Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1217/16.1BELSB
Secção:CA
Data do Acordão:09/25/2025
Relator:LINA COSTA
Descritores:RECLAMAÇÃO
REMESSA DOS AUTOS
PRAZO
Sumário:I - A reclamação para a conferência constitui o meio adjectivo próprio ao dispor da parte que se sinta prejudicada pela decisão individual e sumária do relator sobre o objecto do recurso, podendo o recorrente/reclamante, nessa reclamação, restringir o objecto do recurso no uso do direito conferido pelo artigo 635º, nº 4, do CPC;
II - O prazo de 30 dias para requerer a remessa dos autos ao tribunal competente, nos termos do nº 2 do artigo 14º do CPTA, conta-se do trânsito em julgado da decisão que declare a incompetência;
III - O que não é alterado pela posterior interposição de recurso extraordinário de revisão.
Votação:UNANIMIDADE
Indicações Eventuais:Subsecção Administrativa Comum
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
J…., identificado como autor nos autos de acção administrativa instaurada contra o Estado Português, inconformado veio interpor recurso jurisdicional do despacho, de 26.3.2023, do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, que indeferiu o pedido de remessa dos presentes autos ao tribunal competente, porque extemporâneo.
Foram apresentaram contra-alegações.
Foi proferida decisão sumária pelo relator que negou provimento ao recurso interposto, mantendo o despacho recorrido na ordem jurídica.
O Recorrente reclamou, requerendo que seja admitida a reclamação, e proferido acórdão sobre a matéria.
Não foram apresentadas respostas à reclamação que antecede.
O Ministério Público, em representação do R., o Estado Português, pugnou pelo indeferimento da reclamação.
A reclamação para a conferência constitui o meio adjectivo próprio ao dispor da parte que se sinta prejudicada pela decisão individual e sumária do relator sobre o objecto do recurso, podendo o recorrente/reclamante, nessa reclamação, restringir o objecto do recurso no uso do direito conferido pelo artigo 635º, nº 4, do CPC, mas não pode ampliar o seu objecto, faculdade limitada ao recorrido nos termos do artigo 636º, nº 1 do mesmo Código, isto é, limitada à parte vencedora que tendo decaído em alguns dos fundamentos da acção, apesar disso, obteve vencimento no resultado final. Ou pode apenas requerer que sobre a matéria recaia acórdão, ao abrigo do mencionado nº 3 do artigo 652º idem.
A reclamação para a conferência da decisão sumária, proferida apenas pelo relator, determina o conhecimento em conferência do mérito da apelação em momento anterior àquela.
Cumpre, pois, reapreciar as questões suscitadas pelo Recorrente, agora reclamante, em sede de conclusões do recurso, fazendo retroagir o conhecimento em conferência do mérito da apelação ao momento anterior à decisão sumária proferida porque são as conclusões das alegações de recurso que fixam o thema decidendum.
Assim,
Nas respectivas alegações, o Recorrente formulou as seguintes conclusões ipsis verbis:
«a. Não podemos acompanhar o juízo de extemporaneidade da pretensão do Autor/Recorrente de remessa dos presentes autos ao Tribunal competente (art. 14º, nº 2 do CPTA);
b. Mais a mais quando após a sentença de 1ª Instância que julga o TAF de Sintra incompetente materialmente para o julgamento da causa, o Autor reclamaou em 28/05/2018 da não admissão de recurso – conforme ref 005904932;
c. E após ser notificado do Acórdão do TCA Sul a manter a decisão em 23/11/2018 – ref 005986190 – interpôs Recurso de Revisão em 09/07/2019 – conforme ref 006076900;
d. Tendo apenas sido proferido Acórdão pelo TCA Sul em 19/05/2022 (notificado à parte em 20/05/2022 – ref 006528989)
e. Dai que tendo o Autor/Recorrente requerido ao TCA Sul a remessa dos autos para o Tribunal competente em 23/06/2022 – ref 006528991 – tal requerimento é manifestamente tempestivo (art. 14º, nº 2 do CPTA);
f. Sendo a parte alheia à não apreciação atempada do seu requerimento e respectivas insistências (23/06/2022, 07/07/2022, 31/08/2022 e 21/10/2022);
g. Quando no intermédio de tais requerimentos o TCA Sul ordenou a remessa dos autos ao TAF de Sintra sem se pronunciar:
h. E o TAF de Sintra, perante os requerimentos para (e por!) apreciar, limitou-se a apor um visto à baixa dos autos;
i. Apenas por especial insistência, nomedamente telefónica do Recorrente, ter o mesmo logrado ver (mal e erradamente) apreciados os seus requerimentos;
j. Em clara omissão do dever decisório;
k. Que aqui cabe por a nú e devidamente revertido.»,
requerendo
«Deste modo, e pelos fundamentos supra-mencionados, deverá a douta decisão ser revogada, sendo proferida outra distinta que ordene a remessa dos autos ao Tribunal competente.».
Notificado para o efeito, o Ministério Público, em representação do Estado Português, contra-alegou, formulando as seguintes conclusões:
1.ª – O Autor veio recorrer do despacho que indeferiu o pedido de remessa do processo para o tribunal materialmente competente;
2.ª – Nos termos do artigo 14.º, n.º 2 do CPTA, o Autor podia requerer a remessa dos autos ao tribunal competente, no prazo de 30 dias a contar do trânsito da decisão que declarou a incompetência material do TAF de Sintra;
3.ª – A sentença que declarou o TAF de Sintra absolutamente incompetente, em razão da matéria, para conhecer e decidir a acção, transitou em julgado 10 dias após a notificação da decisão do TCA Sul, proferida a 22.11.2018, que indeferiu a reclamação que o Autor apresentou do despacho que não admitiu o recurso que interpôs daquela sentença;
4.ª – O Autor não requereu a remessa dos autos para o tribunal competente no prazo de 30 dias desde que transitou em julgado a sentença que declarou a incompetência material do TAF de Sintra;
5.ª – Já muito depois de totalmente decorrido aquele prazo de 30 dias, o Autor apresentou, a 9.07.2019, recurso extraordinário de revisão de sentença e, só depois da decisão proferida nesse recurso, é que o Autor, no dia 23.06.2022, requereu, pela primeira vez, a remessa dos autos ao tribunal competente.
6.ª – Pelo que, sendo manifesta a extemporaneidade do requerimento apresentado pelo Autor, o despacho recorrido não merece qualquer censura.»
O Ministério Público, junto deste Tribunal, notificado nos termos e para efeitos do disposto nos artigos 146º e 147°, do CPTA, não emitiu parecer.

Na decisão sumária, proferida nos autos, foi considerado que:
«A questão suscitada pelo Recorrente, delimitada pelas alegações de recurso e respectivas conclusões, nos termos do disposto no nº 4 do artigo 635º e nos nºs 1 a 3 do artigo 639º, do CPC ex vi nº 3 do artigo 140º do CPTA, consiste, no essencial, em saber se o despacho recorrido errou ao julgar intempestivo o pedido de remessa dos autos ao tribunal competente.
O despacho recorrido não fixou factos, tendo o seguinte teor:
«Requerimento do Autor de 21 de Outubro de 2022, idêntico ao apresentado no Apenso A em 23 de Junho de 2022:
Atentas as razões apresentadas no requerimento do Réu de 4 de Novembro de 2022, às quais inteiramente se adere, indefere-se o pedido de remessa dos presentes autos ao tribunal competente, porque extemporâneo, mesmo quando aferido por referência à data da sua primeira apresentação no Apenso A, em 23 de Junho de 2022.
Notifique.»
Assim, partindo do que consta do despacho recorrido, das conclusões do Recorrente e o que, em conformidade, está do SITAF, por relevantes à decisão do presente recurso, têm-se por verificados os seguintes circunstancialismos processuais:
1. Foi proferida sentença, nos presentes autos, declarando o Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra absolutamente incompetente, em razão da matéria, para conhecer e decidir a presente acção, e, em consequência, foi o R. absolvido da instância – v. conclusão b. e de fls. 85 a 91 do SITAF;
2. No final da sentença que antecede, foi o A. advertido de que “pode, no prazo de 30 dias a contar do trânsito em julgado desta decisão, requerer a remessa do processo ao tribunal competente, com indicação do mesmo (n.º 2 do artigo 14.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos)” - de fls. 85 a 91 do SITAF;
3. O A. interpôs recurso dessa decisão – v. conclusão b. e de fls. 113 a 120 do SITAF;
4. O requerimento de recurso foi indeferido – v. idem e de fls. 137 do SITAF;
5. Em 28.5.2018 o A. deduziu reclamou da decisão de não admissão do recurso – v. ibidem e de fls. 140 a 162 do SITAF, motivando a constituição do apenso nº1217/16.1BELSB-S1, v. fls. 163 idem que não se encontra junto aos presentes autos;
6. O TCA Sul, em decisão sumária, julgou improcedente a reclamação que antecede – v. conclusão c. e de fls. 175 do SITAF;
7. Em 23.11.2018 o A. foi notificado da decisão que antecede – v. conclusão c.;
8. Em 9.7.2019 o A. interpôs recurso de revisão idem;
9. Em 20.5.2022 o A. foi notificado do acórdão do TCA Sul de 19.5.2022 – v. conclusão d.;
10. Em 23.6.2022 o A. requereu ao TCA Sul a remessa dos autos para o tribunal competente – v. conclusão e.;
11. Em 21.10.2022 o A. requereu ao TAF de Sintra a remessa dos autos para o tribunal competente – v. conclusão f. e de fls. 188 do SITAF;
12. Ouvido o R., em 26.3.2023 foi proferido despacho recorrido – v. de fls. 206 do SITAF.

Pretende o Recorrente que o despacho recorrido seja revogado e substituído por outro que determine a remessa dos autos para o tribunal competente, dado que considera que o pedido que formulou para o efeito é tempestivo uma vez que foi apresentado no prazo de 30 dias a contar da notificação do acórdão do TCA Sul que recaiu sobre o recurso de revisão.

Mas não lhe assiste qualquer razão.
Com efeito, a contagem do referido prazo teve início no dia seguinte ao trânsito em julgado da sentença que declarou a incompetência absoluta do TAF de Sintra para conhecer da acção, como resulta expressamente do disposto no nº 2 do artigo 14º do CPTA – “[q]uando a petição seja dirigida a tribunal incompetente, sem que o tribunal competente pertença à jurisdição administrativa e fiscal, pode o interessado, no prazo de 30 dias a contar do trânsito em julgado da decisão que declare a incompetência, requerer a remessa do processo ao tribunal competente, com indicação do mesmo[sublinhado meu].
A sentença, do TAF de Sintra, que declarou a sua incompetência absoluta para conhecer da acção, foi confirmada, em sede de recurso, por decisão sumária deste TCA, pelo que não tendo sido deduzida reclamação para a conferência no prazo de 10 dias, contados da respectiva notificação ao A./recorrente em 23.11.2018, transitou aquela em julgado e, no dia seguinte, começou a contagem do referido prazo de 30 dias.
Significando que, quando apresentou o primeiro requerimento de remessa dos autos para o tribunal competente, em 23.6.2022, há muito que tal prazo já tinha decorrido.
E nem se diga que a interposição do recurso extraordinário de revis[ão] alterou esta situação, determinando nova contagem do referido prazo, porquanto, conforme resulta do disposto no nº 1 do artigo 154º do CPTA, o seu objecto é a sentença transitada em julgado.
O que significa que a proceder o recurso de revisão, o TAF de Sintra seria considerado materialmente competente, deixando o A./recorrente de ter interesse na remessa dos autos para outro tribunal.
A improceder o recurso de revisão, como sucedeu aqui, mantém-se inalterada a situação anterior à sua interposição.
A saber, a sentença do TAF de Sintra, que declarou a sua incompetência absoluta para conhecer da pretensão do A./recorrente, transitou em 2018 e o prazo de 30 dias, para que pudesse requerer a remessa para o tribunal considerado competente, decorreu bem antes de, em 9.7.2019, ter sido interposto o recurso de revisão.
Donde, bem andou o juiz a quo em indeferir o pedido de remessa por extemporâneo.
Em face do que o presente recurso não pode proceder.».

E o assim bem decidido é para manter porquanto, no recurso, o Recorrente se limita a reiterar pela tempestividade do pedido de remessa ao tribunal competente por referência à data em que foi notificado do acórdão deste Tribunal, proferido em 19.5.2022, no âmbito do recurso que interpôs da sentença proferida no recurso de revisão, e não, como se resulta da correcta interpretação e aplicação da lei aos factos (nos termos explicitados na decisão sumária, acabados de reproduzir) do trânsito em julgado da decisão do TAF de Sintra que julgou este tribunal absolutamente incompetente, em razão da matéria, para conhecer e decidir da acção e, em consequência, absolveu o R. Estado Português da instância.
Esta decisão transitou em julgado em 2018, pelo que o prazo de 30 dias para, nos termos do disposto no nº 2 do artigo 14º do CPTA, requerer a remessa dos autos ao tribunal competente, há muito que se encontrava decorrido quando o aqui Recorrente apresentou, em 2022, o primeiro requerimento para o efeito.
Na reclamação para a conferência o Recorrente/reclamante insiste na referida argumentação, já considerada manifestamente improcedente na decisão sumária reclamada.
Assim, não sendo o alegado susceptível de infirmar o decidido pelo tribunal recorrido e pelo relator, deve ser indeferida a reclamação agora em apreciação, mantendo-se a decisão sumária reclamada nos seus exactos termos.

Por tudo quanto vem exposto acordam em conferência os juízes da Subsecção Comum da Secção de Contencioso Administrativo deste Tribunal em indeferir a reclamação para a conferência, confirmando a decisão sumária do relator [que negou provimento ao recurso, mantendo a decisão recorrida na ordem jurídica].

Custas pelo Recorrente, sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficia.

Registe e Notifique.

Lisboa, 25 de Setembro de 2025.


(Lina Costa – relatora)

(Ana Cristina Lameira)

(Marcelo Mendonça)