Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
Processo: | 1232/11.1BESNT |
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Secção: | CT |
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Data do Acordão: | 06/05/2025 |
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Relator: | LUÍSA SOARES |
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Descritores: | OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO GERÊNCIA DE FACTO PROVA |
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Sumário: | I - A responsabilidade subsidiária dos gerentes, por dívidas da executada originária, tem por pressuposto o exercício efetivo do cargo de gerente. II - O n.º 1 do artigo 24.º da LGT exige para responsabilização subsidiária a gerência efetiva ou de facto, ou seja, o efetivo exercício de funções de gerência, não se satisfazendo com a mera gerência nominal ou de direito. III - O ónus da prova da gerência de facto recai sobre a Administração Tributária. |
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Votação: | UNANIMIDADE |
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Indicações Eventuais: | Subsecção de Execução Fiscal e Recursos Contraordenacionais |
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Aditamento: | ![]() |
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Decisão Texto Integral: | I – RELATÓRIO Vem a AT- Autoridade Tributária e Aduaneira interpor recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra que julgou procedente a oposição à execução deduzida por A... com referência ao processo de execução fiscal n.º 354920030103896 e apensos instaurado em nome da sociedade devedora originária “D... – Sociedade de Exploração de Estabelecimentos de Cafetaria e Pastelaria, Lda.”, referente a IRS, IRC e IVA do ano de 2006 a 2010, no montante de € 37.219,04. A Recorrente nas suas alegações, formulou conclusões nos seguinte termos: “A. Na presente oposição, considerou o douto Tribunal que entre 2003 e 2005, o Oponente foi gerente de direito, não implicando necessariamente que tenha sido gerente de facto. B. Salvo o devido respeito, por opinião contrária, não pode a Fazenda Pública concordar com tal decisão, pois foram carreadas provas, nomeadamente documentos assinados, de que o ora recorrido exercia a gerência de facto da sociedade devedora originária. C. Diga-se que o facto de apenas ter sido colhido para os autos um documento, não significa que não existam outros. D. Importa, contudo, reiterar que de acordo com a jurisprudência assente, a lei não exige que os gerentes, exerçam uma administração continuada, sendo apenas exigido que pratiquem atos vinculativos da sociedade, exercitando desse modo a gerência de facto. E. No caso sub júdice acresce ainda o facto de que, após renúncia do oponente, em 30.11.2005, não foi nomeado nenhum gerente em substituição para a executada primitiva se vincular em todos os seus atos e contratos, pelo que era indispensável a intervenção do seu gerente único, o Oponente, ora recorrido. F. O douto Tribunal não teve em atenção, salvo a devida vénia, que uma sociedade não pode permanecer em atividade sem que a única pessoa com exclusividade para a vincular o faça efetivamente, na documentação que houver para assinar, designadamente perante bancos, fornecedores, clientes, AT, Segurança Social, entre outras. G. Perante tal quadro factual não pode a Fazenda Pública concordar com a desconsideração de tais funções percorrida na sentença em mérito, pois provando-se que o oponente foi nomeado gerente e que no período temporal a que se reportam as dívidas exequendas assinou documentos necessários ao giro comercial da sociedade, vinculando-a perante terceiros, tem-se por verificada a gerência de facto. H. Assim e salvo o devido respeito, a prova ínsita nos autos e, as consequências necessárias que dali de aferem sustentam a posição da Fazenda Pública, enquanto titular do direito de reversão da execução fiscal contra o responsável subsidiário, devendo ser considerada legitima a reversão contra o recorrido. I. Por todo o exposto, deveria determinar-se a improcedência da oposição pela convicção da gerência de facto do oponente/recorrido, formada a partir do exame crítico das provas. Termos em que, concedendo-se provimento ao recurso, deve a decisão ser revogada e substituída por acórdão que julgue a oposição judicial totalmente improcedente. PORÉM V. EX.AS DECIDINDO FARÃO A COSTUMADA JUSTIÇA!”. * * O Recorrido não apresentou contra-alegações.* * A Exmª. Magistrada do Ministério Público junto deste Tribunal emitiu douto parecer no sentido da improcedência do recurso.* * II – DO OBJECTO DO RECURSO O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das respetivas alegações (cfr. artigo 635°, n.° 4 e artigo 639°, n.°s 1 e 2, do Código de Processo Civil), sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente. Assim, delimitado o objeto do recurso pelas conclusões das alegações da Recorrente, a questão controvertida consiste em aferir se a sentença enferma de erro de julgamento ao ter considerado que não se mostra provada a gerência de facto pelo Oponente, sendo este parte ilegítima na execução fiscal nº 354920030103896 e apensos. III – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO O Tribunal recorrido considerou provada a seguinte matéria de facto: “Dos documentos e elementos constantes dos autos, com interesse para a decisão da causa, julgo provada a seguinte factualidade: A) Em 17/07/2003, foi, pelo Serviço de Finanças de Sintra – 2, Algueirão, instaurada a execução n.º 3549200301023896 e apensos para cobrança coerciva de dívidas da sociedade devedora originária D... – Sociedade de Exploração de Estabelecimentos de Cafetaria e Pastelaria, Lda. (cfr. fls. 50 do PEF); B) Em 28/03/2011, foi feita Notificação para audiência prévia do Oponente nos seguintes termos: (imagem, original nos autos) (cfr. fls. 167 do PEF); C) O Oponente apresentou em 15/04/2011 requerimento junto do Serviço de Finanças de Sintra – 2, no qual referiu que: (imagem, original nos autos) (cfr. fls. 191 PEF); D) Em 24/06/2011 foi feito despacho de reversão contra o Oponente nos seguintes termos: (imagem, original nos autos) (cfr. fls. 200 a 205 do PEF); E) Em 24/06/2011, foi emitida citação do despacho de reversão ao Oponente, nos seguintes termos: (imagem, original nos autos) F) A sociedade devedora D... – Sociedade de Exploração de Estabelecimentos de Cafetaria e Pastelaria, Lda., foi constituída em 25/08/2000, mediante escritura celebrada entre a sociedade comercial por quotas denominada N… – Boutiques de Café, Lda. representada por M…, e P… – Antiga Fábrica de Queijadas, Lda. representada por F…. (cfr. fls. 97 a 102 do PEF); G) O Oponente é sócio da Impugnante desde 06/01/2003, mediante escritura de cessão de quotas celebrada com sociedade comercial por quotas denominada N… – Boutiques de Café, Lda., representada por M…, na qualidade de sócio-gerente e da P… – Antiga Fábrica de Queijadas, Lda. representada por F…, na qualidade de sócio-gerente (cfr. fls. 105 a 110 do PEF); H) Em 30/11/2005, o Oponente renunciou à gerência da devedora originária, bem como, a outra gerente M…, conforme certidão de registo comercial junta aos autos a fls. 120 do PEF; I) Em 03/06/2009 foi feita transmissão das quotas dos sócios A… e M… à sociedade M… INVESTMENTS LIMITED – Sucursal em Portugal (cfr. certidão de fls. 120 do PEF); J) Em 31/05/2006, foi feita Assembleia Geral da sociedade devedora originária, na qual se refere que: (imagem, original nos autos) (cfr. fls. 193 do PEF); K) Em 25/01/2011, o Serviço do Finanças de Sintra-2, emitiu Auto de Diligências, nos seguintes termos: (imagem, original nos autos) (cfr. PEF); * III-2. Factualidade não provada:Não se provaram quaisquer outros factos passíveis de afectar a decisão de mérito, em face das possíveis soluções de direito, e que, por conseguinte, importe registar como não provados. Fundamentação do julgamento: Quanto aos factos provados a convicção do Tribunal fundou-se na documentação junta aos autos, cuja genuinidade não foi posta em causa”. * * IV – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITOO Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra julgou procedente a oposição à execução fiscal fundamentando-se no seguinte: “A Fazenda Pública fundou-se no art. 24º al. b) para efetuar a reversão contra o Oponente. Para tal, baseou-se na certidão de registo comercial que indica que a partir de 2005, a sociedade devedora originária ficou sem gerentes e no art. 199º nº1 do CSC, que estipula que “são gerentes todos os sócios, quer tenham constituído a sociedade, quer tenham adquirido essa qualidade posteriormente.” Assim sendo, resulta da factualidade provada que entre 2003 e 2005, o Oponente foi gerente de direito, e que a partir dessa data, nos termos do art. 199º nº 1 do CSC seriam os sócios, para todos os efeitos, os gerentes. No entanto, tal, como se referiu, não implica necessariamente que tenha sido gerente de facto, não existe presunção legal. Caberia sempre à Administração Tributária, no despacho de reversão, a alegação de que o pretenso responsável subsidiário exerceu efectivamente o cargo – neste sentido, vide Acórdão do STA de 31/10/2012, proc. nº 0580/12. Do despacho de reversão, em lado algum a Administração Tributária alega tal situação, limitando-se a enunciar o que está descrito no art. 24º da LGT, sem enunciar quaisquer factos. Procede o alegado pelo Oponente. Deste modo, não existe prova segura de que a gerência de facto estivesse a cargo do Oponente ónus que competia à Fazenda Pública, como pressuposto da obrigação de responsabilidade subsidiária. E, não se provando a gerência de direito e mesmo a efectiva, está afastada a conexão pessoal necessária para fundar a presunção legal de culpa por parte do gerente.”. Dissente do assim decidido, veio a AT-Autoridade Tributária e Aduaneira apresentar recurso jurisdicional alegando para o efeito e em síntese que foram carreadas provas de que o Recorrido exercia a gerência de facto da sociedade devedora originária, designadamente documentos assinados. Mais afirma que o facto de apenas ter sido colhido para os autos um documento, não significa que não existam outros. Acresce ainda o facto de que, após renúncia do oponente, em 30.11.2005, não foi nomeado nenhum gerente em substituição para a executada primitiva se vincular em todos os seus atos e contratos, pelo que era indispensável a intervenção do seu gerente único, o Oponente, ora recorrido. Desde já adiantamos que não lhe assiste razão. No caso em apreço as dívidas tributárias são referentes a IRS, IRC e IVA do ano de 2006 a 2010, pelo que o regime aplicável de responsabilidade subsidiária dos gerentes/administradores é o decorrente do art.° 24.° da Lei Geral Tributária. Consagra o nº 1 do art. 24.° da LGT: “Os administradores, diretores e gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas coletivas e entes fiscalmente equiparados são subsidiariamente responsáveis em relação a estas e solidariamente entre si: a) Pelas dívidas tributárias cujo facto constitutivo se tenha verificado no período de exercício do seu cargo ou cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado depois deste, quando, em qualquer dos casos, tiver sido por culpa sua que o património da pessoa coletiva ou ente fiscalmente equiparado se tornou insuficiente para a sua satisfação; b) Pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período do exercício do seu cargo, quando não provem que não lhes foi imputável a falta de pagamento.”. Assim, do regime acima transcrito resulta que o chamamento dos “administradores, diretores e gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas coletivas e entes fiscalmente equiparados”, os quais são subsidiariamente responsáveis em relação à dívida e solidariamente responsáveis entre si, depende da verificação do exercício efetivo de gerência, ou seja a existência de uma situação de gerência de facto (Acórdão do STA de 09/04/2014, proc. n.º 0954/13), não bastando a mera titularidade do cargo de gerente, isto é, a gerência nominal ou de direito. A responsabilidade subsidiária dos gerentes e administradores, por dívidas da executada originária, tem por pressuposto o exercício efetivo do cargo de gerente ou administrador. Como se salienta no Acórdão do STA, de 02/03/2011 no recurso nº 0944/10, “Como se conclui da inclusão nesta disposição das expressões «exerçam, ainda que somente de facto, funções» e «período de exercício do seu cargo», não basta para a responsabilização das pessoas aí indicadas a mera titularidade de um cargo, sendo indispensável que tenham sido exercidas as respetivas funções, ponto este que é pacífico, a nível da jurisprudência deste Supremo Tribunal Administrativo. Assim, desde logo se vê que a responsabilidade subsidiária depende, antes de mais, do efetivo exercício da gerência ou administração, ainda que somente de facto, à semelhança do que o artigo 13.º do CPT também já consagrava”. É também pacífico na jurisprudência o entendimento de que é à Fazenda Pública como titular do direito de reversão que compete fazer a prova da gerência. Na verdade, ao abrigo do regime previsto no art.º 24.º, n.º 1, da LGT, já não existe qualquer presunção legal que imponha que, provada a gerência de direito, se dê por provado o efetivo exercício da função de gerente, pelo que compete à Fazenda Pública o ónus da prova desse pressuposto da responsabilidade subsidiária, aí se incluindo o exercício de facto da gerência. E de acordo com a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo e acima mencionada, mesmo nas situações de comprovada gerência de direito, a Fazenda Pública não pode alhear-se da prova quanto à efetividade da gerência, sem prejuízo de o julgador poder inferir o exercício dessa gerência da globalidade da prova produzida. Na verdade, e tal como já referimos anteriormente, desde logo em função da inclusão na disposição apontada das expressões “exerçam, ainda que somente de facto, funções” e “período de exercício do seu cargo”, fácil é concluir que não basta para a responsabilização das pessoas indicadas no artigo 24º, nº1 da LGT a mera titularidade de um cargo, sendo indispensável que tenham sido exercidas as respetivas funções. Assim, reitera-se que a responsabilidade subsidiária depende, antes de mais, do efetivo exercício da gerência ou administração, ainda que somente de facto. E a prova da gestão de facto tem de ser evidenciada por referência a atos praticados pelos potenciais revertidos, suscetíveis de demonstrar esse efetivo exercício de funções, entendendo-se como tal a prática de atos com caráter de continuidade, efetividade, durabilidade, regularidade, com poder de decisão e com independência. In casu resultou assente que o Recorrido renunciou ao cargo de gerente em 31/05/2006 como consta da ata da assembleia geral da sociedade, assinada por ambos os sócios (cfr. alínea J) do probatório). Na verdade do probatório nada consta quanto à prática de atos de gerência pelo ora Recorrido, sendo que o único documento assinado por este, é a ata da assembleia geral da sociedade atrás mencionada. Defende a Recorrente que, embora tenha sido colhido para os autos apenas um documento, não significa que não existam outros. Cabendo à Fazenda Pública o ónus da prova da gerência de facto, se existiam outros documentos como alega a Recorrente, deveria ter diligenciado à sua junção aos autos. Não pode a Recorrente, perante a sua própria inércia, alegar a prova da gerência porque, existe um documento nos autos assinado pelo Recorrido (ata da assembleia geral na qual o recorrido veio renunciar à gerência), e que após renúncia do oponente, não foi nomeado nenhum gerente em substituição para a sociedade se vincular em todos os seus atos e contratos, pelo que era indispensável a intervenção do seu gerente único, o Oponente, ora recorrido, sem que tenha feito prova da prática de qualquer ato ou da intervenção do Recorrido na gestão da sociedade devedora originária. Reitera-se que o efetivo exercício de funções de gerência consubstancia a prática de atos com caráter de continuidade, efetividade, durabilidade, regularidade, com poder de decisão e com independência. Com efeito, para que se verifique a gerência de facto é indispensável que o gerente use, efetivamente, dos respetivos poderes, que seja um órgão atuante da sociedade, não podendo a mesma ser atestada pela prática de atos isolados, mas antes pela existência de uma atividade continuada. Dir-se-á, portanto, que a gerência é, assim, antes do mais, a investidura num poder. Destarte, consistindo a gerência de facto de uma sociedade comercial no efetivo exercício das funções que lhe são inerentes e que passam pela vinculação e representação da sociedade, nomeadamente, através das relações com os clientes, com os fornecedores, com as instituições de crédito e com os trabalhadores, tudo em nome, no interesse e em representação dessa sociedade, ter-se-á de concluir face a todo o exposto que, in casu, não ficou demonstrado ser o Recorrido um órgão atuante da sociedade, tomando as deliberações consentidas pelo pacto social, administrando e representando a empresa, realizando negócios e exteriorizando a vontade social perante terceiros. Dito isto, perante o circunstancialismo fáctico provado, temos assim de concluir não ter a Fazenda Pública produzido prova de que o Recorrido tenha exercido a gerência de facto, sendo que, como antes já dissemos, era sobre a Fazenda Pública que recaía o ónus de provar o exercício da mesma. Do exposto resulta que, tal como decidido pelo tribunal a quo, o Recorrido é parte ilegítima na execução fiscal, sendo improcedentes todos os fundamentos invocados pela Recorrente. Conclui-se assim que o presente recurso não merece provimento, mantendo-se a sentença recorrida. V. DECISÃO Em face do exposto, acordam em conferência os juízes da Subsecção de Execução Fiscal e de Recursos Contraordenacionais da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao recurso, mantendo-se a sentença recorrida. Custas pela Recorrente. Lisboa, 5 de junho de 2025 Luisa Soares Lurdes Toscano Susana Barreto |