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Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:307/09.1BECTB
Secção:CT
Data do Acordão:04/24/2024
Relator:TÂNIA MEIRELES DA CUNHA
Descritores:IRC
PROVEITOS
PAGAMENTOS INFORMAIS
Sumário:I - Resultando provado que foi acordado o pagamento informal de determinadas quantias, a par do pagamento de quantias a considerar dentro do circuito legal, todos no âmbito de contrato de cessão de exploração, em que a Impugnante surge na posição de cedente, tais valores são seus proveitos.
II - Ainda que o então sócio-gerente da Impugnante se possa ter apropriado de tais quantias, trata-se de questão atinente às relações entre a própria Impugnante e aquele sócio-gerente.
III - A eventual preterição do direito de audição em sede de reclamação graciosa, mesmo a verificar-se, é vício que não afeta a legalidade das liquidações.
IV - Demonstrada, junto do Tribunal, a conformidade substancial do ato de liquidação praticado, a preterição de formalidade legal em sede de reclamação graciosa, atinente à preterição do direito de audição, é irrelevante e sem força invalidante.
Votação:Unanimidade
Indicações Eventuais:Subsecção Tributária Comum
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
Acórdão

I. RELATÓRIO

M… – Investimentos Hoteleiros, Lda (doravante Recorrente ou Impugnante) veio recorrer da sentença proferida a 10.03.2021, no Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) de Castelo Branco, na qual foi julgada improcedente a impugnação por si apresentada, que teve por objeto os indeferimentos das reclamações graciosas que versaram sobre as liquidações adicionais de imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas (IRC) e as dos respetivos juros compensatórios, relativas aos exercícios de 2003 e 2004.

Nas suas alegações, concluiu nos seguintes termos:

“1ª O tribunal “a quo” julgou a impugnação totalmente improcedente e absolveu a Fazenda Pública do pedido.

2ª A decisão de indeferimento da reclamação graciosa relativa ao IRC de 2003 padece de preterição de formalidade legal por violação do direito de audição prévia, na medida em que o projeto de decisão que lhe foi notificado, apenas, se refere à intempestividade do pedido e a decisão final acrescenta a fundamentação constante de outra informação que ainda não lhe tinha sido notificada.

3ª A recorrente alega que as liquidações padecem de erro sobre os pressupostos de facto na parte em que considera que as “luvas” recebidas a título pessoal pelo então sócio-gerente da impugnante se consideram rendimento desta sustentando, para o efeito, que tendo as quantias recebidas pelo então sócio-gerente da sociedade, M…, sido afetos a fins estranhos à empresa, não devem ser consideradas rendimento sujeito a tributação na esfera desta. Contudo, o tribunal “a quo” considerou que aquelas importâncias (luvas) têm de ser consideradas “rendimento” pertencente à esfera jurídica da sociedade, na qual ficam sujeitos a tributação.

4ª As importâncias pagas em cumprimento desses contratos eram devidas ao sócio-gerente que as recebeu relativas a um contrato de cessão de exploração misto com cessão de quotas. Assim, não se pode considerar que as importâncias destes contratos eram devidas à recorrente quando tinham outro destinatário. Pelo que, deverá ser considerado que tal quantia não é rendimento da sociedade, nada sendo devido à Fazenda Nacional a este título por inexistir base tributável.

Nestes termos requer a V.Exª se dignem considerar procedente e provado o presente recurso revogando a douta sentença recorrida e dando por procedendo o pedido formulado na P.I.”.

A Fazenda Pública (doravante Recorrida ou FP) apresentou contra-alegações, pugnando pelo não provimento do recurso.

O recurso foi admitido, com subida imediata nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.

Foram os autos com vista ao Ilustre Magistrado do Ministério Público, nos termos do art.º 288.º, n.º 1, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), que emitiu parecer, no sentido de ser negado provimento ao recurso.

Colhidos os vistos legais (art.º 657.º, n.º 2, do CPC, ex vi art.º 281.º do CPPT), vem o processo à conferência.

São as seguintes as questões a decidir:

a) Há erro de julgamento, em virtude de ter sido preterido o direito de audição prévia em sede de reclamação graciosa?

b) Verifica-se erro de julgamento, dado que os valores corrigidos pela administração tributária (AT) não correspondem a rendimentos da Impugnante, mas sim a luvas recebidas, a título pessoal, pelo sócio-gerente da Impugnante?

II. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

II.A. O Tribunal recorrido considerou provada a seguinte matéria de facto:

“1. A sociedade impugnante tem por objeto social a “exploração de bares e discotecas” exerce essa atividade no estabelecimento designado “Discoteca A…”, anteriormente conhecido por “Discoteca L…” – certidão de registo comercial de fls. 138 do processo físico;

2. Para o exercício dessa atividade a agora impugnante encontra-se fiscalmente enquadrada no regime geral do IRC e no regime normal de periodicidade trimestral do IVA – pág. 4 dos Relatórios de inspeção, de fls. 30 e 151 do PA;

3. A sociedade foi constituída em 1992 com o capital social inicial de 2.000.000$00, distribuído pelos sócios M…, com quota de € 1.200.000$00, B…, com quota de 600.000$00, e F…, com quota de 200.000$00 – pág. 5 dos Relatórios de fls. 31 e 152 do PA;

4. Posteriormente, a quota pertencente ao sócio F… foi dividida em duas, no valor unitário de € 100.000$00, que foram transferidas para o sócio M… e para a sócia B… que, por unificação, ficaram com quotas de 1.300.000$00 e 700.000$00, respetivamente - pág. 5 dos Relatórios de fls. 31 e 152 do PA;

5. Na sequência de uma alteração parcial do pacto social, registada em 19/11/1994, os sócios M… e B… foram designados gerentes da agora impugnante - pág. 6 dos Relatórios de fls. 32 e 153 do PA;

6. A certa altura, em data não determinada, provavelmente durante o ano 2002, C… decidiu investir no negócio de divertimento noturno, e convidou J… para esse projeto por este ser uma pessoa melhor relacionada nesse meio e, em conjunto constituíram a sociedade “N… – Discotecas, Bares e Restauração, Lda.”, ficando o último nomeado para as funções de gerente – depoimentos das duas testemunhas inquiridas, os referidos sócios;

7. Ainda no ano 2002 os sócios da “N… – Discotecas, Bares e Restauração, Lda.” iniciaram negociações com M…, gerente da sociedade impugnante com vista à cedência de exploração do estabelecimento desta denominado “Discoteca A…”, em Castelo Branco, tendo iniciado obras de modernização por sua conta e risco – segunda testemunha inquirida, J…, explicando o motivo que levaram a aceitar as condições suplementares para a cessão de exploração desse estabelecimento, disse que, como já tinham gasto muito dinheiro sem contrato, o Sr. M… se aproveitou da situação e fez exigências suplementares porque sabia que se recusassem perdiam todo o investimento já efetuado, pelo que entre si os sócios da “N…” terão falado em chantagem; corroborado pelo termo de declarações do outro sócio, C…, prestadas em 10/3/2008, a fls. 174-177 do PA;

8. Em 7/5/2003 entre a agora impugnante, representada por M… e B…, e a sociedade “N… – Discotecas, Bares e Restauração, Lda.”, representada por C… e J…, foi celebrado um contrato de cessão de exploração do estabelecimento de discoteca denominado “A…”, sito na Q… em Castelo Branco, com início em 1/7/2003 e termo em 30/6/2006, no qual a primeira cede à segunda a exploração desse estabelecimento em contrapartida do preço de € 108.000,00, a ser pago em 36 prestações de € 3.000,00 cada uma, a que acresce IVA à taxa legal, e, conjuntamente com tal contrato, entre os sócios dessas sociedades foi celebrado um contrato de promessa de cessão de quotas que faz parte integrante do mesmo acordo estipulando-se que a celebração da escritura pública de cessão de quotas determinará a caducidade da presente cessão de exploração (cláusula 12ª) – fls. 46 a 50 e 169 a 173 do PA;

9. No contrato promessa de cessão de quotas aludido na cláusula 12ª do contrato referido no ponto anterior foi estipulado o preço de € 375.000,00 para esse negócio e ficou convencionado que a respetiva escritura pública seria celebrada até ao dia 30/6/2006 - pág. 6 dos Relatórios de fls. 32 e 153 do PA;

10. Porém, o verdadeiro acordo original referido em 8 supra era de mil contos ou € 5.000,00 por mês, sendo € 3.000,00 sujeitos a emissão de recibo e € 2.000,00 sem recibo, sendo tal acordo condição “sine qua non” de celebração do contrato de cessão de exploração – primeira testemunha, C…, sócio da sociedade “N…”;

11. Por isso, na mesma data (7/5/2003) foi celebrado um “Acordo” em que a cessionária (“N….”) se compromete a pagar à impugnante, além do preço do contrato de cessão de exploração, uma renda mensal atualizável todos os anos a que acresce o pagamento das quantias de € 24.000.00 em janeiro de 2004, € 24.000,00 em janeiro de 2005 e € 12.000,00 em janeiro de 2006 – fls. 54 a 56 e 181 a 183 do PA;

12. O acordo referido no ponto anterior visava assegurar a obrigação de pagamento de mais € 2.000,00 mensais “por fora” do contrato aludido em 8 – termo de declarações de fls.51 do PA, subscrito por C…, sócio da sociedade “N…” e depoimentos das duas testemunhas e sócias da cessionária;

13. Com a nova gerência (“N…”) a discoteca “A…” passou a designar-se discoteca “L…” – depoimento de ambas as testemunhas inquiridas, sócios da sociedade cessionária;

14. Em junho de 2003, através do cheque nº 00014, de 30/5/2003, a sociedade “N…” pagou a quantia de € 22.000,00, correspondente à antecipação de 11 prestações a € 2.000,00 cada uma - termo de declarações de fls.52 do PA, subscrito por C…, sócio da sociedade “N…” e cheque de fls. 67 e 68 do PA;

15. Esse cheque teve por finalidade o pagamento ao Sr. M… nos termos do acordo de antecipação de 11 prestações mensais de € 2.000 a partir de fevereiro de 2003 - termo de declarações de fls.58 do PA, subscrito por J…, gerente da sociedade “N… e termo de declarações de fls. 175 do PA; subscrito por C…;

16. Ao longo de 2003 a sociedade “N…” emitiu 6 cheques, no total de € 24.000,00, ao portador ou à ordem de M…, ao tempo sócio-gerente da sociedade agora impugnante – pág. 7 do Relatório de fls. 33 do PA;

17. Esses cheques foram depositados em conta particular do referido M… - pág. 8 do Relatório de fls. 34 do PA e depoimentos das testemunhas inquiridas;

18. Esses pagamentos destinavam-se a cumprir o acordo paralelo aludido em 11 supra – depoimentos das testemunhas inquiridas, os dois sócios da sociedade “N…”, que disseram estarem convencidos que esse dinheiro se destinava à esfera pessoal do Sr. M…;

19. No decurso do ano 2004 a sociedade “N…” foi efetuando pagamentos faseados no tempo no montante global de € 24.000,00 com o objetivo de dar cumprimento à clausula 4ª do “acordo” aludido em 8 supra - termo de declarações de fls.52 do PA, subscrito por C…, representante da sociedade “N…” e pág. 7 do Relatório de fls. 154 do PA;

20. Ao longo de 2004 a sociedade “N…” emitiu 9 cheques, no total de € 26.125,00, à ordem de M…, ao tempo sócio-gerente da sociedade agora impugnante – pág. 7 a 10 do Relatório de fls. 154 a 157 do PA;

21. Esses cheques foram depositados em conta particular do referido M… - pág. 8 do Relatório de fls. 34 do PA e depoimentos das testemunhas inquiridas;

22. Esses pagamentos destinavam-se a cumprir o acordo paralelo aludido em 11 supra – depoimentos das testemunhas inquiridas, os dois sócios da sociedade “N…”, que disseram estarem convencidos que esse dinheiro se destinava à esfera pessoal do Sr. M…;

23. Em 2004 a impugnante declarou como custo, o valor de € 840,34, referente ao recibo nº 8 de 29/1/2004, no montante total de € 1.000,00, incluindo IVA a 19% no montante de € 159,66, que pagou a R… – Desporto M…, Lda., referente a “patrocínio no campeonato nacional de R… 2004” – fls. 198 do PA;

24. Por escritura pública de 7/5/2004 J… de 2004 J… vendeu a sua quota no capital da sociedade “N…”, pelo valor nominal, correspondente a 50% do capital total da sociedade, a favor de C… e esposa - termo de declarações de fls.58 do PA, subscrito por J…, gerente da sociedade “N… e pág. 9 do Relatório de fls. 35 do PA e depoimento da segunda testemunha;

25. Em junho de 2004 foi negociada a cedência de quotas de M… na impugnante para J…, tendo o primeiro exigido que, para a concretização do negócio entre C… e J…, este lhe pagasse a quantia de € 15.000,00 “para beber uns whiskys até ao final do ano” - termo de declarações de fls.52 do PA, subscrito por C…, representante da sociedade “N…”;

26. Por escritura pública de 16/7/2004 C… e esposa cederam a totalidade do capital social da sociedade “N…” a favor de J… e esposa, M… - pág. 9 do Relatório de fls. 35 do PA;

27. Por escritura pública de 27/1/2005 J… e esposa, M…, adquiriram a totalidade do capital da sociedade agora impugnante a M… e B… - pág. 9 do Relatório de fls. 35 do PA;

28. Ao abrigo da Ordem de Serviço nº OI200700229, em 25/9/2007 a AT deu inicio a uma ação inspetiva externa à atividade da agora impugnante nos anos 2003 e 2004 – fls. 1 e seguintes do PA apenso;

29. No decurso da ação inspetiva a AT não conseguiu aceder aos elementos da contabilidade da impugnante, apesar das notificações efetuadas nesse sentido – pág. 5 e 10 do Relatório de fls. 31 e 36 do PA;

30. Em 19/3/2008 a AT concluiu o Relatório final relativo ao exercício de 2003, homologado por despacho da mesma data, no qual efetuou “correções meramente aritméticas” em sede de IRC e IVA– fls. 27 e seguintes do PA;

31. As correções acima aludidas e em sede de IRC (matéria coletável), no montante de € 24.000,00, resultaram do entendimento da AT segundo o qual “Não obstante os pagamentos atrás referidos terem sido efectuados ao então gerente da sociedade M… Investimentos Hoteleiros Lda., afigura-se-nos que os mesmos constituem originariamente proveitos da sociedade ora inspeccionada, em conformidade com o disposto no artº. 20° do CIRC, uma vez que, tendo em conta o inserto na cláusula 5a do referido Acordo Paralelo "os pagamentos referidos nas cláusulas 3a e 4a acrescem aos que se encontram previstos no contrato de cessão de exploração celebrado nesta mesma data", assumindo, assim, a mesma natureza.” – pág. 8 do Relatório de fls. 34 do PA;

32. Em resposta ao exercício do direito de audição prévia a AT reiterou a posição acima referida – ponto IX, de pág. 14 a 18do Relatório, de fls. 38 a 44 do PA;

33. Por ter sido prorrogado o prazo para a inspeção ao ano 2004, em 13/6/2008 a AT concluiu o Relatório final da inspeção a esse exercício, que foi homologado por despacho de 20/6/2008, no qual efetuou “correções meramente aritméticas” em sede de IRC e IVA – fls. 148 e seguintes do PA;

34. As correções acima aludidas e em sede de IRC (matéria coletável), no montante de € 30.785,20, resultaram do entendimento da AT segundo o qual, quanto aos cheques aludidos em 15 supra, no montante total de € 26.125,00, “Não obstante os pagamentos atrás referidos terem sido efectuados ao então gerente da sociedade M… Investimentos Hoteleiros Lda., afigura-se-nos que os mesmos constituem originariamente proveitos da sociedade ora inspeccionada, em conformidade com o disposto no artº. 20° do CIRC, uma vez que, tendo em conta o inserto na cláusula 5a do referido Acordo Paralelo "os pagamentos referidos nas cláusulas 3a e 4a acrescem aos que se encontram previstos no contrato de cessão de exploração celebrado nesta mesma data", assumindo, assim, a mesma natureza” e, quanto ao gasto de € 840,34 aludido em 16 supra, que “Tal custo não poderá, contudo, ser considerado para efeitos fiscais, face à disciplina consagrada no nº 1 do art.º 23º do CIRC” dado que “no ano em análise, a sociedade inspecionada apenas teve como fonte de rendimento o estabelecimento comercial denominado Discoteca A…, cuja exploração cedeu, conforme contrato celebrado em 0705.2003”, pelo que “o custo titulado pelo recibo supra identificado não poderá ser aceite, uma vez que o patrocínio no Campeonato Nacional de Ralis em nada contribui para a realização dos proveitos (rendas) ou para a manutenção da fonte produtora (estabelecimento comercial), pelo que não se verifica a sua indispensabilidade” e, quanto à parte restante das correções, no montante de €4.660,20, a AT entendeu que, tendo corrigido a matéria coletável de 2003 de prejuízos inicialmente declarado no montante de € 4.660,20 para lucro de € 19.229,80, “no que ao ano 2004 diz respeito, haverá agora que proceder à correção dos prejuízo fiscais deduzidos. Não havendo prejuízos a deduzir nos termos do art.º 47º do CIRC, deverá proceder-se à correção do montante declarado pela sociedade M… Investimentos Hoteleiros, Lda., no campo 309 da declaração mod. 22 inicialmente apresentada, daí resultando um acréscimo à matéria coletável no montante de € 4.660,20” – pág. 13 e 14do Relatório de fls. 160 e 161 do PA;

35. Além disso, a AT corrigiu o IRC na parte referente às tributações autónomas, no montante de € 35,70, por considerar que, referindo-se a fatura nº 169 de 14/9/2004, no montante de €714,00, a despesas com a viatura automóvel ligeiro de passageiros de matricula 42-72-DC, deve “ser objeto de tributação autónoma, nos termos dos nºs 3 e 5 do art.º 81º do CIRC” – ponto III.5.3, de pág. 16, do Relatório de inspeção de fls. 163 do PA;

36. Em resposta ao exercício do direito de audição prévia a AT reiterou a posição acima referida, exceto quanto à correção referente ao recibo nº 8, reconhecendo que a dedução da quantia de € 840,34 suportada com o patrocínio ao Campeonato Nacional de Ralis de 2004 não poderia ser negada com fundamento no corpo do artigo 23º, nº 1, do CIRC – ponto IX, de pág. 17 a 20 do Relatório, de fls. 163 a 167 do PA;

37. Na sequência das notificações dos Relatórios acima aludidos, a AT efetuou as seguintes liquidações, que notificou à agora impugnante:

38. Para notificação da liquidação de IRC do ano 2003 a AT remeteu sob registo postal (sem AR) nº RY457989937PT, de 5/6/2008, cuja entrega não foi conseguida em 6/6/2008 com as anotações, “destinatário ausente, empresa encerrada, devolvido” e em 17/6/2008 “Objeto não reclamado, devolvido”, o mesmo sucedendo com as notificações sob registo postal nº RY457996527PT e RY457948098PT referentes à liquidação dos juros compensatórios e à compensação acima aludida – fls. 21, 23 e 25 do PA;

39. Para notificação da liquidação de IRC do ano 2004 a AT remeteu sob registo postal (sem AR) nº RY469722587PT, de 26/9/2008, bem como os registos nº RY469727315PT e RY469647342PT referentes à liquidação dos juros compensatórios e à compensação acima aludida, cuja entrega foi conseguida em 29/9/2008 – fls. 146 e 211 e 212 do PA;

40. Em 18/12/2008 a agora impugnante apresentou reclamação graciosa contra a liquidação do IRC de 2003 alegando, além do mais, que não foi validamente notificada da liquidação – processo nº 0604200804002512 de fls. 6 e seguintes do PA;

41. Na mesma data, em 18/12/2008, a agora impugnante apresentou reclamação graciosa contra a liquidação do IRC de 2004 – processo nº 0604200804002520 de fls. 138 e seguintes do PA;

42. Por despacho de 9/3/2009 o Chefe do Serviço de Finanças de Castelo Branco 1 projetou indeferir a reclamação graciosa nº 060420084002512 (IRC/2003) com fundamento na intempestividade do pedido, considerando que notificação foi efetuada em 2/6/2008, a data limite de pagamento era 7/9/2008 e o prazo para reclamação era de 120 dias, logo o pedido deveria ter sido apresentado até 6/11/2008, pelo que é intempestivo o pedido apresentado em 19/12/2008, não colhendo o argumento de que a notificação não foi efetuada por carta registada com aviso de receção, dado que a lei apenas obriga a que seja efetuada por carta registada – fls. 114 do PA;

43. Notificada do despacho aludido no ponto anterior, em 18/3/2009 a agora impugnante exerceu o direito de audição prévia reiterando que a notificação da liquidação não foi efetuada, dado que a carta foi devolvida ao remetente, pelo que se deveria ter aplicado o disposto no artigo 39º, nº 5, do CPPT – fls. 115 a 121 do PA;

44. Em 27/3/2009, a pedido do Serviço de Finanças de Castelo Branco 1, a Equipa 2 da Divisão de Inspeção Tributária da Direção de Finanças de Castelo Branco emitiu uma informação interna, destinada a preparar a decisão a proferir nas 4 reclamações graciosas relativas ao IRC e IVA de 2003 e 2004, que foi aprovada por despacho concordante de 30/3/2009, mantendo no essencial a posição manifestada no Relatório da inspeção e no sentido do indeferimento dos pedidos – fls. 123 a 127 e 217 a 221 do PA;

45. Em 8/4/2009 o Chefe do Serviço de Finanças de Castelo Branco-1 proferiu despacho concordante com informação interna de 31/3/2009 que, remetendo para a informação aludida em 44 supra, propunha o indeferimento da reclamação graciosa nº 0604200804002520 (IRC/2004) – fls. 222 do PA;

46. Por despacho de 8/4/2009, o Chefe do Serviço de Finanças de Castelo Branco 1 indeferiu a reclamação graciosa nº 060420084002512 (IRC/2003) por “concluir que a presente reclamação para além de ser deduzida fora do prazo, também não merece deferimento no que respeita ao imposto reclamado, pelo que tendo em conta os dois motivos, a indefiro” – fls. 129 e 130 do PA;

47. Por oficio nº 2320 de 23/4/2009 remetido sob registo postal nº RM482641976PT e RM482641962PT, da mesma data, para a sociedade impugnante e para o respetivo mandatário judicial, a AT notificou a impugnante do teor do despacho aludido no ponto anterior e da informação a que alude o ponto 44 supra – fls. 131 a 134 do PA;

48. Notificada do projeto ade decisão aludido em 45 supra, em 23/4/2009 a agora impugnante exerceu o direito de audição invocando erro sobre os pressupostos de direito e ou de facto – fls. 223 a 228 do PA;

49. Por despacho de 24/4/2009 e tendo por base a antessente informação interna, o Chefe do Serviço de Finanças de Castelo Branco-1 indeferiu a Reclamação Graciosa nº 0604200804002520 (IRC/2004) – fls. 229 do PA;

50. Pelo oficio nº 2432, de 30/4/2009, remetido sob registos postais nº RM482642530PT e RM482642424PT, de 4/5/2009, com aviso de receção assinado em 5/5/2009, a AT notificou, na pessoa do mandatário da impugnante, a decisão aludida no ponto anterior – fls. 230 a 234 do PA;

51. Em 11/5/2009 a impugnante apresentou, via telefax, a petição inicial da presente impugnação – fls. 3 e seguintes do processo físico”.

II.B. Refere-se ainda na sentença recorrida:

“Não se apuraram factos a julgar não provados com relevância para a boa decisão das questões a apreciar”.

II.C. Foi a seguinte a motivação da decisão quanto à matéria de facto:

“O Tribunal julgou provada a matéria de facto relevante para a decisão da causa com base na análise crítica e conjugada dos documentos juntos aos autos e ao PA, que não foram impugnados, e bem assim na parte dos factos alegados pelas partes que não tendo sido impugnados – art. 74º da LGT - também são corroborados pelos documentos juntos aos autos art. 76º nº 1 da LGT e arts. 362º e ss do Código Civil (CC) – identificados em cada um dos factos descritos no probatório.

Relevou-se, ainda, o depoimento das testemunhas inquiridas:

1º - C…, na altura dos factos era sócio da sociedade “N… – Discotecas, Bares e Restauração, Lda.”

2º - J…, na altura dos factos era sócio-gerente da sociedade “N… – Discotecas, Bares e Restauração, Lda.”.

Os depoimentos foram prestados de forma que se afigurou ser séria, consistente e convincente, merecedora de plena credibilidade, tendo as suas explicações, conjugadas com as demais provas documentais carreadas para os autos, contribuído fortemente para a formação da convicção acerca dos factos acima descritos, tal como se indica em cada um desses pontos”.

III. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

Por uma questão de precedência lógica, o conhecimento das questões suscitadas iniciar-se-á pelo erro de julgamento, no tocante ao vício de erro nos pressupostos das liquidações em causa.

III.A. Do erro de julgamento, atinente ao erro nos pressupostos

Considera a Recorrente que o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento, porquanto as quantias em causa foram luvas recebidas a título pessoal pelo seu então sócio-gerente e não rendimentos da Impugnante.

Vejamos, então.

Antes de mais, refira-se que a decisão proferida sobre a matéria de facto não foi alvo de qualquer impugnação.

Assim, atendendo à mesma, é de sublinhar o seguinte:

a) A impugnante exercia a sua atividade em estabelecimento designado Discoteca A… e, desde 1994, tinha como sócios-gerentes M… e B…;

b) C… e J… constituíram a sociedade N… – Discotecas, Bares e Restauração, Lda (doravante N…);

c) Após negociações, entre a Impugnante e a N…:

i. Foi celebrado um contrato de cessão de exploração da discoteca referida em a), pelo preço de 108.000,00 Eur., a ser pago em 36 prestações de 3.000,00 Eur. cada uma, acrescidos de IVA;

ii. Foi efetuado um acordo escrito, condição para a celebração do contrato de cessão de exploração e por forma a assegurar, por fora, o pagamento mensal de mais 2.000,00 Eur., onde se estipulou que a N… pagaria à Impugnante uma renda mensal atualizável e as quantias de 24.000,00 Eur. em janeiro de 2004 e em janeiro de 2005, e a quantia de 12.000,00 Eur., em janeiro de 2006;

d) Após negociações, foi celebrado, entre os sócios da Impugnante e os da N…, um contrato de promessa de cessão de quotas, estipulando-se que a celebração da escritura pública de cessão de quotas determinaria a caducidade da cessão de exploração, tendo sido estipulado o preço de 375.000,00 Eur.;

e) Em junho de 2003, a N… pagou 22.000,00 Eur., correspondente a 11 prestações de 2.000,00 Eur., relativas aos meses contados a partir de fevereiro de 2003;

f) Ao longo de 2003, a sociedade “N…” emitiu 6 cheques, no total de 24.000,00 Eur., ao portador ou à ordem de M… e depositados na conta particular deste, visando o cumprimento do acordo mencionado supra;

g) Em 2004, a N… efetuou pagamentos no valor total de 24.000,00 Eur., visando o cumprimento do acordo mencionado supra;

h) Ao longo de 2004, a N… emitiu 9 cheques, no total de 26.125,00 Eur., à ordem de M…, depositados na sua conta particular, visando o cumprimento do acordo mencionado supra;

i) Em 2005, J… e sua mulher adquiriram a totalidade do capital social da Impugnante;

j) Foram efetuadas correções, em sede de relatório de inspeção tributária (RIT), na sequência de a administração tributária (AT) ter chegado à conclusão de que, quanto ao exercício de 2003, o valor de 24.000,00 Eur. e, quanto ao exercício de 2004, o valor de 26.125,00 Eur., relativos ao cumprimento do acordo mencionado supra, eram proveitos da Impugnante.

O Tribunal a quo, a este respeito, considerou que, efetivamente, estamos perante proveitos da Impugnante, na medida em que estamos perante pagamentos efetuados no âmbito do cumprimento de negócios celebrados entre a Impugnante e a N….

Concorda-se com este entendimento da instância.

Com efeito, resultou provada, desde logo, a celebração de um contrato de cessão de exploração com um determinado valor e, complementarmente, a de um acordo, com a previsão de um pagamento adicional ao previsto do referido contrato, porquanto terá havido o objetivo de se receber, informalmente, uma parte do valor.

Ora, toda a matéria de facto provada nos demonstra que a totalidade dos valores acordados eram destinados à Impugnante e não pessoalmente ao seu sócio-gerente. A metodologia adotada, de serem feitos pagamentos diretamente ao então sócio-gerente, que os depositou na sua conta particular, não altera esta conclusão, antes a reforça, na medida em que, como se viu, estamos perante pagamentos que se pretendia que escapassem ao circuito formal e legal de pagamentos. Se o mencionado sócio-gerente fez suas as mencionadas quantias trata-se de questão que extravasa a presente, sendo, sim, questão atinente à relação entre a própria Impugnante e o seu então sócio-gerente – o que, aliás, é cabalmente explanado pelo Tribunal a quo.

Logo, ao contrário do que refere a Recorrente, nada resultou provado no sentido do por si alegado.

Assim sendo, atento o disposto no art.º 20.º do Código do IRC, estamos perante proveitos ou ganhos da Recorrente, que deveriam ter sido oportunamente declarados. Não o tendo sido, encontra-se legitimada a atuação corretiva da AT.

Logo, não assiste razão à Recorrente nesta parte.

III.B. Do erro de julgamento, quanto à preterição do direito de audição em sede de reclamação graciosa

Entende, por outro lado, a Recorrente, exclusivamente quanto ao exercício de 2003, que foi preterido o seu direito de audição, em sede de reclamação graciosa.

Vejamos, então.

Como resulta provado:

a) A Recorrente apresentou reclamação graciosa da liquidação atinente ao exercício de 2003, cujos fundamentos coincidem com os suscitados em sede de impugnação judicial, centrando-se no erro sobre os pressupostos de facto;

b) Foi proferido projeto de indeferimento da reclamação graciosa, por intempestividade, remetendo a informação que precede o despacho proferido, ainda, em termos de mérito, para o teor do relatório de inspeção tributária;

c) A Impugnante exerceu o seu direito de audição;

d) A Divisão de Inspeção Tributária da Direção de Finanças de Castelo Branco emitiu uma informação interna, mantendo, no essencial, a posição manifestada no RIT e no sentido do indeferimento dos pedidos;

e) A reclamação graciosa foi indeferida, sustentando-se na referida informação e mantendo o entendimento quanto à sua intempestividade, decisão notificada à aí reclamante.

O direito de audição prévia, ao nível tributário, encontra-se previsto no art.º 60.º da Lei Geral Tributária, consagrando, ao nível ordinário, o desiderato constitucional consubstanciado no direito de participação dos cidadãos na formação das decisões administrativas que lhes disserem respeito, consagrado no art.º 267.°, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa.

Como referido por Pedro Machete («A Audição Prévia do Contribuinte», Problemas fundamentais do Direito tributário, Vislis, Lisboa, 1999, p. 322):

“A audição prévia do contribuinte visa garantir a defesa dos interesses destes perante o Fisco e a valoração dos factos tributáveis de acordo com o princípio da verdade material. Consequentemente, o seu único pressuposto positivo é a previsão de uma decisão da Administração fiscal desfavorável aos interesses do contribuinte. Perante tal hipótese, quis o legislador que fosse dada ao contribuinte a possibilidade de criticar o entendimento já assumido pela Administração”.

Vejamos.

In casu, ainda que se considerasse existir tal irregularidade, a mesma não consubstancia qualquer vício invalidante e, sobretudo, não tem qualquer reflexo na legalidade do ato mediato objeto da impugnação, a saber a liquidação de imposto.

Não configura qualquer vício invalidante, atenta a teoria do aproveitamento do ato, acolhida já há muito entre a doutrina e a jurisprudência e atualmente até objeto de positivação legal (cfr. art.º 163.º, n.º 5, do Código do Procedimento Administrativo), dado que os fundamentos suscitados em sede de reclamação graciosa já foram ora apreciados e concluiu-se pela legalidade das liquidações.

Com efeito, nos termos da mencionada teoria, verifica-se uma inoperância da força invalidante do vício que inquina o ato, em virtude da preponderância do conteúdo sobre a forma. Assim, quando em relação a um determinado ato, que padeça de ilegalidade formal ou externa, se possa afirmar inequivocamente que o ato só podia ter o conteúdo que teve em concreto, a essa invalidade não é operante, em virtude da conformidade substancial do ato praticado (1-Cfr. José Carlos Vieira de Andrade, O dever de fundamentação expressa de actos administrativos, Almedina, Coimbra, 2007, pp. 329 a 336. V. a este propósito o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 28.03.2019 (Processo: 24/08.0BELRS).). É este o caso.

Uma solução em sentido diferente conduziria a um resultado antijurídico, na medida em que os pressupostos de facto da tributação já foram apreciados pelo Tribunal.

Chama-se, a este respeito, à colação o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 12.04.2012 (Processo: 0896/11), onde se refere:

“[A]pós a sentença recorrida ter confirmado a validade do acto, no que toca à relação material subjacente, (…) não há dúvida que as liquidações adicionais correspondem à solução imposta pela lei para a situação concreta, pelo que a sua anulação criaria uma situação antijurídica. Para evitar tal situação, impõe-se aproveitar o acto, quanto ao vício de procedimento”.

Ademais e acima de tudo, mesmo que se considerasse existir tal vício, tal não comportaria a ilegalidade das liquidações. Como referido no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 07.04.2021 (Processo: 01056/15.7BELRS 0931/17), “o fim da impugnação judicial é a anulação (total ou parcial) da liquidação, e (…) a preterição de uma formalidade legal posterior ao ato de liquidação não tem sobre este ato efeitos invalidantes. O que significa que tal vício, naquele contexto, não é um fundamento válido para o fim visado na impugnação judicial”.

Como tal, ainda que com a presente fundamentação, não assiste razão à Recorrente.

IV. DECISÃO

Face ao exposto, acorda-se em conferência na Subsecção Tributária Comum da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:

a) Negar provimento ao recurso;

b) Custas pela Recorrente;

c) Registe e notifique.


Lisboa, 24 de abril de 2024

(Tânia Meireles da Cunha)

(Isabel Silva)

(Cristina Coelho da Silva)