| Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, os juízes desembargadores da Subsecção Administrativa Comum, do Tribunal Central Administrativo Sul:
1. Relatório
A..., S.A. (doravante A., Requerente ou Recorrente), instaurou no Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria ação cautelar contra a Direção Geral de Energia e Geologia, representada pelo Ministério do Ambiente e Energia (doravante R., Entidade Requerida ou Recorrido) peticionando o decretamento provisório “da suspensão do acto que fixou o valor da caução a prestar no âmbito do procedimento n.º ..., no valor de €126.896,82” e, subsidiariamente, “a constituição de garantia através de hipoteca voluntária, seguro-caução, garantia bancária ou caução, como previsto no n.º 6 do artigo 120.º do CPTA”.
Por sentença proferida em 21 de março de 2025, o referido Tribunal rejeitou liminarmente o requerimento inicial, por manifesta desnecessidade de tutela cautelar e, quanto ao pedido subsidiário de constituição de garantia, por despido de objeto, ficando prejudicado o conhecimento do incidente de decretamento provisório.
Inconformada, a Requerente interpôs recurso jurisdicional dessa decisão para este Tribunal Central Administrativo, concluindo nos seguintes termos:
“1. Por sentença proferida nos autos de processo cautelar n° .../...BELRA, que correm termos no Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria, foi rejeitada liminarmente a Providência Cautelar apresentada pela Requerente de suspensão de eficácia de acto administrativo praticado pela Requerida DGEG, que comunicou à requerente o ofício datado de 24-02-2025 no âmbito do qual a entidade demandada notifica a requerente para exercer o direito de audiência prévia previsto nos artigos 121° e 122° do CPA, quanto o indeferimento do pedido de licença de exploração da pedreira denominada A…, sita na freguesia de R…, concelho de Pombal.
2. Salvo melhor entendimento, tal decisão julga a rejeição liminar da providência cautelar sem se verificarem os fundamentos factuais e legais para tal.
3. Considerou o Tribunal a quo que não se demonstrava indiciariamente alegado o requisito do periculum in mora, decisão essa com a qual a Recorrente discorda profundamente, dado que alegou e fundamentou factos concretos que demonstram prejuízos de difícil reparação.
4. O Tribunal a quo entendeu que não se demonstrava o requisito do periculum in mora, decisão essa com a qual a Recorrente discorda profundamente, dado que alegou e fundamentou factos concretos que demonstram prejuízos de difícil reparação.
5. A exploração da pedreira "A…” constitui uma das principais fontes de rendimento da Recorrente, sendo que a recusa da licença de exploração coloca a empresa em risco de insolvência e põe em causa postos de trabalho.
6. Verifica-se nos autos a existência de perigo de constituição de facto consumado e de produção de prejuízos de difícil reparação, preenchendo-se o requisito do periculum in mora nos termos do artigo 120.° do CPTA.
7. A Recorrente intentou processo cautelar semelhante (proc. n° .../...BELRA) que foi admitido liminarmente, o que revela contradição de decisões perante situações de facto e de direito análogas.
8. O acto administrativo cuja suspensão se requer é nulo, por falta de fundamentação adequada e por violação dos princípios da legalidade, igualdade, proporcionalidade e fundamentação.
9. O decretamento provisório da providência é o único meio de assegurar uma tutela urgente e eficaz dos direitos fundamentais da Recorrente, conforme o disposto no artigo 131.° do CPTA.
10. Não existe prejuízo relevante para o interesse público que justifique a recusa da providência, impondo-se antes a tutela dos direitos da Recorrente.
11. Entende a requerente que o acto administrativo emitido pela requerida e impugnado judicialmente está ferido de nulidade, o qual não deverá produzir os seus efeitos jurídicos até ao trânsito em julgado da sentença a proferir nos autos principais de impugnação de acto administrativo.
12. Estando o acto administrativo impugnado e estando o mesmo eivado de nulidade, deve o mesmo ser imediatamente suspenso na sua execução, até ao trânsito em julgado da decisão a proferir nos autos principais.
13. O acto administrativo ao produzir os seus efeitos jurídicos, tem prejudicado a esfera jurídica e patrimonial da requerente.
14. O acto administrativo cuja suspensão se pretende é o facto de a licença de exploração não vir a ser emitida à requerente, caso não seja prestada a caução indicada no parecer da CCDR.
15. Ou seja, pelo exposto e tendo em conta a Jurisprudência e Doutrina mencionada, o Tribunal a quo não poderia ter rejeitado liminarmente a providência cautelar intentada pela requerente, sem efectuar qualquer prova quanto à urgência da mesma, uma vez que para além de não efectuar uma correcta valoração sobre o alegado pela requerente nos autos, também não fez uma correcta valoração do acto administrativo impugnado e dos interesses públicos e privados em causa, e também não teve em consideração que a execução do acto administrativo colocará a requerente numa situação económico-financeira muito debilitada.
16. Encontram-se preenchidos todos os pressupostos legais para o decretamento da providência cautelar requerida nos termos do artigo 120° do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA): (i) o risco de danos irreparáveis, (ii) a probabilidade de êxito do recurso principal (fumus boni juris), e (iii) a ponderação dos interesses em jogo, que deve equilibrar os danos para as partes envolvidas.
17. A sentença recorrida omitiu a necessária ponderação de interesses públicos e privados em presença, violando o artigo 120.°, n.° 2, do CPTA.
18. Face ao exposto, devem considerar-se preenchidos os requisitos legais do fumus boni iuris e do periculum in mora, impondo-se a revogação da sentença recorrida.
19. Deve a sentença recorrida ser revogada e alterada por outra que por um lado admitida liminarmente a providência cautelar por estarem preenchidos os pressupostos legais, bem como que decrete provisoriamente a providência e a final, após produção da prova, julgue procedente a presente providência cautelar.
Nestes termos e nos melhores de direito, deve o presente recurso ser julgado procedente por provado, revogando-se a douta sentença recorrida, substituindo-a por outra que admita liminarmente a providência cautelar de suspensão de acto administrativo intentada pela requerente, bem como que decrete provisoriamente a providência e a final, após produção da prova, julgue procedente a presente providência cautelar, com todas as legais consequências, assim se fazendo a necessária e costumada
JUSTIÇA!”
O Recorrido apresentou contra-alegações, nas quais formulou as seguintes conclusões:
“1. Com o presente processo cautelar, a Recorrente pretende que seja suspensa a eficácia da comunicação da Direção-Geral de Energia e Geologia (DGEG), onde é transmitido o parecer da Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Centro (CCDRC) quanto ao valor a prestar a título de caução e onde a Recorrente é informada de que a falta de aceitação ou a falta de prestação de caução em tempo, implica a caducidade/recusa da licença de exploração de massas minerais-pedreiras, de acordo com o estabelecido no n.º 4, do artigo 29.º do Decreto-Lei n.º 270/2001, de 6 de outubro, alterado e republicado pelo Decreto-Lei n.º 340/2007, de 12 de outubro.
2. A Recorrente invoca a nulidade dessa comunicação, alegando a violação dos princípios da proporcionalidade, da adequação e da legalidade, uma vez que, alegadamente, os cálculos efetuados para apuramento da caução a prestar não se encontram devidamente fundamentados e violam a norma legal que estatui a forma de cálculo.
3. No pedido apresentado, a Recorrente requereu que se adote a tramitação prevista no artigo 131º do CPTA, ou seja, seja decretada provisoriamente a providência requerida.
4. Porém, o Tribunal a quo decidiu que a alegação da Recorrente “é manifestamente insuficiente para dar como cumprido o critério do periculum in mora, pois a requerente não invoca qualquer facto essencial que admita aceitar que estamos perante uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses a assegurar na acção principal”.
5. Entendeu ainda que “A requerente não consubstancia de forma bastante nem mínima a verificação de factos concretos que permitam concluir por uma situação de prejuízo irreparável ou de facto consumado”.
6. Por este motivo, o Tribunal a quo decidiu rejeitar o requerimento inicial, por manifesta desnecessidade da tutela cautelar, nos termos e para os efeitos do disposto na al. e), do n.º 2, do artigo 116º do CPTA.
7. Conclui-se, assim, na douta Decisão que a apreciação e o conhecimento do incidente de decretamento provisório previsto no artigo 131º do CPTA fica, naturalmente, prejudicado.
8. Em sede de Recurso, a Recorrente alegou em síntese que não se verificam quaisquer fundamentos factuais e/ou legais para a rejeição liminar da providência cautelar apresentada.
9. E no que se refere ao preenchimento do requisito do periculum in mora, a Recorrente realça os fundamentos que apresentou no requerimento inicial e reitera que o prejuízo resultante da execução do ato, que poderá levar à insolvência da sua empresa, é de tal ordem que configura um dano irreparável e irreversível.
10. A Recorrente sustenta que os factos alegados no requerimento inicial são suficientes para justificar a concessão da providência cautelar, uma vez que, o perigo de dano é evidente.
11. Porém, como supra explanado, o Tribunal a quo, ao rejeitar o pedido de providência cautelar, fundamentou a sua decisão na ausência de prova concreta do perigo de dano irreparável, não considerando, portanto, os prejuízos alegados pela Recorrente como sendo suficientes para justificar a medida cautelar.
12. A Recorrente, no entanto, discorda desta análise, considerando que a situação descrita revela de forma clara e inequívoca, a existência de risco sério e iminente de danos irreparáveis.
13. O MAEn, ora Recorrido, refuta os argumentos apresentados pela Recorrente, defendendo que os danos invocados são hipotéticos e de caráter meramente patrimonial, podendo ser posteriormente ressarcidos através de uma eventual indemnização, caso tal se venha a revelar necessário.
14. O MAEn defende ainda que o pedido de suspensão da prestação de caução visa, na realidade, desresponsabilizar a Recorrente das obrigações legais e ambientais que lhe incumbem, sendo estas medidas imprescindíveis à proteção ambiental da área de exploração.
15. O MAEn salienta que a execução do ato não prejudica irreparavelmente a Recorrente, uma vez que, os hipotéticos danos alegados têm uma natureza patrimonial e não configuram uma ameaça imediata à continuidade da sua atividade.
16. Por outro lado, a não execução do ato comprometeria gravemente a proteção ambiental da área afetada pela exploração da pedreira, com riscos para o meio ambiente e para a segurança pública.
17. O MAEn destaca que as obrigações ambientais impostas visam garantir a recuperação ambiental da pedreira e evitar a degradação do solo e dos recursos naturais, o que constitui um interesse público de indiscutível relevância.
18. O MAEn considera que não está preenchido o requisito do "periculum in mora" (perigo de dano irreparável) necessário para a concessão da providência cautelar, uma vez que, a Recorrente não demonstrou que a execução do ato resultaria em danos irreversíveis ou que estes não pudessem ser reparados de outra forma.
18. Além disso, a suspensão do ato atentaria contra o interesse público, ao comprometer a eficácia das medidas de recuperação ambiental sustentabilidade ambiental da área da pedreira.
20. Acresce que, o Recorrido MAEn entende que o pressuposto do fumus boni juris e o requisito negativo relativo aos danos também não se encontram verificados.
21. Mas para o que ora releva, a Recorrente não conseguiu comprovar a existência de um perigo de dano irreparável, nem a necessidade urgente de suspender a comunicação da DGEG.
22. Pelo que, deve o Recurso interposto pela Recorrente ser julgado improcedente, mantendo-se o ato da DGEG em vigor e a obrigação da Recorrente de cumprir as suas responsabilidades ambientais de acordo com a legislação aplicável.
23. A douta Decisão fez uma correta interpretação e aplicação da Lei, não merecendo qualquer reparo ou censura, pelo que deverá ser mantida na íntegra, improcedendo o Recurso em toda a sua extensão, como de improceder se apresentam, assim, todas e cada uma das conclusões formuladas a final do mesmo pela Recorrente.
Nestes termos, nos mais de direito, e com apelo ao MUI DOUTO suprimento de V. Ex.ªs, deve negar-se provimento ao recurso e, em consequência, manter-se na íntegra a douta Decisão recorrida.”
O recurso foi admitido como de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito devolutivo.
O Ministério Público junto deste TCA Sul, notificado nos termos e para efeitos do disposto no n.º 1, do artigo 146.º do CPTA, emitiu parecer no sentido da procedência do recurso.
Com dispensa dos vistos, atento o carácter urgente dos presentes autos, foi o processo submetido à conferência para julgamento.
2. Delimitação do objeto do recurso
Considerando que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação da apelante, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso (cfr. artigos 144.º, n.º 2 e 146.º, n.º4 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), 608.º, n.º2, 635.º, nºs 4 e 5 e 639.º, nºs 1 e 2, do CPC ex vi artigos 1.º e 140.º do CPTA), a questão a apreciar corresponde a saber se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento de direito ao rejeitar liminarmente o requerimento inicial.
3. Fundamentação de facto
Na decisão recorrida não foi fixada matéria de facto
4. Fundamentação de direito
A Recorrente insurge-se contra a decisão rejeitou liminarmente do requerimento inicial ao abrigo da al. e) do n.º 2 do artigo 116.º do CPTA - manifesta desnecessidade da tutela cautelar –, aduzindo que o Tribunal a quo errou ao julgar não verificado o requisito do periculum in mora na medida em que alegou e fundamentou factos concretos que demonstram a constituição de uma situação de facto consumado e os prejuízos de difícil reparação, concretamente que a exploração da pedreira "A…" constitui uma das principais fontes de rendimento da Recorrente e que a recusa da licença de exploração a coloca a empresa em risco de insolvência e põe em causa postos de trabalho.
Advoga, consequentemente, que o ato administrativo é nulo, por falta de fundamentação e violação dos princípios da igualdade, proporcionalidade e fundamentação, devendo ser suspenso na sua execução, e que não existe prejuízo para o interesse público que justifique a recusa da providência. Considerando, ainda, estarem verificados os requisitos para o decretamento provisório.
Refira-se que, embora certamente por erro a Recorrente refira nesta sede recursiva (ponto 1 das conclusões) que a sentença rejeitou liminarmente “a providência cautelar apresentada pela Requerente de suspensão de eficácia de acto administrativo praticado pela Requerida DGEG, que comunicou à requerente o ofício datado de 24-02-2024 no âmbito do qual a entidade demandada notifica a requerente para exercer o direito de audiência prévia (…) quanto ao indeferimento do pedido de licença de exploração da pedreira denominada A…”, na verdade, em conformidade com o que resulta do pedido e da causa de pedir vertidos no requerimento inicial apresentado, a decisão recorrida apreciou, rejeitando liminarmente, a pretensão aí deduzida pela Requerente/Recorrente de suspensão de eficácia do ato que lhe exigiu e fixou o montante da caução a prestar para atribuição da licença de exploração, e não o (projeto de) indeferimento do pedido de licença de exploração da pedreira.
Aprecie-se, então, se no juízo de rejeição liminar formulado o Tribunal recorrido cometeu erro de julgamento.
Como resulta do disposto no n.º 2 do artigo 116.º do CPTA constituem fundamentos de rejeição liminar do requerimento inicial visando a adoção de providência cautelar, além do mais, a manifesta falta de fundamento da pretensão formulada [al. d)] e a manifesta desnecessidade da tutela cautelar [al. e)].
Esclarecem Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha (in Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 5.ª edição, Almedina, p. 999) que “[a] falta de fundamento da pretensão (alínea d)) prende-se com a aplicação dos critérios de que depende a adoção das providências cautelares e há de fundar-se num juízo negativo sobre o preenchimento de algum dos pressupostos de que depende a adoção desses critérios: por via de regra, de acordo com o regime comum dos n.ºs 1 e 2 do artigo 120.º, o periculum in mora, o fumus boni iuris e a ponderação de danos. A desnecessidade da tutela cautelar (alínea e)) prende-se com o pressuposto do interesse processual ou interesse em agir e há-de fundar-se num juízo negativo sobre a necessidade de tutela judiciária no plano cautelar em que a questão se coloca”.
E como se adiantou no Ac. deste TCA Sul de 3.10.2024, proferido no processo 3181/24.4.BELSB, consultável em www.dgsi.pt.
«O âmbito de aplicação do despacho liminar de rejeição do requerimento inicial deve circunscrever-se às causas preconizadas nas alíneas a) a f) do n.º 2 do artigo 116.º do CPTA, com especial atenção quando esteja em cima da mesa a aplicação da alínea d), pois que a sindicância à “manifesta falta de fundamento da pretensão formulada” e a consequente decisão de rejeição, numa fase tão precoce ou embrionária do processo, deve ser feita com especial cuidado, rigor e contenção.
Desse juízo inaugural, em que se traduz a primeira intervenção do Juiz no processo, não é conveniente que se extravase de tal forma os limites do despacho liminar e que se acabe a invadir a esfera própria daquilo que constitui o âmago da decisão cautelar propriamente dita, que já demanda, aí sim, uma ponderação mais aprofundada, esclarecida e fundamentada de todos os critérios de decisão plasmados no artigo 120.º, n.º 1, do CPTA.
Relembramos que a fase processual de elaboração da sentença está reservada, como é consabido, para o pós-citação dos requeridos, conhecidas que já sejam as eventuais oposições e junta ou produzida que seja a necessária prova, de cujas etapas processuais brotará um conhecimento eivado de maior clareza, certeza e completude sobre todas as questões de facto e de direito aduzidas pelos contendores (susceptíveis de maior ou menor controvérsia adjectiva ou/e substantiva).
Portanto, a decisão de rejeição liminar do requerimento inicial, ao abrigo da alínea d) do n.º 2 do artigo 116.º do CPTA, deve ser usada com comedimento, reservada que deve estar para as situações em que, no caso concreto, ainda que recorrendo aos critérios do n.º 1 do artigo 120.º do CPTA, seja líquida, ostensiva ou evidente a “falta de fundamento da pretensão formulada”, de que a total ausência de controvérsia interpretativa sobre todas as questões colocadas será um bom exemplo.
Em sentido similar, embora com origem em causa algo diversa de rejeição liminar, mas cujo entendimento não pode deixar de ser tido aqui em conta, atente-se no que aduziu o acórdão deste TCAS, de 13/09/2023, proferido no processo sob o n.º 350/23.8BEALM, “in” www.dgsi.pt, do qual se destaca o seguinte excerto:
“15. Também a jurisprudência, nomeadamente a deste TCA Sul, vem sustentando que a rejeição liminar duma providência cautelar deve ser reservada para situações excepcionais, uma vez que a mesma “(…) deve ser utilizada com cautela e reservada para aquelas situações em que seja manifesta a existência de fundamento para tal, pois que a regra é a do prosseguimento dos autos, com a citação da entidade requerida, a apresentação por esta da sua defesa, a instrução do processo e a prolação de decisão, tanto mais que o despacho de rejeição é proferido sem audição da parte” (cfr., neste sentido, os acórdãos deste TCA Sul, de 20-11-2014, proferido no âmbito do processo nº 11555/14, de 16-1-2020, proferido no âmbito do processo nº 1575/19.6BELSB, e de 7-7-2021, proferido no âmbito do processo nº 1893/20.0 BELSB-A-A),
16. Significa isto que a rejeição liminar do requerimento inicial deve ser usada com parcimónia, só devendo ocorrer quando não existe qualquer probabilidade de a pretensão poder vir a proceder (por a mesma ser infundada ou pela existência de excepções dilatórias insupríveis), isto é, só quando é evidente, patente, palmar e segura a desnecessidade de tutela cautelar é que pode ser rejeitado o requerimento inicial, pelo que na dúvida não se pode proceder a tal rejeição.”».
Feito este enquadramento do art.º 120.º do CPTA, que enuncia os critérios de que a lei faz depender a possibilidade de concessão de providências cautelares, decorre que são pressupostos, de preenchimento cumulativo, para a adoção de medida cautelar (i) a verificação de fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que o requerente visa assegurar no processo principal (periculum in mora), (ii) a probabilidade de que a pretensão formulada ou a formular nesse processo venha a ser julgada procedente (fumus boni iuris) e (iii) caso se verifiquem aqueles dois requisitos, o tribunal terá ainda de proceder ao juízo relativo à ponderação dos interesses públicos e privados em presença, que poderá determinar a recusa da providência quando, num juízo de proporcionalidade, os danos que resultariam da sua concessão se mostrem superiores àqueles que podem resultar da sua recusa, sem que possam ser evitados ou atenuados pela adoção de outras providências.
Da circunstância de as condições de procedência das providências cautelares definidas no art.º 120.º, n.º 1 e n.º 2 do CPTA serem de verificação cumulativa, resulta que basta a não verificação de qualquer delas para que a providência seja julgada improcedente, a significar que fica prejudicada a apreciação dos demais requisitos (cf. art. 608.º, n.º 2 do CPC).
No caso dos autos, o Tribunal a quo concluiu ser manifesto não se mostrar preenchido o periculum in mora, por entender que
“em sede de periculum in mora, a requerente alega nos artigos 100.º, 101.º e 102.º do articulado inicial que a decisão a suspender irá causar um prejuízo patrimonial elevado, dizendo: «…prejuízo patrimonial manifestamente elevado na esfera jurídica da requerente»; «exploração da pedreira em causa é uma das principais fontes de rendimentos da requerente, sendo que a caducidade/recusa da licença implica que a requerente entre em grave processo de solvibilidade económica, colocando em causa a sua sobrevivência, com a consequente insolvência e colocando em causa os postos de trabalho que mantém»; «gerador de prejuízos de difícil reparação». Nada mais é alegado.
Ora, a alegação formulada naqueles termos é manifestamente insuficiente para dar como cumprido o critério do periculum in mora, pois a requerente não invoca qualquer facto essencial que admita aceitar que estamos perante uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses a assegurar na acção principal.
A alegação circunscreve-se à colocação em causa da exploração do local e do prejuízo patrimonial elevado, mas falha na alegação de factualidade essencial ao preenchimento das consequências dessa circunstância, pois nada alega como a sua situação financeira, patrimonial, restantes actividades, impactos nos capitais, os gastos, os proveitos, os compromissos bancários, as suas disponibilidades, enfim, todo um conjunto de materialidade nuclear à demonstração do prejuízo que possa advir. Não alega, de resto, qualquer facto concreto. E veja-se que a alegação falha na matéria essencial.
O critério do periculum tem de encontrar sustento em factos concretos que gerem um fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação. A requerente não consubstancia de forma bastante nem mínima a verificação de factos concretos que permitam concluir por uma situação de prejuízo irreparável ou de facto consumado.”
Ora, é inegável que no requerimento inicial, tal como nesta sede recursiva, a Recorrente persiste em considerar que bastaria, alegar de forma conclusiva que “com a execução do acto administrativo existe um prejuízo patrimonial manifestamente elevado na esfera jurídica da requerente” e que “a exploração da pedreira em causa é uma das principais fontes de rendimentos da requerente, sendo que a caducidade/recusa da licença implica que a requerente entre em grave processo de solvibilidade económica, colocando em causa a sua sobrevivência, com a consequente insolvência e colocando em causa os postos de trabalho que mantém”, sem concretizar quaisquer factos que possibilitem ao Tribunal alcançar e formular o juízo de prognose inerente à verificação do periculum in mora.
Contudo, notando-se que o requisito do periculum in mora se mostra consagrado no artigo 120.º, n.º 1 do CPTA quando aí se fala da existência de um “fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação”, estabelece-se artigo 114.º, n.º 3 al. g) do CPTA que no requerimento inicial, cabe ao requerente da providência cautelar “especificar, de forma articulada, os fundamentos do pedido”.
Entende-se que o requisito do periculum in mora se encontra preenchido sempre que exista fundado receio que, quando o processo principal termine e sobre ele venha a ser proferida uma decisão, essa decisão já não venha a tempo de dar resposta adequada ou cabal às situações jurídicas e pretensão objeto de litígio, seja porque a evolução das circunstâncias durante a pendência do processo tornou a decisão totalmente inútil, seja porque tal evolução gerou ou conduziu à produção de danos dificilmente reparáveis.
Tem-se considerado que se está perante uma situação de facto consumado sempre que da não adoção da providência cautelar ocorra uma situação de impossibilidade total de reintegração da situação jurídica conforme ao Direito. Assim, haverá uma situação de facto consumado quando, na pendência de qualquer ação principal, a situação de facto se altere de modo a que a decisão que nela venha a ser proferida, sendo favorável ao requerente, perca toda a sua eficácia (Ac. do TCA Norte de 5.4.2024, proferido no processo 00419/23.9BEPRT).
A providência também deve ser concedida quando os factos concretos alegados pelo requerente inspirem o fundado receio da produção de “prejuízos de difícil reparação” no caso de a providência ser recusada, seja porque a reintegração no plano dos factos se perspetiva difícil, seja porque pode haver prejuízos que, em qualquer caso, se produzirão ao longo do tempo e que a reintegração da legalidade não é capaz de reparar ou, pelo menos, de reparar integralmente.
Refira-se que para aferir da verificação do requisito do periculum in mora, o juiz “deve fazer um juízo de prognose colocando-se na situação futura de uma hipotética sentença de provimento, para concluir se há ou não razão para recear que tal sentença venha a ser inútil, por entretanto se ter consumado uma situação de facto incompatível com ela, ou por se terem produzido prejuízos de difícil reparação para quem dela beneficiar, que obstam à reintegração específica da sua esfera jurídica. Neste juízo, o fundado receio há-de corresponder a uma prova, em princípio a cargo do Requerente, de que tais consequências são suficientemente prováveis para que se possa considerar ‘compreensível ou justificada’ a cautela que é solicitada. Como decorre da universalidade das providências admitidas, tanto releva actualmente o periculum in mora de infrutuosidade, que exigirá, em regra, uma providência conservatória, de modo a manter a situação existente, como o periculum in mora de retardamento, que postulará a adopção de uma providência antecipatória, que antecipe parcial ou mesmo totalmente, ainda que sempre em termos provisórios, a solução pretendida ou regule interinamente a situação” [Vieira de Andrade, A Justiça Administrativa (Lições), 14ª edição, Coimbra, Almedina, 2015, p. 293].
Determina a lei que o receio deve ser fundado, ou seja, “apoiado em factos que permitam afirmar, com objectividade e distanciamento, a seriedade e actualidade da ameaça e a necessidade de serem adoptadas medidas tendentes a evitar o prejuízo”, não bastando “simples dúvidas, conjecturas ou receios meramente subjectivos ou precipitados assentes numa apreciação ligeira da realidade, embora, de acordo com as circunstâncias, nada obste a que a providência seja decretada quando se esteja face a simples ameaças advindas do requerido, ainda não materializadas, mas que permitam razoavelmente supor a sua evolução para efetivas lesões” (Abrantes Geraldes, “Temas da Reforma do Processo Civil”, Volume III, Almedina, 2ª edição, pág. 87).
O periculum in mora “pressupõe, assim, um juízo qualificado ou um temor racional, isto é, deve assentar em factos concretos e consistentes que permitam afirmar, com objetividade e distanciamento, a seriedade e a atualidade da ameaça, bem como a necessidade de serem adotadas medidas urgentes, que permitam evitar o prejuízo. O mesmo é dizer que só a presença de um prejuízo atual, concreto e real, reconhecido como efetivamente grave, iminente e irreparável, resultante da demora da sentença definitiva de mérito, pode justificar o acolhimento do pedido apresentado pela via da urgência. Exige-se, no fundo, um juízo de probabilidade “forte e convincente”, a ser valorado pelo julgador segundo um critério objetivo”, de tal forma que uma providência cautelar “será injustificada se o periculum in mora nela invocado se fundar num juízo hipotético, genérico, abstrato, futuro ou incerto, ou num receio subjetivo, sustentado em meras conjeturas” (Marco Carvalho Gonçalves, Providências Cautelares, 2015, Almedina, pp. 206-213).
Ora, como deu nota o Tribunal a quo, para fundar a verificação do periculum in mora a Recorrente no requerimento inicial, e de resto também neste recurso, afirma que «com a execução do acto administrativo emanado existe um prejuízo patrimonial manifestamente elevado na esfera jurídica da requerente», que a «exploração da pedreira em causa é uma das principais fontes de rendimentos da requerente, sendo que a caducidade/recusa da licença implica que a requerente entre em grave processo de solvibilidade económica, colocando em causa a sua sobrevivência, com a consequente insolvência e colocando em causa os postos de trabalho que mantém» e que «a execução do acto recorrido é gerador de prejuízos de difícil reparação mercê de impedir a requerente possa prosseguir na sua actividade económica» (artigos 100.º a 102.º do r.i.).
Mas a sua alegação é conclusiva, isto é, a Requerente/Recorrente faz afirmações relativamente às consequências da produção dos efeitos do ato que lhe exige a prestação da caução sobre a sua esfera jurídica, ou melhor, sobre a sua solvabilidade e possibilidade de prossecução da sua atividade, sem concretizar e consubstanciar os factos que permitissem corroborar e atestar os juízos conclusivos que faz.
Cabe-lhe, desde logo, alegar e demonstrar a sua atual condição económica e financeira da Recorrente, designadamente ao nível do seu ativo e passivo, das suas disponibilidades financeiras – designadamente evidenciando a alegação de que “a exploração da pedreira em causa é uma das principais fontes de rendimentos da requerente” - e dos gastos que suporta com a sua atividade, e que permita, realizado um juízo de prognose, concluir que fazer impender sobre a Recorrente a obrigação de prestar uma caução no valor de € 126.896,82 a conduzirá, na pendência da ação principal, à grave e deficitária situação económica que alega, apta a determinar a sua insolvência, e consequentemente determinante dos prejuízos de difícil reparação ou da situação de facto consumado subjacente ao requisito do periculum in mora.
Isto é, a caracterização de uma situação de prejuízos de difícil reparação ou de uma situação de facto consumado, deve estar suportada por factos concretos, constituindo um ónus do requerente da providência cautelar a alegação dos mesmos. Sendo que só perante tal concretização, o Tribunal pode realizar o juízo de prognose que permitirá considerar que, tal como afirma a Recorrente, se o ato suspendendo produzir efeitos na pendência da ação principal impondo-lhe a prestação da caução se constituirão prejuízos de difícil reparação na sua esfera jurídica ou se criará uma situação de facto consumado.
Entendemos, todavia, que a situação não é de molde a conduzir, de imediato, à rejeição liminar do requerimento inicial ao abrigo das als. d) e e) do n.º 2 do artigo 116.º do CPTA, seja por manifesta a desnecessidade da tutela cautelar – por, na realidade, à luz da sua alegação, a Recorrente carecer da tutela cautelar que reclama -, seja por manifesta falta de fundamento da pretensão.
Mas também não é, como pretende a Recorrente, apta a que se considere verificado o requisito do periculum in mora.
Na realidade, por aplicação do disposto no n.º 5 do artigo 114.º do CPTA, conjugado com a al. g) do n.º 2 do mesmo normativo e à luz do princípio do aproveitamento dos atos processuais, “temperado por uma perspetiva flexível e substancialista que assegure uma tutela jurisdicional adequada à situação sob litígio” (Ac. do Tribunal da Relação do Porto de 5.2.2024, proferido no processo 3389/20.1T8MTS-A.P1, disponível em www.dgsi.pt), entendemos haver lugar ao aperfeiçoamento do requerimento inicial, com fundamento na insuficiente concretização da matéria de facto alegada para preencher os requisitos de que depende a concessão da tutela cautelar requerida.
À luz do exposto, impõe-se revogar a sentença recorrida, determinando-se a baixa dos autos ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria por forma se proceda à notificação da Requerente/Recorrente para aperfeiçoar o seu requerimento inicial concretizando os factos respeitantes ao periculum in mora, que evidenciem o impacto da produção dos efeitos do ato suspendendo na esfera jurídica, seguindo-se os demais trâmites legais.
Da condenação em custas
Sem custas.
5. Decisão
Nestes termos, acordam os juízes desembargadores da Subsecção Administrativa Comum, do Tribunal Central Administrativo Sul, em,
a. Conceder provimento ao recurso e, em consequência, revogar a sentença recorrida, determinando-se a baixa dos autos ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria para que proceda à notificação da Requerente para aperfeiçoar o seu requerimento inicial concretizando os factos respeitantes ao periculum in mora, seguindo-se os demais trâmites legais;
b. Sem custas.
Mara de Magalhães Silveira
Ricardo Ferreira Leite
Marta Cavaleira |