Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:512/20.0BELLE
Secção:CT
Data do Acordão:12/05/2024
Relator:LUÍSA SOARES
Descritores:OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO FISCAL
RESPONSABILIDADE FINANCEIRA REINTEGRATÓRIA
INTERRUPÇÃO DA PRESCRIÇÃO
Sumário: I- O serviço de finanças é competente para a execução fiscal de responsabilidade financeira reintegratória determinada por Acórdão do Tribunal de Contas;
II - Nos termos do art.º 323.º, n.º 1 do Código Civil a citação é um ato interruptivo da prescrição, inutilizando “para a prescrição todo o tempo decorrido anteriormente, começando a correr novo prazo a partir do ato interruptivo” - cfr. nº 1 do art. 326º do Código Civil (efeito instantâneo do facto interruptivo).
III- Com a interrupção da prescrição decorrente da citação, o novo prazo de prescrição não começa a correr enquanto não transitar em julgado a decisão que puser termo ao processo - cfr. art.º 327.º, n.º 1 do Código Civil.
Votação:UNANIMIDADE
Indicações Eventuais:Subsecção de Execução Fiscal e de Recursos Contra-Ordenacionais
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:I – RELATÓRIO

Vem M…, interpor recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé que julgou improcedente a oposição ao processo de execução fiscal n.º 1120202001050435 e apensos, instaurados para cobrança coerciva de dívida resultante de responsabilidade financeira reintegratória no valor de € 246.138,80.

A Recorrente nas suas alegações formulou conclusões nos seguintes termos:

“) Vem o presente recurso interposto da Sentença proferida em 9 de Março de 2023, no processo de Oposição à execução fiscal que correu termos junto do Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé sob o número 512/20.0BELLE;

B) Na Sentença proferida o Tribunal a quo decidiu pela improcedência do pedido formulado por considerar que: (i) o processo de execução fiscal é idóneo para a cobrança coerciva da presente dívida; (ii) o Tribunal de Contas tem legitimidade para emitir a certidão de dívida; e (iii) a dívida não se encontra prescrita (neste particular, contrariando douto Parecer do Digno Magistrado do Ministério Público);

C) A presente execução decorre do facto de o Tribunal de Contas ter decidido que
estavam verificados os pressupostos para imputação à recorrente Responsabilidade Financeira Reintegratória, prevista no artigo 59.º da LOPTC;

D) Responsabilidade esta que tem a natureza de responsabilidade civil (cfr. parágrafo 75 da Sentença do Tribunal de Contas proferida no processo n.º 4/2017);

E) Da análise do disposto no artigo 59.º da LOPTC resulta, sem margem para dúvidas, que está em causa a efetivação de responsabilidade por dano causado, ou
seja, por comportamento considerado ilícito – e essa conclusão não é contrariada pelo Tribunal a quo;

F) Estamos, pois, no domínio da responsabilidade por atos ilícitos, cujo regime geral é detalhado nas regras de responsabilidade pública e no regime geral constante dos artigos 483.º e seguintes do Código Civil;

G) O processo de execução fiscal é uma concreta forma processual, cujo âmbito se
encontra delimitado no artigo 148.º, do CPPT;

H) E, saliente-se, não vale aqui o argumento de que a LOPTC constitui Lei especial, pois a mesma é anterior ao CPPT tendo, pois, sido derrogada por este último diploma;

I) Percorrendo o elenco de situações abrangidas no processo de execução fiscal, previstos no n.º 2 do artigo 148.º do CPPT, verifica-se que a dívida exequenda não é enquadrável em qualquer um deles;

J) A cobrança de créditos de natureza não tributária através do processo de execução fiscal, não só pressupõe (i) a existência de lei expressa que preveja tal forma de cobrança (corpo do n.º 2 do artigo 148.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário), como pressupõe (ii) estarem em causa dívidas de natureza não tributária fixadas por ato administrativo (artigo 148.º, n.º 2, alínea, a) do Código de Procedimento e de Processo Tributário) ou reembolsos/reposições (artigo 148.º, n.º 2, alínea b), do Código de Procedimento e de Processo Tributário) – não é o que sucede no caso em apreço;

K) Mas mais: não se pode deixar de ter presente que: “é revogado a partir da entrada em vigor do Código de Procedimento e de Processo Tributário o Código de Processo Tributário, aprovado pelo art. 1.º do Decreto-Lei n.º 154/91, de 23 de
Abril, bem como toda a legislação contrária ao Código aprovado pelo presente decreto-lei, sem prejuízo das disposições que este expressamente mantenha em vigor”.

L) Atendendo que, no presente processo, não está em causa a cobrança de qualquer tributo, nem de quaisquer coimas e outras sanções pecuniárias, nos termos do disposto no artigo 148.º, n.º 1, do CPPT - ou seja, não estão em causa dívidas de natureza tributária, a cobrança coerciva da alegada dívida de responsabilidade financeira reintegratória só podia ter lugar se assentasse num ato administrativo, o que manifestamente não sucede;

M) Em conformidade, aliás, com o princípio consagrado no artigo 151.º do Código do Procedimento Administrativo, de que o ato administrativo (exequendo) é pressuposto da legalidade do procedimento administrativo;

N) É, ainda, manifesto que a Autoridade Tributária e Aduaneira não tem legitimidade para a execução;

O) Desde logo, e ao contrário do afirmado pelo Tribunal a quo, o CPPT não confere à Autoridade Tributária e Aduaneira um poder genérico de representação de entidades administrativas;

P) O artigo 15.º, do CPPT, limita-se a prever um poder do “Representante da Fazenda Pública” de actuar em juízo como para mandatário da Autoridade Tributária e Aduaneira;

Q) Sendo o beneficiário da reintegração o Município também não existem dúvidas que era esta entidade que teria legitimidade para a emissão da certidão de dívida.;

R) Inexiste qualquer dívida perante o Tribunal de Contas, logo a actuação daquele órgão limita-se à prolação da decisão sendo que os demais procedimentos, designadamente os de cobrança, devem ser encetados por quem tem legitimidade para o efeito – o beneficiário da reintegração, ou seja, o Município de Silves;

S) Deveria, pois a Recorrida ter utilizado os meios processuais de execução de julgado previsto no Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), respeitando os respetivos prazos e demais pressupostos processuais;

T) É, pois, impostergável a conclusão de que o meio processual utilizado pela Recorrida é manifestamente impróprio e viola o disposto no artigo 148.º do CPPT, sendo evidente o erro de julgamento em que incorreu o Tribunal a quo, devendo a Sentença recorrida ser anulada em conformidade.

U) Em suma: em face do artigo 148.º, do CPPT, o processo de execução fiscal não é o meio processual adequado para a cobrança coerciva de dívidas emergentes de Responsabilidade Financeira Reintegratória;

V) A LOPTC não se assume como Lei especial em face do CPPT dado que a primeira é anterior e, como tal, dever-se-á considerar o artigo 8.º derrogado pelo artigo 148.º do CPPT;

W) O processo de execução fiscal não é processualmente adequado para a cobrança coerciva de Responsabilidade Financeira Reintegratória;

X) O Digno Magistrado do Ministério Público emitiu douto Parecer em que sustentou a prescrição da dívida;

Y) Por outro lado, e contrariando o Parecer do Digno Magistrado do Ministério Público, o Tribunal a quo considerou – erradamente -, que a dívida e o procedimento em causa não se encontram prescritos;

Z) A prescrição, tem como fundamento a negligência do titular do direito em exercer o mesmo direito durante um determinado período de tempo, e que fará presumir a renúncia ao exercício do mesmo direito (Andrade, Manuel - Teoria Geral da Relação Jurídica, Vol. II, 1974, p. 445 e 446);


AA) Com efeito, enquanto no direito civil a prescrição se restringe, apenas, aos direitos disponíveis, em que os interesses dos particulares prevalecem, o que implica, designadamente, que a prescrição não seja de conhecimento oficioso (cfr. artigos 298.º, n.º 1, e 303.º do Código Civil), já no direito tributário “o carácter oficioso do conhecimento da prescrição (introduzido no art. 259.º do C.P.T. e confirmado no presente art. 175.º [do Código de Procedimento e de Processo Tributário]) é um sinal evidente da omnipresença do interesse público como fundamento da prescrição, interesse que, no caso, é o da certeza jurídica” (Sousa, Jorge Lopes de in Código de Procedimento e de Processo Tributário Anotado, 4.ª
ed., 2003, p. 803);

BB) A prescrição é, em suma, o efeito do tempo sobre as relações jurídicas, extinguindo o direito do credor de poder exigir o cumprimento da obrigação (a dívida exequenda) constituída com a ocorrência de factos, no caso concreto, motivadores (na opinião do Tribunal) de responsabilidade civil;

CC) A existência do instituto jurídico da prescrição prende-se, portanto, essencialmente, com razões de certeza e de segurança jurídicas, uma vez que não seria concebível a hipótese de a exigibilidade coerciva de dívida se protelar indefinidamente, de tal forma que o devedor e o credor nunca pudessem estar certos, um de que a dívida já não lhe será exigível e outro de que já não pode exigir essa mesma dívida;

DD) Nos termos do artigo 69.º, n.º 1 da LOPTC o prazo de prescrição é de 10 (dez) anos;

EE) Prazo esse que tem o seu termo inicial na data do comportamento considerado ilícito ou do último dia da gerência quando tal não for possível de determinar – no caso concreto será o dia 5 de Julho de 2006;

FF) Quer isto dizer que, inexistindo factos interruptivos ou suspensivos relevantes, o prazo de prescrição consumou-se em 5 de Julho de 2016;

GG) É a própria LOPTC a estabelecer o termo inicial da contagem do prazo e que em nada se relaciona com a circunstância de a dívida ser certa, líquida e exigível;

HH) A quantia exequenda perdeu, por efeito do decurso do tempo e do seu efeito nas relações jurídicas, a sua característica de cobrabilidade coerciva, não sendo pois exigível (coercivamente);

II) E contra esta conclusão não pode ser invocado o disposto no artigo 311.º, do Código Civil;

JJ) Existindo um regime próprio de prescrição, não estamos no âmbito de aplicação do regime geral e, logo, do artigo 311.º, do Código Civil;

KK) O regime de prescrição é, sem dúvida, e corroborado pelas regras de hermenêutica jurídica aquele que se deixou descrito, impondo-se a procedência do recurso e a anulação da Sentença recorrida por evidente erro de julgamento:

LL) Deve, pois, também por este motivo ser anulada a Sentença recorrida por erro de julgamento e violação das sobreditas disposições legais. Pois:

MM) O Prazo de prescrição aplicável é de 10 anos, contados na data do comportamento considerado ilícito ou do último dia da gerência quando tal não for possível de determinar, segundo o artigo 69.º da LOPTC;

NN) O termo inicial da contagem do prazo de prescrição está identificado no artigo 69.º da LOPTC e em nada se relaciona com a circunstância de a dívida ser certa, líquida e exigível;

OO) Tendo o seu termo inicial em 5 de Julho de 2006, o mesmo consumou-se em 5 de Julho de 2016, impondo-se o reconhecimento judicial dessa mesma prescrição.

Nestes termos,
Deve o presente recurso ser julgado totalmente procedente e revogada e anulada a Sentença em apreço, com as necessárias consequências legais,
Assim se fazendo a costumada
Justiça!”.
* *
A Recorrida não apresentou contra-alegações.
* *
O Exmº. Magistrado do Ministério Público junto deste Tribunal emitiu douto parecer defendendo seja negado provimento ao recurso.
* *
Colhidos os vistos legais e nada mais obstando, vêm os autos à conferência para decisão.

II – DO OBJECTO DO RECURSO

O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das respetivas alegações (cfr. artigo 635°, n.° 4 e artigo 639°, n.°s 1 e 2, do Código de Processo Civil), sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente.

Assim, delimitado o objeto do recurso pelas conclusões das alegações da Recorrente, importa decidir se a sentença enferma de erro de julgamento ao ter considerado que a execução fiscal é o meio próprio para a cobrança coerciva da responsabilidade financeira reintegratória, que a certidão de dívida está corretamente emitida e ter julgado não prescrita a dívida exequenda.

III – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

O Tribunal recorrido considerou provada a seguinte matéria de facto:

“1) Em 17 de janeiro de 2018, foi proferida Sentença pelo Tribunal de Contas com o nº 2/2018.18.JAN, pela terceira secção, no âmbito do processo nº 4/2017, com o seguinte teor:
III Decisão
Pelo exposto, julgo a ação procedente e, como autores de uma infração financeira reintegratória, prevista pelos artigos 59º, nºs 1, 4 e 6, da LOPTC, 1º do Decreto-Lei nº 54-A/99, de 22.02 e 2º, nº 6 da Lei nº 91/2001 de 20 de agosto:
1. Condeno os demandados M...e R..., solidariamente, a pagar a quantia de duzentos e sessenta e sete mil setecentos e cinquenta e dois euros e cinquenta e oito cêntimos (€267.752,58) acrescido dos respetivos juros de mora, à taxa legal;
2. Emolumentos legais a cargo dos demandados – art. 14º do Regime Jurídico dos Emolumentos do Tribunal de Contas
- cfr. fls. 105 do Sitaf e que se dá por integralmente reproduzido;

2) Em 28 de maio de 2018 foi proferido pela 3ª Secção do Tribunal de Contas, o Acórdão nº 7/2018, nos termos do qual foi julgado parcialmente procedente o recurso interposto da sentença nº 2/2018 do Tribunal de Contas e, em consequência, condenou:
"a) A demandada M..., como autora de uma
infração financeira de natureza reintegratória, p. e p. no art. 59º, nºs 1, 5 e 6,
da LOPTC, por referência ao ponto 2.3.4.2 al. i) do POCAL, a repor ao Município de Silves, a quantia de € 228 399,00 (duzentos e vinte e oito mil, trezentos e noventa e nove euros), acrescida “dos respetivos juros de mora, à taxa legal”;
b) o demandado R..., como autor de uma infração financeira de natureza reintegratória, p. e p. no art. 59º, nºs 1, 5 e 6, da LOPTC, por referência ao ponto 2.3.4.2 at. i) do POCAL, a repor ao Município de Silves, a quantia de € 30 623,98 (trinta mil, seiscentos e vinte e três euros e noventa e oito cêntimos), acrescida "dos respetivos juros de mora, à taxa legal.
Emolumentos a cargo dos recorrentes, sem qualquer redução – artºs 16º, nºs
1, al, b) e 2 e 17ª, nºs 1 e 2, ambos do Regime Jurídico dos Emolumentos do
Tribunal de Contas, aprovado pelo art. 1º do DL 66/96 de 31.05 e publicado
em anexo a este diploma legal. - cfr. fls. 5 a 152 do PEF, cujo teor se dá por
integralmente reproduzido para todos os efeitos legais”. - cfr. fls. 135 do sitaf e que se dá por integralmente reproduzido;

3) Pelo ofício nº 14594/2018, datados de 28 de maio de 2018, o Tribunal de
Contas remeteu aos Ilustres Mandatários a notificação do Acórdão proferido no âmbito do processo nº 7/2018 - documento 2 junto com a petição inicial;

4) Em 30 de outubro de 2018 foi proferido pelo plenário da 3a Secção do Tribunal de Contas, o Acórdão nº 14/2018, nos termos do qual foi julgado o recurso extraordinário nº 1/2018, interposto do Acórdão nº 7/2018 do Tribunal de Contas e, em consequência, decidiu;
"Pelos fundamentos indicados, acordam os juízes do Tribunal de Contas, em
Plenário da 3ª Secção, em decidir que não existe oposição de julgados e, consequentemente, julgar findo o recurso extraordinário de fixação de jurisprudência, nos termos do nº 4 do artigo 102º da LOPTC.
São devidos emolumentos legais, nos termos da alínea b) do nº 1 do artigo 16º do Regime Jurídico dos Emolumentos do Tribunal de Contas”. - cfr. fls, 191 Sitaf e que se dá por integralmente reproduzido;

5) Em 29 de maio de 2019 foi emitida pelo Tribunal de Contas certidão de dívida nº l8/2019, em nome da Oponente, com o seguinte teor:

(imagem no original)

- cfr. fls. 3 do Sitaf, que se dá por integralmente reproduzido;

6) Em 29 de maio de 2019 foi emitida pelo Tribunal de Contas certidão de dívida nº 18/2019, em nome da Oponente, com o seguinte teor:


(imagem no original)

- cfr. fls. 3 do Sitaf, que se dá por inteiramente reproduzido;

7) Em 9 de agosto de 2020, o Serviço de Finanças de Silves efetuou citação dirigida à Oponente relativamente ao processo executivo nº 112020001050435 e apensos, relativa a indemnização e emolumentos no valor de € 246.138,80 - cfr. fls. 3 do Sitaf e que se dá por reproduzido;

8) Em 14 de setembro de 2020 deu entrada no Serviço de Finanças de Silves
requerimento de nulidade da citação referente à citação identificada no ponto
anterior - cfr. fls. 3 do Sitaf e que se dá por reproduzido;

9) Em 9 de agosto de 2020 foi enviada à oponente citação pessoal, no âmbito do processo de execução fiscal nº 112020001050435 e apensos, através de carta com o nº de registo RQ530757353PT, tendo sido enviadas as respetivas
certidões de dívida emitidas pelo Tribunal de Contas -cfr. documento 1 junto
com a petição inicial e que se dá por integralmente reproduzido;

10) A presente oposição foi apresentada no Serviço de Finanças de Silves, via correio postal registado de 6 de outubro de 2020 - cfr. fls. 23 do sitaf;
*
FACTOS NÃO PROVADOS
Inexistem factos não provados com interesse para a decisão da causa
MOTIVAÇÃO
A convicção do tribunal resultou da matéria alegada e não impugnada, da análise crítica da prova documental junta aos autos referida no probatório em relação a cada facto, e outra de conhecimento oficioso do Tribunal, dispensando a respetiva alegação, nos termos do artigo 412º do Código de Processo Civil.”.
***

IV- FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

O Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé julgou improcedente todos os fundamentos deduzidos pela Oponente quer quanto às questões prévias suscitadas quer quanto à alegada prescrição da dívida exequenda e da prescrição do procedimento de reintegração financeira.

Quanto à alegada impropriedade do processo de execução fiscal para a cobrança de responsabilidade financeira reintegratória que constitui o título executivo dos autos, o Tribunal a quo julgou improcedente tal fundamento tendo para o efeito e em síntese entendido que “a lesão que suscita a obrigação de repor objecto de condenação do Tribunal de Contas não se identifica com o dano indemnizável tutelado pela responsabilidade civil, uma vez que o apuramento do Tribunal de Contas cinge-se às “importâncias abrangidas pela infracção”, ao valor monetário directo que lhe correspondeu.”, e, considerou o processo de execução fiscal o meio próprio de cobrança da responsabilidade reintegratória. Para tanto sustentou-se no Parecer Consultivo da PGR com o n.º PGRP00001237 segundo o qual “ (…) A responsabilidade financeira reintegratória constitui os responsáveis na obrigação de repor os montantes determinados na lei, apurados objectivamente em função dos factos que constituem os pressupostos da responsabilidade”, bem como no disposto no art.º 8.º, n.º 3 da LOPTC, na redação dada pela Lei n.º 48/2006, de 29/08, ao consagrar que a “execução das decisões condenatórias, bem como dos emolumentos e de mais encargos fixados pelo Tribunal de Contas ou pela Direção Geral, é da competência dos tribunais tributários de 1.ª instância e observa o processo de execução fiscal.”, interpretada em conjugação com o regime jurídico do processo de execução fiscal consagrado no CPPT, para o qual a norma remete implicitamente. Mais entendeu que de acordo com o art.º 148.º, n.º 2, alínea b) do CPPT, podem ser cobrados mediante processo de execução fiscal “reembolsos ou reposições”, improcedendo a invocada impropriedade da execução fiscal para a cobrança da dívida ainda que a reintegração em causa, após cobrança, deva ser remetida aos cofres do Município.

Contra o assim decidido vem a Recorrente alegar que a presente execução decorre do facto de o Tribunal de Contas ter decidido que estavam verificados os pressupostos para imputação de responsabilidade financeira reintegratória, prevista no artigo 59.º da LOPTC, pelo que, tratando-se de uma condenação em responsabilidade civil nos termos da LOPTC, a dívida não se enquadra no elenco de situações abrangidas no processo de execução fiscal, previstos no n.º 2 do artigo 148.º do CPPT.

Decidindo.

Nos presentes autos está em causa a instauração de processo de execução fiscal para cumprimento do Acórdão n.º 14/2018 do Tribunal de Contas proferido pelo plenário da 3ª Secção do Tribunal de Contas em 30/10/2018, nos termos do qual foi julgado o recurso extraordinário n.º 1/2018, interposto do Acórdão n.º 7/2018 do Tribunal de Contas proferido em 23/05/2018, que determinou a condenação da oponente, ora Recorrente, como autora de infração financeira de natureza reintegratória prevista e punida no art. 59º, nºs 1,5 e 6 da Lei nº 98/97 de 26 de agosto (Lei de Organização e Processo do Tribunal de Contas – LOPTC), a repor ao Município de Silves a quantia de € 228.399,00 acrescida dos respetivos juros de mora à taxa legal.

O Tribunal Constitucional já se pronunciou quanto à natureza da responsabilidade financeira reintegratória prevista na LOPTC.

Não existem razões bastantes para afastar o entendimento, presente na jurisprudência constitucional, segundo o qual a responsabilidade financeira reintegratória prevista na LOPTC não tem natureza sancionatória (cfr. fundamentos dos Acórdãos nºs 127/2016 de 26/02/2016 – proc. 756/15 e 255/2018 de - proc. 183/17, e que aqui se dão por integralmente reproduzidos).

Por sua vez o nº 3 do art. 8º da Lei nº 98/97, de 26 de agosto, na redação dada pela Lei nº 48/2006, de 29 de agosto, consagra expressamente que:
A execução das decisões condenatórias, bem como dos emolumentos e demais encargos fixados pelo Tribunal de Contas ou pela Direção-Geral, é da competência dos tribunais tributários de 1.ª instância e observa o processo de execução fiscal.”

E o art. 148º do CPPT estabelece o âmbito do processo de execução fiscal nos seguintes termos:
1 - O processo de execução fiscal abrange a cobrança coerciva das seguintes dívidas:
a) Tributos, incluindo impostos aduaneiros, especiais e extrafiscais, taxas, demais contribuições financeiras a favor do Estado, adicionais cumulativamente cobrados, juros e outros encargos legais;
b) Coimas e outras sanções pecuniárias fixadas em decisões, sentenças ou acórdãos relativos a contra-ordenações tributárias, salvo quando aplicadas pelos tribunais comuns.
c) Coimas e outras sanções pecuniárias decorrentes da responsabilidade civil determinada nos termos do Regime Geral das Infracções Tributárias.
2 - Poderão ser igualmente cobradas mediante processo de execução fiscal, nos casos e termos expressamente previstos na lei:
a) Outras dívidas ao Estado e a outras pessoas colectivas de direito público que devam ser pagas por força de acto administrativo;
b) Reembolsos ou reposições.
c) Custas, multas não penais e outras sanções pecuniárias fixadas em processo judicial.”.

Jorge Lopes de Sousa in CPPT Anotado, 6ª edição, pág. 38 nota 17, a propósito do art. 148º do CPPT enuncia que «Nos termos do nº 3 do art. 8º da Lei nº 98/97, de 26 de Agosto, na redacção dada pela Lei nº 48/2006, de 29 de Agosto, a “execução das decisões condenatórias, bem como dos emolumentos e demais encargos fixados pelo Tribunal de Contas ou pela Direcção-Geral, é da competência dos tribunais tributários de 1ª instância e observa o processo de execução fiscal”.
Esta atribuição de competência aos tribunais tributários deve ser entendida como reportando-se ao processo de execução fiscal, tal como está regulado no CPPT, com a respectiva repartição de competências entre os tribunais tributários e os serviços da administração tributária, prevista no nº 1 do art. 151º daquele Código». (fim de citação)

A sentença ao considerar como meio próprio o processo de execução fiscal não merece qualquer censura, improcedendo os fundamentos invocados pela oponente.

Quanto ao título executivo, defende a oponente ora Recorrente que, em virtude de o Município ser o credor da dívida, a este caberia o impulso processual de execução da decisão judicial emitindo a respetiva certidão de dívida e não ao Tribunal de Contas.

A sentença recorrida julgou improcedente tal fundamento com a seguinte argumentação:
(…) In casu, é forçoso afirmar que, apesar da autonomia financeira das autarquias locais, há limites de natureza jurídica que, por exemplo, não permitem à autarquia local dispor arbitrariamente da receita pública.
A cobrança de receita pública (como tal definida), é uma obrigação das autarquias locais, visando o cumprimento das suas atribuições e competências e, como isso, a prossecução da satisfação das necessidades coletivas.
Porém, assumindo uma tal importância, o legislador previu dois tipos de responsabilidade pela não liquidação, cobrança ou entrega de receita:
1) Responsabilidade sancionatória, prevista na alínea a), do n.º 1, do artigo 65.º da LOPTC, segundo a qual “[o] Tribunal de Contas pode aplicar multas nos casos seguintes: a) Pela não liquidação, cobrança ou entrega nos cofres do Estado das receitas devidas”;
2) Responsabilidade reintegratória, estatuída no artigo 60.º da LOPTC, onde se prevê que “[n]os casos de prática, autorização ou sancionamento, com dolo ou culpa grave, que impliquem a não liquidação, cobrança ou entrega de receitas com violação das normas legais aplicáveis, pode o Tribunal de Contas condenar o responsável na reposição das importâncias não arrecadadas em prejuízo do Estado ou de entidades públicas.”
Ora, sendo da competência da Autoridade Tributária a cobrança, conforme já concluído no ponto anterior, o Tribunal de Contas emite a certidão de dívida, nos termos anteriormente descritos, com vista a efetivar a respetiva cobrança.
De seguida, o art.º 15º do CPPT atribui competência para representar quaisquer entidades públicas no processo judicial tributário e no processo de execução fiscal, à Fazenda Pública, e uma vez que a dívida objeto dos autos não tem natureza de tributos administrados por autarquias locais, não tem aplicação o disposto no art.º 7º do D.L. 433/99 de 26 de Outubro.”.

Dissente do assim decidido a Recorrente alega que é manifesto que a Autoridade Tributária e Aduaneira não tem legitimidade para a execução, na medida em que o CPPT não lhe confere um poder genérico de representação de entidades administrativas, e, se o beneficiário da reintegração é o Município também não existem dúvidas que era esta entidade que teria legitimidade para a emissão da certidão de dívida.

De acordo com o disposto no art. 60º da LOPTC “Nos casos de prática, autorização ou sancionamento, com dolo ou culpa grave, que impliquem a não liquidação, cobrança ou entrega de receitas com violação das normas legais aplicáveis, pode o Tribunal de Contas condenar o responsável na reposição das importâncias não arrecadadas em prejuízo do Estado ou de entidades públicas.”.

Resultou do Acórdão n.º 14/2018 do Tribunal de Contas proferido pelo plenário da 3ª Secção do Tribunal de Contas em 30/10/2018, nos termos do qual foi julgado o recurso extraordinário n.º 1/2018, interposto do Acórdão n.º 7/2018 do Tribunal de Contas proferido em 23/05/2018, a condenação da oponente, ora Recorrente, como autora de infração financeira de natureza reintegratória prevista e punida no art. 59º, nºs 1,5 e 6 da LOPTC, a repor ao Município de Silves a quantia de € 228.399,00 acrescida dos respetivos juros de mora à taxa legal.

A decisão condenatória foi determinada pelo Tribunal de Contas, da qual constam a identidade da infratora, a infração praticada e sua base legal, bem como os seus fundamentos e montantes devidos.

Ora nos termos da alínea d) do art. 162º do CPPT, podem servir de base à execução fiscal, qualquer outro título a que por lei especial, seja atribuída força executiva. E de acordo com o já mencionado nº 3 do art. 8º da LOPTC, a execução das decisões condenatórias, bem como dos emolumentos e demais encargos fixados pelo Tribunal de Contas ou pela Direção-Geral, é da competência dos tribunais tributários de 1.ª instância e observa o processo de execução fiscal, razão pela qual a certidão de dívida encontra-se corretamente emitida, cabendo ao Tribunal de Contas a legitimidade ativa da execução e ao Representante da Fazenda Pública a sua representação nos termos do art. 15º, nº 1 alínea a) do CPPT.

Em face do exposto improcedem os fundamentos invocados pela Recorrente com referência à legitimidade do Tribunal de Contas.

Quanto à prescrição invocada na oposição à execução fiscal e julgada improcedente pelo tribunal a quo, veio a Recorrente alegar que nos termos do artigo 69.º, n.º 1 da LOPTC o prazo de prescrição é de 10 (dez) anos, tendo o seu termo inicial na data do comportamento considerado ilícito ou do último dia da gerência quando tal não for possível de determinar, afirmando que no caso concreto ocorreu no dia 5 de Julho de 2006, pelo que, inexistindo factos interruptivos ou suspensivos relevantes, o prazo de prescrição consumou-se em 5 de Julho de 2016.

Consideramos que os argumentos apresentados pela Recorrente não merecem acolhimento e que a sentença recorrida efetuou o correto enquadramento da questão da prescrição, improcedendo os argumentos invocados pela Recorrente.

Por concordância com o decidido limitamo-nos a transcrever de seguida a fundamentação vertida na sentença recorrida quanto à improcedência da alegada prescrição da dívida:
Como é sabido a prescrição é o tempo que o credor tem ao seu dispor para exigir uma obrigação tributária que já foi objeto de liquidação, tendo o devedor a faculdade de, decorrido determinado prazo previsto na lei, recusar o cumprimento da prestação. (Jorge Lopes de Sousa, “Código de Procedimento e Processo Tributário Anotado e Comentado”, Volume III, 6ª Edição, Áreas Editora, 2011, p. 249 e 250).
Conforme resulta do preceituado nos artigos 304º e 403º do Código Civil, após o decurso do prazo de prescrição, a obrigação converte-se numa obrigação natural, o que impede a Autoridade Tributária de praticar atos de execução. Assim sendo, a verificação do prazo de prescrição constitui causa de inexigibilidade da dívida tributária, e como tal fundamento de oposição à execução (artigo 204º, nº 1, alínea d), do Código de Procedimento e Processo Tributário).
No caso sub judice, resultou provado que, entre outros, a Oponente foi condenado pelo Acórdão n.º 14/2018 do Tribunal de Contas proferido pelo plenário da 3ª Secção do Tribunal de Contas, nos termos do qual foi julgado o recurso extraordinário n.º 1/2018, interposto do Acórdão n.º 7/2018 do Tribunal de Contas, cujo Acórdão foi proferido em 30 de outubro de 2018.
Nos termos do disposto no art.º 40.º, n.ºs 1 e 2 do D.L. n.º 155/92, de 28/07, a obrigatoriedade de reposição das quantias recebidas prescreve decorridos cinco anos após o seu recebimento e este prazo de prescrição interrompe-se ou suspende-se por ação das causas gerais de interrupção ou suspensão da prescrição.
O D.L. n.º 155/92, de 28/07 consagra o regime de administração financeira do Estado e tem como regra geral o princípio da autonomia administrativa, segundo o qual os serviços e organismos dispõem de créditos inscritos no Orçamento do Estado e os seus dirigentes são competentes para, com caráter definitivo e executório, praticarem atos necessários à autorização das despesas e seu pagamento, no âmbito da gestão corrente – cfr. art.ºs 1.º a 3.º.
Por sua vez, a gestão corrente compreende a prática de todos os atos que integram a atividade que os serviços e organismos normalmente desenvolvem para a prossecução das suas atribuições, sem prejuízo dos poderes de direção, supervisão, e inspeção do ministro competente, não compreendendo, por um lado, as opções fundamentais de enquadramento da atividade dos serviços e organismos, nomeadamente, a aprovação de planos e programas e a assunção de encargos que ultrapassem a sua normal execução, nem, por outro, os atos de montante ou natureza excecionais – cfr. art.º 4.º.
Resulta do exposto, que o prazo de prescrição de cinco anos previsto no art.º 40.º do D.L. n.º 155/92, de 28/07, é um prazo especial relativamente ao prazo ordinário de vinte anos consagrado no art.º 309.º do Código Civil.
Todavia, este prazo prescricional especialmente consagrado no D.L. n.º 155/92, de 28/07, não é aplicável ao presente caso, uma vez que tal prazo concerne com a reposição de dinheiros públicos que, no âmbito da já referida gestão corrente, tenham sido indevidamente recebidos porque pagos a mais ou indevidamente por erro de processamento, e só se aplicaria se a Oponente tivesse agido apenas e só na qualidade de beneficiário do pagamento indevido, o que não se verificou no caso em apreço.
No caso em apreço tratou-se da falta de pagamentos de montantes que foram pelo Tribunal de Contas considerados como devidos e que originaram o pagamento de juros de mora pelo Município.
Acresce que, na interpretação da lei, o seu aplicador não deve cingir-se à letra da lei; o pensativo legislativo a que o intérprete chegue tem de conter um mínimo de correspondência verbal – cfr. art.º 9.º do Código Civil.
A interpretação jurídica realiza-se através de elementos, meios, fatores ou critérios que devem utilizar-se harmónica e não isoladamente.
O primeiro são as palavras em que a lei se expressa (elemento literal); os outros a que seguidamente se recorre, constituem os elementos, geralmente, denominados lógicos (histórico, racional e teleológico).
O elemento literal, também apelidado de gramatical, são as palavras em que a lei se exprime e constitui o ponto de partida do intérprete. A letra da lei tem duas funções: a negativa (ou de exclusão) e positiva (ou de seleção). A primeira afasta qualquer interpretação que não tenha uma base de apoio na lei (teoria da alusão); a segunda privilegia, sucessivamente, de entre os vários significados possíveis, o técnico-jurídico, o especial e o fixado pelo uso geral da linguagem.
Temos de pensar que o legislador soube exprimir corretamente o seu pensamento e se serviu do vocábulo jurídico adequado e que o legislador se dirige a todos os cidadãos, sendo necessário que o entendam - cfr., entre outros, Baptista Machado, in Introdução ao Direito, pág. 182.
O nosso legislador, no art.º 9.º do Código Civil, consagra o elemento literal como ponto de partida da interpretação ao referir que “a interpretação deve…reconstituir, a partir dos textos, o pensamento legislativo” (n.º 1), estabelecendo a função negativa ao afirmar que o intérprete não pode considerar aquele pensamento “que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal” (n.º 2) e reconhecendo a função positiva, quando determina que o intérprete presumirá que o legislador “soube exprimir o seu pensamento em termos adequados” (n.º 3).
Nas palavras de Pires de Lima e Antunes Varela, “o sentido decisivo da lei coincidirá com a vontade real do legislador, sempre que esta seja clara e inequivocamente demonstrada através do texto legal…” – cfr. Código Civil Anotado, vol. 1º, 4ª ed., págs. 58 e 59.
Mas além do elemento literal, o intérprete tem de se socorrer algumas vezes dos elementos lógicos com os quais se tenta determinar o espírito da lei, a sua racionalidade ou a lógica. Estes elementos lógicos agrupam-se em três categorias: a) elemento histórico que atende à história da lei (trabalhos preparatórios, elementos do preâmbulo ou relatório da lei e occasio legis [circunstâncias sociais ou políticas e económicas em que a lei foi elaborada]; b) o elemento sistemático que indica que as leis se interpretam umas pelas outras porque a ordem jurídica forma um sistema e a norma deve ser tomada como parte de um todo, parte do sistema; c) elemento racional ou teleológico que leva a atender-se ao fim ou objetivo que a norma visa realizar, qual foi a sua razão de ser (ratio legis).
Ora, no caso sub judice, o elemento sistemático da interpretação das leis, afasta, desde logo, a aplicação do regime da prescrição do D.L. n.º º 155/92, de 28/07, por total incompatibilidade com o regime de prescrição do procedimento da responsabilidade financeira reintegratória, prevista no art.º 70.º da LOPTC, o qual determina um prazo de prescrição de dez anos daquele procedimento. Ora, não é compatível com a unidade do sistema jurídico que um prazo prescricional de um procedimento seja mais alargado do que o prazo de prescrição do reembolso do pagamento indevido que venha a resultar da decisão final desse procedimento, pois que, a ser assim, e sem prejuízo das causas interruptivas e suspensivas da prescrição, existiriam casos em que, não tendo decorrido ainda o prazo de prescrição do procedimento, já estaria prescrito o direito ao reembolso das quantias que da decisão final desse procedimento poderiam resultar, o que, manifestamente, não foi a vontade do legislador.
Por outro lado, não se afigura que seja aplicável o prazo de prescrição de dez anos previsto no art.º 70.º da LOPTC. Atenta a sua inserção sistemática no referido Diploma e como a própria epígrafe consagra, este preceito prevê o prazo prescricional do procedimento por responsabilidade financeira reintegratória e por responsabilidades sancionatórias.
Ora, o procedimento compreende um conjunto de atos que visam a preparação da decisão final e, nos termos da LOPTC, a efetividade de responsabilidades financeiras tem lugar mediante processos de julgamento de contas e de responsabilidades financeiras – cfr. art.º 58.º, n.º 1 da LOPTC-, e o processo de julgamento de responsabilidade financeira visa efetivar as responsabilidades financeiras emergentes de factos evidenciados em relatórios das ações de controlo do Tribunal elaborados fora do processo de verificação externa de contas ou em relatórios dos órgãos de controlo interno – cfr. art.º 58.º, n.º 3 da LOPTC -, o qual segue a tramitação prevista nos art.ºs 89.º e ss. da LOPTC e culmina com a prolação de uma sentença ou acórdão, o qual constitui a decisão final.
Esta decisão final, no caso dos autos, é o Acórdão n.º 14/2018, proferido pela 3ª Secção do Tribunal de Contas nos termos do qual foi julgado o recurso extraordinário n.º 1/2018, interposto do Acórdão n.º 7/2018 do Tribunal de Contas, nos termos do qual a Oponente foi condenado, solidariamente com os demais demandados, na obrigação de reposição e que já transitou em julgado, proferida em 30 de outubro de 2018.
Assim, o que está em causa é a execução de um acórdão condenatório (à data já transitado em julgado), que conheceu do mérito da causa e pronunciou-se sobre a relação substancial em litígio e que, por força da lei, é efetivada mediante processo de execução fiscal.
No entanto, não deixamos de estar perante uma sentença já transitada em julgado, pelo que, afigura-se, assim, aplicável o disposto no art.º 311.º, n.º 1 do Código Civil, o qual preceitua que o “direito para cuja prescrição, bem que só presuntiva, a lei estabelecer um prazo mais curto do que o prazo ordinário fica sujeito a este último, se sobrevier sentença passada em julgado que o reconheça, ou outro título executivo.”
De acordo com esta norma, é manifestamente incompatível aplicar uma prescrição de curto prazo a direitos já reconhecidos ou declarados pelo Tribunal.
É que o prazo de prescrição de vinte anos, face ao disposto no art.º 309.° do Código Civil, atende, manifestamente, à segurança e à «vis» reforçada do meio de afirmação do direito, ao desaparecimento das finalidades que sustentavam a atribuição de um curto prazo prescricional, particularmente a de proteger os visados da inércia ao nível da reclamação do direito.
Ora, a partir da instauração da ação principal e da decisão final proferida, a Oponente ficou a saber que o Tribunal de Contas estava interessado em fazer valer o direito reconhecido no acórdão proferido, tendo materializado essa vontade, nomeadamente, com a emissão de guias para pagamento das quantias em dívida, antes de instaurado o processo de execução fiscal, conforme se retira da análise das certidões de dívida, onde se encontram identificados os prazos limite de pagamento.
A nova configuração do direito e a cristalização solene do débito e da prestação devida justificam o mais alargado prazo, como emerge, de forma insofismável, do direito constituído. É assim no caso em apreço.
Apesar de a partir do ano de 2018 (ano da prolação do Acórdão) não terem passado vinte anos, vejamos se haveria alguma causa de interrupção ou suspensão da prescrição aplicável ao caso em apreço.
As causas de interrupção ou suspensão da prescrição atendíveis para o cômputo em concreto do prazo de prescrição são as previstas na lei vigente à data da respetiva ocorrência, em conformidade com o disposto no n.º 2 do art.º 12.º do Código Civil .
Resulta da factualidade assente que o Oponente foi citado para os termos daquele processo em 9 de agosto de 2020.
Ora, nos termos previstos no art.º 323.º, n.º 1 do Código Civil a citação é um ato interruptivo da prescrição, inutilizando “para a prescrição todo o tempo decorrido anteriormente, começando a correr novo prazo a partir do ato interruptivo” (denominado efeito instantâneo do facto interruptivo).
Com esta interrupção da prescrição, inutilizou-se para a prescrição o tempo antes decorrido, e tal facto obsta ao início de novo prazo de prescrição enquanto não findar o processo no qual aquela interrupção se verificou - cfr. art.º 327.º, n.º 1 do Código Civil.”.

Por tudo o que vem exposto julgamos improcedentes todos os fundamentos invocados pela Recorrente pelo que nega-se provimento ao recurso mantendo-se a sentença recorrida.
* *
V- DECISÃO

Em face do exposto, acordam em conferência os juízes da Subsecção de Execução Fiscal e de Recursos Contraordenacionais da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao recurso, mantendo-se a sentença recorrida.

Custas pela Recorrente
Lisboa, 5 de dezembro de 2024
Luisa Soares
Susana Barreto
Lurdes Toscano