Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1389/10.9BEALM
Secção:CT
Data do Acordão:09/26/2024
Relator:TERESA COSTA ALEMÃO
Descritores:USUCAPIÃO
IMPOSTO DO SELO
ISENÇÃO
Sumário:I – A equiparação da aquisição por usucapião a uma transmissão gratuita, consagrada no artigo 1.º, n.º 3, do Código de Imposto do Selo (CIS), constitui uma ficção que o legislador fiscal estabeleceu exclusivamente para efeitos fiscais.
II – A isenção estabelecida no artigo 6.º alínea e) do CIS de pagamento de imposto do selo por parte cônjuge ou unido de facto, descendentes e ascendentes e a remessa aí realizada para as transmissões gratuitas sujeitas à verba 1.2 da Tabela Geral de que são beneficiários, implica que se deva julgar como incluído no âmbito de aplicação da referida norma de isenção a usucapião.
Votação:Unanimidade
Indicações Eventuais:Subsecção Tibutária Comum
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Subsecção Tributária Comum do Tribunal Central Administrativo Sul:

I. RELATÓRIO

J...., melhor identificado nos autos, veio interpor recurso da sentença, proferida em 29 de Maio de 2020, pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada, que julgou improcedente a impugnação por si apresentada contra a liquidação de Imposto do Selo, no valor de € 8 289,00, relativa à aquisição por usucapião do prédio urbano com o artigo matricial 3971, da freguesia de Santo António da Charneca, concelho do Barreiro.

O Recorrente termina as alegações de recurso formulando as conclusões seguintes:

«I - O prédio em apreço foi doado ao recorrente pelo seu pai, como resulta da Matéria do facto provado vide fls. 4 e 5.

II - O A. entende que não é devido tal imposto de selo nos termos da alínea e) do artigo 6 do C. I.S.

III - De acordo com o Acordão do S.T.J. de 24-10-2019, processo 317/15.0T8TVD.L1.S2 - I.T.T.J. ou D.G.S.I., o usucapião tem efeitos retroativos à data do Inicio da posse e não pode nem deve ser ignorado o fundamental a saber a doação do pai ao filho.

IV - Assim, violou o M° Juiz o preceito legal invocado.

Nestes termos e nos melhores de Direito, e sempre com o Muito Douto Suprimento de V.Exas., se pede que seja revogado a Douta Decisão e que seja reconhecida a razão do recorrente como se pediu na P.I..»

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A Recorrida FP, notificada para o efeito, não apresentou contra-alegações.

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Notificado, o Ministério Público junto deste Tribunal Central Administrativo emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.
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Sem prejuízo das questões que o Tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, é pelas conclusões com que a recorrente remate a sua alegação (art. 639.º do C.P.C.) que se determina o âmbito de intervenção do referido tribunal.
Assim, atento o exposto e as conclusões das alegações do recurso interposto, temos que a questão fundamental a decidir é a de saber se a sentença recorrida errou no seu julgamento quando considerou não ser aplicável à situação sub judice a isenção de Imposto do Selo prevista no art. 6.º e) do respectivo Código.
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Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir, considerando que a tal nada obsta.

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II. FUNDAMENTAÇÃO
II.1. De facto
A sentença recorrida deu como documentalmente provados os seguintes factos:

«1. Em 28/4/1982, foi celebrada a escritura pública de “Cessão de quinhão”, através da qual J....e mulher cederam a D...., E....e F...., em comum e partes iguais, pelo preço de trezentos mil escudos, o quinhão da herança integrado pelos Imóveis rústicos e urbanos, inscritos nas matrizes sobre os artigos cadastrais catorze, secção F e urbano 810, ambos da freguesia de Palhais, concelho do Barreiro (cf. cópia da escritura a fls. 13 a fls. 16 do PAT).

2. J.... é filho de D.... e Hermengarda Augusta da Silva (cf. certidão da Conservatória do Registo Civil constante do Processo Administrativo Tributário não numerado, de ora em diante designado de PAT).

3. Em 12/11/2005, na Conservatória do Registo Predial do Barreiro, foi emitida a decisão no “Processo de Justificação” constante do PAT, cujo conteúdo aqui se dá por reproduzido, relativa ao Prédio urbano - Vale Trabuco - Rua .....- parcela de terreno para construção - área: 727 m2 - artigo provisório 23971, da qual consta o seguinte:

“ (…)

I - Matéria de Facto

Relativamente à matéria de facto, constata-se que em 8 de Setembro de 2005, J...., casado com M....., na comunhão geral de bens, residentes na Rua ....., Barreiro, instaurou o processo de justificação, para efeito do disposto nos art°s 116 e 117-B do Código do Registo Predial. Alegou, para tanto, e em síntese:

Que é dono e legítimo possuidor, com exclusão de outrem, respectivamente, do seguinte imóvel:

Prédio urbano - Vale Trabuco - Rua .....- parcela de terreno para construção - Área: 727 m2 - Confrontações: Norte - M.....; Sul - Rua .....; Nascente - F....; Poente •- E...... Art°. 23971 Provisório.

A referida parcela é a desanexar do prédio descrito sob o n° 00947/050908 da freguesia de Santo António da Charneca.

Que em 1 de Julho de 1980, o pai do justificante (D....) conjuntamente com E....e F.... (por cedência da posição contratual) celebraram contrato de promessa de compra e venda de uma parcela de terreno com a área de 2149 m2, com J....e mulher.

Que logo em seguida, procederam à divisão daquele imóvel em três partes aproximadamente iguais, ficando a pertencer ao pai do justificante a parcela de terreno acima identificada e que foi- devidamente participada e inscrita na matriz com o art° 3797. Que nunca chegou a ser outorgada escritura pública de compra e venda entre o justificante e os anteriores proprietários, nem entre o pai do justificante e os dois outros comproprietários.

Que após a celebração do contrato de promessa. D...., tomou posse do lote tendo procedido à respectiva demarcação através da construção de um muro divisório.

Que passado algum tempo, o referido Diamantino, doou verbalmente ao filho, ora requerente, o referido lote de terreno, o qual entrou de imediato na posse do mesmo.

Que na sequência dessa doação, o justificante, construiu um poço, plantou diversas árvores de fruto, mantendo igualmente no terreno livre uma pequena horta.

Que desde a data da posse, o requerente tem usufruído do imóvel, de forma ininterrupta, à vista de todos, auferindo dos seus rendimentos e suportando os respectivos encargos. Foram citados, o Ministério Público e os interessados incertos, de acordo com o previsto no art° 117-G do CRP

Foram inquiridas as testemunhas indicadas pelas requerentes.

Foram notificados todos os titulares inscritos.

Não foi deduzida qualquer oposição.


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II - Factos provados

Da prova produzida resultaram provados os seguintes factos:

Que há mais de 20 anos, o pai do justificante adquiriu conjuntamente com F.... e E....., a posse de uma parcela de terreno, de 2149 m2, através de contrato de promessa de compra e venda celebrado com J....e mulher.

Que logo após o contrato os promitentes-compradores, dividiram o terreno entre si, em parcelas sensivelmente iguais, tendo ficado a pertencer ao pai do justificante a parcela de 727 m2, que de imediato vedou com muro divisório.

Que logo após a aquisição, não titulada, D...., terá doado verbalmente ao filho, aquele lote de terreno.

Que o justificante tomou posse imediata do imóvel tendo procedido à construção de um poço, uma arrecadação para guardar alfaias agrícolas utilizadas no amanho da horta que também plantou.

Que esta ocupação e fruição tem-se mantido ao longo dos anos pelo justificante, de forma ininterrupta, com conhecimento de todos,

Que após o início da posse passou a usar o imóvel como coisa sua, de boa-fé, de forma pública e pacífica, com conhecimento de toda a gente, designadamente familiares, amigos e vizinhos sem oposição de quem quer que seja.

Que as transmissões subjacentes a esta aquisição nunca chegaram a ser tituladas. Tal afirmação, foi corroborada pelo depoimento das testemunhas, duas delas intervenientes nos factos e titulares das duas restantes parcelas.

A convicção da Conservadora quanto aos factos dados como provados resultou do depoimento das testemunhas, conforme autos de inquirição juntos ao processo.

III - Matéria de direito

Nos termos do art° 1287 do Código Civil, a posse do direito de propriedade, mantida por certo lapso de tempo faculta ao possuidor a aquisição desse direito, é o que se designa por usucapião.

A posse em nome próprio, pública pacífica e contínua, conduz à aquisição do imóvel por usucapião, justificando o direito de propriedade, para o efeito de registo, dado que esta forma de aquisição não pode ser comprovada por qualquer outro título.

A usucapião opera “pela transformação em jurídica duma situação de facto, de mera aparência, em benefício daquele que exerce a gestão económica da coisa” in Código Civil anotado, Pires de Lima e Antunes Varela, 1987, pag. 64.

A posse do requerente tem sido mantida nas condições atrás mencionadas, ao longo de mais de vinte anos - art° 1296 do C.C. - tal prazo constitui tempo suficiente para que possamos declarar como adquirido por usucapião, pelo requerente o direito de propriedade sobre o mencionado imóvel.


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IV - Decisão

O processo é o próprio, as partes são legítimas, a Conservatória é competente, nos termos do art° 116, 117-B e 117-D, todos do Código do Registo Predial.

Em face do exposto julgo o presente processo procedente, por provado, e declaro para os efeitos do art° 116 e 117-H do CRP, que o requerente adquiriu por usucapião, sendo proprietário e legítimo possuidor do seguinte prédio:

Prédio urbano - Vale Trabuco - Rua .....- Edifício para arrecadação - Área 727 m2- Confrontações: Norte: Rua M.....; Sul: Rua .....; Nascente: F....; Poente: E....., art° 23971P Notifique a Exma. Mandatária dos requerentes da presente decisão, bem como para proceder à apresentação do comprovativo do pagamento do imposto de selo devido, lavrando-se posteriormente à sua entrega a inscrição de aquisição.

(...)”

4. Em 16/11/2005, J.... apresentou o “modelo I, Comprovativo de participação de Transmissões Gratuitas”, da qual consta como facto tributário “Justificação Judicial/oficiosa de aquisição por usucapião” (cf. modelo 1 a fls. 18 do PAT).

5. Em 26/11/2006, a Direcção Geral dos Impostos emitiu em nome do impugnante J...., a liquidação n.°262757, de imposto de selo, no valor de EUR 8.289,00, com data limite de pagamento de 31/1/2007 (cf. demonstração da liquidação a fls. 21 do PAT).

6. Em 2/3/2007, Joaquim da Silva apresentou no Serviço de Finanças do Barreiro a reclamação graciosa contra a liquidação de Imposto de Selo, constante de fls. 2 e seguintes do PAT, cujo conteúdo aqui se dá por reproduzido, na qual constam em síntese os seguintes fundamentos:

“ (…)

O referido prédio foi doado ao reclamante pelo seu falecido pai D.... (...).

Foi como resulta dessa decisão, na sequência da mencionada doação do seu pai que o requerente veio a adquirir o prédio por usucapião.

Nos termos da alínea a) do n.° 3 do artigo 1.° do Código de Imposto de Selo a aquisição por usucapião, é considerada uma transmissão gratuita.

Nos termos do artigo 6.° alínea e) do Código de Imposto de Selo “São isentas de imposto de selo quando este constitua seu encargo e) o cônjuge, descendente e ascendente, nas transmissões gratuitas de que forem beneficiários.”

O requerente J.... é filho de D...., conforme resulta da Certidão de Nascimento que se junta.

Deste modo, verificou-se um lapso na participação (participação n.° 205168), que deu origem à liquidação.

(…)”

7. Em 7/1/2008, o Chefe de Divisão de Justiça Tributária da Direcção de Finanças de Setúbal proferiu o projecto de decisão de indeferimento da reclamação graciosa, nos termos constantes de fls. 23 e seguintes do PAT, cujo conteúdo aqui se dá por reproduzido, da qual consta em síntese, o seguinte:

“ (...)

IV - FACTUALIDADE RELEVANTE

10. Em 16/11/2005, apresentou a declaração modelo 1 de Imposto de Selo - Participação de Transmissões Gratuitas, constando no anexo I - Relação de Bens, o prédio urbano com o artigo matricial provisório n.° 3971, da freguesia de Santo António da Charneca, do concelho de Barreiro (fls. 18 a 20).

(…)

21. A leitura do art. 1, n° 3 do Código do Imposto de Selo (CIS) dissipará quaisquer dúvidas que possam ainda subsistir. Este preceito promove a enumeração das transmissões gratuitas, para efeito da Tabela Geral, e a transmissão do direito de propriedade, incluindo a aquisição por usucapião, consta na alínea a) do referido artigo.

22. Ainda de acordo com a informação vinculativa, prestada no processo DV.53'803/04, com despacho concordante do Senhor Subdirector - Gera! dos Impostos, de 2004.09.28, é esclarecido o seguinte: " O imposto de selo incide sobre todos os actos, contratos, documentos, títulos, livros, papéis, e outros factos previstos na Tabela Geral, incluindo as transmissões gratuitas de bens, sendo a aquisição por usucapião, prevista no artigo 1287° e seguintes do Código Civil, considerada uma transmissão gratuita de um bem imóvel.”

23. Ainda de acordo com a mesma informação vinculativa se esclarece que “ a aquisição por usucapião é uma aquisição originária que para efeitos fiscais só ocorre no momento em que o documento que a titula (escritura, justificação feita na conservatória ou sentença) se torna definitivo.”, visto tratar - se de uma incidência objectiva, como se pode constatar do n° 3, alínea a) do artigo 1°, e da alínea r) do artigo 5° do CIS e da referida informação vinculativa.

24. No que respeita á liquidação efectuada pela Administração Tributária, de acordo com os artigos 25° e 26° a 28° do CIS, a mesma teve por base a declaração apresentada pelo reclamante (usucapiente), em cumprimento do estipulado na alínea b) do n° 2 do artigo 2° do CIS em 16/11/2005.

25. A aquisição de um imóvel por usucapião é considerada uma transmissão gratuita de bens, de acordo com o estipulado no n° 3, alínea a) do artigo 1o do CIS e sujeita a imposto do selo, á taxa de 10% sobre o valor patrimonial do imóvel, conforme verba 1.2 da Tabela Geral do Imposto de Selo (TGIS).

26. Quanto ao facto de não ter sido indicado na participação a que se refere a alínea b) do n° 2 do artigo 2º do CIS a filiação do reclamante, a mesma não iria influenciar a liquidação, uma vez que o usucapião é uma forma de aquisição do direito de propriedade, como dispõe o artigo 1316° do CC, em conjugação com o artigo 1287° da mesma disposição legal, e o pai do reclamante não era o proprietário originário, uma vez que não titulou a aquisição efectuada a J....e mulher. Estando o artigo matricial 3797, da freguesia de Santo António da Charneca, concelho do Barreiro em nome de F.... e E....., conforme print do sistema do património a fls. 22.

27. Nos termos do artigo 2º, n° 2, são sujeitos passivos as pessoas para quem se transmitem os bens e nas aquisições por usucapião o imposto é devido pelo respectivo beneficiário, alínea b) do mesmo número e artigo.

28. Ainda de acordo com a alínea e) do artigo 6º do CIS, são isentos de imposto, o cônjuge, descendentes e ascendentes, nas transmissões gratuitas de que forem beneficiários, e como ficou demonstrado no ponto 26 e de acordo com a cópia junta aos autos do processo especial de justificação, a aquisição de usucapião, deu - se entre F.... e E....., originários proprietários e o ora reclamante, cujo grau de parentesco é outro, e nenhum dos que são enumerados na referida alínea.

V - CONCLUSÃO

29. Por todo o exposto, parece ser de indeferir a reclamação apresentada, e confirmar o acto tributário de liquidação reclamado.

(…)”

8. Em 22/1/2008, o Impugnante enviou à Direcção de Finanças de Setúbal, a sua pronúncia em sede de audição prévia, constante de fls. 29 a 31 do PAT, cujo conteúdo aqui se dá por reproduzido.

9. Em 18/2/2008, o Chefe de Divisão da Direcção de Finanças de Setúbal, no âmbito de delegação de competências, proferiu a decisão de indeferimento da reclamação apresentada pelo Impugnante, nos termos constantes de fls. 39 a 41 do PAT, cujo conteúdo aqui se dá por reproduzido, da qual consta em síntese, o seguinte:

“ (…)

1. Informa-se que o contribuinte supra identificado, foi notificado do Projecto de Decisão do Indeferimento da Reclamação da liquidação de Imposto de Selo, pelo ofício n.° 809 de 2008.01.09, nos termos do disposto no art. 60.° da Lei Geral Tributária, tendo exercido o direito de audição em 2008.01.22.

2. Analisando o invocado pelo Sujeito Passivo no exercício do direito de audição, cumpre-me levar ao conhecimento de V. Ex.a que o sujeito passivo alegou, em suma, o seguinte:

Que o prédio foi doado ao reclamante pelo seu falecido pai D.... há mais de 15 anos;

Na sequência da mencionada doação do seu pai que o requerente veio a adquirir o prédio por usucapião;

Nos termos da alínea a) do n° 3 do artigo 1° do Código de Imposto de Selo são transmissões gratuitas as que tenham por objecto o direito de propriedade sobre bens imóveis, aqui se incluindo naturalmente a doação ou a usucapião.

Nos termos do artigo 6° alínea e) do Código do Imposto de Selo, são isentas de imposto de selo, quando este constitua seu encargo o cônjuge, descendente e ascendente, nas transmissões gratuitas de que forem beneficiários.

3. Verifica-se, assim que o reclamante não juntou aos autos nenhum elemento relevante, susceptível de alterar o teor do referido projecto de decisão.

4. Como refere na informação anterior nos pontos 26 e 28, os proprietários originários e que participaram o referido prédio à matriz predial urbana, através da declaração modelo 129 de 15.07.1999, são F.... e E....., não constando como proprietário o pai do reclamante - D.....

5. Efectivamente o que o reclamante participou foi uma aquisição por usucapião entre terceiros e não uma doação de pai para filho.

(…)”

10. Em 4/3/2008, J.... apresentou no Serviço de Finanças do Barreiro a petição de “recurso hierárquico” constante de fls. 2 e seguintes do PAT, cujo conteúdo aqui se dá por reproduzido.

11. Em 29/1/2010, a Subdirectora Geral da Direcção de Serviços do Imposto Municipal sobre Transmissões onerosas de Imóveis, do Imposto de Selo, proferiu o projecto de decisão de indeferimento do recurso hierárquico apresentado por J...., nos termos constantes de fls. do PAT, cujo conteúdo aqui se dá por reproduzido.

12. Em 21/6/2010, a Subdirectora Geral da Direcção de Serviços do Imposto Municipal sobre Transmissões onerosas de Imóveis, do Imposto de Selo, proferiu a decisão de indeferimento do recurso hierárquico apresentado por J...., nos termos constantes de fls. do PAT, cujo conteúdo aqui se dá por reproduzido.

13. Em 20/12/2010, a presente Impugnação Judicial foi remetida por correio registado ao Serviço de Finanças do Barreiro (cf. fls. 23 dos autos).»


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No que respeita a factos não provados, refere a sentença o seguinte:
«Inexistem factos não provados com interesse para a decisão em causa, atenta a causa de pedir.»

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II.2. De Direito

A sentença recorrida julgou a presente impugnação improcedente mantendo o acto de liquidação de Imposto do Selo impugnado.
Para tanto, fundamentou-se nas seguintes considerações:
Ora, se o impugnante atentar ao disposto no artigo 1.° do CIS e do artigo 5.°, alínea r) do CIS, facilmente percebe que nos termos da lei, o facto que origina o dever de pagamento de imposto de selo é a celebração da escritura, no caso de justificação.”; “As alegações do Impugnante de que se tratou de uma aquisição por doação verbal do seu falecido pai, não fazem sentido em termos legais, o ascendente do Impugnante nunca registou em seu nome a parcela de terreno correspondente ao prédio urbano com o art° 23971P.
Pelo que, o Impugnante jamais poderia registar o seu direito de propriedade se não através de uma escritura de justificação que lhe permitiu uma aquisição originária por usucapião da propriedade do imóvel.”; “Atendendo ao carácter originário da aquisição como forma constitutiva de direitos reais e não de transmissão dos mesmos, esta não pode ter origem contratual (aquisições derivadas) decorrente de actos de compra e venda ou de doações. A justificação notarial só permite estabelecer ou reatar o trato sucessivo em sede de registo predial como aquisição originária e nunca como uma aquisição derivada, uma vez que os usucapientes não sucedem nos direitos de um outro titular do direito de propriedade (ou outro direito real de gozo) sobre o bem adquirido por usucapião.” e “O Impugnante procedeu à escritura de justificação, porque bem sabe que juridicamente não lhe foi transmitida a propriedade por doação do seu pai, uma vez que este não tinha o bem registado em seu nome, bem que adquiriu como parte de um quinhão com mais dois adquirentes e que nunca dividiu e registou a sua propriedade.

A discordância do Recorrente prende-se com o facto de não lher ser admitida a aplicação da isenção do Imposto do Selo, prevista no art. 6.º e) do CIS, pois entende que a parcela de terreno objecto de justificação notarial veio à sua posse por doação de seu pai.

Dispõe tal norma que “1 - São isentos de imposto do selo, quando este constitua seu encargo:
(…)
e) O cônjuge ou unido de facto, descendentes e ascendentes, nas transmissões gratuitas sujeitas à verba 1.2 da tabela geral de que são beneficiários.

No artigo 1.º do CIS determina-se que para efeitos da verba 1.2 da Tabela Geral, são consideradas transmissões gratuitas, entre outras, as que tenham por objecto o direito de propriedade ou figuras parcelares desse direito sobre bens imóveis, incluindo a aquisição por usucapião.
Por sua vez, no artigo 2.º do mesmo diploma legal, no que respeita à “incidência subjectiva” do imposto do selo, estipula-se que são sujeitos passivos do imposto “nas transmissões gratuitas” as pessoas singulares para quem se transmitam os bens, sem prejuízo das seguintes regras: “a) Nas sucessões por morte, o imposto é devido pela herança, representada pelo cabeça de casal, e pelos legatários; b) Nas demais transmissões gratuitas, incluindo as aquisições por usucapião, o imposto é devido pelos respectivos beneficiários”.
Ainda com relevo para a questão preceitua o artigo 5.°, do Código em referência, que nas aquisições por usucapião a obrigação tributária se considera constituída na data em que transitar em julgado a acção de justificação judicial, na data em que for celebrada a escritura de justificação notarial ou no momento em que se tornar definitiva a decisão proferida em processo de Justificação nos termos do Código do Registo Predial [al. r)].

Visto este enquadramento legal, vejamos, pois.

Tanto a AT como o Tribunal recorrido entendem que, não estando o imóvel registado a favor do ascendente (pai do Recorrente), “jamais o Impugnante poderia registar o seu direito de propriedade senão através de uma escritura de justificação” e que “Atendendo ao carácter originário da aquisição como forma constitutiva de direitos reais e não de transmissão dos mesmos, esta não pode ter origem contratual (aquisições derivadas) decorrente de actos de compra e venda ou de doações”.

Começando pelo primeiro dos argumentos, há que dizer que o instituto da usucapião existe precisamente para as situações descritas, nas quais, por exemplo, falta um título formal de transmissão ou aquisição e o mesmo é impossível de obter (caso das doações não tituladas em que os doadores morreram). Ou seja, se a houvesse prova formal da compra e venda e da doação não tinha sido necessário celebrar a escritura de justificação notarial.
Antes da escritura, formalmente, o Impugnante não era o proprietário do bem, já que a doação não tinha sido feita com a observância das formalidades legais para ela imposta (tinha sido verbal – cfr. ponto 3. dos factos provados). Ou seja, o Impugnante apenas se comportava como proprietário do bem, detinha “a posse do direito de propriedade” que, por ter sido mantida por um determinado lapso de tempo, lhes permitiu, enquanto possuidor, “a aquisição do direito a cujo exercício correspondeu a sua actuação” (art. 1287.º do CC). Apenas com a usucapião passou a ser proprietário do bem em causa.
Assim sendo, a origem da posse do direito de propriedade, na falta de outros elementos, tem que se ir buscar às declarações prestadas perante o notário, confirmadas pelas testemunhas ali presentes.
E, analisada a decisão – cfr. ponto 3. do probatório – o que ali resultou demonstrado foi que a posse do terreno em causa foi adquirida pelo pai do Recorrente através de contrato-promessa, que o delimitou com um muro, e que, logo após tal aquisição, doou ao filho, ora Recorrente, tal parcela de terreno, do qual ele, imediatamente, tomou posse. Ou seja, está demonstrada a doação verbal desse terreno ao Recorrente por parte do seu pai.

Aqui chegados, e visto que as aquisições por usucapião são equiparadas a transmissões gratuitas – art. 1.º n.º 3 a) do CIS –, não pode considerar-se não estarem abrangidas na norma do art. 6.º do CIS que consagra as isenções subjectivas, pelo que, tem razão o Recorrente.

Sobre esta questão da aplicação da isenção de imposto do selo nas aquisições por usucapião aos descendentes e ascendentes, e enfrentando a posição contrária da AT, bem como fazendo apelo às regras da interpretação, é por demais elucidativo o Acórdão do Pleno da Secção de CT do STA, de 02-05-2012, proferido no proc. n.º 0746/11, com o qual concordamos, cuja jurisprudência se tem mantido constante, e que, por isso, aqui transcrevemos nas partes mais relevantes:
“(…) Em suma, para o acórdão fundamento, a isenção prevista na alínea e) do artº. 6° do CIS” somente pode ser aplicada em casos de transmissão de um direito anteriormente incidente sobre a coisa transmitida.
Esta não se afigura, porém, a interpretação mais adequada dos preceitos em análise, que entendemos não ser de manter, perfilhando antes a que ficou consignada no Acórdão deste Supremo Tribunal de 13/10/2010, proc. nº 431/2010, cuja jurisprudência nos limitaremos a seguir de perto.
Da análise dos preceitos supra elencados no ponto 10.1, resulta que o imposto do selo incide sobre todos os actos, contratos, documentos, títulos, livros, papéis, e outros factos previstos na Tabela Geral do Imposto do Selo, incluindo as transmissões gratuitas de bens.
E se é verdade que assiste razão ao Acórdão fundamento quando sublinha que a usucapião constitui uma aquisição originária (art. 1287º ss. do Código Civil), ponto é que, para efeitos fiscais, o legislador veio considerá-la uma “transmissão gratuita de bens imóveis”.
Ora, quando o legislador veio, no art. 1º, nº 3, do CIS, dizer que para efeitos da verba 1.2 da Tabela Geral são consideradas transmissões gratuitas, designadamente a “aquisição por usucapião”, não ignorava que a usucapião não consubstancia uma aquisição translativa da propriedade, nem quis alterar essa natureza. O objectivo do legislador, visando alargar a base de incidência objectiva do imposto, foi o de equiparar, para efeitos de imposto de selo, a usucapião às transmissões gratuitas. Trata-se, por conseguinte, de uma ficção legal para efeitos fiscais.
Ficção que é repetida nas normas seguintes, quando o legislador, no art. 2º do CIS, ao regular a incidência subjectiva do imposto, volta a dizer que “Nas demais transmissões gratuitas, incluindo as aquisições por usucapião, o imposto é devido pelos beneficiários” (alínea b) do mesmo preceito).
Finalmente, no art. 6º do CIS repete então o legislador que, no que concerne às isenções subjectivas, nas transmissões gratuitas sujeitas à verba 1.2. da tabela geral de que são beneficiários, são isentos de imposto do selo, quando este constitua seu encargo, o “cônjuge ou unido de facto, descendentes e ascendentes”.
Porém, para o Acórdão fundamento, aqui a expressão “transmissão gratuita” já não inclui a usucapião.
Ora, fica-se sem se perceber por que é que não há dúvidas quanto ao facto de nos preceitos anteriores (arts. 1º e 2º do CIS) a usucapião considerar-se equiparada ou ficcionada a uma transmissão gratuita, mas já não ser assim quando se chega ao preceito relativo às isenções. É verdade que o legislador nos preceitos anteriores referiu-se sempre à usucapião e no art. 6º do CIS não o faz. Mas o problema que se pode colocar-se, quando muito, é o de saber se era necessário fazê-lo.
Com efeito, repare-se que o legislador no art. 2º do CIS já regula a incidência subjectiva do imposto de selo, referindo expressamente que “nas demais transmissões gratuitas, incluindo as aquisições por usucapião, o imposto é devido pelos beneficiários.” O que significa que quando se chega ao art. 6º já não há necessidade de voltar a repetir-se a expressão. Primeiro porque o objectivo do preceito está centrado na enumeração das pessoas que estão isentas de imposto e não nas operações, o que foi tratado anteriormente. Em segundo lugar, realce-se que o preceito diz expressamente que são isentos “o cônjuge ou unido de facto, descendentes e ascendentes, nas transmissões gratuitas sujeitas à verba 1.2 da tabela geral de que são beneficiários”. Isto é, o preceito ao remeter expressamente para as “transmissões gratuitas sujeitas à verba 1.2 da tabela geral” dispensa a necessidade de repetir a expressão usucapião porque o nº 3 do art. 2º do CIS, para onde a alínea e) do art. 6º do CIS remete, já contém, precisamente, a noção de “transmissões gratuitas” para efeitos daquela tabela onde se inclui a usucapião. O que significa que, por mera interpretação declarativa, se chega ao resultado de incluir a usucapião nas “transmissões gratuitas” para efeitos da isenção da alínea e) do art. 6º do CIS.
Finalmente, a prevalecer a tese do Acórdão fundamento, ficaria também por responder qual a razão de ser de dar tratamento diferente discriminando a usucapião das demais aquisições gratuitas, quando o objectivo da isenção prevista na alínea e) do art. 6º do CIS é o de favorecer precisamente o cônjuge ou equiparado e os descendentes e ascendentes. Não vemos razão para adoptar nesta sede uma noção restrita de “transmissão gratuita”, distinta do sentido amplo adoptado nos demais preceitos. Se o objectivo da lei é proteger as pessoas indicadas na alínea e) do art. 6º do CIS, então o mais natural é que valha a aqui a noção ampla de “transmissão gratuita” adoptado pelo legislador nos demais preceitos.
Acresce ainda que deve considerar-se contrário ao princípio da confiança e da certeza e segurança jurídica, enquanto sub-princípios do princípio do Estado de Direito, que o legislador possa utilizar, sobretudo ao nível de normas de isenção fiscal e no âmbito do mesmo imposto, os mesmos conceitos com significados opostos, para daí extrair encargos económicos sobre os contribuintes de forma pouco clara e transparente.
Em face do exposto, não podemos deixar de concluir no sentido do consignado no Acórdão deste Supremo Tribunal, de 13/10/2010, proc nº 0431/2010, que, “por um lado, a alínea a) do nº 3 do artigo 1º do Código do Imposto de Selo, considera, desde sempre, transmissões gratuitas os casos de aquisição por usucapião de imóveis (….)”. E, por outro lado, o teor da alínea e) do artigo 6º do Código do Imposto de Selo é muito claro e de sentido unívoco: o cônjuge está isento do imposto de selo, quando o imposto constitua encargo seu – como teria de acontecer no caso, se não houvesse isenção legal a favor do cônjuge. E, assim, poderemos, a propósito, formular o seguinte silogismo: se o cônjuge está isento de imposto de selo nas transmissões gratuitas; e, para efeitos fiscais, a aquisição por usucapião é uma transmissão gratuita; a aquisição por usucapião pelo cônjuge está isenta de imposto de selo.” (…)”

No mesmo sentido, ver, por exemplo, o Acórdão deste TCAS, de 07-06-2018, proc. n.º 1119/15.9BELSB, bem como os Acórdãos do STA, de 13-10-2010, proc. n.º 0431/10 e de 20-05-2020, proc. n.º 0121/16.8BEMDL.

Aplicando a jurisprudência supra exposta, com a qual concordamos, ao caso concreto, ficou demonstrado na escritura de justificação que o pai do Recorrente tinha adquirido a posse do terreno em causa através da celebração, juntamente com mais duas pessoas, de contrato promessa de aquisição, dividindo-o, e, imediatamente após, tinha doado verbalmente ao Recorrente essa parcela de terreno.
Ora, como se viu, estando consagrada na alínea e) do art. 6.º do CIS a isenção de imposto quando este constitua encargo, nomeadamente, dos descendentes – que seria o caso – tal isenção tem que ser aplicada à ficcionada transmissão deste imóvel que foi feita ao Recorrente.


Nestes termos, atendendo ao que se deixa dito, a decisão que assim não entendeu incorre em erro de julgamento, não podendo, por isso, manter-se – o que abaixo, no segmento decisório, se determinará.


III. DECISÃO

Face ao exposto, acordam em conferência os juízes da Subsecção Tributária Comum do Tribunal Central Administrativo Sul, em conceder provimento ao recurso, revogar a decisão recorrida e julgar a impugnação procedente, anulando o acto de liquidação impugnado, com as devidas consequências legais.

Custas pela Recorrida (sem taxa de justiça nesta instância uma vez que não contra-alegou).


Registe e notifique.

Lisboa, 26 de Setembro de 2024


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[Teresa Costa Alemão]


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[Cristina Coelho da Silva]


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[Patrícia Manuel Pires]