitalar de Lisboa Ocidental, E.P.E (cfr. PA – 5, junto aos autos com a contestação); Os factos provados assentam na análise crítica dos documentos juntos aos autos e processo administrativo, conforme se indica em cada alínea do probatório. Inexistem factos não provados, com interesse para a decisão da causa. • II.2. De direito No presente processo a Autora, C..., LDA., impugnou a decisão de exclusão do procedimento pré-contratual de “Concessão de Exploração de Máquinas Automáticas de Distribuição de Bebidas e Snacks, no Centro Hospitalar de Lisboa Ocidental”, tendo invocado para tanto que, ao contrário do decidido pelo júri, havia apresentado proposta que cumpria pontualmente as exigências do procedimento, pois que, ainda que numa primeira fase, tenha enviado o Anexo 1, na versão anterior à implementada com o Decreto-Lei n.º 111-B/2017, veio depois apresentar, em sede de audiência prévia, a declaração rectificada. Mais defendeu que se o júri tinha dúvidas, a deveria ter notificado para rectificar tal erro, que no caso era manifesto. Para dar procedência à acção, o tribunal a quo exarou a seguinte motivação: “Determina o artigo 57.º, n.º1, alínea a), do Código dos Contratos Públicos, na versão que aqui interessa, em concreto a que lhe foi dada pelo DL n.º111-B/2017, que, “[a] proposta é constituída[...pela] Declaração do anexo i ao presente Código, do qual faz parte integrante”. O anexo i do referido, no seu n.º4, contempla a seguinte menção ¯ Mais declara, sob compromisso de honra, que não se encontra em nenhuma das situações previstas no n.º 1 do artigo 55.º do Código dos Contratos Públicos”. Ora, o artigo 55.º do Código dos Contratos Públicos, veio, à semelhança do que já fazia, catalogar de forma mais exaustiva e actualizar os impedimentos (ou ¯motivos de exclusão‖ utilizando a expressão prevista nas directivas europeias – cfr. artigo 57.º da directiva 2014/24/UE), situações essas que, uma vez verificadas, impedem as entidades, quer singulares, quer colectivas, de participarem em procedimentos de adjudicação e/ou de celebrarem o contrato. Essa mesma verificação encontra-se confiada às entidades adjudicantes [e não a qualquer outro ente] a tarefa de identificar os impedimentos à participação dos concorrentes, o que implica a formulação de um juízo quanto a atributos e qualidades pessoais (intersujectivas) do concorrente que não se prendem com nenhum requisito quanto à habilitação profissional. Naturalmente que a matéria em causa, conforme resulta em grande medida das demais temáticas da contratação pública, é fortemente influenciada pelas directivas europeias, embora o regime nacional não seja inteiramente coincidente com aquele, porquanto, desde logo, a directiva 2014/24/EU, de 26 de Fevereiro de 2014, relativa aos contratos público e que revoga a directiva 2004/18/CE, distingue entre motivos de exclusão obrigatória [previstos no artigo 57.º, n.º 1] e motivos de exclusão facultativa [previstos genericamente no artigo 57.º, n.º 4], enquanto o legislador nacional eleva todos os impedimentos previstos no artigo 55.º do CCP como obrigatórios [não tem o órgão adjudicante a possibilidade de não excluir a proposta sempre que se verifique uma das situações previstas no n.º 1 do artigo 55.º], salvo [e sem prejuízo] se houver relevação do impedimento, nos termos do artigo 55.º-A do CCP. Posto isto, e regressando aos autos, a questão fundamental é saber se a não apresentação da declaração prevista no anexo 1, relacionada com o referido artigo 55.º do CCP, é ou não causa de exclusão da proposta, e a resposta é manifestamente negativa. Entenda-se, antes de mais que, nos termos da alínea a), do n.º2, do artigo 70.º, do CCP, ¯ São excluídas as propostas cuja análise revele […] [q]ue não apresentam algum dos atributos ou algum dos termos ou condições, nos termos, respetivamente, do disposto nas alíneas b) e c) do n.º 1 do artigo 57.º”, não contemplando como causa de exclusão a alínea a), do n.º1 do artigo 57.º do CCP. Por outro lado, é causa de exclusão a verificação de um impedimento, e não a falta de apresentação da declaração da inexistência daqueles impedimentos, sendo certo que, não sendo um documento relacionado com os atributos da proposta ou aspectos relacionados com a execução do contrato, a sua falta constitui um mera irregularidade não essencial, e bem assim passível de sanação, inclusivamente, até à celebração do contrato, designadamente na fase do entrega dos documentos de habilitação, momento aliás, no qual os adjudicatários concretizam a entrega dos comprovativos relacionados com os impedimentos, conforme resulta da alínea b) do n.º1 do artigo 81.º do CCP. Como bem evidencia Miguel Assis Raimundo ¯A este propósito, e […] talvez nos recordemos do número de acções judiciais relacionadas com a declaração do Anexo I ao CCP, quando o DL 149/2012 alterou a redacção dessa declaração e alguns concorrentes continuavam a utilizar a declaração antiga. Era um lapso que obviamente não tinha qualquer relevância material, porque a declaração alterada apenas actualizava a identificação de alguns diplomas legais e acrescentava, numa das alíneas [correspondente ao artigo 55º/j) do CCP], uma precisão que já resultava da discussão doutrinal (designadamente a partir da publicação do artigo de Margarida Olazabal Cabral sobre esse tema na RCP). Pois não só alguns defenderam convictamente que esse lapso irrelevante era causa de exclusão de propostas, como essa magna questão até chegou aos tribunais superiores. É uma boa manifestação de como litígios que nunca deveriam existir inundam os tribunais, com prejuízo geral para a justiça. Esta não é a única causa do atraso da justiça, mas é uma delas‖ (cfr. o referido autor in https://contratospublicos.net/2017/05/02/1362/#comments) Para mais, regressando aos autos, verifica-se que a autora entregou a declaração que se reporta o artigo 55.º, simplesmente fê-lo por reporte à versão anterior do DL n.º111-B/2017, mais resultando provado que, ainda em sede de audiência prévia, fez juntar ao procedimento a declaração rectificada. Ora, como bem defende a autora, tal concretizou-se num erro material na minuta em uso, sendo este um erro desculpável face à data da entrada em vigor da nova versão e a data do procedimento do concurso, sendo certo que não faz qualquer espécie de sentido que empresas da natureza das que aqui estão em causa – “máquinas de vending” - sejam dotadas de estruturas jurídicas altamente especializadas em contratação pública, por forma a que nos concursos públicos a que concorrem, sejam apresentadas propostas sem qualquer mácula, falha, erro ou imprecisão, designadamente um anexo de declaração de inexistência de impedimentos que apenas foi entregue numa versão anterior, mas que especificava os impedimentos em causa, por comparação à minuta da nova versão que contempla apenas um referência genérica de inexistência de impedimentos, não obstante a nova catalogação de impedimentos existente. Não pode deixar-se de trazer à colação a já conhecida teoria da degradação das formalidades essenciais em não essenciais ou da sua irrelevância, sendo que esta teoria assenta no pressuposto de que as finalidades que presidem à formalidade em causa, não obstante o seu desrespeito, se apresentam satisfeitas, por o fim pela qual a mesma foi instituído se mostrar inteiramente cumprido. Assim, não são essenciais as formalidades que, embora preteridas, não tenham impedido a consecução do objectivo ou finalidade prevista pela lei ao exigi-las (cfr. a teoria das formalidades não essenciais, entre outros na doutrina, cfr. Mário Esteves de Oliveira, ¯Direito Administrativo‖, 1980, pág. 460, Mário Esteves de Oliveira, Pedro Gonçalves e Pacheco de Amorim, ¯Código do Procedimento Administrativo Anotado, 2ª ed., pág. 658 e Paulo Otero, ¯Legalidade e Administração Pública‖, pág. 967 e segs). A doutrina acabada de expor aplica-se ao regime legal da contratação pública, já que os procedimentos de formação de contratos, previstos e regulados pelo Código dos Contratos Públicos, obedecem ao princípio do formalismo. Significa tal princípio que “(…) a entidade adjudicante deve conduzir o procedimento de acordo com os trâmites e formalidades previstas na lei e no programa aprovado, sob pena de fazer incorrer os atos procedimentais, nomeadamente o ato de adjudicação, numa ilegalidade invalidante.” – cfr. Mário Esteves de Oliveira e Rodrigo Esteves de Oliveira, ¯Concursos e Outros Procedimentos de Contratação Pública‖, Almedina, 2011, pág. 236. Neste sentido se pronunciou o Acórdão do TCAS, no seu acórdão de 15/09/2011, proc. nº 07808/11, segundo o qual “De acordo com a teoria das formalidades relativamente essenciais, a inobservância de formalidades legais ou regulamentares pelo candidato a um concurso público só implica a exclusão da respetiva proposta quando a lei estabeleça tal sanção ou se não puder, no caso concreto, dar-se como assegurados os interesses ou valores que a formalidade preterida visava tutelar”. E também neste sentido, e considerando as indicações que têm vindo da jurisprudência europeia, é seguro afirmar que os vícios formais, designadamente os que não sejam essenciais podem, ou melhor dito, devem ser objecto de correcção ou sanação, o que é uma manifestação dos princípios da proporcionalidade e da concorrência, tendo como limite o princípio da igualdade de tratamento (cfr neste sentido, na jurisprudência do TJ, os acórdãos Antwerpse Bouwerken, T-195/08; Manova, C-336/12; Cartiera dell’Adda, C-42/13, cujo nº 45 distingue claramente os erros meramente formais dos demais; e o acórdão Pippo Pizzo, C-27/15). Ora, considerando que a autora, ainda durante a fase de audiência prévia, rectificou a versão da declaração exigida nos termos do programa do concurso, não podia o júri excluir a proposta da concorrente, tal como fez, num exercício de “formalismo excessivo”, sem cuidar de compreender o próprio instituto de esclarecimentos e suprimentos de propostas e candidaturas, previsto no artigo 72.º, do CCP, designadamente o seu n.º3, que constitui o júri no poder-dever de solicitar aos candidatos e concorrentes que, no prazo máximo de cinco dias, procedam ao suprimento das irregularidades das suas propostas e candidaturas causadas por preterição de formalidades não essenciais e que careçam de suprimento, incluindo a apresentação de documentos que se limitem a comprovar factos ou qualidades anteriores à data de apresentação da proposta ou candidatura, e desde que tal suprimento não afete a concorrência e a igualdade de tratamento. Sendo certo que nos encontramos perante uma formalidade não essencial, sempre se dirá que o excessivo crivo de análise do júri no procedimento sub judice afastou uma proposta que havia ficado em primeiro lugar, sendo a exclusão da proposta da aqui autora, é violadora do princípio da proporcionalidade, bem como do interesse público, padecendo do desvalor jurídico de anulabilidade, nos termos do artigo 163.º do CPA, padecendo o acto de adjudicação e respectivo contrato de invalidade derivada, nos termos do n.º2 do artigo 283.º do CCP, por violação do disposto no artigo 146.º, n.º 1, al. d) do CCP”. Entende a Recorrente que o tribunal a quo incorreu em erro de julgamento de direito, pois que, como resulta da alínea b) dos factos dados como provados, a Recorrida apresentou a declaração de compromisso em desconformidade com o Anexo 1 do CCP, não observando o disposto na alínea a) do artigo 57.º n.º 1 do daquele código e o disposto no artigo 6.º, n.º 1 do Programa do Procedimento. Ou seja, segundo alega, no anexo 1 da sua proposta a Recorrida omitiu a sua vinculação, entre outros, aos aspetos fundamentais constantes das alíneas j), k) e 1) do artigo 55.º n.º 1 do CCP. Mas não lhe assiste razão. O Anexo I referido no art. 57.º, n.º 1, al. a), do CCP (na redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 111-B/201), por referência ao 55.º do CCP, contempla no seu n.º 4 a seguinte menção: “Mais declara, sob compromisso de honra, que não se encontra em nenhuma das situações previstas no n.º 1 do artigo 55.º do Código dos Contratos Públicos”. No caso, verifica-se que a ora Recorrida entregou a declaração a que se reporta aquele artigo 55.º; porém, fê-lo por reporte à versão anterior do Decreto-Lei n.º 111-B/2017. Mais resultando provado que, em sede de audiência prévia, fez juntar ao procedimento a declaração rectificada. A questão está em que o anexo de declaração de inexistência de impedimentos, como evidenciado na sentença recorrida, apenas foi entregue numa versão anterior redação dada pelo Decreto-Lei n.º 111-B/2017, mas que especificava os impedimentos em causa, por comparação à minuta da nova versão que contempla apenas uma referência genérica de inexistência de impedimentos. Não se pode afirmar que a Declaração prevista no Anexo I não foi entregue, não estando em causa a falta de um documento da proposta. O que ocorre é que o documento apresentado foi-o com deficiências formais e materiais suscetíveis estas de suprimento/rectificação. Em matéria de exclusão de propostas ou candidaturas (ou concorrentes) relevam os arts. 70º, 132º, 146º, nº 2, e 184º, n.º 2, do CCP (na redacção aqui aplicável e à data vigente). O artigo 146.º. n.º 2, al. d) invocado pelo Júri determina que, no relatório preliminar, o Júri deve propor fundamentadamente a exclusão das propostas: “d) Que não sejam constituídas por todos os documentos exigidos no termos do n.º 1 do artigo 57.º.” Ora, como já se disse, não está em causa a falta da apresentação de um documento exigido no artigo 57.º do CCP, concretamente a Declaração de aceitação do conteúdo do caderno de encargos, elaborada em conformidade com o modelo constante do anexo I ao CCP e ao Programa do Concurso, mas sim a apresentação da dita Declaração fê-lo por reporte à versão anterior do Decreto-Lei n.º 111-B/2017. Como já se concluiu neste TCAS no ac. de 2.02.2016, proc. nº 13205/16, e por referência a declaração relativa à situação tributária de um concorrente, “[a] falta de declaração pelo concorrente de que cumpriu as suas obrigações fiscais é susceptível de ser suprida em sede de pedido de esclarecimentos, nos termos do artigo 72º do CCP”. Escreveu-se nesse aresto, ao que aqui releva, por ser transponível para o caso presente: “(…) não está em causa a falta de um documento exigido no artigo 57º do CCP, concretamente a declaração de aceitação do conteúdo do caderno de encargos, elaborada em conformidade com o modelo constante do anexo I ao CCP e ao Programa do Concurso; do que se trata, isso sim, é que a G..... omitiu na declaração que apresentou a menção, obrigatória, de que tem a sua situação regularizada relativamente a impostos. Deste modo, forçoso é concluir que não se verifica a causa de exclusão (da proposta) prevista no artigo 146º, n.º 2, al. d) do CCP, na medida em que a G..... apresentou todos os documentos exigidos, incluindo a declaração a que se refere a al. a) do n.º 1 do artigo 57º do mesmo diploma. Mas será que, como pretende a recorrente, a deficiência (omissão) verificada no Anexo I da proposta da G..... deverá ser equiparada à falta de apresentação do mesmo? Entendemos que não. Note-se que, a omissão que se verifica em tal documento não contende, nem coloca em crise, a firmeza e a clareza do compromisso assumido pela G..... com referência à obrigação de executar o contrato em conformidade com o conteúdo do caderno de encargos e nos termos previstos nos documentos que junta, à aceitação, sem reservas, de todas as suas cláusulas, e à renúncia a foro especial e submissão ao disposto na lei portuguesa aplicável. Mais uma vez se realça que está apenas em causa a omissão, por parte da G....., da declaração de que a sua situação tributária está regularizada. Ora, essa é uma informação absolutamente objectiva, e conhecida à data do termo do prazo de apresentação das propostas, pelo que a sua prestação em momento posterior e em sede de pedido de esclarecimentos por parte do júri em nada belisca o teor da proposta em si mesma considerada e, por isso, o princípio da intangibilidade da mesma. Afigura-se-nos mesmo manifestamente desproporcionada a decisão de excluir imediatamente a proposta, sem que fosse dada à G..... a oportunidade de corrigir/suprir a omissão. E o certo é que a possibilidade de pedir esclarecimentos numa situação como a dos autos encontra amparo no artigo 72º do CCP, o qual dispõe: “1 - O júri do procedimento pode pedir aos concorrentes quaisquer esclarecimentos sobre as propostas apresentadas que considere necessários para efeito da análise e da avaliação das mesmas. 2 - Os esclarecimentos prestados pelos respectivos concorrentes fazem parte integrante das mesmas, desde que não contrariem os elementos constantes dos documentos que as constituem, não alterem ou completem os respectivos atributos, nem visem suprir omissões que determinam a sua exclusão nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 70.º. (…).” Como referem Mário Esteves de Oliveira e Rodrigo Esteves de Oliveira, “em prol do denominado princípio do favor do concurso ou procedimento - que passa evidentemente também pelo favor dos actos aí praticados pelos respectivos sujeitos, quando os mesmos são de molde a potenciar verosimilmente uma sua interpretação ou aplicação válida ou validante -, o legislador do Código veio permitir, no respectivo art. 72º, que sejam pedidos aos concorrentes esclarecimentos sobre as respectivas propostas” (in Concursos e outros Procedimentos de Contratação Pública, Almedina, 2011, pág. 600). Trata-se de uma matéria muito delicada, que contende directamente com os princípios da concorrência e da intangibilidade das propostas. O legislador do CCP tomou a opção inequívoca de permitir que o júri do procedimento solicite aos concorrentes esclarecimentos sobre as respectivas propostas sempre que os considere necessários, quer para efeito de análise, quer para efeito de avaliação das mesmas. (…).” Dispõe o art. 249º do Código Civil, sob a epígrafe “erro de cálculo ou de escrita”: “[o] simples erro de cálculo ou de escrita, revelado no próprio contexto da declaração ou através das circunstâncias em que a declaração é feita, apenas dá direito à rectificação desta”. O erro de cálculo ou de escrita distingue-se do erro na declaração uma vez que este constitui uma figura que consubstancia divergência entre a vontade real e a vontade declarada, e a que se chama correspondentemente erro obstativo ou erro-obstáculo. E este erro na declaração ou erro obstáculo só existe quando, não intencionalmente – v.g., por inadvertência, engano ou equívoco -, a vontade declarada não corresponde a uma vontade real do autor; existente, mas de sentido diverso. Neste art. 249º do CC acolhe-se um princípio geral de direito que se mostra aplicável a todos os erros de cálculo ou de escrita juridicamente relevantes. Também como explicitado pelo STA, para o preenchimento legítimo daquela premissa importa que, como é entendimento uniforme, se considerem apenas como lapsos de escrita os que sejam ostensivos, aqueles que facilmente se detectem e se identifiquem como tais pelo e no seu contexto e que respeitem à expressão material da vontade e já não os que possam ter influenciado a formação dessa vontade (cfr., i.a., os ac.s do STA, de 26.06.2014, proc. n.º 0586/14 e de 11.09.2019, proc. nº 984/18.2BEAVR). Ou seja, como se afirma neste último acórdão do STA, “os erros dizem-se, de escrita quando se escreve ou representa, por lapso, coisa diversa da que se queria escrever ou representar, sendo que se consideram manifestos os erros quando estes são de fácil detecção, isto é, quando a própria declaração ou as circunstâncias em que ela é feita permitem a sua imediata identificação – lapsus calami - cfr. artigo 249.º do Código Civil. //O simples erro mecânico, lapso evidente de escrita, é revelado através das circunstâncias em que a declaração é feita.” Ora, temos que para nós as circunstâncias do caso evidenciam, tal como vem concluído na sentença recorrida, que não existiu uma falta de apresentação da Declaração a que se refere a al. a) do n.º 1 do artigo 57º do CCP, pois que foi apresentada essa Declaração, embora por referência a versão anterior do mesmo diploma, o que é aliás manifesto. Ou seja, é possível identificar o erro cometido, sem que esse mesmo erro possa ser conectado com uma manifestação de vontade de sentido diverso e contrária à legalmente exigida. Concluímos, pois, que existiu um erro manifesto, o qual se apresentou como sendo objectivamente apreensível ou comprovável no contexto da proposta apresentada, possibilitando a convocação do disposto no art. 249.º do Código Civil. Com o que, tendo decidido acertadamente o tribunal a quo, terá que negar-se provimento ao recurso. Nada mais vindo questionado no recurso interposto, nada mais cumpre apreciar. • III. Conclusões Sumariando: i) Não são essenciais as formalidades que, embora preteridas, não tenham impedido a consecução do objectivo ou finalidade prevista pela lei ao exigi-las. ii) De acordo com a teoria das formalidades relativamente essenciais, a inobservância de formalidades legais ou regulamentares pelo candidato a um concurso público só implica a exclusão da respetiva proposta quando a lei estabeleça tal sanção ou se não puder, no caso concreto, dar-se como assegurados os interesses ou valores que a formalidade preterida visava tutelar. iii) Tendo a Autora entregue a Declaração a que se reporta o artigo 57.º, nº 1, al. a), do CCP, fazendo-o porém por referência à versão anterior do Decreto-Lei n.º 111-B/2017, e mais resultando provado que, ainda em sede de audiência prévia, fez juntar ao procedimento a Declaração rectificada, não pode ser a sua proposta excluída com fundamento na falta de apresentação dessa Declaração. • IV. Decisão Pelo exposto, acordam os juízes da Secção do Contencioso Administrativo deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida. Custas pela Recorrente. Notifique; informando que no presente processo, porque urgente, os respectivos prazos não estão suspensos para a prática de actos processuais que possam realizar-se via SITAF (cfr. art. 7.º, n.º 7, al. a), da Lei n.º 1-A/2020, de 19/03, na redacção dada pela Lei n.º 4-A/2020, de 06/04). Lisboa, 16 de Abril de 2020 Pedro Marchão Marques Alda Nunes Lina Costa |