Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:2878/22.8 BELSB
Secção:CA
Data do Acordão:03/23/2023
Relator:LINA COSTA
Descritores:IDLG
EFEITO MERAMENTE DEVOLUTIVO
DOCUMENTOS COM O RECURSO
ESPECIAL URGÊNCIA
PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO
DILIGÊNCIAS OFICIOSAS
PRAZO DECISÃO
Sumário:I. Nos recursos das acções de intimação previstas no artigo 109º, o efeito é meramente devolutivo, por força do disposto na alínea a) do nº 2 do artigo 143º, ou seja, decorre ope legis, não havendo que aplicar o disposto no nº 4 do mesmo artigo, do CPTA;

II. Depois do encerramento da discussão e em caso de recurso, só a título excepcional é admitida a junção de documentos com as alegações e exclusivamente cuja apresentação não tenha sido possível anteriormente ou quando a sua junção se tenha tornado necessária por causa do julgamento proferido em 1ª instância – cfr. o nº 1 do artigo 651º do CPC;

III. Os documentos são, por definição, meios de prova de factos que configuram os fundamentos da acção ou da defesa e que deles carecem, conforme resulta do disposto no nº 1 do artigo 423º e no artigo 410º, do CPC, pelo que uma sentença, acórdão, não pode ser considerada/o um documento;

IV. A verificação dos requisitos previstos no nº 1 do artigo 109º do CPTA, mormente a urgência que justifica o recurso a este meio processual tem de ser aferida de acordo com as circunstâncias do caso em concreto tendo em conta a alegação que é feita pela Requerente;

V. A Requerente alegou ter 77 anos de idade e pretender mudar a sua residência, bem como a da sua família para Portugal, não como imigrante, mas como portuguesa, pelo que a demora do procedimento de registo do seu nascimento, prejudica todos os projectos de vida dela própria e da sua família – são estes factos conjugados que consubstanciam a exigida especial urgência para fazer uso da presente acção de intimação, no caso em apreciação;

VI. A integração de um registo de nascimento no registo civil português, obedece a um procedimento administrativo legalmente previsto, regulado por normas próprias, por estar em causa o reconhecimento da nacionalidade portuguesa originária, por via da inscrição no registo civil português da respectiva certidão de nascimento, que é da competência do Recorrido, ou seja, nem a aquisição da nacionalidade nem o registo são automáticos;

VII. Os serviços da Administração podem determinar as diligências oficiosas que considerem necessárias para proceder ao registo do nascimento do requerente no registo civil português, o que pode implicar a não observância do prazo normal de decisão de procedimentos administrativos, previsto no CPA.

Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:

C. F., devidamente identificada como autora nos autos de intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias, que instaurou contra o Instituto dos Registos e do Notariado, IP (IRN) inconformada, veio interpor recurso jurisdicional da decisão, proferida em 27.10.2022, pelo Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, que julgou procedente a excepção dilatória inominada de impropriedade do meio processual e absolveu a Entidade Requerida da instância.
Requereu que ao recurso fosse atribuído efeito suspensivo e, nas respectivas alegações, formulou as conclusões que seguidamente se reproduzem:
«1. A douta sentença recorrida ofende de forma direta e frontal o disposto no artº 20º, 5 da Constituição da República, que é de aplicação direta.;
II. Ofende, outrossim, o disposto no artº 26º da mesma Lei Fundamental, pois que o direito à identidade pessoal da recorrente passa pela integração do seu assento de nascimento no registo civil português, sem a qual a recorrente está impedida de exercer os seus direitos como cidadã portuguesa, que é desde o dia 26/4/1945.
III. O pedido de integração do assento de nascimento da recorrente no registo civil português tem natureza urgente, não carecendo o pedido de intimação de prova da urgência.
IV. Ao considerar que o meio processual do artº 109º é inadequado para a defesa dos direitos que estão a ser violados, mesmo depois de reconhecer que não há qualquer dúvida de que está a ser violado o direito fundamental da recorrente à cidadania portuguesa, a douta decisão recorrida ofende não só as disposições constitucionais citadas como o disposto no artº 109º e seguintes do CPPT como as disposições constitucionais citadas.
V. A decisão recorrida branqueia a negação (de facto) do direito à cidadania portuguesa por parte do Instituto dos Registos e do Notariado, em termos que nem no tempo do fascismo eram admitidos, o que é absolutamente intolerável.
VI. A sentença recorrida ofende, de forma direta e brutal os artºs 4º e 26º,1 da Constituição da República, excluindo a recorrente da comunidade de pessoas em que assenta a República Portuguesa, nos termos do artº 1º da Constituição da República.
VII. Não há, a nosso ver, direito fundamental mais importante que direito à cidadania, reconhecido até aos estrangeiros, por força do disposto no artº 15º,1 da Constituição da República.
VIII. A douta sentença recorrida ofende também, o disposto no 13º,1 e 2 da Constituição da República, que é de aplicação direta e imediata, por força do disposto no artº 18º da mesma Constituição.
Termos em que, sem mais considerações, deve revogar-se a sentença recorrida, ordenando-se a intimação do recorrido para proceder, no prazo máximo de 30 dias, à integração do registo de nascimento do pai da aqui recorrente[sic].».
E requereu a junção de 4 sentenças.

Citado para o efeito, o Recorrido apresentou contra-alegações, «(…) remetendo-se como dissemos ainda para as conclusões já exaradas na nossa respostas[sic] e concluindo-se mais que:
I – Deve o recurso apresentado ser declarado improcedente e manter-se na ordem jurídica a sentença recorrida, porque é válida, inexistindo qualquer vício de violação da lei que lhe possa ser imputado;
II – Tudo com as demais e legais consequências, só assim se fazendo a Costumada Justiça!».

Por despacho foi admitido o recurso com efeito meramente devolutivo, ao abrigo da alínea a) do nº 2 do artigo 143º do CPTA.

O Ministério Público, junto deste Tribunal, notificado nos termos e para efeitos do disposto nos artigos 146º e 147°, do CPTA, emitiu parecer no sentido de negar provimento ao recurso.

Notificadas as partes do parecer que antecede, a Recorrente veio dizer que tem quase 78 anos de idade, pelo que é, urgente a integração do seu assento de nascimento no registo civil português, devendo ser adicionado à matéria de facto provada o que consta do ponto 1 e que junta um acórdão recente deste Tribunal.

Sem vistos dos Exmos. Juízes-Adjuntos, por se tratar de processo urgente (cfr. o nº 2 do artigo 36º do CPTA), o processo vem à Conferência para julgamento.

As questões suscitadas pela Recorrente, delimitadas pelas alegações de recurso e respectivas conclusões, nos termos do disposto no nº 4 do artigo 635º e nos nºs 1 a 3 do artigo 639º, do CPC ex vi nº 3 do artigo 140º do CPTA, consistem, no essencial, em saber se a sentença recorrida errou ao julgar procedente a excepção da impropriedade do meio processual e, se assim se concluir, se deve ser revogada e substituída por outra que intime o Recorrido a proceder, no prazo máximo de 30 dias, à integração do seu registo de nacimento.

A título prévio importa determinar qual o efeito de subida que deve ser atribuído ao recurso e se devem ser admitidas “as sentenças” juntas às alegações de recurso, bem como o acórdão, com o requerimento de pronúncia da Recorrente sobre o parecer emitido pelo Ministério Público.

i) Do efeito de subida do recurso
Considerando que a Recorrente se limita, no requerimento de recurso a referir que o mesmo deve subir com efeito suspensivo “(artº (…) e 143º,2 al. a) do CPTA)” e que o tribunal recorrido fixou o efeito como meramente devolutivo, por aplicação estrita do disposto, precisamente, na alínea a) do nº 2 do artigo 143º do CPTA, ou seja, ope legis, não havendo que aplicar o disposto no nº 4 do mesmo artigo [que pressupõe que o efeito meramente devolutivo tenha sido fixado por despacho para além da alegação e comprovação de danos], nada mais há a acrescentar, mantendo-se o decidido.

ii) Da admissibilidade de junção de sentenças e acórdão

De acordo com o disposto no nº 1 do artigo 651º do CPC as partes podem juntar documentos às alegações ou contra-alegações, nas situações excepcionais a que se refere o artigo 425º, ou no caso de a junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1ª instância.
O referido artigo 425º prevê que: “Depois do encerramento da discussão só são admitidos, no caso de recurso, os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento.
A saber, depois do encerramento da discussão e em caso de recurso, só a título excepcional é admitida a junção de documentos com as alegações e exclusivamente cuja apresentação não tenha sido possível anteriormente ou quando a sua junção se tenha tornado necessária por causa do julgamento proferido em 1ª instância.
Na situação em apreciação o Recorrente pretende juntar às alegações de recurso e ao requerimento de pronúncia sobre o parecer emitido pelo Ministério Público sentenças do TACL [proferidas em 27.10.2021, 9.10.2019, 4.12.2020 e 7.10.2022] e um acórdão deste Tribunal [de 12.1.2023], respectivamente, que, alegadamente em situações idênticas à dos presentes autos, decidirem em sentido contrário à sentença recorrida.
Ora, os documentos são, por definição, meios de prova de factos que configuram os fundamentos da acção ou da defesa e que deles carecem, conforme resulta do disposto no nº 1 do artigo 423º e no artigo 410º, do CPC.
Em face do que cada uma das sentenças, em referência, não pode ser considerada um documento. A sua junção não vem requerida para provar qualquer facto, mas porque a Recorrente entende que o seu conteúdo é importante para (influenciar) a decisão a proferir no presente recurso, por, pressupomos, analisarem e decidirem litígios idênticos de forma diversa da sentença recorrida e no sentido pretendido por aquela.
O mesmo se passa relativamente ao referido acórdão, para além de a sua junção ter sido requerida depois do parecer do Ministério Público, ou seja, não com as alegações de recurso - o que se pode justificar pela data em que foi proferido -, pelo que é insusceptível de enquadramento na previsão do referido artigo 651º.
Donde, não é de admitir a junção quer das sentenças quer do acórdão, pelas razões aduzidas, pelo que deve ser determinado o respectivo desentranhamento e devolução à apresentante.

Na sentença recorrida, para conhecimento da excepção da inadequação do meio processual, considerou-se relevante a fixação dos seguintes factos:

«1. Em 11/05/2017, a Requerente enviou missiva ao Conservador da Conservatória dos Registos Centrais, com o seguinte teor (cfr. fls. 43 do SITAF): “(…)

Original nos autos









(…)


(…)

2. Em 24/09/2017, a Requerente remeteu missiva ao Conservador da Conservatória dos Registos Centrais, da qual se extrai o seguinte (cfr. fls. 35 do PA, que consta a fls. 77 do SITAF): “(…)



(…)”

3. Em 2/07/2019, a Requerente enviou missiva ao Conservador da Conservatória dos Registos Centrais, da qual se extrai o seguinte (cfr. fls. 44 do PA, que consta a fls. 77 do SITAF): “(…)

Original nos autos





(…)”

4. Em 20/08/2019, a Entidade Requerida remeteu email à Requerente com o seguinte teor (cfr. fls. 61 do PA, que consta a fls. 77 do SITAF): “(…)

(…)

Original nos autos

(…)”

5. Em 17/03/2020, a Requerente remeteu email à Entidade Requerida com o seguinte teor (cfr. fls. 63 do PA, que consta a fls. 77 do SITAF): “(…)


Original nos autos

(…)

(…)"

7. Em 14/05/2020, a Entidade Requerida remeteu email à Requerente com o seguinte teor (cfr. fls. 64 do PA, que consta a fls. 77 do SITAF): “(…)

(…)”

8. Em 22/02/2022, a Entidade Requerida remeteu email à Requerente com o seguinte teor (cfr. fls. 88 do PA, que consta a fls. 77 do SITAF): “(…)
Original nos autos

(…)”

9. Em 4/05/2022, a Requerente enviou missiva ao Conservador da Conservatória dos Registos Centrais, da qual se extrai o seguinte (cfr. fls. 97 a 100 do PA, que consta a fls. 77 do SITAF): “(…)

(…).”

A Recorrente discorda da sentença recorrida, reiterando o que alegou no respectivo requerimento inicial: considera genericamente que a mesma ofende os direitos à tutela jurisdicional efectiva e à identidade pessoal; o pedido de integração do seu nascimento no registo civil português tem natureza urgente, não carecendo da prova da sua urgência; o seu direito à cidadania portuguesa está a ser ofendido, negado, de forma actual.

Da fundamentação de direito da sentença recorrida extrai-se o seguinte:
«No caso trazido à liça, a Requerente alegou, para sustentar a sua pretensão, que a falta de decisão após o prazo para o efeito, constitui uma violação das normas do procedimento administrativo, do princípio da igualdade, da nacionalidade portuguesa e da identidade pessoal.
Assim, atendendo ao pedido enquanto pretensão material, o meio processual adequado a reagir contra a inércia da administração é a ação de condenação à prática de ato devido (cfr. art.º 66.º a 71.º do CPTA), o que não exclui a possibilidade de a Requerente lançar mão da intimação para a defesa de direitos, liberdades e garantias sempre que está em causa um procedimento que vise satisfazer direitos fundamentais.
No entanto, conforme acima se expôs, a urgência que justifica o recurso a este meio processual tem de ser aferida de acordo com as circunstâncias do caso em concreto, tendo em conta a alegação que é feita pela Requerente, de modo a permitir ao Tribunal apreciar se a inércia da administração está a ferir o direito fundamental invocado de tal forma que o titular necessita de uma tutela principal urgente, sob pena do exercício do próprio direito ficar posto em causa.
Ora, no caso sub judice, a Requerente não alegou quaisquer factos que justifiquem a tutela principal urgente, apenas aduziu que a falta de decisão após o prazo para o efeito, constitui uma violação das normas do procedimento administrativo, do princípio da igualdade, da nacionalidade portuguesa e da identidade pessoal, não cuidando de alegar de que modo se verifica uma urgência que não se compadece com a demora de uma decisão em sede de ação administrativa.
No requerimento inicial apenas é alegado de forma vaga e genérica, além do mais, que “(…) o não processamento da integração do registo de nascimento da A. tem consequência direta com os mesmos efeitos da declaração de perda da nacionalidade”, “(…) o ato de registo do assento de nascimento é essencial ao exercício pela A. do seu direito fundamental à identidade pessoal”, e “(…) a Conservatória dos Registos Centrais está a causar graves prejuízos à A., impedindo a realização dos seus projetos de vida e dos projetos e vida dos seus familiares”.
Assim, perante a ausência de motivos que justifiquem que a alegada demora na decisão do pedido de inscrição do nascimento no registo civil português implica a produção de danos imediatos ou previsíveis que não possam ser evitados pelo recurso à ação administrativa, e bem assim, justificar a urgência na tutela principal urgente, torna-se forçoso concluir que não pode a Requerente lançar mão da intimação para a defesa de direitos, liberdades e garantias, nos termos do art.º 109.º do CPTA, revelando-se este meio inadequado para a sua pretensão.» [sublinhados nossos].

O nº 1 do artigo 109º do CPTA [na redacção dada pela Lei nº 118/2019, de 17 de Setembro] estatui: a intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias pode ser requerida quando a célere emissão de uma decisão de mérito que imponha à Administração a adopção de uma conduta positiva ou negativa se revele indispensável para assegurar o exercício, em tempo útil, de um direito, liberdade ou garantia, por não ser possível ou suficiente, nas circunstâncias do caso, o decretamento de uma providência cautelar”.
Donde, os requisitos de que depende a utilização da intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias reconduzem-se, na prática, aos seguintes critérios:
a) o juiz do processo principal (não urgente) não chegaria a tempo de ditar a justiça que a situação requeria, isto é, para protecção de um direito, liberdade ou garantia; e,
b) o juiz da causa cautelar, caso ditasse a justiça para aquela situação, teria antecipado ilegitimamente a decisão de mérito [v. sumário do acórdão deste Tribunal de 6.10.2022, proc. nº 01749/22.2BELSB - relator Rui Pereira, segundo adjunto do presente colectivo)].

Em face do que concordamos com o entendimento [vertido na sentença recorrida] de que a urgência que justifica o recurso a este meio processual tem de ser aferida de acordo com as circunstâncias do caso em concreto tendo em conta a alegação que é feita pela Requerente.
Analisada a petição inicial constatamos que a Requerente alegou ter 77 anos de idade [o que resulta do teor dos factos provados 1. e 3.] e pretender mudar a sua residência, bem como a da sua família para Portugal, não como imigrante, mas como portuguesa, pelo que a demora do procedimento de registo do seu nascimento, prejudica todos os projectos de vida dela própria e da sua família.
Ora, são estes factos conjugados - a idade da Requerente e a circunstancia de pretender mudar a sua residência para Portugal, só após a integração do seu nascimento pelo registo civil português, perspectivando que tal mudança também demore algum tempo (para além do já decorrido) - que consubstanciam a exigida especial urgência para fazer uso da acção de intimação regulada pelo artigo 109º do CPTA, no caso em apreciação (ainda que alegada de forma deficiente ou não clara).
Razão pela qual entendemos ser a presente acção o meio processual idóneo à defesa dos direitos fundamentais que a Recorrente invoca, por poder ser o único a permitir-lhe, em tempo útil, obter a satisfação da sua pretensão.
Pelo que o recurso merece provimento, devendo a sentença proferida ser revogada.

Da factualidade considerada assente [ainda que para o efeito de decidir a excepção da impropriedade do meio] extrai-se que: a Requerente deu início, com o seu requerimento de 11.5.2017, a um procedimento administrativo junto do Requerido para integração do seu assento de nascimento no registo civil português; insistiu no seu pedido ainda em 2017 e em 2019; via e-mail, de 20.8.2019, o Recorrido respondeu ser necessário o envio de determinados documentos, que especifica; em 17.3.2020, o Recorrido informou a Requerente que a sua actividade normal será retomada logo que a situação do coronavírus o permita; em 22.5.2022, o Recorrido remeteu e-mail à Requerente para que junte ao processo administrativo os mesmos documentos já referidos no e-mail de 20.8.2019; em 4.5.2022 a Requerente requereu o deferimento com a maior urgência do seu pedido de integração do seu nascimento, por já terem sido ultrapassados todos os prazos legais e para pôr termo à discriminação racial de que entende estar a ser vítima, impedindo-a de exercer os seus direitos como portuguesa e cidadã da União Europeia.
No recurso vem reiterado o alegado na petição inicial: que a Recorrente formulou pedido de inscrição do seu nascimento no registo civil português, instruído, de forma rigorosa, com todos documentos ou cópias certificadas dos originais, necessárias para o efeito, que, iniciado o correspondente procedimento administrativo, não foi proferido qualquer despacho no mesmo, mantendo-se por decidir, apesar de há muito ter decorrido o prazo de 90 dias previsto no artigo 128º do CPA.

Sucede que a integração de um registo de nascimento no registo civil português, obedece a um procedimento administrativo legalmente previsto, regulado por normas próprias, por estar em causa o reconhecimento da nacionalidade portuguesa originária, por via da inscrição no registo civil português da respectiva certidão de nascimento, que é da competência do Recorrido.
O mesmo é dizer que, nem a aquisição da nacionalidade portuguesa de filho de nacionais portugueses, nem o respectivo registo, são automáticos.
O requerente tem de fazer prova de que à mesma tem direito [v. o disposto no nº 4 do artigo 21º da Lei da Nacionalidade, aprovada pela Lei nº 37/81, de 3 de Outubro, actualizada]. E, por sua, vez, os serviços da Administração podem determinar as diligências oficiosas que considerem necessárias para proceder ao registo do nascimento do requerente no registo civil português [v. o artigo 42º do Regulamento da Nacionalidade, aprovado pela Lei nº 237-A/2006, de 14 de Dezembro], o que pode implicar a não observância do prazo normal de decisão de procedimentos administrativos, previsto no CPA.
Situação que ocorreu no âmbito do procedimento despoletado pelo pedido da Recorrente.
Com efeito, no âmbito da respectiva análise, e conforme resulta da matéria de facto assente, os serviços do Recorrido solicitaram ao seu Ilustre Mandatário a apresentação de: outro documento [passaporte com foto]; melhor cópia que abranja a margem direita do documento, objecto da certidão apresentada, que não permite a visualização dos elementos aí constantes, considerados essenciais para a transcrição; e a correcta autenticação da certidão de baptismo.
Não consta dos articulados, da sentença recorrida ou das alegações de recurso que tais documentos tenham sido facultados pela Recorrente ao Recorrido.
Contudo, está em causa um pedido de intimação à prática de um acto considerado devido e indispensável ao exercício do direito fundamental em referência, podendo ter ocorrido factos supervenientes à data da prolação da sentença recorrida [ou não compreendidos na decisão da matéria de facto reproduzida, considerada relevante apenas para o conhecimento da excepção da impropriedade do meio] que permitam ao Recorrido considerar concluída a instrução do pedido que a Recorrente lhe dirigiu, ou outros que determinem o Tribunal a quo a intimá-lo no peticionado.
Em face do que entendemos que os autos devem baixar para prosseguir os seus termos, mormente com fixação da matéria de facto relevante para conhecer do mérito da causa, se a tal nada obstar.

Por tudo quanto vem exposto acordam os Juízes deste Tribunal Central Administrativo Sul, em conceder provimento ao presente recurso jurisdicional e, em consequência, revogar a sentença recorrida, por idoneidade do meio processual utilizado, e ordenar a baixa dos autos ao TACL para que a acção prossiga os seus termos, se a tal nada obstar.

Sem custas.

Registe e notifique.

Lisboa, 23 de Março de 2023.


(Lina Costa – relatora)

(Catarina Vasconcelos)

(Rui Pereira)