Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:2098/15.8BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:06/27/2024
Relator:LUÍSA SOARES
Descritores:OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO FISCAL;
RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA;
DESPACHO DE REVERSÃO;
FUNDAMENTAÇÃO
Sumário:I-A responsabilidade subsidiária efetiva-se por reversão do processo de execução fiscal (n.º 1 do artigo 23.º da LGT). Sendo o despacho de reversão um ato administrativo tributário, está sujeito a fundamentação (artigo 268.º n.º 3 da CRP; artigos 23.º n.º 4 e 77.º nº 1, da LGT).
II-O despacho de reversão encontra-se formalmente fundamentado com a alegação dos pressupostos e com a referência à extensão temporal da responsabilidade subsidiária que está a ser efetivada, «não se impondo, porém, que dele constem os factos concretos nos quais a AT fundamenta a alegação relativa ao exercício efetivo das funções do gerente revertido” (cfr. Acórdão do Pleno do STA, de 16/10/2013, proferido no âmbito do processo n.º 0458/13).
Votação:UNANIMIDADE
Indicações Eventuais:Subsecção de Execução Fiscal e de Recursos Contra-Ordenacionais
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:I – RELATÓRIO

Vem a FAZENDA PÚBLICA, interpor recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa que julgou procedente a oposição deduzida por A..., contra a execução fiscal nº 323... e apensos, originariamente instaurada contra a sociedade A... VIAGENS E TURISMO, LDA., por dívidas referentes a retenções na fonte de IRS, IVA de 2014 e IRC de 2012 no montante total de € 11.455,36.

A Recorrente, nas suas alegações, formulou conclusões nos seguintes termos:
“A.
A questão a decidir resume-se a saber se o despacho de reversão se encontra devidamente fundamentado quanto à gerência de facto do oponente, ora recorrido.
B.
A Meritíssima Juiz do Tribunal a quo concluiu “pela falta de qualquer elemento que nos permita a apreciação da existência ou não de qualquer ato de gestão, já que o despacho de reversão é completamente omisso quanto ao comportamento do Oponente face aos destinos da sociedade devedora originária.”
C.
O Tribunal a quo fez uma errónea apreciação dos factos relevantes para a decisão uma vez que, com o devido respeito, o despacho de reversão foi elaborado em consonância e ao abrigo dos normativos legais aplicáveis, encontrando-se devidamente fundamentado, nomeadamente quanto à questão da gerência do responsável subsidiário.
D.
O recorrido defende a falta de fundamentação da decisão de reversão, por se bastar com uma mera referenciação à gerência de direito, remetendo para a norma legal em que suporta o fundamento invocado, mas sem ter sido aduzida factualidade que a sustente.
E.
A fundamentação formal do despacho de reversão basta-se com a alegação dos pressupostos e com a referência à extensão temporal da responsabilidade subsidiária que está a ser efectivada (nº 4 do art. 23º da LGT) não se impondo, porém, que dele constem os factos concretos nos quais a AT fundamenta a alegação relativa ao exercício efectivo das funções do gerente revertido.
F.
A lei não exige que o despacho de reversão contra o responsável subsidiário pelo pagamento da dívida tenha como pressupostos também, a demonstração de o revertido ter sido gerente de facto no período a que respeita a dívida exequenda, mas tão só que demonstre a inexistência de bens penhoráveis do devedor principal ou a sua fundada insuficiência.
G.
A falta de gerência de facto no período a que respeita a dívida exequenda antes constitui um fundamento válido de oposição à execução fiscal, que o responsável subsidiário poderá utilizar para vir a ser desresponsabilizado pelo pagamento dessa dívida, subsumível na norma da alínea b), nº 1, do art. 204º do CPPT - por não figurar no título e não ser responsável pelo pagamento da dívida - mas não como pressuposto a constar do despacho de reversão por a lei o não ter estabelecido como tal.
H.
Atento o exposto, inexiste qualquer vício que invalide o despacho de reversão, encontrando-se o mesmo devidamente fundamentado, tendo sido elaborado nos termos e ao abrigo da legislação legal aplicável.
I.
Neste contexto, entende a Fazenda Pública que o Tribunal a quo errou no seu julgamento de facto e direito, enfermando a sentença de uma errónea apreciação dos factos relevantes para a decisão e de uma errada interpretação da lei aplicável ao caso em apreço, devendo a sentença ser revogada.

Termos em que, concedendo-se provimento ao recurso, deve a decisão recorrida ser revogada e substituída por acórdão que declare a oposição totalmente improcedente.
Porém, V. Exas. Decidindo, farão a costumada JUSTIÇA”.
* *
O Recorrido não apresentou contra-alegações.
* *
O Exmº. Magistrado do Ministério Público junto deste Tribunal emitiu douto parecer defendendo a procedência do recurso.
* *
Colhidos os vistos legais e nada mais obstando, vêm os autos à conferência para decisão.

II – DO OBJECTO DO RECURSO

O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das respetivas alegações (cfr. artigo 635°, n.° 4 e artigo 639°, n.°s 1 e 2, do Código de Processo Civil), sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente.

Assim, delimitado o objeto do recurso pelas conclusões das alegações da Recorrente, importa decidir se a sentença enferma de erro de julgamento de facto e de direito ao ter considerado que o despacho de reversão não se mostra fundamentado constituindo uma invalidade que conduz à sua anulação e de todos os atos que dele decorrem, tornando o oponente parte ilegítima na execução.
* * *
III – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

O Tribunal recorrido considerou provada a seguinte matéria de facto:

“Compulsados os autos e analisada a prova documental, dão-se como provados, e com interesse para a decisão, os factos infra indicados:

1. Os autos de execução n.º 323..., instaurado em 18/06/2014, face à certidão de dívida n.º 14102100036200006517841, contra a sociedade “A... Viagens e Turismo Lda.,” por dívidas de Imp. Cont. Corr. do ano de 1999 no montante de € 1.907,78 – cfr. consta de cópia do respetivo PEF aqui em anexo.

2. A estes autos foram apensos os processos que infra se discriminam, ficando a dívida a valer por € 11.455,36:
Id. Doc. Origem
Montante (€)
56102100066180388787350
634,70
14102100056100004720398
6.373,52
14102100056100004720398
127,81
14102100036400007915401
807,72
56102100066780391223526
634,70
14102100036000009632884
663,13
56102100066980406079706
306,00

Tudo conforme consta da cópia do respetivo PEF aqui em anexo

3. No âmbito do processo executivo supra, foi proferido despacho de reversão com a fundamentação que a seguir se transcreve:
“DESPACHO
Face às diligências de fls. --- e estando concretizada a audiência do(s) responsável(eis) subsidiário(s) prossiga-se com a reversão da execução fiscal contra A..., contribuinte n.º 178... morador em R M… 159 4 Dto castelhana – 2750-… C…. na qualidade de Responsável Subsidiário, pela divida abaixo discriminada.
Atenta a fundamentação infra, a qual tem de constar da citação, proceda-se à citação do(s) executado(s) por reversão (…)”
FUNDAMENTAÇÃO DA REVERSÃO
Dos administradores, diretores ou gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas coletivas ou entidades fiscalmente equiparadas, por não terem provado não lhes ser imputável a falta de pagamento da dívida, quando o prazo legal de pagamento/entrega da mesma terminou no período do exercício do cargo (…)”.
Tudo conforme consta da cópia do PEF aqui em anexo.

4. Em 22/04/2015 foi endereçada ao aqui Oponente carta registada com aviso de receção que foi assinado em 29/04/2015, dando-lhe conta de que contra si havia sido revertida a divida a que nos vimos referindo cuja execução havia sido instaurada em nome da sociedade identificada em 1., deste probatório – cfr. consta da cópia do PEF, em anexo (fls. 31 A 33).

5. A presente oposição foi deduzida em 01/06/2015 – cfr. fls. 4 e 22 dos autos.

6. Da certidão emitida pela Conservatória do registo Comercial de Lisboa, correspondente à matrícula 3840/19930428 da sociedade por quotas denominada de “A... – VIAGENS E TURISMO, LDA.”, com o NIPC 502..., com sede na R. C…., 1300-120 Lisboa, consta, em:
a) Ap. 19/19930428 que face à deliberação de 26/04/2004, a gerência foi atribuída a C… e F… e A... e que a sociedade se com a assinatura de dois gerentes,
b) Av.1 AP. 122/20071221, a renúncia à gerência de C..., com efeitos a 21/09/2007,
c) Av. 2 AP. 2/20130110, a renúncia à gerência de F..., com efeitos a 10/10/2008,
d) AP.123/20071221, foi alterado o contrato social e designado gerente R..., conforme deliberação, datada de 17/12/2007,
Tudo conforme consta do PEF aqui em anexo.

7. O Oponente tem vistos de entrada em Luanda entre 2011 e 2014 – cfr. fls. 10 a 17 dos autos

Factos não provados
Dos autos não resulta provado:
a) Que o Oponente tenha renunciado ao cargo de gerente da sociedade A... –, Lda.
b) O título a que o Oponente é chamado à execução nem donde lhe advém a responsabilidade pela dívida exequenda.
c) Que o mesmo (Oponente) tenha tido culpa na frustração do património da mesma para fazer face aos créditos tributários.
Não se provaram quaisquer outros factos passíveis de afetar a decisão de mérito, em face das possíveis soluções de direito, e que, por conseguinte, importe registar como não provados.
Motivação
No tocante aos factos provados e não provados, a convicção do Tribunal fundou-se na prova documental constante dos autos, em concreto, no teor dos documentos indicados em cada um dos pontos supra, sendo de salientar no que respeita aos não provados o seguinte.”.

* * *
Nos termos e ao abrigo do preceituado no artigo 662.º do Código de Processo Civil, por estar documentalmente provado e ser pertinente para a boa decisão da causa e das questões colocadas em recurso, acorda-se em corrigir o ponto 3 do probatório, completando o teor do despacho de reversão nos seguintes termos:

“3. No âmbito do processo executivo supra, foi proferido despacho de reversão com a fundamentação que a seguir se transcreve:
DESPACHO
Face às diligências de fls. --- e estando concretizada a audiência do(s) responsável(eis) subsidiário(s) prossiga-se com a reversão da execução fiscal contra A..., contribuinte n.º 178... morador em R M…. – 2750-…. CASCAIS na qualidade de Responsável Subsidiário, pela divida abaixo discriminada.
Atenta a fundamentação infra, a qual tem de constar da citação, proceda-se à citação do(s) executado(s) por reversão (nº 5 do art. 23º da LGT)
FUNDAMENTAÇÃO DA REVERSÃO
Dos administradores, diretores ou gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas coletivas ou entidades fiscalmente equiparadas, por não terem provado não lhes ser imputável a falta de pagamento da dívida, quando o prazo legal de pagamento/entrega da mesma terminou no período do exercício do cargo (art. 24º, nº 1/b) LGT)”.
Constando ainda do despacho de reversão, a identificação do processo principal; 323... e o montante da quantia exequenda: €11.455,36, bem como a natureza e períodos a que se refere a dívida em relação anexa.
(cfr. fls. 29/30 da cópia física do PEF em anexo)
* *
Nos termos e ao abrigo do preceituado no artigo 662.º do Código de Processo Civil, por estar documentalmente provado e ser pertinente para a boa decisão da causa e das questões colocadas em recurso, acorda-se em aditar ao probatório o seguinte facto:

8. Do processo de execução nº 323... e apensos consta uma informação datada de 10/03/2015 e proferida no âmbito do processo nº 3239201301200526 e apensos na qual consta:
9. De acordo com a certidão da Conservatória do Registo Comercial de Lisboa (Ap.19/19930428 e Ap.123/20071221), à data da constituição da dívida era gerente de facto e de direito da executada e devedora originária:
- A…., NIF 178... desde 28.04.1993
- R... (…)
10. Os factos tributários e os períodos de pagamento das dívidas ocorreram durante a gerência acima referida (art. 24º, nº 1, alínea b) da LGT);
11. O Sr. A... requereu nos processos executivos nºs 3239201101150847, 3239201001105248, 3239201101106783, 3239201101109308, 3239201101124560 e 323920110113943, o pagamento em prestações, o que configura a prática de um ato de gerência;
12. Da consulta à declaração Mod. 10, verifica-se que o Sr. A..., auferiu rendimentos da categoria A pagos pela executada desde o ano de 1996 a 2012 (gerência de facto) (…)” (cfr. teor do documento de fls 19/20 do processo de execução fiscal em apenso).
* * *
IV- FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

O Recorrido deduziu junto do Tribunal Tributário de Lisboa, oposição à execução fiscal contra a decisão de reversão proferida no processo de execução fiscal nº 323... e apensos, instaurado originariamente contra a sociedade “A..., Lda.”, por dívidas de IVA e IRS de 2014 e IRC de 2012 no valor total de € 11.455,36 invocando para o efeito a sua ilegitimidade, sustentada na falta de fundamentação do despacho de reversão e por não ter exercido, de facto, as funções de gerente da sociedade devedora originária no período a que se reporta a dívida exequenda.

O Tribunal Tributário de Lisboa julgou procedente a oposição à execução entendendo que o despacho de reversão padecia de falta de fundamentação, tendo vertido o seguinte discurso fundamentador:
“O Oponente foi chamado à execução por reversão da divida exequenda da sociedade “A... Viagens E Turismo Lda.,” e assenta a sua defesa na sua ilegitimidade sustentada na falta de fundamentação do despacho de reversão e ilegitimidade por não ter exercido, de facto, as funções de gerente da sociedade devedora originária, ao tempo a que se reporta a divida exequenda.
(…) Atenta a formulação do pedido e a causa de pedir que o suporta iremos fazer recair o thema decidendum em primeiro lugar na apreciação da legalidade do despacho de reversão ponto de vista formal, atento o disposto no art.º 124.º n.º 2 al. b) do CPPT.
Reversão de dívidas tributárias em Processo de Execução Fiscal - Despacho de Reversão.
Conforme decorre do probatório que a decisão proferida no âmbito do processo de execução fiscal n.º 323... e apensos, de reverter as dívidas fiscais resulta, não do apuramento da culpa efectiva do Oponente, mas sim de uma presunção legal de culpa, remetendo para o revertido (aqui a Oponente) o ónus da prova da falta dos pressupostos legais de que depende a reversão.
Ora de acordo com o n.º 4 do art. 23.º da Lei Geral Tributária (LGT), a reversão, mesmo nos casos de presunção legal de culpa é precedida da declaração fundamentada dos seus pressupostos e extensão.
Por outro lado, decorre do n.º 1 do art. 24.º da LGT que os administradores, diretores e gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas coletivas e entes fiscalmente equiparados são subsidiariamente responsáveis em relação a estas, ou seja não há aqui qualquer referência à gerência nominal ou de direito, exigindo a norma, através da expressão “que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração”, a prova da gerência efetiva ou de facto.
Com efeito, não há qualquer presunção legal que faça decorrer da qualidade de gerente de direito o efetivo exercício da função de gerência.
Neste sentido refere Jorge Lopes de Sousa, que, cito:
“(…)
Se o administrador ou gerente de direito não exercia quaisquer funções de gerência de facto, não se justificava que fosse formulado em relação a ele um juízo de culpa susceptível de basear a responsabilidade subsidiária, já que não era possível a existência de nexo de causalidade entre a sua actuação e a situação de insuficiência patrimonial da sociedade, nem se podia falar em relação a ele de possibilidade de pagar as dívidas fiscais e não o fazer, dívidas essas de que, sem um exercício ao menos parcial da gerência, não poderia ter sequer conhecimento.
(…)”
Por conseguinte cabe, desde logo, à Administração Tributária o ónus de alegar e provar a verificação dos pressupostos da responsabilidade subsidiária, nomeadamente a gerência de facto do revertido, devendo a falta de prova da mesma ser valorada contra a AT, conforme de maneira esclarecedora se tem pronunciado a jurisprudência, situação que in caso, não ocorreu.
Na verdade, na situação sub judice, resulta desde logo que o Oponente foi nomeado gerente desde a constituição da sociedade em 1993 e não se prova que tenha renunciado ao cargo.
Importa referir que a sociedade “A... – Viagens E Turismo, Lda.” se obrigava com as assinaturas de dois gerentes, sendo que no período a que se reportam os factos fundamentadores da presente reversão, figuravam como gerentes: o revertido e R....
No entanto caberá, antes apreciar se a Administração Tributária carreou para o processo, indícios suficientes que sustentem a existência do exercício da gerência por parte do aqui Oponente.
No que respeita à gerência de facto não há um conceito pré definido, porém tem sido reiteradamente sufragado pelos Tribunais superiores8 o conceito vertido nos artºs. 259.º e 260.º, do Código das Sociedades Comerciais (CSC), no sentido de que serão típicos actos de gerência aqueles que se consubstanciam na representação da sociedade perante terceiros e aqueles através dos quais a sociedade fique juridicamente vinculada de acordo com o objecto social.
Aqui chegados e atenta a materialidade dada por provada e não provada, concluímos pela falta de qualquer elemento que nos permita a apreciação da existência ou não de qualquer ato de gestão, já que o despacho de reversão é completamente omisso quanto ao comportamento do Oponente face aos destinos da sociedade devedora originária.
Em termos de conclusão aferimos que a Administração Tributária não logrou provar, como lhe impunham os artigos termos do disposto do artigo 342.º do Código Civil e do artigo 74.º, n.º 1 da LGT que, para além de deter a qualidade de gerente de direito da devedora originária, o Oponente também exercia de facto a gerência e nessa medida, não se mostra fundamentado o despacho de reversão o que constitui uma invalidade que leva à sua anulação.”

E concluiu pela ilegalidade do despacho de reversão devendo “ser anulado o que acarreta a anulação subsequente de todos os actos que dele decorrem (art. 201.º n.º 2 do CPC aqui aplicável “ex vi” da al. e) do art. 2.º do CPPT) e torna o Oponente parte ilegítima na execução.”.

Dissente do assim decidido veio a Fazenda Pública interpor o presente recurso alegando para o efeito e em síntese que a sentença padece de erro de julgamento quanto à matéria de facto e de direito, por errada valoração dos elementos constantes dos autos, deficiente análise crítica das provas e consequente erro na aplicação do disposto na alínea b) do nº 1 do art. 24º da LGT.

Vejamos então.

Importa antes de mais salientar que é inquestionável que a administração tributária tem o dever de fundamentar os atos que afetem os direitos ou os legítimos interesses dos administrados, em conformidade com o princípio consagrado no artigo 268.º da CRP e artigos 124.º do CPA e 77.º da LGT.

Quanto ao ato de reversão da execução fiscal, a lei é expressa a determinar, no n.º 4 do art.º 23. ° da LGT, que: “A reversão, mesmo nos casos de presunção legal de culpa, é precedida de audição do responsável subsidiário nos termos da presente lei e da declaração fundamentada dos seus pressupostos e extensão, a incluir na citação.”.

É também indiscutível que as exigências de fundamentação não são rígidas, variando de acordo com o tipo de ato e as circunstâncias concretas em que este foi proferido. A determinação do âmbito da declaração fundamentadora pressupõe, a busca de um conteúdo adequado, que há-de ser, num sentido amplo, o suficiente para suportar formalmente a decisão administrativa (Acórdão do STA n.º 0624/12 de 14/02/2013).

Sobre a fundamentação do despacho de reversão, destacamos o entendimento vertido no Acórdão do STA de 29/10/2014, proferido no processo 0925/13 que de seguida se transcreve, na parte que ora importa destacar:

“... não sofre dúvida que a responsabilidade subsidiária se efectiva por reversão do processo de execução fiscal (n.º 1 do art. 23.º da LGT) e que este despacho de reversão, sendo um acto administrativo tributário, está sujeito a fundamentação (art. 268.º n.º 3 da CRP; arts. 23.º n.º 4 e 77.º nº 1, da LGT).

E sendo pressupostos da responsabilidade subsidiária (arts. 23.º n.º 4 e 24.º n.º 1, da LGT) a inexistência ou fundada insuficiência dos bens penhoráveis do devedor principal, dos responsáveis solidários e seus sucessores (art. 23.º n.º 2 da LGT; art. 153.º n.º 2 do CPPT), bem como o exercício efectivo do cargo nos períodos relevantes de verificação do facto constitutivo da dívida tributária ou do prazo legal de pagamento ou da respectiva entrega (art. 24.º n.º 1 da LGT), então o despacho de reversão, enquanto acto administrativo tributário, deve, em termos de fundamentação formal, incluir a indicação das normas legais que determinam a imputação da responsabilidade subsidiária ao revertido, por forma a permitir-lhe o eventual exercício esclarecido do direito de defesa (nº 1 do art. 77.º da LGT), e deve incluir, igualmente, a declaração daqueles pressupostos e referir a extensão temporal da responsabilidade subsidiária (art. 23º nº 4 LGT). Daí que, em consonância com este normativo, se tenha afirmado, no acórdão do Pleno desta Secção do STA, proferido em 16/10/13, 0458/13, que a fundamentação formal do despacho de reversão se basta com a alegação dos pressupostos e com a referência à extensão temporal da responsabilidade subsidiária que está a ser efectivada, «não se impondo, porém, que dele constem os factos concretos nos quais a AT fundamenta a alegação relativa ao exercício efectivo das funções do gerente revertido.» (cfr., igualmente, os acórdãos desta Secção do STA, de 31/10/2012, proc. nº 580/12 e de 23/1/2013, proc. nº 953/12).”. (sublinhado nosso)

Decorre do acima exposto que a fundamentação formal do despacho de reversão, se basta com a alegação dos pressupostos e com a referência à extensão temporal da responsabilidade subsidiária.

Concretizando, para o dever de fundamentação formal do despacho de reversão, é exigido ao Órgão de Execução Fiscal que:

a) Indique as normas legais que determinam a imputação da responsabilidade;

b) Mencione o preenchimento dos pressupostos da reversão, a saber:

b.1) Inexistência ou fundada insuficiência dos bens penhoráveis da devedora originária (n.º 2 do art.º 23.º da LGT e n.º 2 do art.º 153.º do CPPT);

b.2) O exercício efetivo do cargo nos períodos relevantes, dependendo do enquadramento da situação na alínea a) ou na alínea b) do n.º 1 do art.º 24.º da LGT;

c) Mencione a sua extensão temporal.

Considerando os elementos supra indicados e atendendo ao teor do despacho de reversão transcrito no ponto 3 do probatório, ora corrigido, resulta que dele constam todos os elementos acima mencionados, pelo que se conclui que a administração tributária satisfez o requisito de fundamentação do despacho de reversão do ponto de vista formal.

Mas para além da fundamentação formal importa analisar se a reversão, do ponto de vista substancial, se encontra fundamentada, in casu, se estão reunidos os pressupostos para legitimar a reversão da execução fiscal, em virtude de o oponente alegar não ter sido gerente de facto da sociedade devedora originária desde outubro de 2011.

Para o efeito deve atender-se aos pressupostos da responsabilidade subsidiária consagrados no art. 24º da LGT ao estabelecer que:

“1 – Os administradores, diretores e gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas coletivas e entes fiscalmente equiparados são subsidiariamente responsáveis em relação a estas e solidariamente entre si:

a) Pelas dívidas tributárias cujo facto constitutivo se tenha verificado no período de exercício do seu cargo ou cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado depois deste, quando, em qualquer dos casos, tiver sido por culpa sua que o património da pessoa coletiva ou ente fiscalmente equiparado se tornou insuficiente para a sua satisfação;

b) Pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período do exercício do seu cargo, quando não provem que não lhes foi imputável a falta de pagamento.”.

Do regime constante do transcrito art. 24.º, n.º 1 da LGT resulta que o chamamento dos “administradores, diretores e gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas coletivas e entes fiscalmente equiparados”, os quais são subsidiariamente responsáveis em relação à dívida e solidariamente responsáveis entre si, depende da verificação do exercício efetivo de gerência, ou seja a existência de uma situação de gerência de facto (Acórdão do STA de 09/04/2014, proc. n.º 0954/13), não bastando a mera titularidade do cargo de gerente, isto é, a gerência nominal ou de direito.

A responsabilidade subsidiária dos gerentes e administradores, tem por pressuposto o exercício efetivo do cargo de gerente ou administrador, competindo à Fazenda Pública o ónus da prova desse pressuposto da responsabilidade subsidiária, aí se incluindo o exercício de facto da gerência.

Do probatório resultou que, por deliberação de 26/04/2004, o ora Recorrido, e mais duas pessoas foram nomeados gerentes de direito da sociedade devedora originária, obrigando-se esta com a assinatura de dois gerentes sendo que em 17/12/2007 foi alterado o pacto social e nomeado gerente R... (como consta do ponto 6 do probatório).

No que concerne ao exercício da gerência de facto, de cuja demonstração depende a legalidade da reversão, vejamos se a Fazenda Pública logrou provar a prática de atos de gestão efetiva por parte do revertido, ora Recorrido.

Salienta-se que, de acordo com a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo, mesmo nas situações de comprovada gerência de direito, a Fazenda Pública não pode alhear-se da prova quanto à efetividade da gerência, sem prejuízo de o julgador poder inferir o exercício dessa gerência da globalidade da prova produzida.

No caso em apreço resultou provada a gerência de direito da devedora originária por parte do Recorrido, todavia, em relação à gerência de facto, decorre do ponto 8 do probatório por nós aditado, que a execução fiscal foi revertida contra o ora Recorrido com base nos factos mencionados na informação prestada pelo órgão de execução fiscal, assentando a gerência de facto apenas na circunstância de ter sido apresentado um pedido de pagamento em prestações com referência a vários processos executivos e, pelo facto do ora Recorrido constar na declaração mod. 10 apresentada pela sociedade e referente a pagamento de rendimentos de trabalho dependente.

Tendo presente que o gerente de facto é o órgão atuante da sociedade, tomando as deliberações consentidas pelo ato e exteriorizando a vontade social perante empregados ou terceiros, produzindo efeitos na esfera jurídica da sociedade, manifestando a capacidade de exercício de direitos das pessoas coletivas, e que o exercício da gerência de facto desdobra-se em concretos atos que exprimem poderes representativos e poderes administrativos face à sociedade (designadamente, contacto com fornecedores; contratação de pessoal; pagamento de salários; angariação de clientes), verifica-se que a gerência de facto considerada pelo órgão de execução fiscal assenta apenas em duas circunstâncias que se revelam manifestamente insuficientes para se concluir que o Recorrido foi gerente de facto no período a que respeita a dívida exequenda.

Como se afirma no TCA Sul de 13/09/2023 – proc. 2186/14.8BELRS “IV-Da assinatura de atos pontuais pelo Oponente, não é viável, à luz das regras de experiência comum, extrair a conclusão de que o mesmo exerceu, de facto, a gerência da sociedade.

V-A conclusiva apelação às remunerações enquanto categoria A, não permite, per se, concluir pela gestão de facto.”.

Em face do exposto conclui-se que a reversão, do ponto de vista substancial, não se encontra devidamente fundamentada sendo de concluir que o Recorrido é efetivamente parte ilegítima na execução porquanto não se mostra provada a sua gerência de facto na sociedade devedora originária, sendo de negar provimento ao recurso.

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V- DECISÃO

Em face do exposto, acordam em conferência os juízes da Subsecção de Execução Fiscal e de Recursos Contraordenacionais da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao recurso, mantendo-se a sentença recorrida, embora com a presente fundamentação.


Custas pela Recorrente
Lisboa, 27 de junho de 2024
Luisa Soares
Isabel Vaz Fernandes
Maria de Lurdes Toscano