Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
| Processo: | 36484/25.0BELSB.CS1 |
| Secção: | CA |
| Data do Acordão: | 11/20/2025 |
| Relator: | JOANA COSTA E NORA |
| Descritores: | INDEFERIMENTO DE AUTORIZAÇÃO DE RESIDÊNCIA ACTO NEGATIVO ABANDONO VOLUNTÁRIO |
| Sumário: | I - Despoletando o acto de indeferimento do pedido do requerente de concessão de autorização de residência o processo do seu abandono voluntário do território nacional, a providência cautelar de suspensão da eficácia de tal acto evita que a sua eventual anulação (com a consequente legitimação do requerente a permanecer em território nacional) se concretize após aquele afastamento. II - Tendo o requerente alegado que apresentou manifestação de interesse ao abrigo do n.º 2 do artigo 88.º da Lei n.º 23/2007, de 04 de Julho, vigente à data, só com o indeferimento da autorização de residência fica numa situação de permanência ilegal em território português. III - Determinando a permanência ilegal em território português a notificação para abandonar voluntariamente o território nacional no prazo que lhe for fixado (artigo 138.º, n.º 1, da mesma lei), a suspensão da eficácia do indeferimento do pedido de autorização de residência obsta ao desencadeamento do procedimento de abandono do território nacional. IV - Embora o acto de indeferimento do pedido de autorização de residência seja um acto negativo, não é um acto puramente negativo, na medida em que afecta o status quo anterior, alterando a situação jurídica do requerente, ao sujeitá-lo à notificação para abandonar o território nacional, pelo que é admissível a suspensão da sua eficácia. |
| Votação: | Unanimidade |
| Indicações Eventuais: | Subsecção Administrativa Comum |
| Aditamento: |
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| Decisão Texto Integral: | ACÓRDÃO Acordam, em conferência, os juízes da subsecção comum da secção administrativa do Tribunal Central Administrativo Sul: I – RELATÓRIO M… instaurou processo cautelar contra AIMA - AGÊNCIA PARA INTEGRAÇÃO, MIGRAÇÕES E ASILO, I.P., pedindo a suspensão da execução do acto datado de 18.03.2025, que indeferiu o seu pedido de concessão de autorização de residência. Pelo Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa foi proferida sentença a rejeitar liminarmente o requerimento cautelar, nos termos das alíneas d) e e) do n.º 2 do artigo 116.º do CPTA. O requerente interpôs o presente recurso de apelação, cujas alegações contêm as seguintes conclusões: “- O indeferimento de autorização de AR, com a respetiva não concessão da mesma, deixa o recorrente numa situação de ilegalidade, que no final do prazo para abandono se transforma em clandestinidade. - A suspensão da eficácia de atos negativos, faz sentido nos casos em que fazer sentido nos casos em que o ato seja puramente negativo e na medida em que a lei associe à emissão do ato negativo uma modificação automática que até aí existia. - Os atos aparentemente negativos, ou atos negativos com efeitos positivos, trata-se de uma categoria de atos em que há, efetivamente, uma utilidade na suspensão na medida que deles advém efeitos secundários positivos. - A ordem de abandono voluntario do país e a posterior coercividade nesse abandono tem como pressuposto o ato administrativo de indeferimento ordem de abondo do pais e consequente expulsão coerciva são consequências diretas e necessárias daquele ato adm. - Violou a douta decisão em crise o disposto no artigo 166 n,º 2 al. d) CPTA,” Notificada das alegações apresentadas, a entidade requerida, ora recorrida, não contra-alegou. O Ministério Público junto deste Tribunal, notificado nos termos e para efeitos do disposto no artigo 146.º, n.º 1, do CPTA, pronunciou-se no sentido da improcedência do recurso. Sem vistos dos juízes-adjuntos, por se tratar de processo urgente (cfr. n.º 2 do artigo 36.º do CPTA), importa apreciar e decidir. II – QUESTÕES A DECIDIR A questão que ao Tribunal cumpre solucionar é a de saber se a sentença recorrida padece de erro de julgamento de direito. III – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO A sentença recorrida não fixou factos. IV – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO A sentença recorrida rejeitou liminarmente o requerimento cautelar, nos termos das alíneas d) e e) do n.º 2 do artigo 116.º do CPTA, considerando, não só que a providência cautelar requerida (de suspensão da execução do acto de indeferimento de concessão da autorização de residência) não se reveste de qualquer utilidade para o requerente por tal acto ser puramente negativo sem quaisquer efeitos positivos, não produzindo a suspensão da sua execução efeitos equivalentes à renovação da autorização de residência temporária (que não lhe foi concedida), mas também que a pretensão do requerente não é compatível com uma tutelar cautelar, de natureza provisória, implicando uma tutela de mérito definitiva. Insurge-se o recorrente contra o assim decidido, alegando que o acto de indeferimento de concessão da autorização de residência é pressuposto da ordem de abandono do país e consequente expulsão coerciva, efeitos positivos daquele acto negativo que ocorrerão caso não seja suspensa a eficácia daquele acto. Vejamos. Uma vez distribuído, o processo cautelar é concluso ao juiz para despacho liminar, no qual o requerimento cautelar pode ser admitido ou rejeitado – cfr. n.º 1 do artigo 116.º do CPTA. A rejeição do requerimento cautelar através do despacho liminar permite “a eliminação ab initio de processos que não reúnam condições mínimas de viabilidade”, evitando “o inútil prosseguimento de processos inexoravelmente condenados ao insucesso”, devendo, por isso, apenas ter lugar “quando o tribunal considere que é evidente ou manifesto que a pretensão deduzida é infundada ou que existem exceções dilatórias insupríveis de conhecimento oficioso que impedem a emissão de uma pronúncia de mérito sobre a pretensão do requerente ou se verifique uma total ausência do pedido ou da causa de pedir em termos de o requerimento não poder ser objeto de convite ao aperfeiçoamento” – neste sentido, cfr. Carlos Alberto Fernandes Cadilha e Mário Aroso de Almeida, “Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos”, 4.ª edição, Almedina, 2017, p. 949. Das alíneas d) e e) do n.º 2 do artigo 116.º do CPTA constam, como fundamentos da rejeição liminar do requerimento cautelar, a manifesta falta de fundamento da pretensão formulada e a manifesta desnecessidade da tutela cautelar, fundamentos estes que sustentaram a sentença recorrida. Como notam os mesmos autores (idem, ibidem, p. 951), “A falta de fundamento da pretensão (alínea d)) prende-se com a aplicação dos critérios de que depende a adoção das providências cautelares e há de fundar-se num juízo negativo sobre o preenchimento de algum dos pressupostos de que depende a aplicação desses critérios: por via de regra, de acordo com o regime comum dos n.ºs 1 e 2 do artigo 120.º, o periculum in mora, o fumus boni iuris e a ponderação de danos. A desnecessidade da tutela cautelar (alínea e)) prende-se com o pressuposto do interesse processual ou interesse em agir e há de fundar-se num juízo negativo sobre a necessidade de tutela judiciária no plano cautelar em que a questão se coloca.” Vejamos se, no caso em apreço, estão verificados os fundamentos em que assentou a decisão de rejeição liminar. No requerimento cautelar é pedida a suspensão da execução do acto que indeferiu o pedido do requerente de concessão de autorização de residência, sendo alegado, nos seus pontos 1, 2 e 46 a 62, que o requerente apresentou manifestação de interesse, nos termos do n.º 2 do artigo 88.º da Lei n.º 23/2007, de 04 de Julho, entrou em Portugal e, desde então, reside em território nacional, aqui trabalhando e procedendo aos descontos necessários, sendo a providência cautelar requerida necessária porquanto aquele indeferimento obsta a que o requerente permaneça em território nacional, sendo o primeiro passo para o processo de abandono voluntário do mesmo de território nacional, o qual, depois de ocorrer, se torna irreversível, com a consequente expulsão se o requerente não cumprir a ordem de abandono voluntário, não tendo o requerente condições de subsistência no seu país de origem, pelo que só a suspensão da eficácia do acto evita a saída forçada do requerente do país. Em face da alegação do requerente, e ao contrário do decidido, a providência cautelar requerida (de suspensão da execução do acto de indeferimento de concessão da autorização de residência) mostra-se adequada a assegurar a utilidade da sentença a proferir no processo principal, no qual visa a anulação do acto. Com efeito, despoletando o acto de indeferimento do pedido do requerente de concessão de autorização de residência o processo do seu abandono voluntário do território nacional, a providência cautelar de suspensão da eficácia de tal acto evita que a sua eventual anulação (com a consequente legitimação do requerente a permanecer em território nacional) se concretize após aquele afastamento. Tendo o requerente alegado que apresentou manifestação de interesse ao abrigo do n.º 2 do artigo 88.º da Lei n.º 23/2007, de 04 de Julho, vigente à data, só com o indeferimento da autorização de residência fica numa situação de permanência ilegal em território português, a qual determina a sua notificação pela AIMA, I. P., GNR ou PSP para abandonar voluntariamente o território nacional no prazo que lhe for fixado, entre 10 e 20 dias (artigo 138.º, n.º 1, da mesma lei), pelo que a suspensão da eficácia do indeferimento obsta ao desencadeamento do procedimento de abandono do território nacional. Assim, o decretamento da providência requerida de suspensão do acto de indeferimento atribui vantagem ao requerente porque obsta a que o mesmo seja notificado para abandonar o território nacional, e, por conseguinte, o seu não decretamento é apto a acarretar-lhe prejuízos. Com efeito, o acto de indeferimento do pedido de autorização de residência, embora seja um acto negativo, não é um acto puramente negativo, na medida em que afecta o status quo anterior, alterando a situação jurídica do requerente, ao sujeitá-lo à notificação para abandonar o território nacional, pelo que é admissível (porque faz sentido e tem utilidade) a suspensão da sua eficácia. Por conseguinte, erra também a sentença recorrida ao afirmar que a pretensão do requerente não é compatível com uma tutelar cautelar, de natureza provisória, implicando uma tutela de mérito definitiva. Efectivamente, para além de a pretensão do requerente (suspensão da eficácia do indeferimento da autorização de residência) ter natureza provisória, sendo, por isso, assegurada pela tutela cautelar, esta tutela mostra-se necessária para a alcançar, nos termos referidos. Deste modo, nem é manifesta a falta de fundamento da pretensão formulada nem é manifesta a desnecessidade da tutela cautelar, pelo que não podia o Tribunal rejeitar liminarmente o requerimento cautelar com tais fundamentos. Termos em que se impõe julgar o presente recurso procedente e, em consequência, revogar a sentença recorrida e determinar a baixa dos autos ao Tribunal recorrido, a fim de, se nada mais a tal obstar, no mesmo se prosseguir com a tramitação dos presentes autos. * Por não haver vencimento nem proveito, nos termos do n.º 1 do artigo 527.º do CPC, aplicável ex vi artigo 1.º do CPTA, e considerando que a presente decisão não é a decisão definitiva do processo – prosseguindo o mesmo termos com a baixa dos autos à 1.ª instância -, será a parte vencida a final a responsável pelas custas – neste sentido, seguindo o entendimento adoptado no Acórdão deste Tribunal Central Administrativo Sul de 16.12.2015, proferido no processo n.º 12356/15, in www.dgsi.pt .V – DECISÃO Pelo exposto, acordam os juízes da subsecção comum da secção administrativa do Tribunal Central Administrativo Sul em conceder provimento ao recurso interposto e, em consequência, revogar a sentença recorrida e determinar a baixa dos autos ao Tribunal recorrido, a fim de, se nada mais a tal obstar, no mesmo se prosseguir com a tramitação dos presentes autos. Custas pela parte vencida a final. Lisboa, 20 de Novembro de 2025 Joana Costa e Nora (Relatora) Mara de Magalhães Silveira Marta Cavaleira |