Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1074/06.6BESNT
Secção:CA
Data do Acordão:09/11/2025
Relator:ANA CRISTINA LAMEIRA
Descritores:INFARMED
GRUPOS DE HOMOGÉNEOS
DEC.-LEI Nº 270/2002
PRINCÍPIO DO APROVEITAMENTO DO ACTO ADMINISTRATIVO
LEI 62/2011
Sumário:I. Do quadro legal há que concluir que a apresentação da embalagem, tendo em conta as unidades, é um factor alheio à fixação do preço de referência nos termos e para efeitos do artigo 3º do DL 270/2002, que será obtido tendo em conta a mesma composição qualitativa e quantitativa em substâncias activas, forma farmacêutica, dosagem e via de administração do medicamento genérico introduzido no mercado, no semestre anterior à elaboração pelo INFARMED das listas de grupos homogéneos (alíneas b) e c).
II. Nesse sentido, é irrelevante, para os efeitos pretendidos pela Recorrente, a comparação com as unidades de cada caixa de outros medicamentos contendo a substância activa Losartan quer de 50 mg, como de 100mg, aquando da constituição dos grupos de homogéneos GHO516, GHO518, GHO519 e GHO520.
III. A omissão de participação da Recorrente/Autora no procedimento de criação dos referidos grupos de homogéneos, será de degradar em formalidade não essencial porque, independentemente da sua intervenção e das posições que a mesma pudesse tomar, a decisão da Administração só poderia ser aquela que foi tomada, face à inverificação das demais ilegalidades apontadas à Deliberação 351/CA/2006, de 08.09.2006
IV. A validade das AIM’s constitui objecto de processos diversos, pelo que não se mostra viável analisá-la e decidi-la, à luz da Lei nº 62/2011, ainda que incidentalmente, nos presentes autos.
Votação:Unanimidade
Indicações Eventuais:Subsecção Administrativa Comum
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul
(Subsecção Comum)

I - RELATÓRIO


.... , Lda. (.... ) veio interpor recurso do Acórdão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra (TAF de Sintra), de 08-02-2008, que julgou improcedente a acção administrativa especial por si intentada contra o Instituto Nacional da Farmácia e do Medicamento (INFARMED) em que pede a anulação dos actos administrativos contidos na Deliberação do Conselho de Administração do Infarmed nº 351/CA/2006, de 8 de Setembro de 2006, que se consubstancia:
“(i) A constituição do grupo homogéneo nº GH0516 com os respectivos preços de referência unitário do regime geral de comparticipação e do regime especial de comparticipação
(ii) A constituição do grupo homogéneo nº GH0518 com os respectivos preços de referência unitário, do regime geral de comparticipação e do regime especial de comparticipação;
(iii) A constituição do grupo homogéneo n° GH0519 com os respectivos preços de referência unitário, do regime geral de comparticipação e do regime especial de comparticipação;
(iv) A constituição do grupo homogéneo n° GH0520 com os respectivos preços de referência unitário, do regime geral de comparticipação e do regime especial de comparticipação.”

Indicou como Contra-interessadas: .... Lda., .... Lda.

Ratiopharm - Comércio e Indústria de Produtos Farmacêuticos, Lda., com os sinais nos autos, inconformada com o despacho saneador proferido pelo Mmo. Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, em 26.03.2007, na parte em que julgou o tribunal materialmente competente para conhecer da causa, dele veio recorrer para este TCA Sul, o qual, em acórdão de 06.12.2012, negou provimento ao recurso, confirmando o despacho recorrido (Proc. nº 03492/08 neste TCA Sul (1074/06.6BESNT-B).

Por Acórdão do TAF de Sintra, de 08.02.2008, foi julgada improcedente a presente acção

Inconformada, .... , Lda., ora Recorrente, veio interpor recurso jurisdicional para este TCA SUL, tendo formulado as seguintes conclusões:

“A. O presente recurso vem interposto do douto Acórdão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra que julgou improcedente a acção administrativa especial intentada pela ora Recorrente tendo em vista a anulação dos actos administrativos de constituição dos grupos homogéneos n.° GH0516, GH0518, GH0519 e GH0520 com os respectivos preços de referência unitário, do regime geral de comparticipação e do regime especial de comparticipação, contidos na Deliberação do Conselho de Administração do Infarmed n.° 351/CA/2006, de 8 de Setembro de 2006;
B. Embora se discorde quase integralmente com o Acórdão proferido, este recurso tem por objecto apenas o decidido quanto:
(i) à não consideração da existência de violação de lei determinada por erro quanto ao pressuposto de facto de comercialização do medicamento genérico que serviu de referência à constituição dos grupos homogéneos GH0519 e GH0520 (ou seja, fica excluída a apreciação da validade do decidido, nesta concreta ilegalidade, quanto aos grupos homogéneos GH0516 e GH0518), e
(ii) à alegada não verificação do vício de violação dos direitos de participação procedimental da .... em virtude de esta não ter sido chamada ao(s) procedimento(s) administrativo(s) que antecedeu(eram) a prática dos actos de constituição dos grupos homogéneos n.° GH0516, GH0518, GH0519 e GH0520 com os respectivos preços de referência, contidos na Deliberação, e em especial, a omissão indevida da audiência prévia da ora Recorrente,
C. Uma vez que a .... tinha alegado que os grupos homogéneos constituídos pelos actos impugnados o haviam sido sem que o medicamento genérico que justificou a sua criação tivesse começado a ser comercializado - o que determinaria a respectiva ilegalidade o Acórdão recorrido, assentando na alínea 13 da matéria de facto dada como provada, veio afirmar, de forma quase liminar, que tal não correspondia à verdade, na medida em que a tabela constante daquela alínea evidenciaria que cada um desses grupos incluiria medicamentos genéricos que haviam registado vendas, o que deitaria por terra o argumento da .... ;
D. Sucede porém que, no que respeita aos grupos homogéneos GH0519 e GH0520, é o próprio “facto 13” constante do Acórdão recorrido que evidencia o contrario daquilo que esta decidiu, uma vez que da tabela constante dessa alínea resulta claramente que os medicamentos genéricos contidos nesses grupos homogéneos não realizaram qualquer venda;
E. Assim, na parte em que considerou que os actos que constituíram os grupos homogéneos GH0519 e GH0520 (e aprovaram os respectivos preços de referência) não estavam feridos de erro nos respectivos pressupostos de facto, o Acórdão recorrido enferma de nulidade, por manifesta oposição entre os fundamentos de facto e a decisão tomada, nos termos da alínea c) do numero 1 do artigo 668.° do Código de Processo Civil (aplicável ex vi artigo l.° do CPTA);
F. Ainda que assim não se considere e se entenda que o acima alegado não determina a nulidade do Acórdão recorrido - hipótese que se alega sem conceder -, a verdade é que mesmo nesse caso o Acórdão não poderá ser mantido, no que respeita concretamente à decisão sobre o erro no pressuposto de facto relativo aos grupos homogéneos GH0519 e GH0520;
G. Como ficou demonstrado na alínea 13 da matéria de facto dada como provada no Acórdão recorrido e já havia sido alegado pela Recorrente na petição inicial, os medicamentos genéricos incluídos nos grupos homogéneos GH0519 e GH0520 (isto é, o Losartan Generis 100 mg., comprimidos, na apresentação de 14 unidades, e o Losartan Ratiopharm 100 mg., comprimidos, na apresentação de 20 unidades) não apresentavam qualquer venda efectiva no âmbito do SNS, no semestre anterior à elaboração pelo INFARMED das listas de grupos homogéneos, pelo que não eram, nos termos da lei, medicamentos genéricos existentes no mercado.
H. Face a esta circunstância e ao contrário do que decidiu o Acórdão recorrido, nem o grupo homogéneo GH0519, nem o grupo homogéneo GH0520, continham qualquer medicamento genérico que tivesse registado vendas no SNS e, por conseguinte, não estavam verificados os pressupostos de facto legalmente exigidos no artigo 3.°, alíneas b) e c), do DL 270/2002, para que tais grupos pudessem ser constituídos - o que significa que o INFARMED laborou num claro erro nos pressupostos de facto ao ter procedido à sua constituição, o que determina a anulabilidade da Deliberação, nessa parte,
I. Ao não ter decidido assim, e ao não ter anulado os actos administrativos contidos na Deliberação afectados por esta ilegalidade, o Acórdão recorrido violou o artigo 3.°, alíneas b) e c) do DL 270/2002,
J. A .... era directa interessada nos procedimentos administrativos que conduziram à prática de todos os actos impugnados, isto é, de todos os actos contidos na Deliberação que foram questionados nestes autos, pelo que tinha o direito de neles intervir e ser ouvida, nos termos dos artigos 100.° e segs. do CPA, o que não ocorreu, sendo aqueles actos, por conseguinte, ilegais;
K. O Acórdão recorrido entendeu que, “pelo número de potenciais contra-interessados, pela complexidade do procedimento, variedade de piodutos e periodicidade da sua realização seria dispensável, no caso sub iudice, a realização de audiência prévia dos interessados (nos termos da alínea c) do número 1 do artigo 103.° do CPA), mas não lhe assiste qualquer razão;
L. Não corresponde à verdade que nos procedimentos em questão nos autos haveria um elevado número de potenciais contra-interessados, não tendo isso sequer ficado demonstrado no processo e, mesmo que o tivesse ficado, tal não impediria a realização de uma consulta pública que permitisse salvaguardar a participação de todos os interessados;
M.No caso sub iudice, entre os 42 novos grupos homogéneos criados, o problema do direito de ser ouvido só se coloca verdadeiramente relativamente aos titulares de AIM de medicamentos cujo PVP seja superior ao do preço de referência preconizado para o respectivo grupo homogéneo, sendo certo que o número de interessados será inferior ao número de grupos homogéneos constituídos, não havendo, por conseguinte, muitos interessados para efeitos de audiência prévia;
N. Mesmo que assim não fosse e se entendesse, como o Acórdão recorrido, que existiriam muitos interessados nos mencionados procedimentos - o que se alega por cautela de patrocínio, sem conceder - a verdade é que a alínea c) do artigo 103.°, n.° 1, do CPA determina, em tais situações, e de harmonia com o princípio da proporcionalidade, que seja realizada uma consulta pública, o que também não ocorreu;
O. No que respeita ao argumento da suposta repetitividade ou “periodicidade” dos procedimentos em apreço, importa ter presente que a actualização trimestral das listas de grupos homogéneos exigida pela lei não determina - muito pelo contrário - que se tenham que ouvir sistemática e repetidamente todos os interessados nos mesmos, mas antes e apenas que se terão que ouvir os titulares das AIM dos medicamentos de marca que em função da entrada no mercado de correspondentes genéricos, vêem os seus medicamentos integrar um grupo homogéneo, e, mesmo aí, apenas aqueles que sejam afectados por essa situação, isto é, que vejam o preço da comparticipação estatal no preço dos seus medicamentos diminuir, em função de este ser superior ao preço de referência do grupo homogéneo em questão;
P. Por outro lado, a “periodicidade” em si mesma nunca poderia constituir um impedimento ao exercício do direito de audiência prévia, como o próprio INFARMED reconhece nos casos de caducidade da comparticipação por ausência de comercialização previstos no artigo 4.°, n.° 4 do Decreto-Lei n.° 188/92, de 25 de Junho, na sua redacção actual, onde o Recorrido instituiu um procedimento de consulta mensal mediante a qual são os titulares das AIM dos medicamentos que se encontrem nesta situação notificados mediante publicação na página electrónica deste Instituto para exercerem o seu direito de audiência prévia no prazo de dez dias após a divulgação de tal notificação;
Q. Também contrariamente ao sustentado no Acórdão recorrido, os procedimentos de constituição de grupos homogéneos e de fixação dos respectivos preços de referência não têm qualquer complexidade especial que tome desaconselhável ou inviável a audiência dos interessados;
R. Face ao exposto e ao contrário do decidido pelo Acórdão recorrido, os actos impugnados são anuláveis, por violação do direito de participação procedimental e de audiência prévia que assistia à .... no caso sub iudice, uma vez que não estavam manifestamente reunidas as condições necessárias para que o INFARMED dispensasse a realização de tal audiência;
S.Ao decidir inversamente, o Acórdão recorrido violou o disposto nos artigos 55. , número 1, 100.°, número 1 e 103.°, número 1, alínea c) do CPA, devendo, por conseguinte, ser revogado;
T. No caso concreto, e ainda que fosse impraticável a realização da audiência prévia tal como defendido no Acórdão recorrido, o que se admite apenas a benefício de raciocínio, sempre estaria o INFARMED obrigado a proceder a uma consulta pública - o que não aconteceu -, excepto se se demonstrasse que não era possível a sua realização - o que não foi alegado por ninguém e não foi objecto de qualquer consideração por parte do Tribunal a quo, que pura e simplesmente assumiu que a referida impraticabilidade automaticamente justificaria a não realização de qualquer tipo de audiência;
U. Nesta medida, ao desconsiderar esse aspecto do regime do artigo 103.°, número 1, alínea c) do CPA, o Acórdão recorrido, também por esta via, violou o disposto nessa norma e o direito de audiência prévia de que é titular a .... ”.
Peticionando que deve o presente recurso jurisdicional ser julgado integralmente procedente, declarando-se nulo e revogando-se o Acórdão recorrido e anulando-se os actos impugnados, nos termos expostos.

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Nas suas Contra-Alegações a Recorrida/contra-interessada .... , Lda. não formulou conclusões, tendo defendido a improcedência do recurso (vide fls. 1060 e segs. SITAF).

A Entidade Demandada INFARMED – Instituto Nacional da Farmácia e do Medicamento, IP, ora Recorrido, nas suas Contra-alegações concluiu assim:
“1ª Nos autos em causa discute-se uma acção administrativa especial relativa à deliberação de constituição de grupos homogéneos.
2ª Decidiu bem o Tribunal a quo ao julgar não verificados os vícios invocados pela Recorrente.
3ª Da análise efectuada ao douto acórdão não resulta qualquer contradição entre o facto 13 e a fundamentação explanada na análise do invocado vício de violação de lei por erro nos pressupostos, devendo assim improceder a nulidade arguida pela Recorrente.
4ª A decisão não merece qualquer censura por ter julgado improcedente o vício de violação de lei por não verificação do erro nos pressupostos.
5ª De acordo com a legislação em causa, para a criação de cada um destes grupos de homogéneos bastava, entre outros, a existência de um medicamento genérico existente no mercado. Ora, da análise do facto 13, constata-se que de facto tal situação de facto existe.
6ª Salvo melhor opinião, o acto administrativo de constituição de grupos homogéneos não é susceptível de constituir lesão à Recorrente, pelo que sempre estaria afastada qualquer violação dos direitos procedimentais.
7ª Ainda que assim se não entenda, sempre se dirá que atendendo ao número de potenciais contra-interessados, pela complexidade do procedimento, variedade de produtos e periodicidade da sua realização, a realização da audiência dos interessados sempre seria dispensável.
8ª Por aqui, também não se verifica procedente o vício invocado pela Recorrente.
9ª Será, pois, de concluir que nenhuma censura deverá ser feita à decisão recorrida.

Também a contra-interessada .... Lda., apresentou contra-alegações concluindo assim:
Conclui-se, pois, que não se verifica o vício apontado de preterição do direito de participação procedimental e, mesmo que assim não fosse, que tal vício não conduziria à anulação do acto impugnado, por força do princípio do aproveitamento do acto administrativo”.
*

O DMMP notificado nos termos do artigo 146º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA) na versão precedente à que foi dada pelo Decreto-Lei nº 214-G/2015, de 02.10- emitiu pronúncia, no sentido da improcedência do recurso (vide fls. 1160 e segs. SITAF).

Sobre o qual as partes se pronunciaram.


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Com dispensa dos vistos legais, mas com envio prévio do projecto de acórdão aos Srs. Juízes Desembargadores Adjuntos, vem o processo submetido à conferência para decisão



I.1. Do objecto do Recursos / das questões a decidir

As questões a decidir neste processo e momento, tal como vêm delimitadas pelas alegações supra transcritas da Recorrente são:
- aferir da nulidade decisória;
- aferir do erro de Direito;
- da relevância da superveniência da Lei 62/2011, de 12.12, suscitada pelo INFARMED (fls. 1829 e segs., suporte físico/fls. 1299 e segs. SITAF).
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II. DA FUNDAMENTAÇÃO
II.1. DE FACTO:

A matéria de facto pertinente é a constante do Acórdão recorrido, a qual, não vindo impugnada, aqui se reproduz:

1) Em 5 de Junho de 2006, o Conselho de Administração do INFARMED profere a deliberação nº 279/CA/2006, na qual se refere, designadamente: “O INFARMED delibera revogar os grupos homogéneos GH0486 e GH0487, respeitantes à denominação Comum Internacional LOSARTAN + HIDROCLOROTIAZIDA.”
2) Em 8 de Setembro de 2006, o Conselho de Administração do INFARMED profere a Deliberação nº 351/CA/2006, através da qual é aprovada a lista anexa, de grupos homogéneo, da qual constam designadamente o grupo homogéneo nº GH0516, o grupo homogéneo nº GH0518; o grupo homogéneo n° GH0519 e o grupo homogéneo n° GH0520. (Cfr. doc 1 PI)
3) Em 22 de Julho de 2005, a INFARMED informa a .... , Lda. através do ofício nº 39438, da renovação de AIM do medicamento Cozaar, Comprimido revestido, 50mg, AIM de 5/12/1995; (Cfr. doc 2 PI);
4) Em 22 de Julho de 2005, a INFARMED informa a .... , Lda. através do ofício nº 39408, da renovação de AIM do medicamento Cozaar, Comprimido revestido, 100mg, AIM de18/04/2002; (Cfr. doc 2 PI);
5) Por Despacho do Secretário de Estado da Saúde de 96/03/29 foi autorizada a comparticipação do Losartan, nome comercial “Cozaar”, dosagem de 50mg, embalagem de 14 Comp., requerida pela .... Lda. (Cfr. Doc 4 PI);
6) Por Despacho do Secretário de Estado da Saúde de 96/03/29 foi autorizada a comparticipação do Losartan, nome comercial “Cozaar”, dosagem de 50mg, embalagem de 56 Comp., requerida pela .... Lda. (Cfr. Doc 5 PI);
7) Por Despacho do Secretário de Estado da Saúde de 2003/04/29 foi autorizada a comparticipação do Losartan Potássico, nome comercial “Cozaar 100mgr”, dosagem de 100mg, embalagem de 14 Comp., requerida pela .... Lda. (Cfr. Doc 6 PI);
8) Por Despacho do Secretário de Estado da Saúde de 2003/04/29 foi autorizada a comparticipação do Losartan Potássico, nome comercial “Cozaar 100mgr”, dosagem de 100mg, embalagem de 28 Comp., requerida pela .... Lda. (Cfr. Doc 7 PI);
9) Pelo Aviso nº 9448/2006, publicado na 2ª Série do Diário da República, de 5 de Setembro de 2006 é publicada a lista dos novos medicamentos comparticipados com início de comercialização a 1 de Agosto de 2006, da qual consta designadamente:

“(texto integral no original; imagem)”
(Cfr. Doc 13 PI)

10) Em 8 de Setembro de 2006, a .... requer ao INFARMED, designadamente, que lhe seja comunicado: a) O inicio de quaisquer procedimentos administrativos tendentes à criação de grupos homogéneos que integrem os medicamentos Cozaar, Cozaar 100 mg ou Cozaar Plus em qualquer das suas formas farmacêuticas, dosagem e apresentação;
b) o inicio de quaisquer procedimentos administrativos tendentes à aprovação de preços de referência para grupos homogéneos que integrem os medicamentos Cozaar, Cozaar 100 mg ou Cozaar Plus em qualquer das suas formas farmacêuticas, dosagem e apresentação. (Cfr. doc 14 PI);

11) Relativamente ao requerimento referido no precedente facto, em 25 de Setembro de 2006, o Gabinete Jurídico e Contencioso do INFARMED viabiliza a prestação das informações requeridas. (Doc. 1 Contestação INFARMED);
12) Sobre a informação referida no precedente facto, despacha o Presidente do INFARMED, em 6 de Outubro de 2006, “Concordo com o proposto”. (Doc. 1 Contestação INFARMED);
13) Consta do Processo, quadro relativo às vendas dos genéricos, como infra se transcreve:





(Cfr. Doc 3 Oposição INFARMED)
14) Em 29 de Setembro de 2006, é proferido despacho Conjunto do Ministro da Economia e Inovação e do Ministro da Saúde, no qual se refere, designadamente:
“Nestes termos e ao abrigo dos nº 2 e 3 do Artº 4º do DL nº 270/2002, de 2 de Dezembro, com a redacção dada pelo DL nº 81/2004, de 10 de Abril, determina-se o seguinte:
1 - São aprovados os preços de referência dos grupos homogéneos de medicamentos sujeitos ao sistema de preços de referência, os quais correspondem ao Preço de venda ao Público (OVP) do medicamento genérico de preço mais elevado que integra cada um dos respectivos grupos homogéneos.
2 – Em anexo ao presente despacho são publicados os medicamentos genéricos de preço mais elevado que integram cada um dos grupos homogéneos, competindo ao Conselho de Administração do INFARMED disponibilizar, em local adequado da página electrónica do mesmo Instituto, o texto da lista dos grupos homogéneos em vigor, incluindo os preços de referência de cada grupo homogéneo, tal como decorre do presente despacho.
3 – O anexo ao presente despacho passa a constituir o Anexo I ao Despacho Conjunto nº 865-A/2002, de 5 de Dezembro, publicado no DR, II série nº 281, de 5 de Dezembro de 2002.
4 – O presente despacho entra em vigor no dia 1 de Outubro de 2006. (Cfr. Doc. 2 Oposição INFARMED)
15) A presente Acção deu entrada no Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra em 25 de Setembro de 2006. (Cfr. fls. 2 e sg SITAF).
Nenhum outro facto relevante foi considerado provado.


II.2. De Direito

Em face da definição do objecto do recurso, impõe-se conhecer do mesmo.

Ø Da nulidade do Acórdão

Veio a Recorrente invocar a nulidade do Acórdão recorrido por contradição entre os respectivos fundamentos (de facto) e a decisão, nos termos do disposto na alínea c) do nº 1 do artigo 668º do CPC/95 aqui aplicável.

Quanto ao vício consagrado na citada al. c), de os fundamentos estarem em oposição com a decisão ou ocorrer ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível, cumpre referir que entre os fundamentos e a decisão não pode haver contradição lógica; se, na fundamentação da sentença, o julgador seguir determinada linha de raciocínio, apontando para determinada conclusão, e, em vez de a tirar, decidir noutro sentido, oposto ou divergente, a oposição será causa de nulidade da sentença.

A nulidade da sentença por oposição entre os fundamentos e decisão, terá de ser grave, patente, implicando uma incongruência absoluta.

Em concreto, ocorre a nulidade prevista no artigo 668º (actual 615º), nº 1, alínea c) do CPC/95 quando os fundamentos referidos pelo juiz conduziriam necessariamente a uma decisão de sentido oposto ou, pelo menos, de sentido diferente, não se verificando quando a solução jurídica decorreu de interpretação dos factos, diversa da pretendida pelo apelante (vg. acórdão proferido pelo STJ em 9 de fevereiro de 2017, no processo 2913/14.3TTLSB.L1.S1; acórdão deste Tribunal da Relação proferida em 10 de setembro de 2020, no processo 12841/19.0T8LSB.L2-6, ambos disponíveis em www.dgsi.pt ).

Logo, a oposição entre os fundamentos e a decisão não se confunde com o erro na subsunção dos factos à norma jurídica ou, muito menos, com o erro na interpretação desta: quando, embora mal, o juiz entende que dos factos apurados resulta determinada consequência jurídica e este seu entendimento é expresso na fundamentação, ou dela decorre, encontramo-nos perante o erro de julgamento e não perante oposição geradora de nulidade; mas já quando o raciocínio expresso na fundamentação aponta para determinada consequência jurídica e na conclusão é tirada outra consequência, ainda que esta seja a juridicamente correta, a nulidade verifica-se. A oposição entre os fundamentos e a decisão tem o seu correspondente na contradição entre o pedido e a causa de pedir, geradora da ineptidão da petição inicial (art. 186-2-b) do CPC/95).

Como se depreende da alegação recursiva, o que pretende a Recorrente é que, perante o que ficou provado no facto 13, o Tribunal a quo não poderia ter assentado, como assentou, que cada um dos grupos homogéneos referidos se encontrava a ser comercializado um genérico, e, portanto, concluir pela inexistência de erro nos pressupostos de facto dos actos impugnados relativos ao GHO519 e GHO520, ao contrário do que defende a Recorrente/Autora.

Assim sendo, tal divergência conduz a um eventual erro de julgamento de Direito perante os factos provados e não qualquer nulidade da sentença nos termos do art. 668, nº 1 do CPC /95.

Pelo que nesta parte improcede.

Ø Do erro de Direito

A Recorrente cingiu a sua discordância face ao decidido pelo Tribunal a quo apenas em duas questões, a saber:

i) Violação de lei determinada por erro quanto ao pressuposto de facto da comercialização do medicamento genérico que serviu de referência à constituição do grupo homogéneo;
ii) Violação dos direitos de participação procedimental da .... em virtude de esta não ter sido chamada ao(s) procedimento(s) administrativo(s) que antecedeu(eram) a prática de tais actos, em especial, a omissão indevida da audiência da ora Requerente.

Apreciemos então cada uma das questões:
Relativamente à primeira (i) Violação de lei determinada por erro quanto ao pressuposto de facto da comercialização do medicamento genérico que serviu de referência à constituição do grupo homogéneo.
Contextualizando;
Como se alude no Acórdão recorrido:
“Quanto ao objecto do presente processo, refira-se que a criação de grupos homogéneos com os seus preços de referência destina-se, designadamente, a permitir reduzir a despesa pública com a comparticipação do Estado no PVP dos medicamentos sem que seja posta em causa a acessibilidade dos cidadãos aos medicamentos de que necessitem.
Em qualquer caso, é pressuposto do referido a igual eficácia terapêutica de medicamentos de marca e dos correspondentes medicamentos genéricos, sendo que o Estado se propõe comparticipar todos os medicamentos integrados num mesmo grupo homogéneo a partir de uma base comum – o preço de referência -, passando o PVP dos medicamentos integrados nesse grupo a relevar como base para tal comparticipação apenas se o mesmo não exceder o aludido preço de referência.
Com efeito, o sistema dos preços de referência é aplicável aos medicamentos comparticipados incluídos em grupos homogéneos e que sejam prescritos e dispensados no âmbito do Serviço Nacional de Saúde (cfr. art. 2.°, nº 1, do Decreto-Lei nº 270/2002, de 2 de Dezembro).

Nos termos da lei, o grupo homogéneo designa o “conjunto de medicamentos com a mesma composição qualitativa e quantitativa em substâncias activas, forma farmacêutica, dosagem e via de administração, no qual se inclua pelo menos um medicamento genérico existente no mercado” (cfr. art. 3°, alínea b), do Decreto-Lei n° 270/2002 de 2 de Dezembro).

Os PVP dos medicamentos genéricos são, por imperativo legal, inferiores, no mínimo em 35%, ao PVP do medicamento de marca que sirva de referência, com igual dosagem e na mesma forma farmacêutica (cfr. nº 2.°, nº 1, da Portaria nº 577/2001, 7 de Junho); Por outro lado, o preço de referência para cada grupo homogéneo corresponde ao PVP do medicamento genérico existente no mercado que integre aquele grupo e que tenha o PVP mais elevado (Cfr. Artº 4º nº 1 do Decreto-Lei nº 270/2002, de 2 de Dezembro); Finalmente, a comparticipação do Estado no preço dos medicamentos integrados em grupos homogéneos realiza-se de acordo com o respectivo escalão ou regime de comparticipação, mas tomando como base o preço de referência fixado para cada grupo homogéneo, salvo se os respectivos PVP não excederem esse mesmo preço de referência (cfr. art. 6°, nº 1, do Decreto-Lei nº 270/2002, de 2 de Dezembro);

Assim, a constituição de um grupo homogéneo, com o respectivo preço de referência, determina uma redução da comparticipação do Estado no PVP dos medicamentos de marca integrados em tal grupo e o consequente aumento do custo a suportar pelo utente do Serviço Nacional de Saúde ou pelo beneficiário da ADSE com a aquisição desse mesmo medicamento de marca”.

Prosseguindo na apreciação do presente vício, discorreu o Tribunal a quo:

“Antes de mais, por se mostrar relevante e facilitar a visualização do que infra se dirá transcreve-se o Artº 3º do DL nº 270/2002:

Artigo 3.º Definições

Para efeitos do disposto no presente diploma, entende-se por:

a) Preço de referência - o valor sobre o qual incide a comparticipação do Estado no preço dos medicamentos incluídos em cada um dos grupos homogéneos, de acordo com o escalão ou regime de comparticipação que lhes é aplicável;

b) Grupo homogéneo - conjunto de medicamentos com a mesma composição qualitativa e quantitativa em substâncias activas, forma farmacêutica, dosagem e via de administração, no qual se inclua pelo menos um medicamento genérico existente no mercado;

c) Medicamento genérico existente no mercado - o medicamento genérico que tenha registado vendas efectivas no âmbito do SNS, no semestre anterior à elaboração pelo INFARMED das listas de grupos homogéneos.

Alega, em síntese, a Autora que os genéricos que serviram de suporte à criação dos grupos genéricos aqui controvertidos não haviam preteritamente tido quaisquer vendas, em face do que não poderiam ser considerados como “existente no mercado” para efeitos da alínea b) do Artº 3º supra transcrito.

Sem necessidade de especial desenvolvimento, refira-se que face aos quatro grupos homogéneos criados e aqui em discussão, cada um deles continha, pelo menos, um medicamento genérico que registara já vendas, existindo assim, no mercado, como resulta do quadro constante do facto “13”

Em face do referido não se verifica o alegado vício”.

Discordando, refere a Recorrente que, face ao demonstrado no Facto 13 da matéria de facto provada, os medicamentos genéricos incluídos naqueles dois grupos homogéneos - isto é, o Losartan Generis 100 mg., comprimidos, na apresentação de 14 unidades, e o Losartan Ratiopharm 100 mg., comprimidos, na apresentação de 20 unidades- não apresentavam qualquer venda efectiva no âmbito do SNS, no semestre anterior à elaboração pelo INFARMED das listas de grupos homogéneos.
Todavia, labora em erro a Recorrente, uma vez que nas características comuns aos medicamentos em cada grupo homogéneo, nos termos e para efeitos da alínea b) do artigo 3º do Decreto-Lei nº 270/2002, não está incluída a forma de apresentação dos medicamentos, ou seja, se são comercializados em embalagens de 14, 20, 56 ou 60 unidades, por exemplo.
O legislador não previu qualquer definição de grupo homogéneo constante do artigo 3.°, alínea b) do DL 270/2002, ou seja, não define expressamente os medicamentos que devem integrar cada grupo por referência à respectiva apresentação. Em todo o caso, alude que devem conter a mesma composição qualitativa e quantitativa em substâncias activas, forma farmacêutica, dosagem e via de administração.

Para tal teremos de nos socorrer do Estatuto do Medicamento aprovado pelo Decreto-Lei n.° 176/2006, de 30 de Agosto, onde constam no artigo 3º as “definições” para efeitos do disposto naquele diploma:

i): «Apresentação», dimensão da embalagem tendo em conta o número de unidades”,

(…)

o) «Dosagem», teor de substância activa, expresso em quantidade por unidade de administração ou por unidade de volume ou de peso, segundo a sua apresentação;

(…)

nn) «Medicamento genérico», medicamento com a mesma composição qualitativa e quantitativa em substâncias activas, a mesma forma farmacêutica e cuja bioequivalência com o medicamento de referência haja sido demonstrada por estudos de biodisponibilidade apropriados;

A unidade do sistema jurídico (cfr. art.º 9.º, n.º 1 do CC) deve ser atendida na interpretação e aplicação do Direito. Segundo Castro Mendes “A ordem jurídica forma um sistema, de elementos coordenados e homogéneos entre si, não podendo comportar contradições. Daqui resulta que as leis se interpretam umas pelas outras - cada norma e conjunto de normas funciona em relação às outras como elemento sistemático de interpretação" (Introdução ao Estudo do Direito, Lisboa, 1977, pág. 361).
Do quadro legal transposto há que concluir que a apresentação da embalagem, tendo em conta as unidades, é um factor alheio à fixação do preço de referência nos termos e para efeitos do artigo 3º do DL 270/2002, que será obtido tendo em conta a mesma composição qualitativa e quantitativa em substâncias activas, forma farmacêutica, dosagem e via de administração do medicamento genérico introduzido no mercado, no semestre anterior à elaboração pelo INFARMED das listas de grupos homogéneos (alíneas b) e c).

Nesse sentido, é irrelevante, para os efeitos pretendidos pela Recorrente, a comparação com as unidades de cada caixa de outros medicamentos contendo a substância activa Losartan quer de 50 mg, como de 100mg, aquando da constituição dos grupos de homogéneos GHO516, GHO518, GHO519 e GHO520.

Termos em que improcede o alegado erro de julgamento do Tribunal a quo.

Prosseguindo;

Relativamente à segunda questão (ii) Violação dos direitos de participação procedimental da .... em virtude de esta não ter sido chamada ao(s) procedimento(s) administrativo(s) que antecedeu(eram) a prática de tais actos, em especial, a omissão indevida da audiência da ora Requerente; - A VIOLAÇÃO PELO ACÓRDÃO RECORRIDO DO DISPOSTO NOS ARTIGOS 55.°, NÚMERO 1, 100.°, NÚMERO 1, E 103.°, N.° 1, ALÍNEA C), TODOS DO CPA-
Defende a Recorrente que deve ser considerada como interessada no procedimento de constituição do Grupo Homogéneo, nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 53.°, n.° 1, 55.°, n.° 1, 66.°, alínea c), e 100.° e ss., todos do CPA (versão à data), nos procedimentos administrativos tendentes, quer à criação de grupos homogéneos que incluam os medicamentos de cuja AIM seja titular, quer à aprovação dos preços de referência correspondentes a tais grupos homogéneos.
Justificou o Tribunal a quo nesta parte:

“Em síntese, alega a Autora que deveria ter sido chamada a participar no procedimento tendente à criação dos grupos homogéneos, na medida em que era titular de AIM.

A Entidade Demandada, contra-argumenta, afirmando que o procedimento é urgente, por ter natureza trimestral, não se compadecendo com as delongas que resultam da audiência dos interessados, mormente em face do seu elevado número.

Refere-se, em qualquer caso, que não foi alegada a urgência ou qualquer outra excepção, de modo a justificar a dispensa da realização de audiência, facto que tem merecido, da própria jurisprudência administrativa, tratamento diferenciado, como infra se demonstrará.

Lê-se, com relevância para o processo em análise, no Acórdão do STA relativo ao Processo nº 035/04, de 05/05/2004, designadamente: “O direito de audiência previsto no art. 100º do CPA, além de constituir uma importante garantia de defesa dos direitos do administrado constitui também uma manifestação do princípio do contraditório, possibilitando-lhe a participação na formação da vontade da Administração, não só através do confronto dos seus pontos de vista mas também através da sugestão da produção de novas provas que invalidem ou, pelo menos, ponham em causa as certezas daquela.”

Como resulta, designadamente, do Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo relativo ao Processo nº 048378 de 28/05/2002, a urgência na decisão, susceptível de excluir a audiência prévia dos interessados, deve resultar objectivamente do acto e das suas circunstâncias, sendo irrelevante uma urgência afirmada posteriormente ao acto e que dele inequivocamente não resulte. Cite-se, entre muito outros, o sumário do Acórdão do STA, de 3 de Novembro de 1994, (AD nº 407, p. 1153) onde se refere, a este propósito: 1 - “A falta de audiência dos interessados, no procedimento administrativo, fora dos casos previstos no Artº 103º do CPA, invalida os actos praticados sem ela, tornando-os anuláveis por vício de forma. Como ficou dito no Acórdão do STA nº 01607/02 de 23/09/2004, o dever de audiência prévia dos interessados no procedimento administrativo constitui uma concretização do princípio da participação dos particulares na formação das decisões administrativas que lhe digam respeito, dando, assim, satisfação à directriz consagrada no n.º5, do artigo 267º, da CRP, revestindo a natureza de um princípio estruturante da lei especial sobre o processamento da actividade administrativa, traduzindo a intenção legislativa de atribuição de um verdadeiro direito subjectivo procedimental – neste sentido ver, entre muitos, os acórdãos de 8-03-01, de 17-05-01 e de 17-01-02 nos Processos n.º 47.134, 40.860 (do Pleno) e 46.482, respectivamente. No caso em apreço, como se disse já, não foi efectuada a necessária Audiência dos interessados, alegando agora a Entidade Demandada, que tal terá resultado da urgência do procedimento.

Refere-se, por outro lado, no Acórdão do Pleno do STA nº 0498/03 de 04/07/2006 que “A audiência dos interessados, conforme o disposto no artigo 100º do Código do Procedimento Administrativo, visa não só garantir a participação do administrado na decisão que o afecte, como também contribuir para o acerto das decisões administrativas, permitindo aos respectivos autores o melhor conhecimento possível das realidades.

Em qualquer caso, o referido Acórdão do Pleno refere já, divergentemente, que se trata “de formalidade essencial, de cumprimento obrigatório em todos os casos, salvo nas situações previstas nas alíneas a), b) e c), do número 1 do artigo 103º, daquele Código, ou quando ocorra alguma das hipóteses contempladas nas a) e b) do número 2 do mesmo artigo, que permitem ao órgão instrutor dispensar a audiência. Mais se refere que “os pressupostos da inexistência ou dispensa do dever de audiência são avaliados, objectivamente, pelo tribunal, tenha ou não sido proferida, a propósito, declaração pelo órgão instrutor ou pelo autor do acto. Assim, e como concluiu o referido acórdão de 29.6.05, a audiência prévia dos interessados constitui formalidade essencial, de cumprimento obrigatório em todos os casos, salvo perante alguma das situações previstas no art. 103º, nº 1 alíneas a), b) ou c), ou quando ocorra alguma das hipóteses contempladas nas alíneas a) e b) do nº 2 do mesmo preceito, que permitem ao órgão instrutor dispensar a audiência.

Nestes casos, e segundo o entendimento inicialmente adoptado pela jurisprudência (vd., p. ex., acs de 3.11.94 (Rº 33 837), de 6.2.01 (Rº 46844), 17.5.01 (Rº 40 860/p), de 4.6.02 (Rº 135/02) e de 3.2.04 (Rº 41467).), apoiada, aliás, na doutrina (Vd., entre outros, Freitas do Amaral e Outros, in Código do Procedimento Administrativo Anotado, 1992, 162, e Esteves de Oliveira e Outros, in Código do Procedimento Administrativo Comentado, 2ª ed., 464/5.), deveria a Administração proferir decisão fundamentada da qual constassem os motivos da urgência ou dispensa de audiência. Todavia, como nota alguma mais recente jurisprudência maioritária (Vd., entre outros, os acs. de 14.5.98 (Rº 41 373), de 14.5.02 (Rº 47825), de 19.2.04 (Rº 41 000/p), de 2.3.04 (Rº 914/02) e de 24.3.04 (Rº 691/03).), conforme a qual é bastante, para afastar a obrigatoriedade do cumprimento da formalidade da audiência prévia dos interessados, a ocorrência de uma situação objectiva de urgência, ainda que, a tal respeito, não seja proferida qualquer declaração pelo órgão instrutor ou pelo autor da decisão. Assim, deve entender-se que, designadamente «nos casos em que a lei prevê que não há lugar a audiência dos interessados, a solução legal impõe-se, de forma objectiva, logo que se esteja perante situações enquadráveis em alguma das alíneas do nº 1 do art.º 103» do CPA (ac. de 24.3.04-Rº 691/03), pois que a «a declaração de dispensa (ou inexistência) de audiência ou a ausência dela não muda a realidade em si mesma», tal como bem se ponderou, no acórdão de 14.5.98, invocado no aresto recorrido. Conforme esta perspectiva, também já decidiu o Tribunal Pleno, no mencionado acórdão de 19.2.04, que «a ilegalidade consistente na preterição da audiência de interessados, violadora do art. 100º do CPA, pode ser expurgada … pela revelação objectiva dos pressupostos de inexistência ou dispensa desse dever de audiência, previstos no art. 103º do mesmo diploma». Neste sentido, nada obsta a que, o tribunal qualifique juridicamente os factos de que deve conhecer, isto é, aprecie da (in)existência, no caso concreto, da audiência formal (ac. de 14.5.98, cit.).

Em face de tudo quanto supra ficou expendido, se é certo que a Entidade Requerida não invocou, como deveria, no procedimento administrativo a sua urgência, constituir “acto de massas” ou qualquer outra excepção prevista no Artº 103º do CPA, o que é facto é que a quantidade de interessados e a periodicidade a com que está obrigada a verificar a situação (atenta a necessidade de efectuar procedimentos trimestrais, envolvendo número elevado de interessados) inviabilizam, ou pelo menos condicionam fortemente, a realização da audiência dos interessados.

(…)

Refere ainda o Acórdão do STA nº 01609/02 de 08/07/2003, corroborando o precedentemente referido acórdão que “de acordo com o Acórdão deste Supremo Tribunal, de 14-5-98, rec. 41373, com o qual concordamos inteiramente, “perante a arguição do vício de preterição de audiência de interessados, o juiz deve sujeitar a situação à previsão, quer do art. 100º, quer do art. 103º do CPA. Para que seja judicialmente considerada dispensada a audiência dos interessados não é essencial que o órgão instrutor tenha proferido um despacho fundamentado no decurso do procedimento. O Juiz pode recusar efeitos invalidantes à preterição da audiência de interessados com fundamento no princípio do aproveitamento dos actos administrativos ou da relevância limitada dos vícios de forma”. Trata-se de situações em que a degradação da irregularidade decorre da mera instrumentalidade da audiência, a bem dizer, desnecessária, por a situação real ser subsumível a um caso de dispensa de audiência (desnecessidade legal). Finalmente alude-se no Acórdão do STA nº 0498/03 de 04/07/2006 que “os pressupostos da inexistência ou dispensa do dever de audiência são avaliados, objectivamente, pelo tribunal, tenha ou não sido proferida, a propósito, declaração pelo órgão instrutor ou pelo autor do acto.”

Pelas razões aduzidas, designadamente pelo número de potenciais contra-interessados, pela complexidade do procedimento, variedade de produtos e periodicidade da sua realização, entende-se ser dispensável a realização da audiência dos interessados face ao controvertido procedimento, pelo que igualmente se não mostra verificado o vício invocado, embora se reitere que essa dispensa deveria ter ficado, desde logo, justificada no procedimento”.

Prima facie não foi posta em causa por qualquer das partes (seja a Recorrente como as Recorridas), a qualidade da Recorrente como interessada no presente procedimento.

Consequentemente, entendeu o Tribunal a quo que a situação sub iudice seria enquadrável na alínea c) do nº 1 do artigo 103.° do CPA, uma vez que, atendendo ao suposto número de potenciais contra-interessados e à alegada complexidade dos procedimentos em apreço, considerou que não seria praticável proceder à audiência prévia dos interessados neste caso concreto, assim se julgando improcedente a invocação do vício em apreço pela .... .

Nesta parte, tal como defende a Recorrente, inexiste qualquer facto provado que demonstre o número excessivo de contra-interessados a consultar, ou a complexidade de actos procedimentais prévios à decisão impugnada.
Sucede que, perante a improcedência dos demais vícios imputados ao acto impugnado, designadamente do vício de violação de lei, ou de incompetência do INFARMED, a intervenção da Recorrente/Autora não alteraria o sentido da decisão.
Neste conspecto, há que atender ao princípio “utile per inutile non vitiatur/inoperância dos vícios.
Desde logo, diz-nos o referido princípio, e seguindo, entre outros, o sumariado no Acórdão Procº 1465/14BEBRG, de 02-03-2018, que “(...) Tal princípio permite negar relevância anulatória à omissão da Administração, mesmo no domínio dos atos proferidos no exercício de um poder discricionário, quando, pelo conteúdo do ato e pela incidência da sindicação que foi chamado a fazer, possa afirmar-se, com segurança, que a representação errónea do direito aplicável não interferiu com o conteúdo da decisão administrativa.
Não está em causa sanar os vícios detetados, mas tão-só tornar inoperante a força invalidante dos mesmos, em resultado da verificada inutilidade da anulação resultante do juízo de evidência quanto à conformidade material do ato com a ordem jurídica, uma vez que a anulação do ato não traduz vantagem real ou alcance prático para o impugnante.
Se não obstante a verificação de vício anulatório do ato recorrido, se concluir que a anulação não traria qualquer vantagem para o recorrente, deixando-o na mesma posição, a existência de tal vício não deve conduzir à anulação, por aplicação do princípio da inoperância dos vícios ou utile per inutile non vitiatur/inoperância dos vícios.”
Com efeito, como é doutrina assente e jurisprudência estabelecida, o princípio do aproveitamento dos actos administrativos permite negar relevância anulatória ao erro da administração mesmo que no domínio de actos proferidos no exercício de um poder discricionário, quando, por o conteúdo do acto e pela incidência da sindicância que foi chamada a fazer, possa afirmar-se com segurança que a representação errónea dos factos ou o direito aplicável não interferiu com o conteúdo da decisão administrativa (vide acórdão do TCA Norte de 8-01-2016 – Proc. 02336/16).
In casu, a omissão de participação da Recorrente/Autora no procedimento de criação dos grupos de homogéneos, GHO516, GHO518, GHO519 e GHO520, será de degradar em formalidade não essencial porque, independentemente da sua intervenção e das posições que a mesma pudesse tomar, a decisão da Administração só poderia ser aquela que foi tomada, face à inverificação das demais ilegalidades apontadas à Deliberação 351/CA/2006, de 08.09.2006 - Violação de lei determinada por erro quanto ao pressuposto de facto da comercialização do medicamento genérico que serviu de referência à constituição do grupo homogéneo; Incompetência do Conselho de Administração do Infarmed para a aprovação de preços de referência; Violação de lei consequente da ilegalidade da AIM dos medicamentos genéricos incluídos no grupo homogéneo.

Assim, será de confirmar o Acórdão recorrido nesta parte, mas com distinta fundamentação.

Ø Da superveniência da Lei nº 62/2011

Veio o Recorrido, em articulado superveniente, invocar que a nova Lei nº 62/2011, de 12 de Dezembro, tendo vindo dar nova redacção, com natureza interpretativa, aos artigos 19º, 25º e 179º do Estatuto do Medicamento, aprovado pelo Decreto-Lei nº 176/2006, de 26 de Agosto, “deve ser tida em consideração na decisão que vier a merecer os presente autos, e, consequentemente, ser negado provimento ao recurso interposto pela Recorrente, mantendo-se o douto acórdão recorrido”.

Todavia, como se extrai do supra expendido nos presentes autos, não está impugnado qualquer acto de Autorização de Introdução no Mercado (AIM), de medicamento genérico.

Aliás, como se alude no Acórdão recorrido: “Assim, uma vez que a validade das referidas AIM constitui objecto de processos diversos não se mostra viável analisá-la e decidi-la, ainda que incidentalmente, nos presentes Autos”.

Por outro lado, os actos de AIM que surgem referidos neste processo foram praticados ao abrigo do anterior Estatuto do Medicamento, aprovado pelo Decreto-Lei n.° 72/91, de 8 de Fevereiro, não sendo por isso afectados pela Lei invocada pelo INFARMED, que veio interpretar o posterior Estatuto do Medicamento aprovado pelo Decreto-Lei n.° 176/2006, de 26 de Agosto.
Posto isto, a superveniência da Lei nº 62/2011 é irrelevante para a resolução do presente litígio.

*

De todo o exposto, improcede o argumentário recursivo da Recorrente, o que conduz à improcedência do recurso jurisdicional, como se decidirá a final, mantendo-se o Acórdão recorrido com fundamentação não integralmente coincidente.
*

III. DECISÃO:
Pelo exposto, acordam os Juízes que compõem esta Subseção Administrativo Comum deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso e manter o Acórdão Recorrido ainda que com fundamentação não inteiramente coincidente.

Custas pela Recorrente.
R.n.
Lisboa, 11 de Setembro de 2025


Ana Cristina Lameira, Relatora

Marcelo Mendonça

Mara de Magalhães Silveira