Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
| Processo: | 259/19.0BEFUN |
| Secção: | JUIZ PRESIDENTE |
| Data do Acordão: | 09/16/2025 |
| Relator: | TÂNIA MEIRELES DA CUNHA |
| Descritores: | RECLAMAÇÃO COMPETÊNCIA EM RAZÃO DO TERRITÓRIO OPORTUNIDADE DE CONHECIMENTO CASO JULGADO |
| Sumário: | I. Após alteração do CPPT de 2019, a incompetência em razão do território do tribunal tributário pode ser suscitada oficiosamente.
II. No entanto, o referido em I. não significa que o possa ser a todo o tempo. III. O regime previsto no n.º 2 do art.º 17.º do CPPT consagra é um regime especial, refletindo aqui que alguma doutrina designa de situações de caso julgado tácito. IV. Tendo havido diversas intervenções judiciais e tomadas de decisão, inclusivamente em sede de recurso, que têm inerente a competência territorial do tribunal tributário e o caso julgado tácito que se formou, não é já o momento oportuno para tal competência ser posta em causa. |
| Votação: | DECISÃO SINGULAR |
| Aditamento: |
| 1 |
| Decisão Texto Integral: | Decisão
[art.º 105.º, n.º 4, do Código de Processo Civil (CPC)] I. Relatório S………. B………… B…………., S.A. (doravante Reclamante) veio reclamar, ao abrigo do art.º 105.º, n.º 4, do CPC, da decisão proferida no Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) do Funchal, na qual aquele Tribunal se julgou territorialmente incompetente para o conhecimento da impugnação judicial de liquidações da designada Ecotaxa, emitidas pela Alfândega do Funchal. Sustentou o seu entendimento, fundamentalmente, no seguinte: a) Nunca em situações similares foi suscitada a questão da incompetência em razão do território; b) O Tribunal a quo não podia ter conhecido da exceção da incompetência em razão do território, uma vez que já há muito foi proferida sentença em 1.ª instância nos autos, concretamente a 30.09.2021; c) A interpretação do art.º 12.º, n.º 1, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) tem de ser no sentido de se considerar a alfândega como serviço periférico local, uma vez que atuou como tal, conclusão que se pode obter igualmente por meio de interpretação extensiva; d) Trata-se da liquidação de um imposto criado por Decreto Legislativo Regional da Região Autónoma da Madeira e os montantes gerados pela sua cobrança constituem receita própria e exclusiva da Região Autónoma da Madeira (cfr. art.º 8.º, n.º 1, do Decreto Legislativo Regional n.º 8/2012/M, de 27 de abril), o que justifica igualmente a competência do TAF do Funchal; e) A Lei n.º 4/2004, de 15 de janeiro, que estabelece os princípios e normas a que deve obedecer a organização da administração direta do Estado, refere, no seu art.º 5.º, que os serviços da administração direta do Estado podem ser centrais ou periféricos, sendo centrais os que exercem competência extensiva a todo o território nacional e periféricos os que dispõem de competência limitada a uma área territorial restrita, funcionando sob a direção do membro do Governo competente; esta é a distinção para a qual o art.º 12.º do CPPT quis apontar (e não a diferença consagrada no art.º 6.º do diploma que aprova o CPPT).
É a seguinte a questão a decidir: a) Qual o tribunal territorialmente competente para a instrução e conhecimento da presente ação?
II. Fundamentação II.A. Para a apreciação da presente reclamação, está provado o seguinte: 1) Foi apresentada, a 28.08.2019, impugnação judicial, pela Reclamante, junto do TAF do Funchal, que teve por objeto liquidações da designada Ecotaxa, emitidas pela Alfândega do Funchal (cfr. documento com o n.º 005611027 de registo no SITAF neste TCAS). 2) Foi proferida sentença nos presentes autos a 30.09.2021 (cfr. documento com o n.º 005611082 de registo no SITAF neste TCAS). 3) A sentença mencionada em 2) foi objeto de recurso (cfr. documento com o n.º 005611093 de registo no SITAF neste TCAS). 4) Na sequência do referido em 3), foi proferido, no Supremo Tribunal Administrativo, a 03.05.2023, Acórdão, no qual foi revogada a sentença recorrida e ordenada a baixa dos autos para o conhecimento das questões julgadas prejudicadas, se a tal nada obstar (cfr. documento com o n.º 005611118 de registo no SITAF neste TCAS). 5) O Acórdão referido em 4) foi objeto de recurso para o Tribunal Constitucional, no qual foi proferido Acórdão, a 08.10.2024, negando, em parte, provimento ao recurso e, no demais, não conhecendo do respetivo mérito (cfr. documento com o n.º 005611145 de registo no SITAF neste TCAS). * II.B. Apreciando. Considera a Reclamante, em síntese, que o TAF do Funchal é o competente para apreciar a impugnação em causa, porquanto, desde logo, já não podia o Tribunal apreciar tal matéria de exceção. Ademais, considera, é a solução que decorre do disposto no art.º 12.º do CPPT. Vejamos, então. Situação em tudo idêntica à ora em apreciação, relativa ao mesmo tributo e à mesma Reclamante, já foi decidida por este TCAS, a 15.05.2025, no âmbito do Processo n.º 88/18.8BEFUN (e, bem assim, nos processos 259/20.7BEFUN e 59/20.4BEFUN, ambos de 16.05.2025). Por não haver motivo para nos afastarmos de tal entendimento, passamos a citar o que aí se disse, em termos de fundamentação: “O conhecimento da incompetência em razão do território já teve, no âmbito do contencioso tributário, diversos regimes, sendo que, desde as alterações ao CPPT decorrentes da Lei n.º 118/2019, de 17 de setembro, passou a estar expressamente consagrada a possibilidade de o seu conhecimento ser oficioso. No entanto, e por motivos que bem se compreendem, designadamente em termos de estabilidade (que, por exemplo, estão inerentes a outras opções do legislador, como a constante do art.º 105.º, n.º 2, do CPC), o legislador definiu um momento até ao qual pode ser conhecida esta exceção. Assim, nos termos do n.º 2 do art.º 17.º do CPPT: “2 - A incompetência em razão do território é de conhecimento oficioso, podendo ser arguida ou conhecida até à prolação da sentença em 1.ª instância”. Ora, in casu, esse momento ocorreu com a 1.ª sentença proferida, que, em matéria de exceção, aliás, se pronunciou sobre a competência em razão do território do tribunal. Ainda que seja entendimento que, em regra, o chamado saneador tabelar não faz caso julgado formal, tal entendimento não se aplica quando há regras especiais que prevalecem e que implicam que, nas palavras de Mário Aroso de Almeida e Carlos Fernandes Cadilha (Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 5.ª ed., Almedina, Coimbra, 2021, p. 742), até se possa falar em caso julgado tácito. Aliás, no âmbito da jurisdição administrativa e fiscal, encontramos um lugar paralelo no n.º 2 do art.º 88.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), nos termos do qual “[as exceções dilatórias] que não tenham sido apreciadas no despacho saneador não podem ser suscitadas nem decididas em momento posterior do processo e as que sejam decididas no despacho saneador não podem vir a ser reapreciadas”. Refere-se, a este propósito, no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 13.05.2021 (Processo: 064/07.6BEFUN): “O art.º 87.º, do CPTA, na redacção aqui aplicável (a anterior à que resultou do DL n.º 214-G/2015, de 2/10), estabeleceu, no seu n.º 2, que “as questões prévias referidas na alínea a) do número anterior que não tenham sido apreciadas no despacho saneador não podem ser suscitadas nem decididas em momento posterior do processo e as que sejam decididas no despacho saneador não podem vir a ser reapreciadas”. Como escrevem Mário Aroso de Almeida e Carlos Fernandes Cadilha (in “Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos”, 3.ª edição revista-2010, pág. 578), “o artigo 87.º, n.º 2, configura uma situação de caso julgado tácito, que deriva de as partes não terem suscitado nos articulados a excepção dilatória que poderia pôr termo ao processo e de o juiz não ter apreciado oficiosamente essa excepção dilatória, como lhe competia, na fase do saneador”. Assim, ao concentrar na fase do saneador a apreciação de todas as questões obstativas do conhecimento do objecto do processo, o legislador proibiu que em qualquer outro ulterior momento processual se procedesse ao seu conhecimento, ainda que a decisão tivesse sido meramente tabelar. A solução consagrada pelo legislador do CPTA, afasta-se pois da adoptada no art.º 595.º, n.º 3, do CPC – que limita o caso julgado formal às excepções e nulidades que são concretamente decididas – a qual, por ser de aplicação meramente subsidiária (cf. art.º 1.º, do CPTA), não é de aplicar quando, como é o caso, existe uma norma processual administrativa que cobre a mesma situação e que, por isso, prevalece. Portanto, porque o acórdão recorrido não podia conhecer da incompetência dos tribunais administrativos em razão da matéria, sob pena de violar o caso julgado formal formado pelo despacho saneador, incorreu na nulidade que lhe foi imputada.”. Como referem Mário Aroso de Almeida e Carlos Fernandes Cadilha (Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 5.ª ed., Almedina, Coimbra, 2021, p. 742), a propósito do n.º 2 do art.º 88.º do CPTA, mas cujos princípios são transponíveis, esta solução “funda-se no princípio de promoção do acesso à justiça”. É certo que, in casu, a sentença mencionada em 3) foi revogada, na parte em que apreciou de mérito a pretensão da ora reclamante (a competência em razão do território não constituiu objeto do recurso jurisdicional que havia sido interposto), tendo sido ordenada a baixa dos autos para conhecer os fundamentos julgados prejudicados se a tal nada obstasse. No entanto, tal circunstância não invalida o que resulta do n.º 2 do art.º 17.º do CPPT e o caso julgado tácito que se formou [cfr., em situação com similitudes, na medida em que também nela houve uma revogação da primeira sentença proferida, a decisão deste TCAS de 02.02.2022 (Processo: 2934/15.9BESNT)]. Assim sendo, não podia o TAF do Funchal, no presente momento, suscitar e conhecer a exceção de incompetência em razão do território, dado que a mesma já está sedimentada”. Como tal, aderindo ao entendimento citado, assiste razão à Reclamante, resultando prejudicada a apreciação das demais questões alegadas.
III. Decisão Face ao exposto: a) Defere-se a reclamação apresentada, por já estar sedimentado no processo ser territorialmente competente, para a tramitação dos presentes autos, o TAF do Funchal; b) Sem custas; c) Registe e notifique; d) Baixem os autos. Lisboa, d.s. A Juíza Desembargadora Presidente, |