Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1934/09.2BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:06/26/2025
Relator:MARGARIDA REIS
Descritores:IMPUGNAÇÃO JUDICIAL
REEMBOLSO DE IRC
SUCESSÃO DE LEIS NO TEMPO
CONTAGEM DE PRAZO
ART. 297.º, N.º 1 DO CC
RECLAMAÇÃO ADMINISTRATIVA
REVISÃO OFICIOSA
CONVOLAÇÃO
Sumário:I - Pretendendo o contribuinte suscitar a ilegalidade de um ato de liquidação, deve a Administração fiscal convolar em pedido de revisão oficiosa o correspondente requerimento, quando verifique que o prazo de reclamação administrativa foi ultrapassado.
II - Ao avaliar a aplicação de uma norma procedimental nova, e ainda que a mesma seja de aplicação imediata, a Administração fiscal não pode deixar de ponderar a aplicação do regime previsto no n.º 1 do art. 297.º do CC sempre que esteja em causa matéria relativa à alteração de prazos.
III - Não obstante no n.º 1 do art. 297.º do CC apenas se fazer menção expressa às situações de encurtamento do prazo pela lei nova, não pode deixar de se entender que ali se subsumem as situações em que a lei nova passa a prever um prazo, onde o mesmo não existia.
Votação:UNANIMIDADE
Indicações Eventuais:Subsecção Tributária Comum
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
I. Relatório

O Ministério das Finanças, inconformado com a decisão proferida em 2021-10-29 pelo Tribunal Tributário de Lisboa, que julgou procedente a ação administrativa interposta por D… PORTUGAL - Classificação Certificação e Serviços, Lda. na sequência do despacho de indeferimento do pedido de reembolso de IRC retido na fonte, proferido em 8 de julho de 2009 pela Diretora de Serviços da Direção de Serviços das Relações Internacionais, vem dela interpor o presente recurso.

A Recorrente encerra as suas alegações de recurso formulando as seguintes conclusões:

CONCLUSÕES:

A. A Entidade Recorrente discorda da douta sentença recorrida por ter decidido não ser de manter o despacho da Directora de Serviços das Relações internacionais de 08-07-2009 que indeferiu o pedido de reembolso de € 62.726,00, de imposto que foi retido na fonte à A. pela D… Portugal, aquando da colocação de dividendos à disposição daquela, em 03-11-2003.

B. A sentença recorrida julgou procedente a acção e condenou o Ministério das Finanças:

«Em face do exposto, e nos termos das disposições legais, supramencionadas, julgo a presente ação PROCEDENTE, e, em consequência, condeno a Ré à reapreciação do pedido de restituição do montante retido na fonte à A. por ilegalidade resultante da violação do quadro normativo legal constante do Acordo sobre o Espaço Económico Europeu, de 02.05.1992, e da legislação comunitária aplicável.»

C. Porém – e salvo o devido respeito, que é muito –, a douta sentença, padece de vários erros de julgamento, não podendo, por isso, manter-se na ordem jurídica.

D. Contrariamente ao que se entendeu na sentença recorrida, não tendo a beneficiária do rendimento efectuado o pedido de reembolso do imposto retido no prazo de dois anos a contar do facto gerador do imposto, nos termos definidos na lei, esse pedido foi, indubitavelmente, extemporâneo.

E. O regime aplicável in casu era o que o legislador do IRC entendeu expressamente estabelecer para o efeito no artigo 90º-A do CIRC, na redacção aplicável em razão do tempo. Ou seja, na redacção então prevista no nº5 do artigo 90º-A do CIRC.

F. Por seu turno, no entender da douta sentença, a recusa pelo Ministério das Finanças do pedido de reembolso por intempestividade foi ilegal, por não ser enquadável no artigo 90º-A do CIRC, e considera que nessa medida não seria intempestivo.

G. Porém, como decorre da análise da douta sentença, foi entendido que o artigo 90º-A do CIRC não seria aplicável pois quando a norma procedimental entrou em vigor já o prazo ali estabelecido estava esgotado.

H. Podemos então concluir que, a douta sentença defende que o requisito para aplicar o artigo 90º-A do CIRC, a contrario seria que o prazo ali consignado de dois anos não tivesse esgotado na data em que o artigo entrou em vigor (01-01-2006); leia-se, quando refere que « mesmo que se considere aquela norma como procedimental, meramente adjetiva, e por isso de aplicação imediata, naturalmente que apenas se poderá aplicar aos prazos ainda em curso, e não a prazos já terminados antes da sua entrada em vigor, independentemente do facto do pedido de reembolso ser formulado já na sua vigência.» (sublinhado nosso)

I. Ora, não pode a Entidade ora Recorrente concordar que este argumento, pois a sentença a quo está a desconsiderar completamente o facto de se tratar de uma norma procedimental e por isso ser de aplicação imediata.

J. Na verdade, tem toda a relevância e é determinante da sua aplicabilidade: o facto de o pedido de reembolso ter sido apresentado já durante a vigência do artigo 90º-A do CIRC. É esse facto, que, salvo o devido respeito entendemos que determina a aplicação desse artigo ao procedimento administrativo que se inicia já durante a vigência da referida norma procedimental.

K. Assim, reitere-se, como é fácil de ver pelas datas consideradas pela Administração como relevantes (na supramencionada Informação), entendeu-se no despacho impugnado que o prazo para pedir o reembolso terminava decorridos que fossem dois anos contados do facto gerador do imposto e que, in casu, por o pedido de reembolso ter sido apresentado já depois de terminado esse prazo, era o mesmo extemporâneo.

L. Pelo que é manifesto que no despacho impugnado se aplicou, de facto e correctamente, o regime estabelecido pelo supra transcrito nº5 do artigo 90ºA do CIRC.

M. E deste modo, salvo o devido respeito, carece de sentido defender-se na sentença recorrida que a inaplicabilidade uma norma procedimental depende de o prazo que ela estabelece estar a decorrer.

N. Deve, isso sim, ser aplicada a norma procedimental por estar em vigor no momento da apresentação do pedido, ou seja, estar em vigor no momento da instauração do procedimento administrativo.

O. Tal entendimento, seguido pela sentença recorrida, decorre, de uma menos correcta interpretação e aplicação das regras de aplicação da lei no tempo, como decorre, designadamente, da interpretação conjugada do artigo 12º da LGT e dos artigos 12º e 297º do Código Civil.

P. E, por não o fazer, padece a sentença recorrida, também aqui, de erro de julgamento, em matéria de direito.

Q. Pelo que era em conformidade com o mesmo que o pedido da A. – efectuado em 28-12-2006 – tinha de ser apreciado, razão pela qual bem andou a Entidade ora Recorrente ao decidir pela intempestividade do pedido de reembolso.

R. Contudo, a douta sentença recorrida, considera que, ao não ser aplicável quer o n.º 5, quer o n.º 7 do artigo 90º-A do CIRC, “não seria de excluir a convolação do requerimento formulado pela A. num outro qualquer procedimento que se afigurasse mais correto para apreciação do seu mérito”.

S. Considera-se na sentença recorrida que o meio próprio para apreciar o pedido da Autora seria o da reclamação prevista no nº4 do artigo 132º do CPPT e assim, a ora recorrente poderia/deveria ter convolado e apreciado o pedido da contribuinte enquanto reclamação do substituído, nos termos dessa norma.

T. Porém, conclui-se na douta sentença que tal convolação não poderia ocorrer por intempestividade.

U. A Entidade ora recorrrente considera que tal convolação não seria permitida, além de ser intempestiva, também o meio procedimental utilizado pela então Autora era o adequado para o fim pretendido, por ser o procedimento que o legislador havia expressa e especificamente criado para o efeito.

V. Não fazendo qualquer sentido colocar a hipótese de convolação, quando o meio utilizado era o adequado para o fim pretendido.

W. Em suma, o pedido de reembolso também não poderia ser convolado em reclamação graciosa, pois o procedimento regulado no artigo 132, nº4 do CPPT, de reclamação da retenção também era intempestivo.

X. Ao defender que deveria ter sido concretizada uma convolação em reclamação da retenção, incorreu a douta sentença recorrida, também aqui, em erro de julgamento em matéria de direito.

Y. Acresce que, não se entende a referência feita, a propósito, ao acórdão proferido pelo STA no processo nº 01377/14, de 17.01.2018, pois que trata de uma situação de impugnação em caso de autoliquidação prevista no artigo 131º do CPPT, não vemos que a questão em apreço se encontre aí tratada.

Z. A Entidade Recorrente aceita que a sentença recorrida decidiu bem ao considerar que «(…) não é possível apreciar o pedido de condenação da AT ao deferimento da pretensão formulada pela A., no sentido de lhe ser restituído o montante de imposto retido na fonte, quer porque, não obstante ter existido uma apreciação do mérito do pedido da A., o indeferimento deste fundamentou-se exclusivamente na intempestividade, quer porque a decidir desde já se assiste efetivamente o direito da A. à restituição do montante peticionado, o Tribunal estar-se-ia a substituir à AT numa decisão que deve em 1ª instância caber-lhe, não sendo sequer evidente se a entidade administrativa que se pronunciou é a mesma entidade competente para decidir o procedimento de revisão oficiosa.»(sublinhado nosso)

AA. A Entidade Recorrente não pode aceitar que a sentença a quo pretenda concretizar uma nova e segunda convolação do pedido de reembolso em pedido de revisão oficiosa nos termos do artigo 78º da LGT.

BB. A sentença recorrida sustenta, em primeiro lugar, que o pedido de reembolso deveria ter sido convolado em reclamação graciosa nos temos do artigo 132º n.º4 do CPPT, por entender ser esse o procedimento adequado.

CC. No entanto, como já verificamos supra, tal convolação não pode ser ordenada quando existam obstáculos de ordem legal impeditivos da mesma, nomeadamente a intempestividade.

DD. Ora, salvo o devido respeito, já não pode o procedimento ser convolado outra vez, como sustenta a sentença recorrida ao condenar a AT “a proceder à convolação do procedimento em revisão oficiosa e, nessa sede, a apreciar o o pedido de restituição do montante que lhe foi retido na fonte por ilegalidade resultante da violação do quadro normativo legal constante do Acordo sobre o Espaço Económico Europeu, de 02.05.1992, e da legislação comunitária aplicável.”(sublinhado nosso)

EE. Por tudo o supra exposto podemos concluir:

- que está confirmada a extemporaneidade do requerimento de reembolso por aplicação do artigo 90º-A do CIRC,

- que não se verificam os pressupostos para a convolação em reclamação graciosa nos termos do artigo 132º n.º4 do CPPT, quer por o meio procedimental utilizado ter sido o legalmente adequado, quer por ser intempestiva,

- que não é permitida uma segunda convolação do pedido de reembolso em revisão oficiosa.

FF. Ao que acresce que o despacho da Directora de Serviços das Relações Internacionais não padece de qualquer vício, designadamente dos que lhe foram assacados pela sentença recorrida, traduzindo, antes, a correcta interpretação e aplicação da lei aos factos, pelo que merece ser confirmado na ordem jurídica.

GG. Temos, pois, que a douta sentença recorrida padece dos apontados erros de julgamento de direito, apresentando-se, ademais, desconforme com todos os preceitos acima referenciados, e, em consequência, não deve ser mantida.

Termina pedindo:

Termos em que, com o mui douto suprimento de V. Ex.as, deverá ser dado provimento ao presente recurso jurisdicional e anulada a douta sentença recorrida; e confirmar-se, atenta a sua manifesta legalidade, o despacho da Directora de Serviços das Relações Internacionais impugnado nos autos, como é de Direito e Justiça.


***

A Recorrida apresentou contra-alegações, que conclui como se segue:

V. CONCLUSÕES

A. Muito bem andou a sentença recorrida, que, com elevado rigor técnico-jurídico, fez uma correcta interpretação e aplicação do direito aos factos que foram dados por provados, ao condenar a Administração «à reapreciação do pedido de restituição do montante retido na fonte à A. por ilegalidade resultante da violação do quadro normativo legal constante do acordo sobre o Espaço Económico Europeu, de 02.05.1992, e da legislação comunitária aplicável».

B. Na Sentença recorrida, o tribunal apresenta entendimento no sentido de o pedido de reembolso efectuado pela Recorrida, apesar de intempestivo, devia ser convolado em em revisão oficiosa oficiosamente pela Administração, nos termos do artigo 78, n.º 4, da LGT.

C. Equivoca-se, portanto, a Recorrente ao considerar que a norma aplicável aos autos era o artigo 90-A do Código do IRC (aditado pelo Decreto-Lei n.º 211/2005, de 07 de Dezembro), pois, tal como referido supra, ainda que se considere tal norma como procedimental e, por isso, de aplicação imediata, ela apenas poderia ter aplicação sobre prazos ainda em curso.

D. Pois bem, se aplicássemos aquela norma ao caso concreto, teríamos como a impossibilidade de todo em proceder com o pedido de reembolso do imposto retido na fonte, tendo em conta que aquando da sua entrada em vigor, o prazo de 2 anos, já teria sido ultrapassado.

E. Por esse motivo, tal como decidiu o Tribunal, e bem, a aplicação da norma apenas faz sentido aos prazos ainda em curso, e já não aqueles já terminados no momento da entrada em vigor da norma, independentemente de o pedido de reembolso do imposto ser efetuado durante a sua vigência da mesma.

F. Neste sentido, o Tribunal deu razão à Recorrida, ao considerar que o prazo de 2 anos teria base legal nos termos do artigo 132.º, n.º 4, do CPPT, conjugado com os precedentes n.ºs do mesmo artigo, portanto, seria forçoso considerar-se que, tendo a Administração fiscal já na sua posse o Modelo 8-RFI certificado pelas Autoridades Norueguesas em 14-11-2003, tal consubstanciaria, só por si, suficiente demonstração de que os pressupostos legais de que depende a isenção de retenção na fonte de IRC estavam cumpridos nos termos do artigo 14.º, n.º 3, do Código do IRC.

G. Por isso, quando a Recorrida deduziu o pedido de reembolso, em 28-12-2006, tendo já previamente apresentado o Modelo 8-RFI, não é admissível que a Administração fiscal argumente o desconhecimento (ou o conhecimento apenas naquela data) das condições que necessariamente a levariam a deferi-lo.

H. Por outro lado, quando a Administração fiscal vem instar a Recorrida, por ofício de 20-05-2008, para substituir o Modelo 8-RFI apresentado, já o devia ter feito em bom rigor aquando da aplicação da aludida taxa de retenção na fonte.

I. Ou seja: aquando da apresentação do Modelo 8-RFI, antes do «termo do prazo estabelecido para a entrega do imposto», a Recorrida havia já efectuado a prova dos pressupostos legais de que dependeria a isenção de retenção na fonte de IRC, pelo que o prazo foi cumprido, ao que acresce que deveria ter sido também por referência àquela data que as dúvidas da Administração fiscal, a respeito do formulário entregue, deveriam ter sido suscitadas, e não apenas muito mais tarde como veio efectivamente a ocorrer.

J. Por fim, ainda que se considere que a Recorrida tivesse deduzido o pedido de reembolso em 28-12-2006 de forma extemporânea – como entendeu o Tribunal na sentença – a Recorrente sempre deveria ter convolado o pedido de reembolso na forma adequada de pedido de revisão oficiosa, nos termos do artigo 97.º, n.º 3 da LGT e do artigo 52.º do CPPT.

K. Não restam quaisquer dúvidas de que, no caso dos autos, existiu um «erro imputável aos serviços» na liquidação de IRC na retenção na fonte: uma vez que, desde logo, e face ao direito comunitário, tal liquidação não poderia ter tido lugar e, por outro lado, a mesma não é da responsabilidade da Recorrida, mas da Administração.

L. Na verdade, o interessado estaria ainda em tempo de solicitar à Administração fiscal a revisão oficiosa do acto ao abrigo do disposto no artigo 78.º da LGT, uma vez que a lei ficciona que os erros da autoliquidação são imputáveis à Administração e esta não pode demitir-se de tomar a iniciativa de revisão quando demandada para o efeito pelo interessado, estando mesmo obrigada a proceder à convolação nesse meio procedimental quando conclua que o pedido é intempestivo (cfr., substancialmente neste sentido, Acórdão do STA de 14 de Dezembro de 2011, processo n.º 0366/11).

M. Improcede, portanto, em absoluto, qualquer afirmação respeitante à intempestividade do pedido de reembolso, visto que este foi efectuado dentro do prazo legalmente estabelecido, dado que o prazo apenas terminaria, em último caso, em 03-11-2007, tendo em conta o poder-dever da Administração em proceder com a convolação do pedido em revisão oficiosa.

N. Por tudo quanto foi exposto, não se encontra fundamento neste recurso que contrarie a decisão do Tribunal Tributário de Lisboa que deu razão à Recorrida, e condenou a Recorrente na convolação do pedido em revisão oficiosa e na apreciação do mérito da causa, pelas razões já expostas.

Termina pedindo:

Termos em que se deve concluir pela total improcedência do recurso apresentado, devendo manter-se a sentença recorrida, assim se fazendo justiça!


***

O Digno Magistrado do M.º Público junto deste Tribunal foi oportunamente notificado nos termos e para os efeitos do disposto no art. 146.º, n.º 1 do CPTA, nada tendo vindo requerer ou promover.

***

Questões a decidir no recurso

O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, tal como decorre do disposto nos arts. 635.º nºs 4 e 5 e 639.º do Código de Processo Civil (CPC), disposições aplicáveis ex vi art. 1.º do CPTA.

Assim sendo, no caso em apreço, atentos os termos em que foram enunciadas as conclusões de recurso, há que apurar se a sentença padece dos erros de julgamento de direito por errada interpretação e aplicação ao caso do disposto nos arts. 12.º da LGT, 12.º e 297.º do CC, 132.º, n.º 4 do CPPT e 78.º da LGT.

II. Fundamentação

II.1. Fundamentação de facto

Na sentença prolatada em primeira instância consta a seguinte decisão da matéria de facto, que aqui se reproduz:

III FUNDAMENTAÇÃO

1. Dos Factos

Compulsados os autos e analisada a prova produzida, dão-se como provados, com interesse para a decisão, os factos infra indicados:

A) A A…… AS, é uma sociedade de direito norueguês, constituído ao abrigo da lei norueguesa, sendo, em 2003, residente fiscal em território norueguês, para efeitos de imposto sobre o rendimento (cfr. doc. de fls. 42 dos autos).

B) A A. era detentora no ano de 2003 duma participação social na sociedade de direito português “D………….PORTUGAL – CLASSIFICAÇÃO, CERTIFICAÇÃO E SERVIÇOS, LDA”, com o NIPC 5…………., equivalente a 88,24% (acordo e cfr. fls. 35 dos autos).

C) Por reunião da Assembleia Geral da sociedade portuguesa identificada na alínea antecedente, realizada em 05.11.2003, foi deliberada a distribuição de dividendos à A. e à sua outra sócia, A/S V……….., no montante de 710.890,43€ (cfr. Ata nº 24 a fls. 34 dos autos).

D) Em 20.11.2003 e em 28.11.2003 foi efetuado o pagamento à A. do montante de 564.530,71€ a título de dividendos pela sociedade portuguesa, resultado da dedução do montante de 62.725,63€ referente a retenção na fonte realizada à taxa de 10% sobre o valor dos dividendos brutos devidos no montante de 627.256,34€ (cfr. fls. 36 e 37 dos autos).

E) A retenção na fonte no valor de 62.725,63€ referida na alínea antecedente, foi entregue nos cofres do Estado em 22.12.2003 (cfr. fls. 38 dos autos).

F) Em 21.12.2006 foi apresentado pela A., junto da Direção de Serviços das Relações Internacionais (doravante DSRI), através de documento escrito, pedido de reembolso do imposto retido na fonte pela sociedade portuguesa, com referência aos dividendos pagos nos anos de 2003, 2004 e 2005, justificando tal pedido nos seguintes termos:

(…) Dado que a D…………Portugal, Classificação, Certificação e Serviços é residente em Portugal, a lei do EEE aplica-se à tributação dos dividendos distribuídos na Noruega. Na nossa opinião, o imposto supracitado foi aplicado contrariamente à aplicação da lei do EEE e refere-se à notificação para cumprir enviada pela Comissão Europeia a 14 Estados-Membros, incluindo Portugal, em Julho de 2006.

Assim, pedimos que sejam reembolsadas as supracitadas retenções na fonte no valor de EUR 136.351.

(…)”

(cfr. fls. 3 do PAT).

G) Com o requerimento referido na alínea antecedente, foi junta a declaração Modelo 8-RFI certificado pelas autoridades fiscais norueguesas em 14.11.2003 e documento certificador da residência da A. na Noruega (cfr. fls. 4 a 7 do PAT).

H) Pelo ofício nº 9842, de 20.05.2008, a DSRI notificou a A. do seguinte:

Com base no formulário modelo 8 RFI, enviados a este serviço em 28/12/2006, foi instaurado o Processo de reembolso n° 2895/07.

Acontece porém, que este formulário deve ser entregue junto da entidade portuguesa que se encontra obrigada a efectuar a retenção na fonte, em momento anterior ao da colocação à disposição do rendimento, o que permitirá a aplicação da taxa reduzida de imposto prevista na Convenção para evitar a dupla tributação.

Assim, importa proceder à entrega do formulário modelo Í2, que pode ser obtido junto das autoridades tributárias dos Estados Contratantes e ainda via Internet na página www.dgci.minfinancas.pt, devendo ser correctamente preenchido, confirmado pelas autoridades fiscais e devolvido a este serviço. (…)

(cfr. fls. 8 do PAT).

I) Em 25.06.2008, e em resposta ao ofício transcrito na alínea antecedente, a A. remeteu à DSRI o formulário 22-RFI referente ao ano de 2003, autenticado pelas autoridades fiscais norueguesas, com indicação dos valores pagos e retidos na fonte pela sociedade portuguesa (cfr. fls. 9 e 10 do PAT, cujo teor se dá por integralmente reproduzido).

J) Por despacho da Diretora de Serviços da DSRI, proferido em 05.05.2009, foi sancionado o projeto de decisão de indeferimento do pedido de reembolso formulado pela A., e determinada a sua notificação à A. para exercício do direito de audição prévia, tendo aquele projeto de decisão o seguinte teor:


PROJECTO DE DECISÃO

IDENTIFICAÇÃO DO PEDIDO

Deu entrada nesta Direcção de Serviços em 28-12-2006, um formulário Modelo 8-RFI, através do qual a sociedade D…………AS, pretendia efectuar um pedido de reembolso de imposto ao abrigo das disposições constantes do Acordo sobre o Espaço Económico Europeu (adiante designado por Acordo EEE).

Dado o impresso entregue não ser o adequado para efectuar um pedido de reembolso de imposto, foi solicitado, através do Ofício n.° 9.842 de 20-05-2008, que a requerente procedesse à entrega do modelo de formulário correcto, isto é o Modelo 22-RFI.

Em 25-06-2008, deu entrada, nesta Direcção de Serviços, o Modelo 22-RFJ devidamente autenticado pelas autoridades fiscais norueguesas, no qual foi indicado o valor de bruto de dividendos colocados à sua disposição pela sociedade portuguesa D…………PORTUGAL - CLASSIFICACAO CERTIFICAÇÃO E SERVIÇOS LDA, em 03-11-2003, no valor de €627.256,00, sujeitos à taxa de retenção na fonte prevista na CDT celebrada entre Portugal e a Noruega de 10,00%, isto é, €62.726,00.

O pedido de reembolso de imposto retido consubstancia-se no facto de, no entendimento da requerente, a aplicação de uma taxa de retenção na fonte de 10,00%, ser contrária às disposições constantes do Acordo EEE, pelo que, vem solicitar o reembolso da totalidade de imposto pago em território português, isto é, €62.726,00.

2. TEMPESTIVIDADE

Os rendimentos foram colocados à disposição da entidade requerente em 03-11-2003. Considerando que o requerimento a solicitar o reembolso deu entrada nesta Direcção de Serviços em 28-12-2006, o mesmo encontra-se fora do prazo previsto no n.º 7 do artigo 90°-A do CIRC, dado que o mesmo tinha terminado em 03-11-2005.

Assim verifica-se que o pedido de reembolso é extemporâneo.

DO PEDIDO DE REEMBOLSO DE IMPOSTO AO ABRIGO DO DISPOSTO NO ACORDO SOBRE O ESPAÇO ECONÓMICO EUROPEU

Ainda que o pedido de reembolso tivesse sido entregue dentro do prazo legal, convém sobre o pedido referir ainda que, a requerente consubstancia o seu direito ao reembolso do imposto pago em Portugal, invocando que as disposições do Acordo EEE, proíbem quaisquer restrições entre as Partes contratantes relativamente aos movimentos de capitais pertencentes a entidades residentes nos Estados-Membros das Comunidades Europeias ou nos Estados da EFTA. Verifica-se que, aos rendimentos de dividendos pagos pela sociedade portuguesa D……….PORTUGAL - CLASSIFICACAO CERTIFICAÇÃO E SERVIÇOS LDA NIF 5………, foi aplicada uma taxa de retenção de 10,00%, conforme o previsto na CDT celebrada entre Portugal e a Noruega.

A requerente vem solicitar o reembolso do montante de imposto retido em território português, ou seja, a aplicação, com as necessárias adaptações, da Directiva 90/435/CEE de 23 de Julho. Sobre a aplicação da referida Directiva aos países da EFTA, o Centro de Estudos Fiscais já se pronunciou, defendendo que, atendendo à jurisprudência do Tribunal de Justiça se deve concluir que, ao ser dada a possibilidade aos contribuintes de deduzir, ao abrigo do disposto na CDT celebrada entre Portugal e a Noruega, ao imposto pago na Noruega, uma importância correspondente às importâncias retidas e cujo reembolso vêm reclamar, não se verifica assim qualquer violação das disposições constantes do Acordo EEE, pelo que estes pedidos de reembolso deverão ser inferidos.

As conclusões do Centro de Estudos Fiscais, fundam-se:

1 Quanto à aplicabilidade directa das disposições do Acordo EEE:

a) Em certa jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia (Processos C- 26/62 e C-1 06/77) em que o Tribunal se refere expressamente aos tribunais nacionais, “decorrendo desta jurisprudência que as normas comunitárias se integram no direito interno, criando, desde que verificados certos requisitos, por um lado, o direito aos cidadão de solicitar ao juiz nacional que aplique as disposições os tratados e, por outro, o dever do juiz nacional de aplicar essas disposições independentemente da legislação nacional”;

b) Na interpretação do disposto no artigo 234° do TCE, no sentido de, "quanto às questões de direito, a competência relativa à interpretação do direito comunitário caber exclusivamente ao Tribunal de Justiça";

c) Pelo que, neste contexto, é salientada a extrema delicadeza duma "eventual aplicação directa pela Administração das disposições do direito comunitário, mormente quando esteja em causa recusar a aplicação, ou permitir não aplicar uma disposição nacional com fundamento numa eventual incompatibilidade com uma disposição de direito comunitário“;

d) Importando assim, tendo presente o disposto no artigo 249° do TCE, que estabelece uma clara distinção entre os regulamentos, nomeadamente as directivas "... distinguir a aplicação directa, no sentido de que o direito comunitário se integra nas ordens jurídicas nacionais sem necessidade da sua recepção expressa através de um instrumento jurídico interno desse Estado, permitindo aos cidadão comunitários invocar essas disposições perante os órgãos jurisdicionais nacionais, da aplicação imediata visto a aplicação das disposições requerer, regra geral, excepto quanto aos regulamentos, a sua aplicação expressa pela ordem jurídica nacional, a qual incumbe ao poder legislativo;

e) Pelo que, segundo aquele entendimento, no caso das directivas e do direito comunitário primário se deve "... distinguir entre, por um lado a esfera judicial, em que cabe aos tribunais, nomeadamente na apreciação dos conflitos nas relações entre Estado e os particulares, garantir a aplicação do direito comunitário, sem dependência de qualquer acto jurídico nacional, por outro lado, a esfera legislativa, em que cabe aos órgãos com poder legislativo garantir a correcta incorporação das disposições comunitárias no ordenamento jurídico nacional e, por último, a esfera administrativa, que se encontra estritamente subordinada ao princípio da legalidade, que a obriga a actuar em obediência à lei e ao direito, dentro dos limites dos poderes que lhe estejam atribuídos e em conformidade com os fins para que os mesmos poderes lhes forem conferidos, conforme prescreve o artigo 3º do Código de Procedimento Administrativo, o qual se aplica igualmente no âmbito tributário, como aliás se encontra expressamente consagrado no artigo 55° da Lei Geral Tributária”.

f) No entendimento do CEF, é de considerar que, "... sob pena de se incorrer no risco de comprometer o equilíbrio na repartição de competências entre os órgãos legislativos, judiciários e administrativos, não deve caber à administração desaplicar ou recusar a aplicação de uma norma constante do ordenamento jurídico interno com mero fundamento na sua incompatibilidade com o direito comunitário salvo, eventualmente, existindo uma violação que, de acordo com a jurisprudência do Tribunal de Justiça, deva indubitavelmente ser qualificada como suficientemente caracterizada, ou seja, nomeadamente, quando exista uma jurisprudência bem assente do Tribunal de Justiça em matéria, da qual resulte claramente o carácter ilícito da medida em causa (cfr., nomeadamente, o Acórdão)

g) No referido entendimento, na situação em apreço não se está, antes pelo contrário, perante uma violação, neste caso do Acordo EEE, que possa ser reputada como suficientemente caracterizada.

h) Acrescendo que o legislador nacional procedeu recentemente à alteração do artigo 14º do Código do IRC, no âmbito da Lei do Orçamento do Estado para 2008, optando, todavia, por não abranger nessa alteração os lucros distribuídos aos Estados da EFTA, o que, segundo aquele entendimento, permite concluir que as autoridades nacionais entenderam que a Comissão Europeia não teria razão nos argumentos em que vinha apoiando uma invocada incompatibilidade com o TCE e o Acordo da EEE.

2 Quanto à Incompatibilidade com as disposições do Acordo EEE:

a) O regime fiscal resultante dos artigos 14° e 46° do Código do IRC decorrem da transposição para a ordem, jurídica interna da Directiva 90/435/CEE, relativa ao regime fiscal comum aplicável às sociedades-mãe e sociedades afiliadas de Estados-membros diferentes, pelo que, a ser aceite o pedido de reembolso, ter-se ia, através da aplicação das disposições do Acordo EEE, um alargamento unilateral do âmbito do regime consagrado nesta Directiva aos lucros distribuídos a sociedades-mãe residentes nos Estados - membros da EFTA aos quais aquela Directiva não se aplica e que, por consequência, não estão obrigados a conceder um regime semelhante aos lucros distribuídos a favor de sociedades-mãe residentes em Portugal.

b) Acresce ainda considerar "... que qualquer análise do regime em causa não pode deixar de atender a que o mesmo emana de uma Directiva comunitária não extensiva aos Estados membros da EFTA e que, portanto, estaríamos, em todo o caso, perante uma diferença de tratamento que decorre necessariamente do menor grau de integração económica previsto no Acordo EEE, relativamente ao que se verifica entre os Estados-membros da União Europeia”;

c) Segundo ainda o entendimento do CEF, há que atender a jurisprudência recente do Tribunal de Justiça (Acórdão de 8 de Novembro de 2007, relativo ao Processo C-379/05), segundo a qual, um Estado da fonte que apenas garanta a eliminação da dupla tributação económica dos dividendos que apenas garanta a eliminação da dupla tributação que o imposto retido na fonte seja compensado pelo Estado da sociedade-mãe, neutralizando o efeito da aplicação da retenção na fonte. Por despacho de 23-03-2009, foi o entendimento do Centro de Estudos Fiscais sancionado pelo substituto legal do Director Geral dos Impostos.

CONCLUSÃO

Face ao exposto, não deverá ser atendida a pretensão da requerente sendo de indeferir o pedido de reembolso no valor de €62.726,00, por extemporaneidade.” (cfr. fls. 43 a 48 dos autos).

K) Notificada a A. para exercer o direito de audição prévia, não o tendo feito, foi o projeto de decisão transcrito na alínea antecedente convertido em definitivo por despacho da Diretora da DSRI proferido em 08.07.2009 (cfr. fls. do PA).

L) A A. foi notificada da decisão de indeferimento referida na alínea antecedente em 14.07.2009, através do ofício nº 16928, de 10.07.2009 (cfr. fls. do PA).

M) A presente ação foi intentada em 12.10.2009 (cfr. fls. 2 e 67 dos autos).


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Não se provaram quaisquer outros factos passíveis de afetar a decisão de mérito, em face das possíveis soluções de direito, e que, por conseguinte, importe registar como não provados.

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Quanto aos factos provados a convicção do Tribunal fundou-se na prova documental junta aos autos e no processo administrativo em apenso, conforme indicado a propósito de cada alínea do probatório.

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II.2. Fundamentação de Direito

Alega o Recorrente Ministério das Finanças que a decisão sob recurso padece de erro de julgamento de direito, por ter feito uma incorreta interpretação e aplicação ao caso do disposto nos arts. 12.º da LGT, 12.º e 297.º do CC, 132.º, n.º 4 do CPPT e 78.º da LGT, uma vez que, na sua tese, e em síntese, o pedido de reembolso efetuado pela Recorrida era extemporâneo, atento o disposto no art. 90.º-A, n.º 5, do CIRC; não se verificavam os requisitos para a respetiva convolação em reclamação graciosa, nos termos do disposto no art. 132.º, n.º 4 do CPPT; e não era possível uma “segunda convolação” do pedido de reembolso em revisão oficiosa.

Vejamos, então.

Tal como resulta da factualidade provada, e que não é posta em causa pela Recorrente, a aqui Recorrida apresentou em 21 de dezembro de 2006 um pedido de reembolso de imposto retido em novembro de 2003, tendo o mesmo sido indeferido com fundamento na extemporaneidade do requerimento, por ter sido ultrapassado o “prazo previsto no n.º 7 do artigo 90.º-A do CIRC, dado que o mesmo tinha terminado em 03-11-2005(cf. pontos D, F, J e L da fundamentação de facto).

A ação administrativa em causa foi julgada procedente, sustentando-se a decisão recorrida no entendimento de que tendo o art. 90.º-A, n.º 5 – uma vez que se constatou que a referência ao n.º 7 da norma na fundamentação do ato em crise resultou de um lapso, querendo ali referir-se o n.º 5 – sido aditado ao CIRC pelo Decreto-Lei n.º 211/2005, de 7 de dezembro, e apenas entrado em vigor em 1 de janeiro de 2006, e ainda que se levasse em conta tratar-se de uma norma procedimental, de aplicação imediata, a mesma não se podia aplicar a um prazo que terminou antes da sua entrada em vigor, independentemente do facto de o pedido de reembolso ter sido formulado na sua vigência, e por outro lado, porque estando o pedido formulado no requerimento da Recorrida que originou o ato administrativo em crise, fundamentado na ilegalidade da retenção na fonte, por violação do disposto no Acordo sobre o Espaço Económico Europeu, e não existindo qualquer procedimento específico para no qual tal requerimento se enquadrasse, que se deveria interpretar o mesmo como um verdadeiro pedido de reconhecimento da ilegalidade da retenção, e como tal, o meio próprio para o efeito seria a reclamação administrativa prevista no (então) n.º 4 do art. 132.º do CPPT.

Assim sendo, e ainda que reconhecendo que o prazo de dois anos para a interposição da referida reclamação administrativa, previsto no n.º 4 do art. 132.º do CPPT, se encontrava ultrapassado no momento em que o requerimento da Recorrida foi apresentado, atendendo a que em causa estava um pedido de reconhecimento de ilegalidade da retenção na fonte, com fundamento na violação do Acordo sobre o Espaço Económico Europeu, entendeu-se na decisão sob recurso que a Administração fiscal deveria, ao abrigo do seu dever de colaboração com os administrados, que nesta matéria encontra previsão específica no art. 52.º do CPPT, ter convolado tal requerimento em pedido de revisão oficiosa, que estaria em tempo, atendendo a que o prazo para o efeito era de 4 anos, tal como resulta do disposto no n.º 1 do art. 78.º da LGT.

Ora, não se vislumbra que a sustentação da sentença revele qualquer erro de julgamento de direito, antes fazendo uma correta interpretação e aplicação do direito aos factos.

De facto, o que da decisão recorrida resulta é, e bem, o entendimento de que a Administração fiscal não interpretou corretamente o pedido da Recorrida, que, em bom rigor, se reconduzia a um pedido de anulação do ato de retenção na fonte, por a mesma se revelar ilegal, e para o qual o meio adequado era a reclamação administrativa, uma vez que não se enquadrava em qualquer outro procedimento especial, designadamente, no previsto no art. 90.º-A do CIRC, e que, como tal, ainda que estando ultrapassado o prazo para o efeito, deveria ter sido convolado em requerimento de revisão oficiosa, atendendo a que estava dentro do prazo de 4 anos para o efeito.

Acresce que, e ainda que fosse de aceitar a tese da Recorrente, de que ao caso se aplicava o procedimento previsto no n.º 5 do então art. 90.º-A do CIRC, norma na qual se previa um prazo de dois anos para a formulação do pedido de reembolso, o ato administrativo em causa sempre seria manifestamente ilegal, atendendo a que, e como, de resto, é reconhecido pela Recorrente no seu recurso, ao caso sempre seria de aplicar o disposto no n.º 1 do art 297.º do Código Civil – no qual se dispõe que “A lei que estabelecer, para qualquer efeito, um prazo mais curto do que o fixado na lei anterior é também aplicável aos prazos que já estiverem em curso, mas o prazo só se conta a partir da entrada em vigor da nova lei, a não ser que, segundo a lei antiga, falte menos tempo para o prazo se completar” -, pelo que o prazo de dois anos ali previsto apenas se contaria a partir da data de entrada em vigor da norma, ou seja, a partir de 1 de janeiro de 2006, pelo que o requerimento da Recorrida, que como já aqui se referiu foi apresentado em 21 de dezembro de 2006, sempre estaria em tempo.

De facto, e, não obstante no n.º 1 do art. 297.º do CC apenas se fazer menção expressa às situações de encurtamento do prazo pela lei nova, não pode deixar de se entender que nesta norma se subsumem também as situações em que a lei nova passa a prever um prazo, onde o mesmo não existia.

Assim sendo, e em suma, a Recorrente não tem razão, não se verificando qualquer dos erros de julgamento de direito que imputa à decisão recorrida, uma vez que, e ainda que fosse de aplicar ao caso o disposto no n.º 5 do art. 90.º-A do CIRC, o prazo de dois anos ali previsto não se encontrava ultrapassado, sendo certo que no caso não era aplicável o procedimento ali previsto, nada havendo a obstar à convolação do requerimento da Recorrida em pedido de revisão oficiosa, que sempre estaria em tempo.

Tanto é quanto basta para que se conclua que o presente recurso deve ser julgado improcedente.


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No que diz respeito à responsabilidade pelas custas do presente Recurso, a mesma cabe à Recorrente, atendendo ao seu decaimento [cf. art. 527.º, n.ºs 1 e 2 do CPC, aplicável ex vi art. 1.º, do CPTA].

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Conclusão:

Preparando a decisão, formulamos a seguinte síntese conclusiva:

I. Pretendendo o contribuinte suscitar a ilegalidade de um ato de liquidação, deve a Administração fiscal convolar em pedido de revisão oficiosa o correspondente requerimento, quando verifique que o prazo de reclamação administrativa foi ultrapassado.

II. Ao avaliar a aplicação de uma norma procedimental nova, e ainda que a mesma seja de aplicação imediata, a Administração fiscal não pode deixar de ponderar a aplicação do regime previsto no n.º 1 do art. 297.º do CC sempre que esteja em causa matéria relativa à alteração de prazos.

III. Não obstante no n.º 1 do art. 297.º do CC apenas se fazer menção expressa às situações de encurtamento do prazo pela lei nova, não pode deixar de se entender que ali se subsumem as situações em que a lei nova passa a prever um prazo, onde o mesmo não existia.

III. DECISÃO

Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Subsecção Comum da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao presente recurso, e em consequência, manter a sentença recorrida.

Custas pela Recorrente.

Lisboa, 26 de junho de 2025 - Margarida Reis (relatora) – Cristina Coelho da Silva – Ana Cristina Carvalho.