Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:50307/24.4BELSB
Secção:CA
Data do Acordão:07/15/2025
Relator:JOANA COSTA E NORA
Descritores:ALTERAÇÃO DO EFEITO DO RECURSO
JUNÇÃO DE DOCUMENTOS EM RECURSO
JUÍZOS CONCLUSIVOS
MESA ELEITORAL
ACTO ELEITORAL
Sumário:I - Não tendo os recorridos, no requerimento que fazem com vista à atribuição de efeito meramente devolutivo ao recurso, nos termos do n.º 3 do artigo 143.º do CPTA, alegado factualidade apta a concluir pela ocorrência de situação de facto consumado ou de prejuízos de difícil reparação, limitando-se a concluir nesse sentido e alegando apenas que os órgãos eleitos continuam a actuar apesar de o acto eleitoral ter sido anulado, sem invocarem um qualquer prejuízo decorrente de tal actuação, não estão verificados os pressupostos para a alteração do efeito do recurso, pelo que se mantém o efeito suspensivo do mesmo.
II - Em face do disposto no n.º 1 do artigo 651.º do CPC, limitando-se a recorrente a juntar os documentos e a afirmar que se trata de “documentos supervenientes face aos articulados”, sem sustentar minimamente tal superveniência, não alegando a impossibilidade de apresentação de tais documentos até à interposição do recurso nem a necessidade da sua junção em virtude do julgamento proferido na 1.ª instância, não é admissível a respectiva junção, impondo-se o seu desentranhamento.
III - Os juízos conclusivos não são factos, enquanto exteriorizações de ocorrências da vida real, pelo que não devem constar do elenco da matéria de facto da sentença.
IV - A mesa eleitoral, sendo um “órgão temporário” – por ter sido criado “para actuar apenas durante um certo período” -, não deixa de ser um órgão da Ordem dos Psicólogos Portugueses, e, ao decidir a reclamação do acto eleitoral, pratica um acto no exercício de poderes públicos.
V - A impugnação judicial do acto eleitoral com vista à eleição de órgãos da Ordem dos Psicólogos Portugueses depende da prévia utilização dos meios de impugnação administrativa previstos no respectivo Estatuto (a reclamação para a mesa eleitoral e o recurso da decisão da mesa eleitoral para o conselho jurisdicional), pelo que o acto eleitoral não pode ser impugnado antes de esgotados esses meios.
Votação:Unanimidade
Indicações Eventuais:Subsecção Administrativa Comum
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
ACÓRDÃO

Acordam, em conferência, os juízes da subsecção comum da secção administrativa do Tribunal Central Administrativo Sul:


I – RELATÓRIO


A…, T…, L… e V… intentaram acção administrativa de contencioso eleitoral contra a Ordem dos Psicólogos Portugueses. Pedem a declaração de nulidade do acto eleitoral, realizado 29.11.2024, para a eleição dos órgãos da entidade demandada.
Pelo Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa foi proferida sentença a julgar a acção totalmente procedente, anulando o acto impugnado.
A contrainteressada S… interpôs recurso de apelação, cujas alegações contêm as seguintes conclusões:
“1. Da base probatória, dada como assente, não avultam factos provados que permitam, com o devido respeito, concluir como se concluiu na Sentença recorrida;
2. Estando em causa, no essencial, aspetos de natureza técnica ou tecnológica, associados ao voto eletrónico à distância (previsto no Artigo 32.° do Regulamento Eleitoral da OPP), teria sido pertinente dilucidar as dúvidas suscitadas pelos Autores chamando a uma inquirição os responsáveis pelo apoio técnico e tecnológico, in casu, da empresa M…;
3. O relatório (listagens) constante e reproduzido no ponto 12. dos factos assentes contém informação repetida, contraditória e, em qualquer caso, insuficiente para concluir que qualquer eleitor tenha sido inibido ou privado do exercício do direito de voto;
4. O relatório referido em 3. apenas permite concluir que 218 eleitores tiveram dificuldades em aceder à plataforma, solicitando que lhes fossem reenviados PINs, sem que seja possível, daí, concluir que tenham sido privados do exercício do direito de voto;
5. Pelo contrário, conforme resulta da informação e esclarecimentos prestados pela M..., a esmagadora maioria desses eleitores (145) exerceram, de facto, o direito de voto;
6. A decisão da Comissão Eleitoral, composta por representantes de todas as listas a sufrágio, de proceder ao reenvio de PINs (códigos de acesso à plataforma de voto), referida em 4., foi tomada por unanimidade e apesar de não ter base no Regulamento Eleitoral da OPP, inscreve-se no âmbito de competências e deveres da Comissão no sentido de garantir que o processo eleitoral decorresse da forma mais ampla e democrática possível, não constituindo senão uma irregularidade sem qualquer impacto nos resultados;
7. No caso concreto das incidências nas Delegações Norte e Sul, referidas nos factos assentes 10 e 11, quer pelo número (em ambos os casos, 9), quer pelas razões de os pedidos de novos PINs, deverem ser considerados como casos corretamente tratados pelas respetivas Mesas Eleitorais, devidamente refletidos nas respetivas atas e sem qualquer impacto, quer no resultado concreto dessas Delegações, quer no cômputo geral dos resultados eleitorais.
8. A Douta Sentença padece igualmente de erro de julgamento por se ter fundamentado em `factos' errados que alegadamente impediram o aproveitamento do ato eleitoral.
9. Sendo manifesto que o número de eleitores que não exerceram o direito de voto foi de apenas 67, por razões alegadamente associadas ao processo de votação à distância, e atendendo às maiorias de votos nas eleições, seria impossível que a lista da Contrainteressada não tivesse sido eleita, em todos os órgãos, Conselhos e Delegações (com exceção de uma), como foi, mesmo que todos os votos fossem para uma mesma lista concorrente.
Nestes termos e nos demais de Direito aplicáveis, deverá o presente Recurso ser julgado procedente por provado e, em consequência, deve a Sentença recorrida ser revogada e a presente ação ser julgada totalmente improcedente, por não provada, devendo a Ré ser absolvida dos pedidos formulados nos autos.”
Também a entidade demandada interpôs recurso de apelação, cujas alegações contêm as seguintes conclusões:
“A. Por sentença proferida em 7 de abril de 2025, o Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa decidiu “julg[ar] a presente Ação totalmente procedente, por fundada e provada, e, em consequência, anul[ar] o ato eleitoral, realizado 29.11.2024, para a eleição dos órgãos da Entidade Demandada” – como se sintetiza nestas conclusões é uma decisão indefensável e questionável em todos os seus segmentos.
B. A título prévio, importa referir que sem que qualquer prova tenha sido produzida nesse sentido, o Senhor Juiz a quo entendeu não só que houve razões que determinaram a impossibilidade de votação (que não se concedem), como decidiu ir ainda mais longe e, sem qualquer instrução, entender que aquelas não eram imputáveis aos eleitores em causa.
C. Aquilo que parece ter determinado o sentido da decisão assenta em diversas premissas improcedentes: (i) não há prova de que tenha estado indisponível a votação eletrónica; (ii) não há prova de que as razões que impediram o login não eram imputáveis aos próprios eleitores;
D. Não pode anular-se o ato eleitoral por alegada indisponibilidade da mesa eleitoral eletrónica quando existem alternativas que salvaguardariam o voto.
E. A perplexidade é tanto maior quanto o tribunal a quo se lançou nesta conclusão sem que ordenasse qualquer produção de prova; na verdade, em face de um pedido cuja consequência era o mais gravoso em matéria eleitoral (a anulação do ato propriamente dito), o Senhor Juiz entendeu que se encontrava em condições de decidir sem ouvir testemunhas que circunstanciassem os factos alegados por Autores, Entidade Demandada e Contrainteressada (quantas vezes contraditórios entre si) e sem auscultar a entidade responsável pela votação eletrónica, a M....
F. É que a M... enviou aos autos um conjunto de trocas de correspondência entre si e a Entidade Demandada que, devidamente analisadas, não consentem de forma alguma as conclusões do tribunal sobre impossibilidades de votação (cf. registos SITAF 010704821 e 010704842).
G. Se a razão que determinou a anulação foi a alegada impossibilidade de votação eletrónica, é incompreensível que o Senhor Juiz a quo tenha baseado a decisão nos documentos juntos pelas partes e no PAI pela simples, mas definitiva razão que nem uns nem outro têm o mais pequeno indício de que (i) houve problemas de acesso à plataforma eletrónica (ii) inimputáveis aos eleitores.
H. A prova disponível não demonstra: que tenha havido indisponibilidade da plataforma; que os erros reportados não fossem imputáveis aos próprios eleitores; que as pessoas que pediram reenvio de PIN continuaram a conseguir não votar, nem, por fim; quantos eleitores deixaram de votar por razões relacionadas com alegadas dificuldades da plataforma eletrónica.
I. Se não se provou quantos eleitores deixaram de votar nem quem recebeu as necessárias credenciais para o exercício de votação à distância, nunca se poderia considerar provada a ação, cujos fundamentos eram, precisamente, o elevado número de eleitores que não tinham tido possibilidade de votar por putativos erros da plataforma eletrónica.
J. O Senhor Juiz a quo operou uma verdadeira inversão do ónus da prova, violando o disposto no n.º 1 do artigo 342.º do CPC.
K. A Recorrente deduziu a exceção de extemporaneidade da ação, na medida em que, nos termos do n.º 3 do artigo 52.º do EOPP “os recursos contenciosos (…) não podem ser interpostos antes de serem esgotados os recursos internos previstos no presente Estatuto, designadamente os recursos para o conselho jurisdicional”.
L. Ficou provado que os Autores propuseram a ação a 6 de dezembro de 2024 quando ainda não tinham esgotado todos os meios de impugnação administrativa que o EOPP disponibiliza.
M. A presente ação só poderia ter dado entrada depois de apresentado, conhecido e decidido tal recurso, naturalmente impugnando já não as deliberações da mesa de voto ou da mesa eleitoral, mas sim a deliberação do CJ.
N. Facto é que não se descortina de onde pode o Senhor Juiz a quo ter retirado a conclusão de que o artigo 52.º não se aplica aos casos eleitorais, pois nem o artigo 23.º, nem o artigo 52.º do EOPP têm o mais pequeno elemento literal que indicie essa exclusão.
O. Também se deve dizer que não há qualquer apoio literal que suporte a distinção entre eleitores e candidatos – antes de mais, porque todos os candidatos têm, em primeiro lugar, de ser eleitores para serem elegíveis, logo, candidatos. Obviamente não faria sentido submeter os eleitores aos meios de impugnação administrativa necessária, podendo os candidatos impugnar atos diretamente em tribunal.
P. Certo é que todas as matérias que foram trazidas ao processo pelos Autores, aqui Recorridos, estão ligadas aos eleitores e não às candidaturas: na verdade, não se trata de temas relativos à admissão ou rejeição de listas ou de temas ligados à resignação ou substituição de candidatos – são pretensas dificuldades sentidas pelos eleitores e nunca pelos candidatos.
Q. Razão pela qual, também nesta perspetiva, se verifica um claro erro de julgamento da sentença recorrida.
R. A eventual possibilidade de sanação desta irregularidade passaria não só pela interposição de recurso para o Conselho Jurisdicional (o que foi feito) mas também pela posterior impugnação contenciosa da decisão desse órgão (o que foi feito, mas intempestivamente, embora o tribunal a quo, uma vez mais mal, tenha entendido que o ato era inimpugnável por ser um ato confirmativo…).
S. Se o Senhor Juiz de primeira instância entendeu que o ato do conselho jurisdicional não era impugnável por ser meramente confirmativo, não poderia considerar-se sanada a extemporaneidade da ação através de uma impugnação que esse próprio tribunal recusou…
T. O tribunal a quo deveria ter decidido o seguinte: julgava contenciosamente impugnável apenas a decisão do conselho jurisdicional nos termos do artigo 52.º, n.º 3, do EOPP; julgava, no caso concreto, inimpugnável a decisão do conselho jurisdicional, uma vez que foi apresentada 16 dias depois da respetiva notificação, em desrespeito do prazo de 7 dias previsto no 98.º, n.º 2, do CPTA; Sendo a decisão do conselho jurisdicional inimpugnável por decurso do respetivo prazo de impugnação, caberia absolver a Entidade Demandada.
U. Ao não ter tomado esta decisão, o tribunal a quo incorreu em erro de julgamento que este Venerando Tribunal Central Administrativo Sul tem de corrigir.
V. Quanto à matéria de facto selecionada, se o tribunal a quo queria analisar a questão da regularidade do voto eletrónico, então a seleção da matéria de facto teria de ter apreciado as questões factuais relevantes: quantos eleitores tentaram votar e não conseguiram? Desses que não votaram, quantos eleitores não votaram sem que a razão seja imputável à Recorrente? Aprofundando, essas tentativas foram bem ou mal sucedidas por razões ligadas ao funcionamento da plataforma da M...?
W. Nenhum – sublinhe-se, nenhum – facto provado responde a estas questões.
X. Neste âmbito, o facto provado 5 tem de ser reformulado para a seguinte redação: “5. Em 07.11.2024, a empresa M... enviou 21231 envelopes com códigos (PIN) para votação eletrónica nas eleições referidas em 1 aos membros efetivos da OPP constantes dos cadernos eleitorais para a morada indicada como residência profissional de cada membro (fls. 12, 22, 23 e 28 do Doc. 010704821 SITAF e pasta 15 – Envio de Elementos de Voto (07.11.24) do processo administrativo instrutor”.
Y. Sendo certo que, quanto ao facto 12, importa esclarecer que o que se encontra provado é que a M... enviou aquele relatório à ora Recorrente – daí não pode saltar-se para a conclusão de que aquelas pessoas (quais? quantas?) não votaram e que não votaram por razões imputáveis à M... ou à Entidade Demandada.
Z. Do facto 12 resulta ainda que a M... realizou de três listagens diferentes: a lista tem uma série de nomes que surgem repetidos numa série de linhas, na medida em que vários dos nomes à frente dos quais não está a coluna “reenviado” (primeira listagem, na p. 17/40), constam de facto, mais adiante, como tendo recebido novo PIN – isto é, para esses eleitores foi, de facto, reenviado o PIN, habilitando-os a votar.
AA. A listagem da M... que é reproduzida no facto 12 da sentença dá assim uma visão incompleta e imprecisa da natureza dos incidentes e, até, da efetiva operação de reenvio, uma vez que se verificam ainda casos de eleitores cujos nomes, também duplicados, surgem na lista de eleitores com erro de autenticação, carecendo de reenvio, mas que, afinal, votaram sem necessidade de reenvio. A única coisa que é possível concluir é que 218 eleitores comunicaram que se deparavam com dificuldades de acesso, o que não significa que não votaram – comprova-se, aliás, que desse universo, pelo menos 24 votaram, outros dois não constavam do caderno eleitoral, uma eleitora tinha o seu nome diferente no Caderno Eleitoral e um outro, por colocação de um espaço depois do NIF.
BB. Deste modo, a análise de dados constante da própria sentença, permite concluir que, afinal, não foram 218 os eleitores que não votaram: além de não haver qualquer prova que comprove quem efetivamente votou, há 30 eleitores relativamente aos quais há informação que atesta uma conclusão diferente – reduzindo-se assim o grupo de potenciais não votantes para 188.
CC. Não se pode, de modo algum simplesmente concluir, que “seguramente muitos foram os eleitores quiseram exercer o seu direito de voto e não o conseguiram fazer, por os códigos que possuíam não lhes permitir o acesso ao boletim de voto eletrónico, ficando assim privados do exercício do seu direito de voto”, já que isso corresponde a simples presunções, que os factos provados não consentem.
DD. Efetivamente, do PAI consta a pasta “23 AuditLogs M...”, dentro da qual se encontra o ficheiro Excel “Auditlogs”. Nesse ficheiro está a indicação de todos os acessos à plataforma, com indicações como “voter authenticated sucessfully”, “submission of vote starting”, “vote has been submitted sucessfully” ou “invalid password”. Cada uma dessas referências está associada a um ID (leia-se, um eleitor) e a uma data e hora de acesso o tribunal a quo dispôs de todos os dados necessários à boa conclusão sobre quem afinal acedeu ou deixou de aceder à plataforma ou quem afinal votou ou não votou – bastava analisar os dados ou pedir à M... que esclarecesse as conclusões que ali estão disponíveis devidamente solicitada pela sua atual Bastonária
EE. Como quer que seja a M... enviou à Recorrente quatro documentos, dos quais há duas conclusões que se impõem, partindo do grupo de 218 inicialmente referido: 145 exerceram o seu direito de voto; 73 não exerceram o seu direito de voto, sendo que dois nem sequer faziam parte do caderno eleitoral.
FF. Razão pela qual deve ser acrescentado o seguinte facto aos factos provados: “12-A. Do universo de eleitores que reportaram qualquer tipo de dificuldade de votação eletrónica, não votaram 71 eleitores” (Pasta 23 do Processo Administrativo Instrutor e documentos juntos com a alegação de recurso da Demandada).”
GG. E deve ser acrescentado à matéria de facto o seguinte: “24. Desde que os atos eleitorais da Ordem dos Psicólogos Portugueses passaram ao formato eletrónico, verificaram-se os seguintes resultados: Eleição Órgãos Nacionais e Regionais 2024: Universo Eleitoral – 21231; N.º de votantes – 7250 (34,15% de votantes); Eleição Conselho de Supervisão 2024: Universo Eleitoral – 21364; N.º de votantes – 5385 (25,21% de votantes); Eleição Órgãos Nacionais e Regionais 2020: Universo Eleitoral – 16835; N.º de votantes – 6388 (37,94% de votantes); Eleição Órgãos Nacionais e Regionais 2016: Universo Eleitoral – 14852; N.º de votantes – 5209 (35,07% de votantes) (processo administrativo instrutor).”
HH. Como apreciação geral da matéria de facto tem de se salientar que os factos apenas atestam que os intervenientes do processo eleitoral disseram/escreveram determinadas posições, mas não faz qualquer juízo sobre a procedência/verdade das posições que nesses documentos constam.
II. Por outro lado, resulta da sentença uma série de inseguranças por parte do Senhor Juiz a quo quanto à dinâmica dos factos – ora, se estes temas eram relevantes, então sempre teria o tribunal a quo que produzir prova, nomeadamente a que já se encontrava requerida pelas partes ou lançar mão de um instrumento que lhe permitisse tecnicamente assegurar se houve ou não problemas técnicos com a plataforma de voto que efetivamente impediram eleitores de votar.
JJ. Quanto às referências sobre a hora que os eleitores receberam novos PIN é irrelevante se não estiver associada como matéria de facto a hora em que requereram esse reenvio – só teria interesse e impacto se a Entidade Demandada ou a M... tivessem sido relapsas na análise de tais pedidos.
KK. Certo é que esta parte da sentença (a da aplicação do direito aos factos) é totalmente incompreensível, quer por se contrariar a si mesma, quer por não assentar em factos dados como provados, o que a torna nula nos termos e para os efeitos da alínea c) do n.º 1 do artigo 668.º do CPC.
LL. De qualquer modo, a tese jurídica veiculada na decisão em crise é, também ela, franca e largamente improcedente.
MM. Não podia nunca se concluir que não esteve a funcionar a mesa de voto. O que se pode concluir foi que houve pessoas que reportaram à Mesa Eleitoral problemas de funcionamento da mesa de voto, o que é uma diferença subtil, mas que é de toda a relevância.
NN. Se mais de 7.000 eleitores votaram nessa “mesa de voto eletrónica” como pode concluir-se que a mesa não está a funcionar? Quando há tão-só 73 membros que reportaram dificuldades e efetivamente não votaram e que representam cerca de 1% do eleitorado.
OO. Ora, um ato eleitoral não pode ser anulado em função de uma putativa indisponibilidade temporária de um acesso eletrónico.
PP. A anulação de atos eleitorais é uma medida extrema que só deve ser adotada quando há provas suficientes de que irregularidades comprometeram a legitimidade do processo eleitoral.
QQ. Sendo que a sentença em crise desconsiderou por completo que houve sempre uma alternativa viável que assegurou a abertura permanente da “mesa de voto”, em cinco lugares do país, não havendo qualquer alegação (nem, por consequência, prova) de que essa alternativa não serviu aos 73 membros que aparentemente não conseguiram votar e disso deram conta à Mesa Eleitoral.
RR. A este respeito, importa chamar à colação, pela lapidar conclusão e possibilidade de transposição para o caso concreto, o recente Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 536/2024, proferido no Proc. n.º 533/2024.
SS. O julgador apelou ainda a regras de experiência comum; mas, as decisões judiciais à luz destas regras devem ser fundamentadas em princípios de razoabilidade, conhecimento comum, jurisprudência, provas, contexto social e regras específicas aplicáveis ao caso. Estas regras ajudam a garantir que as decisões são justas, coerentes e baseadas em uma compreensão prática e realista dos factos.
TT. Em suma, verifica-se que a sentença em crise interpretou erradamente o disposto no EOPP e no Regulamento Eleitoral, devendo este Tribunal Central corrigir o referido erro de julgamento e ajuizar como legal todo o ato eleitoral da Entidade Demandada.
UU. Por último, quanto ao afastamento do efeito anulatório, de todas as análises da prova, resultam meras 73 pessoas que pediram o reenvio de PIN e alegadamente não conseguiram votar.
VV. Ora, olhando para o facto provado 15 (resultados eleitorais), temos que mesmo que essas 73 pessoas votassem todas na Lista A (o que, naturalmente, não é minimamente verosímil), a Lista B ganhava a Direção Nacional, o Conselho Fiscal, o Conselho Jurisdicional e continuava a ser a Lista mais votada para a Assembleia de Representantes e para o Conselho de Supervisão.
WW.Caso, porventura, se entenda que o ato eleitoral de 29 de novembro de 2024 padeceu de quaisquer irregularidades, deverá este Tribunal revogar a sentença neste plano e, em sequência, afastar o efeito anulatório e manter na ordem jurídica os resultados do ato eleitoral da OPP com todos as legais consequências.
Nestes termos, e nos mais de Direito aplicáveis, deve o presente recurso ser julgado totalmente procedente por provado e, em consequência, ser julgada procedente a exceção de extemporaneidade da ação, com a consequente absolvição da Entidade Demandada da instância. Se assim não se entender, deve o presente recurso ser julgado totalmente procedente por provado e, em consequência, ser julgada totalmente improcedente a ação proposta pelos Autores, absolvendo-se a Entidade Demandada do pedido. Subsidiariamente, deve proceder-se à produção de prova, nos termos do disposto no artigo 149.º, n.º 4, do CPTA.”
Os recorridos responderam à alegação das recorrentes, com as seguintes conclusões:
“1. No presente caso as Recorrentes não se conformando com o teor do despacho saneador-sentença proferido pelo Tribunal a quo vieram dele interpor o presente recurso.
2. Atenta a natureza dos factos aqui sob juízo e as consequências que podem advir da manutenção em funções de órgãos ilegitimamente eleitos, cremos que as consequências que daí podem resultar com graves prejuízos para a ordem dos Psicólogos e para a segurança do tráfego jurídico justificam que se atribua a este recurso um efeito meramente devolutivo.
3. Com efeito, embora a regra seja a de que os recursos ordinários têm efeito meramente suspensivo, a verdade é que no n.° 3 deste artigo 143.° admite-se que "Quando a suspensão dos efeitos da sentença seja passível de originar situações de facto consumado ou a produção de prejuízos de difícil reparação para a parte vencedora ou para os interesses, públicos ou privados, por ela prosseguidos, pode ser requerido que ao recurso seja atribuído efeito meramente devolutivo.".
4. Na presente caso, estando em causa um ato eleitoral manifestamente ilegal, tal como decidido no despacho saneador-sentença, cremos que se torna claro que a suspensão dos efeitos desta decisão, ao permitir que uma direção composta por membros eleitos num ato ferido de ilegalidade continue a tomar decisões, origina situações de facto consumado e prejuízos de difícil reparação tanto para ordem como para os seus membros. A mera possibilidade de uma gestão ilegítima se perpetuar ofende não apenas os interesses da parte vencedora (que obteve em primeira instância o reconhecimento da ilegalidade), mas também os princípios da legalidade e da moralidade administrativa, que devem prevalecer no contencioso eleitoral.
6. A decisão recorrida, ao reconhecer a ilegalidade do processo eleitoral, afastou a legitimidade dos órgãos eleitos, pelo que permitir que estes continuem a funcionar sob o argumento da mera pendência de recurso seria esvaziar a eficácia da tutela jurisdicional e criar um perigoso precedente de impunidade.
7. Assim, parece-nos claro que o eventual prejuízo à parte recorrente é menos grave que os riscos da sua permanência.
8. Nestes termos, a atribuição do efeito devolutivo não só se justifica como se impõe, nos termos do artigo 143.°, n.° 3 do CPTA, para evitar que a ilegalidade inicial se consolide e cause prejuízos ainda mais graves.
9. Por outro lado, constata-se que as Recorrentes pretendem vir juntar aos autos documentos com fundamento na sua necessidade decorrente da errada apreciação da matéria de facto por parte do Tribunal a quo.
10. Contudo como deixámos claro supra, a tese que as Recorrentes defendem não pode prevalecer, na medida em que os referidos documentos, ao invés de virem acrescentar informação pertinente para a decisão da causa, mais não vêm que tentar afastar o que em seu entender foi uma errada interpretação da factualidade efetuada pelo tribunal de 1.a instância, revelando assim que a não junção anterior destes documentos se deveu a mera negligência processual da sua parte (já os podiam ter apresentado com as suas contestações), pelo que não se encontra preenchido o requisito do artigo 651.° do CPC para que os mesmos pudessem ser juntos aos autos;
11. Repare-se que a necessidade de junção aos autos destes documentos parte do pressuposto de que o Tribunal estaria em erro quanto ao concreto número de eleitores que se viram impedidos de exercer o seu direito de voto, contudo, como os Recorridos têm vindo a referir e o próprio saneador-sentença reconhece as irregularidades vão muito além daquelas que podem vir contempladas nos relatórios da empresa M... que atentas as diversas discrepâncias nem sequer asseguram uma total fiabilidade dos dados que neles vêm vertidos.
12.Foi com base nesta falta de rigor e clareza na definição dos critérios que presidiu ao reenvio dos códigos, aliada à demonstração da existência de irregularidades que impediram um número considerável de eleitores de exercer o seu direito de voto que o Tribunal concluiu que seguramente existiram muitos outros eleitores que quiseram exercer o seu direito de voto e não o puderam fazer em virtude de os códigos que possuíam não lhes permitir o acesso ao boletim de voto eletrónico, sendo que resulta claro que esses dados nunca poderiam constar dos relatórios, pois, em rigor as anomalias do procedimento não permitem assegurar que todos os problemas chegaram ao conhecimento da empresa M..., visto que as queixas não lhe foram diretamente endereçadas pelos eleitores prejudicados.
13.Assim, por não estarem verificados os pressupostos normativos em que se pode fundamentar a admissão da junção de documentos com as alegações de recurso é de concluir pela não admissão da respetiva junção ao processo dos documentos apresentados pelas Recorrentes.
14.Quanto aos fundamentos de recurso, verifica-se que em síntese as Recorrentes defendem que a decisão padece de diversos vícios, mormente que o Tribunal a quo procedeu a uma incorreta apreciação da prova, incorrendo em erro de julgamento e numa errada aplicação do direito aos factos, o que, segundo defendem, impõe a sua revogação e substituição por outra que os absolva do pedido, ou a produção de prova, a ordenar pelo Tribunal superior nos termos do n.° 4 do artigo 149.° do CPTA.
15.Acontece que, a nosso ver não assiste qualquer razão às Recorrentes, na medida em que, a fundamentação que o Tribunal a quo fez para proferir a decisão em que julgou procedente a presente ação e determinou a anulação do ato eleitoral de 29-11-024 para a eleição dos órgãos da Entidade demandada, revela-se totalmente adequada aos factos dados como provados, razão pela qual, no nosso entender, a decisão a proferir no caso concreto se afigura acertada, devendo manter-se na integra.
16.Diga-se que toda a prova produzida é claramente coerente com os factos dados como provados e como não provados, pelo que muito bem esteve o Tribunal a quo na sua decisão.
17.Da conjugação e ponderação de toda a prova resultou a certeza que comprovando-se a existência de falhas comprovadas no envio de pins pela empresa responsável, facilmente se conclui que nem todos os eleitores puderam participar no processo de eleição para os órgãos da Ordem dos Psicólogos como era seu direito, o que em consequência determina a invalidade das eleições realizadas.
18.Com efeito, competia à Recorrente Ordem dos Psicólogos assegurar o regular funcionamento das eleições, e a verdade é que, contrariamente ao que as Recorrentes aqui vêm alegar a empresa contratada para dar apoio técnico ao ato eleitoral, não foi capaz de assegurar que todos os eleitores com capacidade para votar pudessem fazê-lo sem problemas.
19.Antes pelo contrário, resulta dos documentos juntos aos autos que "muitos foram os eleitores que não conseguiram exercer o seu direito de voto com o Código inicial que lhes foi enviado, tendo solicitado o envio de um novo Código. Porém, constata-se que nuns casos, foram reenviados códigos a quem já tinha votado, outros nada consta quanto ao reenvio e outros ainda foram enviados a quem não constava nos cadernos eleitorais;"
20.Como o Tribunal a quo bem refere, a questão central que aqui se visou não se tratou da simples avaliação do procedimento que rodeou o envio dos códigos de acesso ao voto eletrónico, mas antes das consequências que resultaram das irregularidades suscitadas para a validade do ato eleitoral, ou seja, qual o impacto dessas irregularidades ao nível da validade do ato eleitoral que teve lugar no dia 29-11-2024.
21.E, quanto a esse ponto ficou provado que as mesas de voto eletrónico não funcionaram como deviam por exclusiva responsabilidade da empresa contratada para o efeito, pelo que tal como se concluiu no douto despacho saneador-sentença, resulta evidente que o artigo 32.º do REOPP não foi cumprido, o que em consequência tornou inválido o ato eleitoral e naturalmente os resultados que dele emergiram.
22.Para esta invalidade não concorre o facto de terem sido muitos, ou poucos os eleitores que se viram impedidos de votar, pois, esta sempre se verificaria ainda que tivesse sido apenas um eleitor que se visse impedido de votar por culpa exclusiva da entidade encabeçada de assegurar o funcionamento regular da mesa de voto eletrónico.
23.Outrossim a questão do número de eleitores afetado poderia interessar para efeitos da cominação decorrente dessa invalidade, contudo como bem discorre a decisão recorrida resulta dos factos aqui em análise que "Apreciando todo o procedimento de envio e reenvio de códigos, que se revelou ter sido sem critério e controlo, concatenada toda a prova produzida e visto tudo à luz das regras da experiência e dos normais acontecimentos da vida, o Tribunal conclui que, seguramente, muitos foram os eleitores quiseram exercer o seu direito de voto e não o conseguiram fazer, por os códigos que possuíam não lhes permitir o acesso ao boletim de voto eletrónico, ficando assim privados do exercício do seu direito de voto."
24.Assim, não têm qualquer sentido as críticas das Recorrentes apresentam quanto à definição do objeto do presente processo, pois, decorre claramente da decisão recorrida que a análise da regularidade das eleições foi feita sob o prisma das consequências que resultaram dos problemas no envio e reenvio dos códigos de acesso ao voto eletrónico que ao impedirem o exercício do direito de voto invalidaram ato eleitoral.
25.Veja-se que as dificuldades na definição do número de votantes que ficaram impedidos de votar não resultou da falta de indagação por parte do Tribunal a quo, mas antes da opacidade dos procedimentos adotados que sendo anómalos, pouco claros e não estando regulamentados, além de serem eles mesmos irregulares, impedem que Tribunal possa afirmar com certeza o número de eleitores que se viram afetados pelos problemas, podendo apenas presumir que atenta a magnitude das deficiências do procedimento o universo de eleitores afetados sempre teria de ser em número maior que aquele que vem refletido nos relatórios oficiais.
26.Ora, perante esta factualidade é natural que o Tribunal conclua que: "Contudo, embora seja possível extrair a conclusão que antecede, com base nas regras da experiência e dos normais acontecimentos da vida, já não é possível saber, com a segurança e certeza jurídica necessárias, quantos eleitores é que em concreto ficaram impedidos de exercer o seu direito de voto, por irregularidades e ilegalidades imputáveis à Entidade Demandada na organização do ato eleitoral de 29.11.2024. Não sendo possível determinar quantos eleitores ficaram impedidos de exercer o seu direito de voto e considerando o número de eleitores (facto 5 - foram enviados 21231) e o número de votos recolhidos (facto 15) não é possível ao Tribunal, por apelo ao princípio do aproveitamento do ato, afastar o efeito anulatório e manter na ordem jurídico o ato impugnado. Ou seja, face às irregularidades ocorridas durante o ato eleitoral do dia 29.11.2024, não é possível dar-se como comprovado, sem margem para dúvidas, que, mesmo sem as irregularidades verificadas o resultado das eleições seria o mesmo."
27.E, quanto a isso, os documentos que as Recorrentes agora pretendem juntar aos autos também não oferecem qualquer esclarecimento, porquanto se limitam a referir que no universo de 218 eleitores identificados pela decisão, apenas 73 não teriam conseguido exercer efetivamente o seu direito de voto, nada referindo quanto às efetivas razões que impediram esses 73 votantes de realizar a seu voto.
28.Ou seja, o que se percebe é que existiram de facto irregularidades no envio dos códigos de acesso que impossibilitaram os eleitores a exercer o seu voto à distância e que através de um processo anómalo e sem qualquer previsão no Regulamento eleitoral alguns desses eleitores puderam exercer o seu direito de voto através do reenvio dos códigos, contudo nada se diz quanto à impossibilidade dessas irregularidades terem sido sentidas por outros eleitores, que não tendo conhecimento da possibilidade de reenvio dos códigos, ficariam impedidos de exercer o seu direito de voto, o que diga-se atenta todas as irregularidades que se constataram neste processo eleitoral não é de todo descabido que possa ter acontecido.
29.Ora, numas eleições que ficaram decididas por tão curta margem e perante todas estas irregularidades a decisão do Tribunal a quo, não podia ser outra, na medida em que tal com conclui "não é possível dar-se como comprovado, sem margem para dúvidas, que, mesmo sem as irregularidades verificadas o resultado das eleições seria o mesmo."
30.Assim, contrariamente ao que vem alegado pelas Recorrentes não existe, no presente, caso qualquer erro ou omissão na avaliação da matéria de facto.
31.Por isso, mesmo que se proceda à reformulação do facto provado 5 nos termos pretendidos pela Recorrente, dela não resulta a conclusão imediata que os problemas ocorridos na expedição dos códigos são da exclusiva responsabilidade dos interessados, pelo que não podemos aceitar o teor dessas conclusões.
32.O mesmo se diga quanto à interpretação que ambas fazem quanto às discrepâncias encontradas nas diversas tabelas vertidas no facto provado 12, pois, contrariamente ao que sustentam não é verdade que a decisão recorrida tenha desconsiderado o facto de existirem repetições de nomes de eleitores nas diversas listas juntas aos autos, ou que não se tenha apercebido que alguns desses eleitores conseguiram exercer o seu direito de voto.
33.Com efeito, a alusão aos 218 eleitores é feita apenas para identificar o número de eleitores que manifestaram expressamente a existência de problemas no exercício do voto eletrónico, sendo que o que se diz a este propósito é que existiram "pelo menos, 218 casos de eleitores que não conseguiram aceder ao boletim de voto eletrónico com os códigos que inicialmente lhes foram fornecidos".
34.Ou seja, daqui não se retira qualquer conclusão de que o Tribunal a quo formou a sua convicção com base no pressuposto errado de que todos estes 218 eleitores não conseguiram exercer o seu direito de voto, apenas se conclui que não conseguiram fazê-lo com os códigos inicialmente enviados, o que corresponde à verdade e motivou que tivessem de ser reenviados novos códigos.
35.Nã existe, assim, nenhuma distorção dos factos, muito menos uma que justifique a revisão do facto provado 12, e a introdução de um facto provado 12-A nos termos propostos pela Recorrente Ordem dos Psicólogos.
36.Do mesmo modo, carece de relevância a introdução de um facto provado 24 relativo à taxa de abstenção nos atos eleitorais de anos anteriores, pois, o que aqui se está a analisar são os problemas verificados e comprovados na votação eletrónica neste ato eleitoral e não nos atos anteriores.
37.Aliás, confirmando o conhecimento por parte do Tribunal quanto às diligências encetadas pela empresa mandatada pela Ordem dos Psicólogos com vista à resolução desses problemas, veja-se que a decisão recorrida pronuncia-se expressamente sobre a regularidade desse processo concluindo que a opção pelo reenvio não tinha cobertura regulamentar e que o procedimento adotado revelou uma total ausência de critério e controlo.
38.Foi nesse sentido que a mesma conclui que "nuns casos, foram reenviados códigos a quem já tinha votado, outros nada consta quanto ao reenvio e outros ainda foram enviados a quem não constava nos cadernos eleitorais;", e que "vários eleitores apenas receberam os Códigos necessários ao exercício do seu direito de voto minutos antes do encerramento da votação, pelo menos num caso, 2 minutos antes do encerramento da votação;"
39.Percebe-se assim que as conclusões da decisão recorrida tiveram em atenção os factos vistos com um todo e nessa base concluiu-se que em face das múltiplas irregularidades que marcaram o processo eleitoral que teve lugar no passado dia 29-11-2024, torna-se impossível o funcionamento do princípio aproveitamento do ato.
40. Aliás, a falta de clareza que marcou o processo de envio e reenvio dos códigos pin aliada à falta de previsão desta possibilidade no Regulamento Eleitoral acabou por tornar este processo sem critério e sem controlo, sendo patente da análise dos factos, que apesar de se ter definido que os códigos apenas podiam ser reenviados nos casos em que se comprovasse o erro de validação no Portal Eletrónico, acabaram por ser enviados códigos a eleitores que se encontravam fora dos critérios definidos, que denota a desorganização de todo este processo.
41.A nosso ver foram estas dúvidas que tornaram patente que "o ato eleitoral decorreu de forma anómala não sendo possível determinar quantas eleitores foram impedidos de votar, por impossibilidade de acesso ao boletim de voto, em tempo e no prazo legalmente estabelecido."
42.E assim sendo, "Não sendo possível determinar quantos eleitores ficaram impedidos de exercer o seu direito de voto e considerando o número de eleitores (facto 5 - foram enviados 21231) e o número de votos recolhidos (facto 15) não é possível ao Tribunal, por apelo ao princípio do aproveitamento do ato, afastar o efeito anulatório e manter na ordem jurídico o ato impugnado."
43.E, mais uma vez se refira que nenhum dos documentos que as Recorrentes agora querem juntar ao processo permitem a dissipação destas dúvidas de tal forma que permitam a aplicação do princípio do aproveitamento do ato nos termos que ambos pretendem, pois não demonstram as razões que levaram à ocorrência dos problemas identificados e como tal, não asseguram sem margem para dúvidas o número de eleitores que ficaram impedidos de votar na sua decorrência, não sendo, por isso, possível assegurar que sem estes problemas o resultado das eleições seria o mesmo.
44. Veja-se que decorre da Ata n.° 6 que foram devolvidas 1020 cartas com PIN para votação à M..., donde se depreende que os problemas relacionados com a votação eletrónica foram muito além das dificuldades sentidas pelos eleitores no momento da autenticação.
45. Além disso, a referência que as Recorrentes fazem à possibilidade de voto presencial não tem aqui qualquer cabimento porquanto esta não pode ser considerada uma solução viável, já que as delegações da OPP estão localizadas apenas em Lisboa, Coimbra, Porto, Funchal e São Miguel implicaria que eleitores de locais distantes, como Faro, tivessem de se deslocar a Lisboa, ou até que eleitores da ilha de São Jorge (e das restantes ilhas do arquipélago) precisassem apanhar um voo para São Miguel para poderem votar, enquanto, ressalta-se, o Estatuto Eleitoral da OPP estatui o voto eletrónico.
46.Portanto esta solução ao invés de resolver o problema evidencia a falta de flexibilidade e adequação nas medidas adotadas pela OPP para garantir a participação eleitoral de todos os associados na eleição impugnada.
47.Ora, as provas são apreciadas livremente pelo juiz, a não ser nos casos de prova tabelada, em que os meios de prova tenham um valor legal pré-determinado. Tal não significa que o juiz tenha a liberdade de julgar os factos de forma arbitrária, caprichosa, ou como lhe aprouver, mas apenas que o juiz não está subordinado a regras ou critérios formais estabelecidos na lei, decidindo antes segundo a sua experiência prática da vida e a sua prudência.
48.Na formação da sua convicção, o juiz pode e deve recorrer, sempre que tal se justifique e seja possível, a presunções judiciais. Trata-se de um processo mental de investigar, por meio de induções e deduções, uma verdade provável, revelada por determinadas circunstâncias, ou como tal havida por disposição expressa da lei.
49.In casu, é claro que a fundamentação da matéria de facto é coerente com os factos dados como provados, sendo que a globalidade dos factos demonstra que foram várias e diversas as inconsistências e insuficiências na gestão do processo eleitoral, que pela sua gravidade põe em causa a validade do ato e tornam impossível a sua manutenção na ordem jurídica.
50. No caso dos autos, constam claramente da decisão recorrida as razões em que o Tribunal a quo fundou a sua convicção, mormente os motivos que o levaram a dar com provados certos factos e não outros e as razões de direito que conduziram à decisão concretamente proferida.
51. Com efeito, resultando provado que existiram problemas de relevo no envio e funcionamento dos códigos de acesso ao voto eletrónico, que impediram diversos eleitores de exercer o seu voto, e que foi curta a margem que separou a lista vencedora daquela que ficou imediatamente a seguir, esses factos não podem deixar de ser considerados, à luz da experiência de vida, como fortemente indiciadores da existência de outros eleitores, para além daqueles cujas reclamações foram atendidas, que quiseram exercer o seu direito de voto e não o conseguiram fazer, em virtude de os códigos que possuíam não lhes permitir o acesso ao boletim de voto eletrónico, ficando assim privados do exercício do seu direito de voto.
52.Termos em que, deve improceder o invocado erro de julgamento quanto à matéria de facto.
53.E, face a toda a prova carreada para os autos, a qual foi devidamente analisada, consideramos que muito bem esteve o Tribunal em considerar como provados os factos nos termos em que o fez, pelo que dúvidas não houve em afastar o princípio do aproveitamento do ato.
54.Cumpre referir que são totalmente descabidas as conclusões das Recorrentes quanto à ideia de que sem as irregularidades que efetivamente existiram e ficaram demonstradas os resultados das eleições sempre seriam os mesmos.
55.Repare-se que a referência que a Ordem dos Psicólogos faz nas suas alegações aos resultados das eleições para as mesas assembleias regionais, não tem aqui qualquer cabimento, desde logo porque se tratam de eleições com um âmbito totalmente diferente, muito menos participadas e em que o voto eletrónico nem sequer é admitido.
56.Basta atentar ao reduzido número de eleitores que efetivamente nelas participou, em contraposição aos que votaram nas eleições de 29 de novembro de 2024, em cada uma dessas circunscrições, para se perceber que os resultados nelas vertido não representa, nem pode representar a maioria dos eleitores na perspetiva que a Recorrente pretende.
57.Assim, estando aqui em causa problemas no funcionamento do voto eletrónico, não são admissíveis as conclusões que a Ordem dos Psicólogos pretende retirar dos resultados das eleições para as mesas das Assembleias Regionais de cada uma das cinco circunscrições regionais, até porque como muito bem sabe, fruto dos constrangimentos de apenas ser admitido o voto presencial muito são os membros que ficam impedidos de exercer o seu direito de voto.
58.Pelo que bem andou o Tribunal a quo a decidir pela anulação do ato eleitoral, desde já se pugnando pela manutenção da decisão recorrida nesta parte.
59.Por fim, também quanto à alegada extemporaneidade da ação a decisão recorrida revela-se totalmente acertada.
60.Como decorre da matéria de facto assente, no presente caso o ato eleitoral ocorreu a 29 de novembro de 2024, tendo os recorridos conhecimento dos factos aqui sindicados nessa mesma data, por essa razão, face à letra e teleologia da norma do n.° 3 do artigo 98.° do CPTA os Recorridos, ainda que o desejasse, nunca poderia ter suscitado judicialmente a questão, em momento anterior a essa data, sendo, pois tempestiva a apresentação da petição inicial.
61.Perante o estatuído no citado artigo não restam quaisquer dúvidas quanto ao prazo de 7 dias para propositura da presente ação a contar da data em que seja possível o conhecimento do ato, ou omissão.
62.Assim, tendo os Recorridos insaturado a presente ação a 06-12-2024, é manifesta a tempestividade da mesma.
63.Andou, pois, bem a decisão recorrida quando conclui pela improcedência da exceção de extemporaneidade da ação.
64.Deste modo, porque nada se encontra que mereça censura no despacho saneador-sentença ora recorrido, o qual nos parece sensato, ponderado e adequado ao caso concreto, deve ser negado provimento ao recurso interposto, mantendo-se o mesmo, na íntegra.
Nestes termos, e nos mais de direito que V. Exas. doutamente suprirão deverá o presente recurso de apelação ser julgado totalmente IMPROCEDENTE, e em consequência: a) deverá ser atribuído efeito meramente devolutivo ao recurso; b) deverá ser recusada a admissão dos documentos que as Recorrentes pretendem juntar por inadmissibilidade legal; e c) deverá manter-se na íntegra a decisão proferida.”
O Ministério Público junto deste Tribunal, notificado nos termos e para efeitos do disposto no artigo 146.º, n.º 1, do CPTA, não emitiu pronúncia.
Sem vistos dos juízes-adjuntos, por se tratar de processo urgente (cfr. n.º 2 do artigo 36.º do CPTA), cumpre apreciar e decidir.


II – QUESTÕES A DECIDIR

Face às conclusões das alegações de recurso – que delimitam o respectivo objecto, nos termos do disposto nos artigos 635.º, n.º 4, e 639.º, n.ºs 1 e 2, do CPC -, as questões que ao Tribunal cumpre solucionar são as de saber se a sentença recorrida padece de:
a) Nulidade;
b) Erro de julgamento de facto;
c) Erro de julgamento de direito.
Como questões prévias, cumpre decidir:
(i) se deve ser alterado o efeito fixado ao recurso pelo Tribunal a quo;
(ii) se devem ser admitidos os documentos juntos com as alegações de recurso das recorrentes.


III – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

A decisão recorrida fixou os seguintes factos, que considerou provados:






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IV – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

Da questão prévia do efeito do recurso

O Tribunal a quo atribuiu ao recurso o efeito suspensivo, nos termos do n.º 1 do artigo 143.º do CPTA.
Os recorridos alegam que deve ser fixado ao recurso o efeito devolutivo, nos termos do n.º 1 do artigo 143.º do CPTA, por a manutenção em funções de órgãos eleitos através de acto eleitoral manifestamente ilegal poder acarretar graves prejuízos para a Ordem dos Psicólogos e para a segurança do tráfego jurídico, ofendendo os princípios da legalidade e da moralidade administrativa, que devem prevalecer no contencioso eleitoral, considerando que a decisão recorrida, ao reconhecer a ilegalidade do processo eleitoral, afastou a legitimidade dos órgãos eleitos, pelo que permitir que estes continuem a funcionar seria esvaziar a eficácia da tutela jurisdicional e criar um perigoso precedente de impunidade, sendo o eventual prejuízo às partes recorrentes menos grave que os riscos da sua permanência.

Vejamos.
A regra geral, constante do n.º 1 do artigo 143.º do CPTA, é a de que “os recursos ordinários têm efeito suspensivo da decisão recorrida”. A lei salvaguarda o disposto em lei especial e os recursos interpostos de “a) Intimações para proteção de direitos, liberdades e garantias; b) Decisões respeitantes a processos cautelares e respetivos incidentes; c) Decisões respeitantes ao pedido de levantamento do efeito suspensivo automático, previsto no n.º 1 do artigo 103.º-A; d) Decisões respeitantes ao pedido de adoção das medidas provisórias, a que se refere o artigo 103.º-B; e) Decisões proferidas no mesmo sentido da jurisprudência uniformizada pelo Supremo Tribunal Administrativo.”, casos em que o efeito do recurso é meramente devolutivo – cfr. primeira parte do n.º 1 e n.º 2 do artigo 143.º. Não constando do referido elenco nem havendo lei especial a dispor diferentemente, os recursos interpostos de acções administrativas urgentes de contencioso eleitoral têm efeito suspensivo da decisão recorrida.
É certo que o n.º 3 do referido artigo dispõe que “Quando a suspensão dos efeitos da sentença seja passível de originar situações de facto consumado ou a produção de prejuízos de difícil reparação para a parte vencedora ou para os interesses, públicos ou privados, por ela prosseguidos, pode ser requerido que ao recurso seja atribuído efeito meramente devolutivo.”
Todavia, os recorridos, no requerimento que fazem com vista à atribuição de efeito meramente devolutivo ao recurso, não alegam factualidade apta a concluir pela ocorrência de situação de facto consumado ou de prejuízos de difícil reparação. Simplesmente, concluem nesse sentido, limitando a sua alegação à circunstância de os órgãos eleitos continuarem a actuar apesar de o acto eleitoral ter sido anulado, sem invocar um qualquer prejuízo decorrente de tal actuação. E, assim sendo, não estando verificados os pressupostos previstos no n.º 3 para a alteração do efeito do recurso, mantém-se o efeito suspensivo do mesmo.
Atento o exposto, indefere-se o pedido de atribuição de efeito devolutivo ao recurso, mantendo-se o efeito suspensivo.


Da questão prévia da admissibilidade da junção de documentos com as alegações de recurso das recorrentes

Com as suas alegações de recurso, as recorrentes requerem a junção de documentos, pelo que importa aferir da respectiva admissibilidade.
Sob a epígrafe “Junção de documentos e de pareceres”, dispõe o artigo 651.º do CPC: “1 - As partes apenas podem juntar documentos às alegações nas situações excecionais a que se refere o artigo 425.º ou no caso de a junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1.ª instância. 2 - As partes podem juntar pareceres de jurisconsultos até ao início do prazo para a elaboração do projeto de acórdão.”
Assim, a junção de documentos às alegações só é admissível se a sua apresentação não tiver sido possível até àquele momento (cfr. artigo 425.º do CPC) ou no caso de a junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1.ª instância, devendo aquele que pretende a junção, para o efeito, alegar e provar a verificação das referidas condições.
A recorrente contrainteressada não alega qualquer uma de tais situações, limitando-se a juntar os documentos. A recorrente entidade demandada apenas afirma que requer a junção de “documentos supervenientes face aos articulados”, sem sustentar minimamente tal superveniência, desse modo incumprindo também o ónus alegatório que sobre a mesma impende, nos termos da norma acima citada.
Não tendo as recorrentes alegado a impossibilidade de apresentação de tais documentos até à interposição do recurso nem a necessidade da sua junção em virtude do julgamento proferido na 1.ª instância, não é admissível a respectiva junção, impondo-se o seu desentranhamento.


A. Da nulidade da sentença

Alega a recorrente entidade demandada que a sentença é nula nos termos da alínea c) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC, quer por algumas conclusões de direito contrariarem a matéria de facto provada, quer porque a matéria de facto provada não permitia ao tribunal a quo ter concluído que houve “seguramente” muitos eleitores que não exerceram o direito ao voto por erro da plataforma eletrónica.
Vejamos.
Nos termos do n.º 1 do artigo 615.º do CPC, “É nula a sentença quando: a) Não contenha a assinatura do juiz; b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão; c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível; d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento; e) O juiz condene em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido.”
A nulidade a que se reporta a alínea c) corresponde, ora a um “vício lógico da sentença” - em que o juiz se serve de fundamentos que conduziriam a uma conclusão diversa daquela a que chegou, a qual se mostra, assim, em contradição com aqueles -, ora à ininteligibilidade da decisão por ambiguidade ou obscuridade. Como escreve Francisco Manuel Lucas Ferreira de Almeida (in Direito Processual Civil, Volume II, 2.ª Edição, Almedina, 2015, pp. 370 e 371), “Não se trata de um qualquer simples erro material (em que o juiz escreveu coisa diversa da pretendida – contradição ou oposição aparente) mas de um erro lógico-discursivo em termos da obtenção de um determinado resultado – contradição ou oposição real. O que se não confunde, também, com o chamado erro de julgamento, isto é, com a errada subsunção da hipótese concreta na correspondente fattispecie ou previsão normativa abstrata, vício esse só sindicável em sede de recurso jurisdicional.” A ambiguidade existirá quando se retire da fundamentação ou da decisão mais do que uma interpretação ou do que um sentido, e a obscuridade determina a dúvida para qualquer destinatário normal.
Ora, a recorrente não invoca qualquer contradição entre a decisão e a fundamentação – antes entre a fundamentação de facto e a fundamentação de direito – nem qualquer ininteligibilidade da sentença, revelando tê-la compreendido, ao identificar os erros que entende que a inquinam. Diferentemente, o que sucede é que a recorrente discorda da fundamentação fáctico-jurídica, invocando, na realidade, o erro de julgamento de direito. Assim, atenta a alegação da recorrente, não se verifica qualquer nulidade da sentença, nos termos da alínea c) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC.
Ante o exposto, improcede a invocada nulidade da sentença.


B. Do erro de julgamento de facto

Sobre o ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto, dispõe o artigo 640.º do CPC, nos seus n.ºs 1 e 2, que deve o mesmo “obrigatoriamente” e “sob pena de rejeição”, especificar: a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados; b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; e c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas. Quanto à especificação dos concretos meios probatórios que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida, quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respectiva parte, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes.
De todo o modo, a alteração da decisão proferida sobre a matéria de facto só deve ocorrer se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa – cfr. artigo 662.º, n.º 1, do CPC. Com efeito, a impugnação da decisão da matéria de facto não se justifica por si só, desligada da decisão de mérito proferida, sendo instrumental desta, pois que visa alterar a matéria de facto que o Tribunal a quo considerou provada, a fim de alcançar uma diferente decisão de mérito. Assim, se, «por qualquer motivo, o facto a que se dirige aquela impugnação for, "segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito", irrelevante para a decisão a proferir, então torna-se inútil a atividade de reapreciar o julgamento da matéria de facto, pois, nesse caso, mesmo que, em conformidade com a pretensão do recorrente, se modifique o juízo anteriormente formulado, sempre o facto que agora se considerou provado ou não provado continua a ser juridicamente inócuo ou insuficiente. Quer isto dizer que não há lugar à reapreciação da matéria de facto quando o facto concreto objeto da impugnação não for suscetível de, face às circunstância próprias do caso em apreciação, ter relevância jurídica, sob pena de se levar a cabo uma atividade processual que se sabe, de antemão, ser inconsequente, o que contraria os princípios da celeridade e da economia processual consagrados nos artigos 2.º n.º 1, 137.º e 138.º.» - cfr. o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 24.04.2012, proferido no processo n.º 219/10.6T2VGS.C1 (in www.dgsi.pt).
A este propósito, cabe ainda referir que, sobre a relação entre o ónus de alegação das partes e os poderes de cognição do tribunal, resulta dos n.ºs 1 e 2 do artigo 5.º do CPC que o juiz só pode fundar a sua decisão nos seguintes tipos de factos: (i) nos factos essenciais (que constituem a causa de pedir e em que se baseiam as excepções invocadas), alegados pelas partes nos articulados; (ii) nos factos instrumentais, que resultem da instrução da causa; (iii) nos factos complementares ou concretizadores dos factos essenciais alegados pelas partes e que resultem da instrução da causa; (iv) nos factos notórios (que são do conhecimento geral e que não carecem de alegação nem de prova – cfr. artigo 412.º, n.º 1, do CPC ); e (v) nos factos de que o tribunal tem conhecimento por virtude do exercício das suas funções (que também não carecem de alegação – cfr. artigo 412.º, n.º 2, do CPC). Ademais, se é certo que “(…) deve a sentença tomar em consideração os factos constitutivos, modificativos ou extintivos do direito que se produzam posteriormente à proposição da ação, de modo que a decisão corresponda à situação existente no momento do encerramento da discussão.”, “Só são, porém, atendíveis os factos que, segundo o direito substantivo aplicável, tenham influência sobre a existência ou conteúdo da relação controvertida.” – cfr. artigo 611.º, n.ºs 1 e 2, do CPC.
Feito o enquadramento dos termos em que é admissível a alteração da matéria de facto, importa analisar a impugnação das recorrentes.
A recorrente contrainteressada invoca o erro de julgamento da sentença “por se ter fundamentado em factos errados que alegadamente impediram o aproveitamento do ato eleitoral.”, aduzindo que “Sendo manifesto que o número de eleitores que não exerceram o direito de voto foi de apenas 67, por razões alegadamente associadas ao processo de votação à distância, e atendendo às maiorias de votos nas eleições, seria impossível que a lista da Contrainteressada não tivesse sido eleita, em todos os órgãos, Conselhos e Delegações (com exceção de uma), como foi, mesmo que todos os votos fossem para uma mesma lista concorrente.” Mais alega que, “Estando em causa, no essencial, aspetos de natureza técnica ou tecnológica, associados ao voto eletrónico à distância (previsto no Artigo 32.° do Regulamento Eleitoral da OPP), teria sido pertinente dilucidar as dúvidas suscitadas pelos Autores chamando a uma inquirição os responsáveis pelo apoio técnico e tecnológico, in casu, da empresa M....”
A recorrente entidade demandada requer a alteração da redacção do facto dado como provado no ponto 5., nos seguintes termos: “5. Em 07.11.2024, a empresa M... enviou 21231 envelopes com códigos (PIN) para votação eletrónica nas eleições referidas em 1 aos membros efetivos da OPP constantes dos cadernos eleitorais para a morada indicada como residência profissional de cada membro (fls. 12, 22, 23 e 28 do Doc. 010704821 SITAF e pasta 15 – Envio de Elementos de Voto (07.11.24) do processo administrativo instrutor”. Pretende ainda a mesma recorrente que, considerando que a M... lhe enviou quatro documentos, dos quais se retira, partindo do grupo de 218 inicialmente referido, que 145 exerceram o seu direito de voto, e 73 não exerceram o seu direito de voto, sendo que dois nem sequer faziam parte do caderno eleitoral, seja acrescentado o seguinte facto ao probatório: “12-A. Do universo de eleitores que reportaram qualquer tipo de dificuldade de votação eletrónica, não votaram 71 eleitores” (Pasta 23 do Processo Administrativo Instrutor e documentos juntos com a alegação de recurso da Demandada).” Mais alega a recorrente entidade demandada que deve ser acrescentado à matéria de facto o seguinte: “24. Desde que os atos eleitorais da Ordem dos Psicólogos Portugueses passaram ao formato eletrónico, verificaram-se os seguintes resultados: Eleição Órgãos Nacionais e Regionais 2024: Universo Eleitoral – 21231; N.º de votantes – 7250 (34,15% de votantes); Eleição Conselho de Supervisão 2024: Universo Eleitoral – 21364; N.º de votantes – 5385 (25,21% de votantes); Eleição Órgãos Nacionais e Regionais 2020: Universo Eleitoral – 16835; N.º de votantes – 6388 (37,94% de votantes); Eleição Órgãos Nacionais e Regionais 2016: Universo Eleitoral – 14852; N.º de votantes – 5209 (35,07% de votantes) (processo administrativo instrutor).” Finalmente, a recorrente entidade demandada alega que, resultando da sentença “uma série de inseguranças (…) quanto à dinâmica dos factos”, deveria o Tribunal a quo ter procedido à produção de prova para aferir da eventual existência de “problemas técnicos com a plataforma de voto que efetivamente impediram eleitores de votar”.
Vejamos.
Quanto à alegação da recorrente contrainteressada, é manifesto que a mesma não cumpre com o ónus de impugnação, desde logo porque nem sequer especifica os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, referindo-se, genericamente, a “factos errados”, sem os apontar, e pugnando pela pertinência da inquirição de testemunhas, sem indicar os concretos pontos de facto que pretendia provar com recurso à prova testemunhal, o que determina a rejeição do recurso da matéria de facto. O mesmo se diga da alegação da recorrente entidade demandada, ao pugnar pela produção de prova para aferir da eventual existência de “problemas técnicos com a plataforma de voto que efetivamente impediram eleitores de votar”, que, assim, também não especifica um qualquer concreto ponto de facto que considera incorrectamente julgado, limitando-se a invocar genericamente o tema da prova, sem se reportar a factos essenciais, instrumentais ou complementares/concretizadores, nos quais a decisão pode assentar.
Quanto à alegação da recorrente entidade demandada, relativamente ao facto que pretende acrescentar sob o n.º 24 (“24. Desde que os atos eleitorais da Ordem dos Psicólogos Portugueses passaram ao formato eletrónico, verificaram-se os seguintes resultados: Eleição Órgãos Nacionais e Regionais 2024: Universo Eleitoral – 21231; N.º de votantes – 7250 (34,15% de votantes); Eleição Conselho de Supervisão 2024: Universo Eleitoral – 21364; N.º de votantes – 5385 (25,21% de votantes); Eleição Órgãos Nacionais e Regionais 2020: Universo Eleitoral – 16835; N.º de votantes – 6388 (37,94% de votantes); Eleição Órgãos Nacionais e Regionais 2016: Universo Eleitoral – 14852; N.º de votantes – 5209 (35,07% de votantes) (processo administrativo instrutor).”, apesar de ter sido alegado no artigo 182 da contestação pela mesma apresentada, não foi cumprido o ónus impugnatório estabelecido na alínea b) do n.º 1 do artigo 640.º do CPC, quanto à indicação dos concretos meios probatórios, constantes do processo, limitando-se a recorrente a fazer referência ao “processo administrativo instrutor”, sem indicar o(s) concreto(s) documento(s) do mesmo constante(s) que sustenta(m) a prova de tal facto, o que determina a rejeição do recurso da matéria de facto também quanto a este ponto.
Requer ainda a mesma alteração da redacção do ponto 5 da matéria de facto no sentido de à mesma ser acrescentado que os envelopes foram enviados “aos membros efetivos da OPP constantes dos cadernos eleitorais para a morada indicada como residência profissional de cada membro”. Acontece que tal alteração visa, não alterar a factualidade, mas a assunção de um juízo conclusivo que teria de assentar em factos que nem sequer foram alegados (muito menos provados). Com efeito, saber se tal envio foi feito para os membros efectivos da entidade demandada constantes dos cadernos eleitorais e para a morada indicada como residência profissional de cada membro é uma apreciação dos factos correspondentes à identificação de cada um dos destinatários do envio e das respectivas residências profissionais. O mesmo se diga do facto que a recorrente entidade demandada pretende acrescentar ao probatório sob o n.º 12-A: “Do universo de eleitores que reportaram qualquer tipo de dificuldade de votação eletrónica, não votaram 71 eleitores.” Efectivamente, mais uma vez, estamos aqui perante um juízo conclusivo, que se retira de factualidade que não foi alegada, traduzida na identificação dos eleitores que reportaram qualquer tipo de dificuldade de votação electrónica, com indicação daqueles que votaram. Ora, os juízos conclusivos não são factos, enquanto exteriorizações de ocorrências da vida real, circunstância esta que, só por si, é apta a afastar a sua pertinência em sede de matéria de facto. De facto, os meros juízos conclusivos que pressupõem a prova de factos, enquanto exteriorizações de ocorrências da vida real, e correspondem ao resultado da sua análise, não devem constar do elenco da matéria de facto da sentença.
Pelo exposto, improcede o erro de julgamento de facto.

C. Do erro de julgamento de direito

A recorrente entidade demandada começa por imputar o erro de julgamento de direito à decisão de improcedência da excepção invocada de “extemporaneidade” da acção.
Considerou a sentença recorrida que, tendo os autores impugnado o resultado das eleições de 29.11.2024, é a partir deste dia que se conta o prazo de impugnação do acto, não sendo aplicável o disposto no artigo 52.º do EOPP, mas, antes, o regime do artigo 23.º, que regula especificamente a matéria de reclamações e recursos de âmbito eleitoral, sendo os meios impugnatórios previstos nesta norma facultativos e inaplicáveis “aos casos de reclamações e recursos apresentados por candidatos”. Mais se aduz na sentença que, sendo o acto impugnado da autoria da mesa eleitoral, e não sendo esta um órgão da entidade demandada, não está sujeito a recurso hierárquico necessário, nos termos do artigo 52.º. A decisão recorrida refere ainda que, tendo a entidade demandada decidido o recurso hierárquico interposto pelos autores na pendência da presente acção, sempre a excepção, a verificar-se, estaria sanada.
Insurge-se a recorrente contra o assim decidido, pugnando pela aplicação ao caso do n.º 3 do artigo 52.º do EOPP, alegando que os autores propuseram a acção a 06.12.2024, impugnando o acto eleitoral de 29.11.2024, sem esgotar todos os meios de impugnação administrativa que o EOPP disponibiliza.
Vejamos.
A presente acção tem por objecto o acto eleitoral dos órgãos nacionais e regionais da Ordem dos Psicólogos Portugueses, datado de 29.11.2024, pedindo os autores a respectiva declaração de nulidade.
O Estatuto da Ordem dos Psicólogos Portugueses (EOPP), aprovado pela Lei n.º 57/2008, de 04 de Setembro, e republicado no anexo II da Lei n.º 138/2015, de 07 de Setembro, regula, na secção II do seu capítulo II (relativo à “Organização da Ordem”), as eleições dos órgãos da Ordem e o respectivo processo eleitoral (artigos 12.º a 26.º), estipulando, no artigo 23.º, sob a epígrafe “Reclamações e recursos”, o seguinte: “1 - Os eleitores podem apresentar reclamação, com fundamento em irregularidades do ato eleitoral, a qual deve ser apresentada à mesa eleitoral até três dias após o encerramento do mesmo. 2 - A mesa eleitoral deve apreciar a reclamação no prazo de 48 horas, sendo a decisão comunicada ao recorrente por escrito e afixada na sede da Ordem. 3 - Da decisão da mesa eleitoral cabe recurso para o conselho jurisdicional, no prazo de oito dias úteis a contar da data em que os recorrentes tiveram conhecimento da decisão da mesa eleitoral. 4 - O conselho jurisdicional é convocado pelo respetivo presidente, para o efeito, nos oito dias seguintes.” O Regulamento n.º 272-A/2024, de 08 de Março, que altera e republica o Regulamento Eleitoral da Ordem dos Psicólogos Portugueses (REOPP), dispõe, no n.º 9 do seu artigo 37.º, que “O apuramento do resultado da votação é provisório até que se verifique uma das seguintes situações: a) Seja ultrapassado o prazo previsto para a apresentação de reclamações do ato eleitoral, sem que as haja; b) Sejam decididas todas as reclamações pendentes.”
Em suma, em face da conjugação da regulamentação constante dos citados artigos 23.º do EOPP, e 37.º, n.º 9, do REOPP, invocando irregularidades do acto eleitoral dos órgãos nacionais e regionais da Ordem dos Psicólogos Portugueses, os eleitores podem apresentar reclamação à mesa eleitoral - sendo o apuramento do resultado da votação provisório até que seja ultrapassado o prazo previsto para a apresentação de reclamações do acto eleitoral, sem que as haja, ou até que sejam decididas todas as reclamações pendentes -, cabendo recurso para o conselho jurisdicional da decisão da reclamação.
Dispõe ainda o artigo 52.º do EOPP, inserido no capítulo III (relativo à “Responsabilidade externa da Ordem”), sob a epígrafe “Recursos”, o seguinte: “1 - Os atos praticados pelos órgãos regionais da Ordem admitem recurso hierárquico, sendo o prazo de interposição de oito dias úteis. 2 - Os atos e omissões dos órgãos da Ordem no exercício de poderes públicos ficam sujeitos ao contencioso administrativo, nos termos das leis do processo administrativo. 3 - Sem prejuízo do disposto no número anterior, os recursos contenciosos ali referidos não podem ser interpostos antes de serem esgotados os recursos internos previstos no presente Estatuto, designadamente os recursos para o conselho jurisdicional.” Nestes termos, a impugnação judicial dos actos dos órgãos da Ordem no exercício de poderes públicos pressupõe o esgotamento dos recursos internos – isto é, dos meios de impugnação administrativa - previstos no EOPP. Fazendo depender a impugnação contenciosa de tais actos da prévia utilização daqueles meios de impugnação administrativa, o n.º 3 do artigo 52.º prevê a impugnação administrativa necessária dos actos dos órgãos da Ordem praticados no exercício de poderes públicos, em conformidade com o disposto no n.º 1 do artigo 185.º do CPA, nos termos do qual “As reclamações e os recursos são necessários ou facultativos, conforme dependa, ou não, da sua prévia utilização a possibilidade de acesso aos meios contenciosos de impugnação ou condenação à prática de ato devido.”
Nos termos do n.º 1 do artigo 189.º do CPA, “As impugnações administrativas necessárias de atos administrativos suspendem os respetivos efeitos.” É certo que, da articulação das normas contidas nos n.ºs 4 e 5 do artigo 59.º do CPTA decorre a possibilidade de impugnar contenciosamente o acto antes de o impugnar administrativamente. Todavia, isso só vale para os meios de impugnação administrativa facultativos – e não necessários -, pois só quanto a estes é que o interessado tem o ónus de impugnação contenciosa. Assim, “como o ato que tenha de ser objeto de reclamação ou recurso necessário não é ainda passível de impugnação contenciosa, o prazo de impugnação contenciosa não corre enquanto a impugnação administrativa não for utilizada e só começa a correr se a impugnação administrativa for decidida ou expirar o prazo legal dentro do qual ela devia ser decidida.” (cfr. Carlos Alberto Fernandes Cadilha e Mário Aroso de Almeida, “Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos”, 4.ª edição, Almedina, 2017, p. 412). Assim, o acto sujeito a impugnação administrativa prévia necessária não pode ser impugnado contenciosamente até à decisão de tal impugnação ou ao decurso do prazo legal para a mesma ser decidida, sendo este um pressuposto processual, cuja verificação se impõe para que o Tribunal se pronuncie sobre o mérito da causa, apreciando a legalidade do acto, constituindo a sua falta uma excepção dilatória que, como tal, obsta ao prosseguimento do processo, conduzindo à absolvição da instância.
Por conseguinte, e em suma, a impugnação contenciosa dos actos dos órgãos da Ordem praticados no exercício de poderes públicos sem a prévia impugnação administrativa nos termos previstos no n.º 3 do artigo 52.º do EOPP determina a absolvição do réu da instância por falta de um pressuposto processual.
A questão que se coloca é a de saber se a impugnação judicial do acto eleitoral depende da prévia utilização dos referidos meios de impugnação administrativa, nos termos do n.º 3 do artigo 52.º do EOPP: a reclamação para a mesa eleitoral e o recurso da decisão da mesa eleitoral para o conselho jurisdicional.
A sentença recorrida considerou inaplicável ao caso a norma do n.º 3 do artigo 52.º do EOPP, mas a recorrente entidade demandada pugna pela sua aplicabilidade.
E, desde já se adianta que a sentença errou nessa consideração, como se passa a explicar.
Em primeiro lugar, sendo o apuramento do resultado da votação provisório até que seja ultrapassado o prazo previsto para a apresentação de reclamações do acto eleitoral, sem que as haja, ou até que sejam decididas todas as reclamações pendentes (cfr. o artigo 37.º, n.º 9, do REOPP), não pode o mesmo ser impugnado judicialmente sem tal reclamação, pois que, sendo provisório, não produz efeitos jurídicos externos numa situação individual e concreta, nos termos previstos no n.º 1 do artigo 51.º do CPTA, e, desse modo, não é um acto impugnável sem a reclamação.
Em segundo lugar, e consequentemente, impondo-se a reclamação do acto eleitoral para a mesa eleitoral previamente à impugnação judicial, a decisão da reclamação constitui um acto praticado por um órgão da Ordem no exercício de poderes públicos, nos termos previstos no n.º 3 do artigo 52.º do EOPP. Efectivamente, a mesa eleitoral, sendo um “órgão temporário” (na classificação de FREITAS DO AMARAL, in Curso de Direito Administrativo, vol. I, 3.ª Edição, Almedina, p. 765) – por ter sido criado “para actuar apenas durante um certo período” -, não deixa de ser um órgão da Ordem – ao contrário do que se afirma na sentença recorrida -, e, ao decidir a reclamação do acto eleitoral, pratica um acto no exercício de poderes públicos.
Sendo o acto eleitoral um acto praticado por órgão da Ordem no exercício de poderes públicos, é aplicável o disposto no n.º 3 do artigo 52.º do EOPP, pelo que a respectiva impugnação contenciosa depende da utilização prévia dos meios de impugnação administrativa previstos no EOPP, a saber: a reclamação para a mesa eleitoral e o recurso da decisão desta reclamação para o conselho jurisdicional.
Embora, na sistemática do EOPP, o artigo 23.º se insira no capítulo II, relativo à “Organização da Ordem”, e o artigo 52.º integre o capítulo III, relativo à “Responsabilidade externa da Ordem”, a circunstância de tais artigos não se inserirem no mesmo capítulo não determina que o artigo 52.º não se aplique à impugnação do acto eleitoral, como se entendeu na sentença recorrida, carecendo de qualquer suporte a afirmação, contida na mesma, de que os meios impugnatórios administrativos previstos no artigo 23.º “não se aplicam aos casos de reclamações e recursos apresentados por candidatos, apenas se aplicam aos eleitores.”, sendo certo que, desde logo, embora os autores se assumam como candidatos, tal qualidade não releva quanto aos meios de impugnação, e que os candidatos são também eleitores. Além disso, o capítulo III só integra duas normas - o artigo 52.º e o artigo 51.º (“Relatório anual e deveres de informação”) -, não decorrendo do mesmo que o artigo 52.º se dirija especificamente a um tipo de actos que não o acto eleitoral, pelo que, logicamente que o artigo 52.º se aplica a todos actos e omissões dos órgãos da Ordem no exercício de poderes públicos, sem distinção.
Aqui chegados, concluímos que, nos termos do n.º 3 do artigo 52.º do EOPP, a impugnação judicial do acto eleitoral depende da prévia utilização dos referidos meios de impugnação administrativa: a reclamação para a mesa eleitoral e o recurso da decisão da mesa eleitoral para o conselho jurisdicional. Deste modo, o acto eleitoral não pode ser impugnado contenciosamente antes de esgotados esses meios.
No caso, como resulta do probatório, os autores apresentaram reclamação do acto eleitoral e recurso da decisão da reclamação, nos termos do artigo 23.º do EOPP. Todavia, embora a decisão da reclamação (datada de 04.12.2024) seja anterior à apresentação da petição que deu origem aos presentes autos (ocorrida a 06.12.2024), a decisão do recurso é posterior, datando de 22.12.2024, pelo que a presente acção foi instaurada antes de esgotados os meios de impugnação administrativa, conforme previsto no n.º 3 do artigo 52.º do EOPP.
Assim sendo, tendo o acto eleitoral sido impugnado nos presentes autos antes da decisão do recurso para o conselho jurisdicional do indeferimento da reclamação apresentada perante a mesa da assembleia, não está verificado o pressuposto processual previsto na referida norma legal, com o que procede a matéria de excepção invocada pela entidade demandada recorrente.
A propósito, cabe referir que não estamos perante uma excepção dilatória “sanável” – e, por conseguinte, não “está sanada” -, como a sentença afirma. Na verdade, a lei processual prevê a sanabilidade de alguns pressupostos processuais e outros há cuja sanação, não estando expressamente prevista na lei, é possível, atenta a sua natureza, por a sanação não inutilizar o processado. Não é, no entanto, o caso da excepção dilatória em apreço, a qual é insanável, não só porque a sua sanação não está expressamente prevista no CPTA, mas também porque admitir a sua “sanação”, considerando a prolação da decisão administrativa impugnatória na pendência da impugnação contenciosa, equivaleria a negar o carácter necessário da impugnação administrativa que o próprio legislador consagrou e previu. Por conseguinte, a decisão do recurso pelo Conselho Jurisdicional na pendência da presente acção não tem a virtualidade de sanar a falta de verificação do pressuposto processual do esgotamento prévio dos meios de impugnação administrativa antes de impugnar contenciosamente o acto eleitoral.

Assim sendo, procede o invocado erro de julgamento quanto à decisão da matéria de excepção, com a consequente absolvição da ré da instância.

Ante o exposto, nos termos da primeira parte do n.º 2 do artigo 608.º do CPC, aplicável aos recursos ex vi artigo 663.º, n.º 2, julga-se prejudicado o conhecimento dos demais fundamentos do recurso da entidade demandada e do recurso da contrainteressada.
*
Vencidos, são os recorridos responsáveis pelo pagamento das custas em partes iguais, nos termos dos artigos 527.º do CPC, aplicável ex vi artigo 1.º do CPTA.

V – DECISÃO

Pelo exposto, acordam os juízes da subsecção comum da secção administrativa do Tribunal Central Administrativo Sul em:
a) Não admitir a junção aos autos dos documentos apresentados pelas recorrentes e, consequentemente, determinar o seu desentranhamento;
b) Conceder provimento ao recurso da entidade demandada, julgando procedente a excepção dilatória da falta de verificação do esgotamento prévio dos meios de impugnação administrativa, e, em consequência, absolver a ré da instância, ficando prejudicada a apreciação do recurso da contrainteressada.

Custas pelos recorridos em ambas as instâncias.

Lisboa, 15 de Julho de 2025

Joana Costa e Nora (Relatora)
Marcelo Mendonça
Ana Lameira