Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:15689/25.0BELSB
Secção:CA
Data do Acordão:10/09/2025
Relator:RICARDO FERREIRA LEITE
Descritores:INTIMAÇÃO
DIES A QUO
Sumário:I - Tendo presente que, nos termos do disposto no artigo 82.º, n.º 3 do CPA, acima transcrito, é de 10 (dez) dias o prazo para a Administração responder à solicitação do interessado, sendo que este prazo para prestação de informações é contado nos termos do artigo 87.º do CPA.
II - É desde então que se inicia a contagem do prazo de 20 dias, previsto no artº 105º, nº 2, a) do CPTA, não merecendo a pretensão da Recorrente no sentido de que tal prazo se deva contar desde qualquer outro pedido formulado subsequentemente.
III - Se bem que se trate da formulação de alegações de cariz conclusivo, opinativo e inconsequentes para o objeto do presente recurso, não podemos concluir que as mesmas possam consubstanciar qualquer um dos usos reprováveis do processo que são considerados sancionáveis pelo artº 456º do CPC.
Indicações Eventuais:Subsecção Administrativa Comum
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:I. Relatório
B..., LDA, Autora/Recorrente, melhor identificada nos presentes autos, em que é Recorrido o MINISTÉRIO DOS NEGÓCIOS ESTRANGEIROS (“MNE”), também ele melhor identificado nos presentes autos de intimação para a prestação de informações, consulta de processos e passagem de certidões, vem interpor recurso da decisão do TAC de Lisboa, datada de 19 de maio de 2025, que decidiu julgar procedente a exceção dilatória de intempestividade da prática do ato processual e, em consequência, determinou a absolvição da Entidade Requerida/Recorrida da Instância.
Inconformado com tal decisão, o Recorrente formulou as seguintes conclusões:
“1 – O Ministério dos Negócios Estrangeiros ofendeu gravemente os seus deveres de decisão, agindo com total impunidade e ilegalmente.
2 – Na verdade, o recorrente pediu logo no início de janeiro de 2025 informações ao Consulado de Portugal em Marrocos;
3 – O Ministério dos Negócios Estrangeiros foi em tempos um organismo que agia com legalidade, com honra e tradição, na sequência da Escola Portuguesa de Diplomacia;
4 – A situação, infelizmente, degradou-se e hoje as notícias que vamos tendo é de situações com vistos e pessoal dos consulados que não abonam o nome de Portugal, como foi no caso do Brasil, de Cabo Verde, conflitos com Angola
5 – Face à omissão do Consulado o recorrente insistiu pensando ter havido algum lapso, e voltou a pedir a informação e certidão da decisão, porque era impensável que o recorrido deliberadamente decidido violar a Lei como se ele fosse o poder absoluto;
6 – Uma vez que também não recebeu as informações com o segundo pedido a situação aparecia então como clara rebeldia do Réu, ora recorrido, e por isso foi intentada a acção competente;
7 – É com a resposta do recorrido se que clarificou a situação no sentido de o recorrido deliberada e ilegalmente entender que não tinha o dever de decidir;
8 – O pedido do recorrente é perfeitamente legal e o recorrido tem o dever de decidir, e decidir afirmativamente, porque é só um servidor do Estado, não é o Estado;
9 – Com o devido respeito, a conduta omissiva do Recorrido é de uma arrogância sem sentido de total iniquidade num Estado da União Europeia;
10 – A nível da União Europeia, da NATO, Portugal não tem qualquer poder, afinal é um Estado que ainda há meia dúzia de anos estava na bancarrota – a 3ª ! – um Estado sem qualquer poder militar, sem nada com que se possa defender e sem meios para patrulhar a nossa zona económica exclusiva, sem armas, sem capacidade económica para se defender perante um sopro da Rússia, ou até de Espanha;
11 – Ora, o que o Ministério dos Negócios Estrangeiros podia fazer era tratar dos assuntos internos portugueses, tratar dos interesses dos portugueses, sejam eles de exportação de bens, de captação de turismo, de captação de mão de obra adequada, como o recorrente queria;
12 – O prazo para intentar a acção deve ser contado desde o último pedido, pois é aí que o recorrente teve a certeza que não se tratava de qualquer problema de recebimento do pedido do recorrente, mas de clara ofensa à lei, sendo certo que no Consulado de Portugal em Marrocos nem atendem o telefone;
13 – O recorrente pediu assim em prazo as informações e certidão da decisão sobre o seu pedido ou das razões de não ter sido decidido;
14 -Salvo o devido respeito, a acção foi intentada em prazo, face ao disposto nos artºs 82º, 87º, 89º nº4 al. k) e 105º nº 2 al. a), todos do CPA.
Nestes termos, deve ser julgado procedente este recurso e revogada a sentença recorrida., condenando-se o recorrido a prestar as informações pedidas pelo recorrente.
*

O Recorrido apresentou contra-alegações, formulando conclusões nos seguintes termos:

“A. A tese do Recorrente não merece provimento, por não encontrar respaldo na letra e no espírito da lei, devendo ser, por isso, confirmada a procedência da exceção dilatória de intempestividade do ato processual, com a consequente absolvição da Entidade Recorrida da instância, no que respeita ao pedido constante do ponto 1, alínea a) da petição inicial.

B. O pedido em questão tinha como pressuposto a ausência de resposta da Entidade Recorrida ao requerimento de 02-01-2025, sendo aplicável o prazo de 20 dias previsto no artigo 105.º, n.º 2, alínea a) do CPTA, cujo dies ad quo se inicia no dia seguinte ao termo do prazo de 10 dias úteis que a Administração dispõe para responder.

C. O facto jurídico que desencadeia o prazo de caducidade é um facto objetivo — a ausência de resposta no prazo legal — que não depende de juízos subjetivos do Recorrente sobre os eventuais motivos da omissão, pois o legislador exige apenas a omissão de resposta no prazo legal.

D. Caso o prazo de caducidade de 20 dias se iniciasse apenas quando o Recorrente obtivesse a certeza de que não houve nenhum lapso e a Entidade Recorrida efetivamente não respondeu, o dies a quo ficaria sujeito a perceções subjetivas, comprometendo a segurança jurídica que os prazos de caducidade visam assegurar.

E. O Recorrente não pode pretender que o prazo previsto no artigo 105.º, n.º 2, alínea a) do CPTA apenas se inicie com a ausência de resposta ao pedido último pedido, pois, contrariamente ao aduzido em sede de recurso, o mesmo sabia que o requerimento de 02-01-2025 tinha sido recebido na Embaixada de Portugal em Marrocos e que não tinha havido resposta – cf. artigos 2.º, 5.º e 6.º da petição inicial e documentos n.ºs 2 e 6 anexos à mesma

F. Resultando da matéria de facto que o Recorrente dirigiu um pedido de informação a 02-01-2025, conclui-se que o prazo de 10 dias úteis terminava a 16-01-2025, nos termos do artigo 87.º, alíneas a) a c) do CPA;

G. Assim, o prazo de 20 dias, previsto no artigo 105.º, n.º 2, alínea a) do CPTA teve início a 17-01-2025 e terminou a 05-02-2025, tendo o Recorrente intentado a ação a 14-03-2025, quando o direito já estava caducado.

H. Face ao exposto, impõe-se a absolvição da Entidade Recorrida da instância, quanto ao pedido 1, alínea a) da petição inicial, em virtude da exceção dilatória de caducidade de ação, prevista no artigo 89.º, n.º 4, alínea k) do CPTA. Do pedido de 14-02-2025

I. A eventual revogação da sentença recorrida não poderá determinar a procedência do segundo pedido formulado na petição inicial, porquanto não assiste ao Recorrente o direito de requerer a certidão nos termos solicitados.

J. O pedido de emissão de certidão foi formulado ao abrigo do artigo 84.º do CPA, que consagra uma modalidade do direito à informação administrativa, conforme resulta da sua inserção sistemática e do teor literal do preceito.

K. O direito à informação procedimental pressupõe a existência de um procedimento administrativo em curso, requisito que não se verifica no caso concreto, dado que no requerimento de 02-01-2025 o Recorrente pretendia obter informações sobre quando poderia ser praticado o ato propulsor do procedimento de vistos.

L. O facto de o pedido de certidão ter como objeto e fundamento a “decisão” que foi tomada sobre o pedido antecedente não infirma a conclusão anterior, pois o requerimento de 02-01-2025 configura um pedido de informação e não um requerimento dirigido à Administração para a adoção de um ato administrativo, não desencadeando — nem podendo desencadear — um procedimento administrativo, em virtude da inaplicabilidade do artigo 13.º do CPA.

M. Consequentemente, a Entidade Recorrida não pode ser intimada a emitir a certidão requerida, ao abrigo do artigo 84.º do CPA, porquanto inexiste qualquer procedimento administrativo que fundamente tal emissão.

N. Ainda que o pedido fosse enquadrado ou reformulado ao abrigo do artigo 13.º, n.º 1, alínea c), da LADA, o mesmo deverá ser julgado parcialmente improcedente.

O. A Entidade Recorrida apenas poderia ser intimada a emitir uma certidão negativa, atestando a ausência de resposta, e não uma certidão que indique as razões pelas quais não foi proferida qualquer “decisão”, dado que tal implicaria a criação de um documento ex novo, o que é vedado pelo artigo 13.º, n.º 6 da LADA. Litigância de má-fé

P. O alegado nos artigos 15.º e 18.º das alegações recursivas extrapolam o objeto do recurso, pois não têm conexão com a fundamentação da sentença recorrida nem sustentam o alegado erro de julgamento que o Recorrente lhe pretende imputar.

Q. Nesses artigos, o Recorrente convoca S. Exa, o Ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros, aos autos para proferir juízos de valor ad hominem, utilizando expressões que objetivamente colocam em causa a honra e a idoneidade profissional do titular do órgão.

R. Destaca-se o artigo 15.º das alegações de recurso, que contém uma insinuação injuriosa e ofensiva, através da qual se sugere um comportamento indigno, sem qualquer relevância jurídica ou factual para o processo.

S. Além de desconexas com o objeto do processo, tais expressões visam o titular de um órgão que não é competente para facultar as informações requeridas.

T. Com efeito, a legitimidade passiva pertence ao Ministério dos Negócios Estrangeiros, por omissão do órgão a quem foram dirigidos os pedidos de informação em causa nos autos, e não por qualquer omissão do Sr. Ministro – cf. artigo 105.º, n.º 1 do CPTA, facto 1 da sentença recorrida, documento n.º 6 junto à petição inicial e introito da petição inicial;

U. Assim, o vertido nos artigos 15.º e 18.º das alegações de recurso configuram expressões desnecessárias e ofensivas da honra de S. Exa., o Ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros, que não teve qualquer comportamento ativo ou omissivo nos autos, sendo ilícitas na medida em que são dispensáveis para a defesa da causa, conforme resulta dos artigos 9.º, n.º 2 e 150.º, n.º 2 do CPC.

V. Salvo melhor opinião, entendemos que o Ilustre Mandatário do Recorrente — por ser o subscritor das alegações recursivas — incorreu em litigância de má-fé instrumental, nos termos do artigo 542.º, n.º 2, alínea d), do CPC.

W. Porquanto, no caso concreto, o Ilustre Mandatário do Recorrente fez um uso manifestamente reprovável do direito ao recurso para, desviando-se do seu fim — sindicância da decisão recorrida — proferir expressões desnecessárias e ofensivas da honra de S. Exa., o Ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros.

X. Os autos indiciam que a conduta foi dolosa, pois, um Homem-médio colocado na sua posição saberia, ou não poderia legitimamente desconhecer, que tais escritos eram dispensáveis para a defesa da causa, uma vez que ultrapassam o objeto do processo e visam o titular do órgão máximo da Entidade Recorrida, que não teve qualquer ação ou omissão nos autos e na fase que os antecedeu.

Y. Requer-se, nos termos do artigo 545.º do CPC, que seja dado conhecimento à Ordem dos Advogados ou, assim não se entendendo, que nos termos do artigo 150.º, n.º 1 do CPC, o Ilustre Mandatário do Recorrente seja condenado em multa, por violação do dever de recíproca correção, previsto no artigo 9.º do mesmo diploma (…)”


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Com dispensa dos vistos legais, atendendo à natureza urgente dos presentes autos, vem o processo submetido à conferência desta Subseção da Administrativa Comum da Secção do Contencioso Administrativo para decisão.

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II. Delimitação do objeto do recurso (artigos 144.º, n.º 2, e 146.º, n.º 1, do CPTA, 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1, 2 e 3, do CPC, aplicável ex vi artigo 140.º do CPTA):
A questão suscitada pelo Recorrente prende-se com saber se a decisão recorrida incorreu em erro de julgamento ao julgar procedente a exceção dilatória de intempestividade da prática do ato processual e, em consequência, determinou a absolvição da Entidade Requerida/Recorrida da Instância.
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III. Factos (dados como provados na sentença recorrida)
1. Em 02-01-2025, a Requerente dirigiu ao Cônsul de Portugal - Embaixada de Portugal no Reino de Marrocos, via correio eletrónico, requerimento do qual consta, entre o mais, o seguinte:
“(…) 10 - Assim sendo, venho solicitar a V. Exa que me informe em que dia, local e hora a Sra T… pode deslocar-se a esse Consulado para pedir o visto de procura de trabalho e visto de residência, para se deslocar a Portugal;

11 - Por último solicito que me informe se são necessários mais documentos.” – cfr. documento n.º 1 junto com a PI:

2. Até à data de apresentação da presente ação administrativa, o Requerido não prestou a informação requerida – facto não controvertido;
3. A presente intimação deu entrada neste Tribunal em -14-03-2025 – cfr. fls. 1 do SITAF.

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A matéria de facto dada como assente nos presentes autos foi a considerada relevante para a decisão da exceção suscitada, inexistindo, para o efeito, quaisquer factos não provados, com interesse para a decisão.
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IV. Direito
A questão suscitada pelo Recorrente prende-se com saber se a decisão recorrida incorreu em erro de julgamento ao julgar procedente a exceção dilatória de intempestividade da prática do ato processual e, em consequência, determinou a absolvição da Entidade Requerida/Recorrida da Instância.
Vejamos.
Foi a seguinte a argumentação vertida na decisão recorrida:
“(…) {r]elativamente ao direito à informação de que se arroga a Requerente, dispõe o artigo 82.º do CPA, o seguinte:
“1 - Os interessados têm o direito de ser informados pelo responsável pela direção do procedimento, sempre que o requeiram, sobre o andamento dos procedimentos que lhes digam diretamente respeito, bem como o direito de conhecer as resoluções definitivas que sobre eles forem tomadas.
2 - As informações a prestar abrangem a indicação do serviço onde o procedimento se encontra, os atos e diligências praticados, as deficiências a suprir pelos interessados, as decisões adotadas e quaisquer outros elementos solicitados.
3 - As informações solicitadas ao abrigo do presente artigo são fornecidas no prazo máximo de 10 dias. (…)”.
Relativamente aos pressupostos da intimação para prestação de informações ou passagem de certidão, dispõe o artigo 105.º do CPTA, o seguinte:
“1 - A intimação deve ser requerida contra a pessoa coletiva de direito público, o ministério ou a secretaria regional cujos órgãos sejam competentes para facultar a informação ou a consulta, ou passar a certidão.
2 - Quando o interessado faça valer o direito à informação procedimental ou o direito de acesso aos arquivos e registos administrativos, a intimação deve ser requerida no prazo de 20 dias, a contar da verificação de qualquer dos seguintes factos: a) Decurso do prazo legalmente estabelecido, sem que a entidade requerida satisfaça o pedido que lhe foi dirigido; b) Indeferimento do pedido; c) Satisfação parcial do pedido.”
O prazo de 10 dias para a Administração responder à solicitação do interessado, previsto no artigo 82.º, n.º 3 do CPA, para prestação de informações é contado nos termos do artigo 87.º do CPA.
Neste conspecto, tendo a Requerente apresentado o pedido de informações em 02-01-2025 [ponto 1) do probatório], a Entidade Demandada poderia dar satisfação ao requerido até ao dia 16-01-2025, o que não fez.
Destarte, dispunha o Autor, desde então, do prazo de 20 dias, previsto no artigo 105.º, n.º 2, alínea a) do CPTA, para reagir judicialmente através da apresentação de intimação para prestação de informações e passagem de certidões.
Considerando o disposto no artigo 138.º do CPC, do qual resulta que o prazo processual é contínuo, a intimação em presença deveria ter sido apresentada até ao dia 05-02-2025.
Por conseguinte, tendo a presente Intimação sido apresentada apenas em 14-03-2025 [ponto 3) do probatório], é manifesto que, na data em que a petição inicial deu entrada em juízo, já se encontrava esgotado o prazo previsto para a prático do ato processual.
Termos em que se julga procedente a exceção de caducidade do direito de ação, exceção dilatória prevista na alínea k) do n.º 4 do artigo 89.º do CPTA, que implica a absolvição da instância.”

O Recorrente, agora, em sede de recurso, limita-se tecer considerações genéricas sobre o Ministério dos Negócios Estrangeiros, referindo que este ofendeu gravemente os seus deveres de decisão, agindo com total impunidade e ilegalmente e que este foi, em tempos um um organismo que agia com legalidade, com honra e tradição, na sequência da Escola Portuguesa de Diplomacia, algo que se degradou.
Que perante o silêncio ao requerido em janeiro, insistiu, e voltou a pedir a informação e certidão da decisão e que foi apenas porque também não recebeu as informações com o segundo pedido que foi intentada a ação competente.
Conclui que o prazo para intentar a ação deve ser contado desde o último pedido, pois é aí que o recorrente teve a certeza que não se tratava de qualquer problema de recebimento do pedido do recorrente.
Nas suas conclusões 9 a 11 faz considerações sobre o papel de Portugal na Europa e na NATO que são inconsequentes para aquele que é o objeto do presente recurso.
Vejamos.
Impõe-se, antes do mais, uma breve introdução à temática jurídica de que ora nos ocupamos: a intimação para a prestação de informações, consulta de processos ou passagem de certidões.
Esta espécie processual dá concretização, no plano da lei processual, ao imperativo constitucional decorrente do artigo 268.º n.ºs 1 e 2 da Constituição da República Portuguesa:
“1. Os cidadãos têm o direito de ser informados pela Administração, sempre que o requeiram, sobre o andamento dos processos em que sejam diretamente interessados, bem como o de conhecer as resoluções definitivas que sobre eles forem tomadas.
2. Os cidadãos têm também o direito de acesso aos arquivos e registos administrativos, sem prejuízo do disposto na lei em matérias relativas à segurança interna e externa, à investigação criminal e à intimidade das pessoas.”
Destina-se esta forma de processo declarativo urgente a efectivar jurisdicionalmente, quer o direito à informação sobre o andamento dos procedimentos e o conhecimento das decisões, que integra o direito à informação procedimental, quer o direito de acesso aos arquivos e registos administrativos, que corresponde ao direito à informação não procedimental (MÁRIO AROSO DE ALMEIDA e CARLOS ALBERTO FERNANDES CADILHA, Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 4.ª edição, Almedina, Coimbra, 2017, p. 855).
A presente forma processual tem em vista a efetivação jurisdicional do direito à informação, procedimental e não procedimental, consagrado nos artigos 82.º e seguintes do Código do Procedimento Administrativo (aprovado pelo Decreto-Lei n.º 4/2015, de 07.01) e na Lei n.º 26/2016, de 22 de agosto (que aprovou o regime de acesso à informação administrativa e ambiental e de reutilização dos documentos administrativo, transpondo a Diretiva 2003/4/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 28 de janeiro, e a Diretiva 2003/98/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 17 de novembro - LADA).
Assim, o direito à informação procedimental pressupõe a prévia existência de um determinado procedimento em tramitação, na medida em que a informação pretendida está inserida nesse mesmo procedimento, bem como a verificação de um interesse direto ou interesse legítimo do requerente.
Por sua vez, o direito à informação não procedimental consubstancia-se no direito de acesso a documentos administrativos integrantes de procedimentos já finalizados ou a arquivos ou registos administrativos, sendo, em princípio, conferido a todos os cidadãos.
Estas duas modalidades do direito à informação assentam em distintas razões de ser, pois enquanto o direito à informação procedimental visa a tutela de interesses e posições subjetivas diretas daqueles que participam, ou podem vir a participar, num procedimento administrativo, o direito à informação não procedimental tem em vista proteger o interesse, de carácter essencialmente objetivo, da transparência administrativa.
No âmbito do acesso à informação não procedimental (como sucede no caso vertente), o direito à consulta de processos e o direito a obter certidões do seu teor são especificamente enquadrados pelas disposições constantes do referido artigo 82.º do Código do Procedimento Administrativo que dispõe:
1 - Os interessados têm o direito de ser informados pelo responsável pela direção do procedimento, sempre que o requeiram, sobre o andamento dos procedimentos que lhes digam diretamente respeito, bem como o direito de conhecer as resoluções definitivas que sobre eles forem tomadas.
2 - As informações a prestar abrangem a indicação do serviço onde o procedimento se encontra, os atos e diligências praticados, as deficiências a suprir pelos interessados, as decisões adotadas e quaisquer outros elementos solicitados.
3 - As informações solicitadas ao abrigo do presente artigo são fornecidas no prazo máximo de 10 dias.
4 - Nos procedimentos eletrónicos, a Administração deve colocar à disposição dos interessados, na Internet, um serviço de acesso restrito, no qual aqueles possam, mediante prévia identificação, obter por via eletrónica a informação sobre o estado de tramitação do procedimento.
5 - Salvo disposição legal em contrário, a informação eletrónica sobre o andamento dos procedimentos abrange os elementos mencionados no n.º 2.”

(negrito, itálico e sublinhados são sempre de nossa autoria)

Sobre a contagem dos prazos, diz-nos o artigo 87.º do CPA, que:
“À contagem dos prazos são aplicáveis as seguintes regras:
a) O prazo começa a correr independentemente de quaisquer formalidades;
b) Não se inclui na contagem o dia em que ocorra o evento a partir do qual o prazo começa a correr;
c) O prazo fixado suspende-se nos sábados, domingos e feriados;
d) Na contagem dos prazos legalmente fixados em mais de seis meses, incluem-se os sábados, domingos e feriados;
e) É havido como prazo de um ou dois dias o designado, respetivamente, por 24 ou 48 horas;
f) O termo do prazo que coincida com dia em que o serviço perante o qual deva ser praticado o ato não esteja aberto ao público, ou não funcione durante o período normal, transfere-se para o primeiro dia útil seguinte;
g) Considera-se que o serviço não está aberto ao público quando for concedida tolerância de ponto, total ou parcial.”

Isto assente:
Descendo novamente ao caso em apreço, antes do mais, convém atentar que o tribunal recorrido deu como provados factos que não foram disputados pelo Recorrente, mormente que este, em 02.01.2025, dirigiu ao Cônsul de Portugal - Embaixada de Portugal no Reino de Marrocos, via correio eletrónico, requerimento solicitando a informação pretendida, algo que não foi prestado até à data.
Mais ainda, a presente intimação deu entrada no Tribunal recorrido apenas em 14-03-2025.
Ora, o artº 105º do CPTA, relativamente aos pressupostos da intimação para prestação de informações ou passagem de certidão, dispõe o que:
“1 - A intimação deve ser requerida contra a pessoa coletiva de direito público, o ministério ou a secretaria regional cujos órgãos sejam competentes para facultar a informação ou a consulta, ou passar a certidão.
2 - Quando o interessado faça valer o direito à informação procedimental ou o direito de acesso aos arquivos e registos administrativos, a intimação deve ser requerida no prazo de 20 dias, a contar da verificação de qualquer dos seguintes factos:
a) Decurso do prazo legalmente estabelecido, sem que a entidade requerida satisfaça o pedido que lhe foi dirigido;
b) Indeferimento do pedido;
c) Satisfação parcial do pedido.”

Tendo presente que, nos termos do disposto no artigo 82.º, n.º 3 do CPA, acima transcrito, é de 10 (dez) dias o prazo para a Administração responder à solicitação do interessado, sendo que este prazo para prestação de informações é contado nos termos do artigo 87.º do CPA, tendo o pedido de informação sido formulado em 02.01.2025, o prazo de 10 dias (úteis) terminou a 16-01-2025.
Como tal, quando a presente intimação deu entrada no Tribunal recorrido, em 14.03.2025, já estava esgotado o prazo de 20 dias, previsto no artº 105º, nº 2 , a) do CPTA, o qual terminou em 05.02.2025.
Não merece qualquer acolhimento, pois, a pretensão da Recorrente no sentido de que o prazo previsto no artº 105º do CPTA se deva contar desde qualquer outro pedido formulado subsequentemente, Primeiro, porque tal nem foi alegado em sede de requerimento inicial, depois porque não resulta do probatório que tenha sido apresentado outro requerimento, algo com que o Recorrente se conformou, não tendo impugnado a decisão quanto à matéria de facto.
Impõe-se, pelo exposto, julgar improcedente o recurso e confirmar a decisão recorrida.
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Da litigância de má-fé (suscitada pelo Recorrido nas suas contra-alegações):
Diz o art.º 456º, nº 2, do Código de Processo Civil (aplicável ex vi do art.º 1º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos), a este respeito:

“(...)

2. Diz-se litigante de má fé quem, com dolo ou negligência grave:

a) Tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar;

b) Tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa;

c) Tiver praticado omissão grave do dever de cooperação;

d) Tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objectivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a acção da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão.


(...)”

Exige-se, portanto, para que possa ter lugar a condenação prevista no nº 1 do preceito acima, a verificação de factos suscetíveis de integrar qualquer um dos “usos reprováveis” acima elencados.

Ora, neste caso, da análise dos autos, resulta que o Recorrente, indignado com o silêncio do Recorrido, nas suas alegações, teceu considerações genéricas sobre o Ministério dos Negócios Estrangeiros, referindo que este ofendeu gravemente os seus deveres de decisão, agindo com total impunidade e ilegalmente e que este foi, em tempos um organismo que agia com legalidade, com honra e tradição, na sequência da Escola Portuguesa de Diplomacia, algo que se degradou.

Também, nas suas conclusões 9 a 11, faz considerações sobre o papel de Portugal na Europa e na NATO que são inconsequentes para aquele que é o objeto do presente recurso.
Se bem que se tratem de alegações de cariz conclusivo, opinativo e inconsequentes para o objeto do presente recurso, não podemos concluir que as mesmas possam consubstanciar qualquer um dos usos reprováveis do processo que são considerados sancionáveis pelo artº 456º do CPC, acima transcrito.
Assim, não tem lugar, em nosso entender, a subsunção da atuação do Recorrente em qualquer dos pontos constantes das alíneas a) a e), acima transcritas e, portanto, terá de improceder o pedido de condenação da autora como litigante de má fé, deduzido pela autora.


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Concluindo (sumário elaborado nos termos e para os efeitos previstos no artº 663º, nº 7 do CPC):
I. Tendo presente que, nos termos do disposto no artigo 82.º, n.º 3 do CPA, acima transcrito, é de 10 (dez) dias o prazo para a Administração responder à solicitação do interessado, sendo que este prazo para prestação de informações é contado nos termos do artigo 87.º do CPA.
II. É desde então que se inicia a contagem do prazo de 20 dias, previsto no artº 105º, nº 2, a) do CPTA, não merecendo a pretensão da Recorrente no sentido de que tal prazo se deva contar desde qualquer outro pedido formulado subsequentemente.
III. Se bem que se trate da formulação de alegações de cariz conclusivo, opinativo e inconsequentes para o objeto do presente recurso, não podemos concluir que as mesmas possam consubstanciar qualquer um dos usos reprováveis do processo que são considerados sancionáveis pelo artº 456º do CPC.
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V – Decisão:
Assim, face ao exposto, acordam, em conferência, os Juízes da Subsecção Administrativa Comum da Secção de Contencioso Administrativo do TCA Sul, em negar provimento ao recurso interposto, confirmando a decisão recorrida, mais se julgando improcedente o pedido de condenação do Recorrente como litigante de má-fé.
Custas pelo Recorrente.
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Lisboa, 09 de outubro de 2025


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Ricardo Ferreira Leite



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Mara Silveira



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Joana Costa e Nora