Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:8181/24.1BELSB
Secção:CA
Data do Acordão:09/25/2025
Relator:MARCELO MENDONÇA
Descritores:IPDLG;
AQUISIÇÃO DA NACIONALIDADE PORTUGUESA;
FALTA DE PRESSUPOSTOS;
ARTIGO 109.º, N.º 1, DO CPTA;
REJEIÇÃO LIMINAR DA P.I.
Sumário:I - O recurso ao processo de intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias, ainda que intentado por cidadão estrangeiro requerente da nacionalidade portuguesa, depende da verificação, ante os factos concretamente alegados, do pressuposto da indispensabilidade desse meio processual, isto é, da sua necessidade para a emissão urgente de uma decisão de mérito imprescindível à protecção de um direito, liberdade e garantia, tendo em conta o estatuído pelo n.º 1 do artigo 109.º do CPTA.
II - Tendo presente o pressuposto da indispensabilidade, impõe-se que do caso concreto transpareça uma evidente situação de urgência ou premência, não bastando invocar na petição inicial a ameaça ao exercício de direitos, alegadamente tipificados na CRP como fundamentais, impondo-se ao requerente que alegue e prove factos que permitam concluir pela verificação, por referência à sua situação concreta, dos pressupostos de admissibilidade do processo de intimação previsto no artigo 109.º do CPTA.
III - Faltando a demonstração dos pressupostos da indispensabilidade e da subsidiariedade, resulta a ausência de idoneidade do meio processual, razão pela qual não é de admitir o articulado inicial, devendo o juiz, em consequência, rejeitar liminarmente a petição inicial, atento o disposto no artigo 110.º, n.º 1, do CPTA.
Votação:c/ declaração de voto
Indicações Eventuais:Subsecção Administrativa Comum
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral: I - Relatório.
A…, cidadã de nacionalidade colombiana, residente na Suécia, invocando ser descendente de judeu sefardita português, doravante Recorrente, que no Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa (TACL) deduziu intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias contra o INSTITUTO DOS REGISTOS E DO NOTARIADO, IP, doravante Recorrido, com vista à intimação do Recorrido para, em síntese, tramitar e decidir favoravelmente o seu pedido de aquisição da nacionalidade portuguesa, inconformada que se mostra com a sentença do TACL, de 02/07/2024, que decidiu rejeitar liminarmente o requerimento inicial por falta de verificação dos pressupostos elencados no n.º 1 do artigo 109.º do CPTA, contra a mesma veio interpor recurso ordinário de apelação, apresentando alegações, nas quais formula as seguintes conclusões:
I. A situação da Recorrente carece de proteção urgente e célere, a qual é incompatível com a ação administrativa, sob pena de poder ficar previsivelmente e irremediavelmente comprometido o exercício em tempo útil dos direitos inerentes à nacionalidade portuguesa, sendo impossível à Recorrente lançar mão de outro meio face ao seu prazo;
II. Do recurso apresentado resulta provada a existência de grave violação de um direito Liberdade e Garantia;
III. A Recorrente deu cumprimento ao ónus alegatório que contra si impende, fundamentando e provando a má atuação da administração e a necessidade da tramitação com caráter de urgência do seu pedido;
IV. Por conseguinte, no caso concreto, através num juízo de prognose, conclui-se que o presente meio processual é, de facto, adequado e idóneo, porquanto foram alegados factos concretos subjacentes à especial urgência da intimação para a proteção de direitos, liberdades e garantias, por forma a tutelar e pôr termo à lesão dos direitos fundamentais de cidadania e nacionalidade e, em consequência da sua situação concreta decorrente do facto de existir um perigo iminente de irregularidade na permanência da Recorrente em território sueco;
V. Este facto implica um perigo acrescido da lesão dos direitos do Recorrente, inerentes à titularidade da nacionalidade portuguesa, lesão alegada, comprovada e iminente;
VI. Pese embora a Recorrente não ignore nem desconheça os constrangimentos nos serviços evidenciados pela entidade requerida, a grave carência de meios, a verdade é que tal circunstancialismo é alheio à Recorrente, pois que, a administração deve adaptar-se e reorganizar-se para responder aos cidadãos dentro de um padrão de eficiência razoável;
VII. Assim, não restam dúvidas que o I.R.N,I.P tem violado reiteradamente todos os prazos processuais aos quais está vinculado, pelo princípio da legalidade, da boa-fé e da colaboração, nos termos dos artigos 3º, 10º e 11º do CPA;
VIII. Normas de caráter adjetivo e, por isso, de aplicação imperativa;
IX. Requerendo-se a intimação do IRN,I.P., a decidir o processo do pedido de atribuição da nacionalidade portuguesa, formulado pelo Recorrente, nos termos do artigo 6.º, nº 7 da Lei da Nacionalidade, lavrando o respetivo registo de nascimento, atendendo à reiterada violação dos prazos processuais que supra evidenciados
O Recorrido não contra-alegou.
O Ministério Público (MP) junto deste Tribunal, notificado nos termos e para os efeitos do previsto no artigo 146.º, n.º 1, do CPTA, emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso.
O parecer do MP foi notificado às partes.
Sem vistos das Exmas. Juízas-Adjuntas, por se tratar de processo urgente (cf. artigo 36.º, n.º 2, do CPTA), mas com apresentação prévia do projecto de acórdão, o processo vem à conferência da Subsecção Administrativa Comum da Secção de Contencioso Administrativo deste TCAS para o competente julgamento.
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II - Delimitação do objecto do recurso.
Considerando que são as conclusões de recurso a delimitar o seu objecto, nos termos conjugados dos artigos 635.º, n.ºs 3 e 4, e 639.º, n.ºs 1 e 2, do CPC, aplicáveis “ex vi” do artigo 140.º, n.º 3, do CPTA, cumpre apreciar e decidir, resumidamente, se a decisão recorrida, ao concluir pela falta de verificação dos pressupostos enunciados no artigo 109.º, n.º 1, do CPTA, incorreu em erro de julgamento, ou não, designadamente, por ter rejeitado liminarmente o requerimento inicial com base em tal entendimento.
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III - Matéria de facto.
A decisão recorrida não fixou qualquer factualidade.
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IV - Fundamentação de Direito.
Na parte que aqui importa perscrutar, veja-se a fundamentação de direito explanada na decisão recorrida, transcrevendo-se os seguintes trechos, por serem aqueles que, de modo mais relevante, interessam à decisão do presente recurso:
(…) É, portanto, em obediência aos desideratos da tutela jurisdicional efetiva, e reportando-se a situações especialmente delicadas (a proteção de direitos, liberdades e garantias), que o legislador consagra, como meio principal (trata-se de um processo declarativo, com vista à prolação, em regra, de uma sentença condenatória) e urgente (com prazos de tramitação e de decisão mais curtos, sujeitos a um regime específico), a forma de processo de que nos ocupamos. Posto isto, constitui entendimento unânime da jurisprudência e da doutrina que a utilização da intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias assume um caráter necessariamente restritivo (por força do seu objeto) e subsidiário (face aos outros meios processuais), constituindo uma válvula de segurança do ordenamento jurídico-processual.
Portanto, para que a presente intimação possa ter lugar, há que existir urgência na tutela de um (ou mais) direito(s), liberdade(s) ou garantia(s), urgência essa que se materializará na indispensabilidade do recurso à intimação, ou seja, na impossibilidade ou na insuficiência, atendendo ao caso concreto, de se recorrer a outros meios processuais não urgentes, mesmo que cumulados com a tutela cautelar, maxime, com a tutela urgentíssima patenteada no artigo 131.º do CPTA.
À luz do disposto no artigo 109.º n.º 1 do CPTA pode assim sintetizar-se que constituem pressupostos cumulativos da intimação para a proteção de direitos, liberdades e garantias:
(i) A defesa de um direito, liberdade ou garantia, ainda que de natureza análoga;
(ii) A célere emissão de uma decisão de mérito que se mostre indispensável, face aos outros meios processuais, para assegurar o exercício em tempo útil do direito, liberdade ou garantia em apreço (…).
Desçamos então ao caso dos presentes autos.
Conforme resulta do requerimento inicial, a Requerente peticiona a intimação da Entidade Requerida a tramitar o procedimento e a lavrar o seu registo de nascimento por transcrição, averbando-se a aquisição da nacionalidade portuguesa.
E, como dimana de tal articulado, a Requerente alega que submeteu pedido de aquisição da nacionalidade por naturalização em 24 de agosto de 2022, o qual foi já objeto de despacho favorável, mas não de registo.
Concretamente a respeito do pressuposto da urgência (i.e., a indispensabilidade de recorrer ao presente meio processual), a Requerente invoca, resumidamente, que “é de nacionalidade colombiana e encontra-se neste momento a residir na Suécia”, que “travou conhecimento, na Colômbia, com um cidadão sueco, de quem é noiva, sendo que os mesmos vão contrair casamento no próximo dia 06 de julho de 2024, na Igreja de Lidingo, na Suécia”; refere, neste seguimento, que está “há menos de 90 (noventa) dias na Suécia, esperando que até lá seja decidido o seu pedido de aquisição da nacionalidade”, pois “se tal não vier a ocorrer, a mesma terá de residir irregularmente, sujeitando-se à possibilidade de vir a ser deportada. Neste momento tem o estatuto de estrangeira nacional de país terceiro, dependente do seu marido sueco, o que, forçosamente, constituirá um impedimento ao exercício de qualquer profissão”; sustenta que “[t]al situação não pode ser aceitável, até porque face ao princípio da dignidade da pessoa humana, o direito fundamental de contrair casamento releva apenas em condições de igualdade, nos termos do artigo 36º, nº 1 da CRP, devendo o mesmo contribuir para a realização pessoal dos seus membros, nos termos do artigo 67º, nº 1 da CRP”; ou seja, no entendimento da Requerente, ficará “impedida de trabalhar e de exercer a sua profissão, bem como de contribuir para as despesas do seu agregado familiar”, bem como não poderá “fazer o seu percurso de aprendizagem e de aperfeiçoamento necessários para poder progredir na carreira” – cfr. artigos 9.º e ss. da petição inicial.
O Tribunal não acompanha o entendimento propugnado pela Requerente, no sentido de que se revela indispensável o recurso à intimação para a defesa de direitos, liberdades e garantias.
Com efeito, e como resulta da mera leitura do requerimento inicial, a única circunstância concreta que a Requerente invoca no sentido de carecer de tutela urgente e definitiva reside na sua intenção de continuar a residir na Suécia após o decurso do prazo de 90 dias, alegadamente já iniciado (período durante o qual pode permanecer legalmente na Suécia).
Na perspetiva da Requerente, o direito à aquisição da nacionalidade portuguesa – e, com isso, à cidadania europeia – permitir-lhe-á continuar em território sueco para lá do período de 90 dias em curso, sem necessidade de requerer uma autorização de residência na Suécia (v.g., por reagrupamento familiar).
Neste sentido, revela-se manifesto que não foi alegada qualquer circunstância concreta que faça perigar o exercício, em tempo útil, do (alegado) direito à nacionalidade portuguesa da Requerente. Como é evidente, o decurso do tempo não obstará a que a pretensão da Requerente em ser portuguesa lhe venha a ser reconhecida, se a isso tiver efetivamente direito.
Por outro lado, não se concebe, nem se alcança, que sem a nacionalidade portuguesa seja violado o direito ao casamento, ou que a Requerente esteja impedida de trabalhar ou de exercer a sua profissão – sendo que a Requerente não invocou, de forma concreta, ter qualquer oportunidade de trabalho em risco –, bem como não se compreende que lhe esteja vedado contribuir para a vida familiar em condições iguais às do seu futuro marido.
Em suma, o único risco que a Requerente demonstra ter com a passagem do tempo, no caso concreto, é o de não poder continuar a residir em território sueco para lá do período de 90 dias em curso.
É ostensivo que a Requerente, uma vez casada, ou munida de uma proposta ou de um contrato de trabalho na Suécia, poderá solicitar autorização de residência em tal país, razão pela qual a presente ação não se afigura, uma vez mais, indispensável.
Restando, por fim, salientar, que o direito a residir na suécia não configura um direito, liberdade ou garantia.
Tal como sustentado, num caso inteiramente semelhante, no Ac. do STA, de 10-09-2020, proferido no processo n.º 01798/18.5BELSB, disponível em www.dgsi.pt, “a intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias é um meio processual inadequado quando o direito principal, condição do exercício de outro direito, não está, ele próprio ameaçado e, mais ainda, quando o direito cuja tutela verdadeiramente se pretende nem sequer é um direito, liberdade e garantia ou quando nem sequer pode ser titulado pelo autor da acção como sucede no presente caso”.
No caso, a tutela da pretensão da Requerente basta-se, portanto, com a propositura de uma ação administrativa (sem necessidade ou de recurso a uma providência cautelar).
Pelo exposto, conclui-se que não estão reunidos os pressupostos ínsitos no artigo 109.º n.º 1 do CPTA para a admissão da presente intimação para defesa de direitos, liberdades e garantias, razão pela qual rejeito liminarmente o requerimento inicial, nos termos do artigo 110.º n.º 1 do CPTA.
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Desde já adiantamos que a decisão recorrida será confirmada.
Vejamos.
A decisão recorrida labora num domínio prévio, que se encontra inculcado a montante da fase de sindicância do mérito da causa. Isto é, tendo o Tribunal a quo que emitir um despacho liminar, a proferir no prazo máximo de 48 horas, nos termos do artigo 110.º, n.º 1, do CPTA, é nesse preciso momento inicial que se impõe ao juiz aquilatar sobre a verificação dos pressupostos do processo de intimação, que se encontram plasmados no n.º 1 do artigo 109.º do CPTA.
Em resultado dessa primeira análise, o juiz da causa tanto pode admitir o articulado inicial, seguindo-se a citação da contra-parte, como pode rejeitá-lo, nesta última hipótese, se algum dos pressupostos enunciados no n.º 1 do artigo 109.º do CPTA não se mostrar, em concreto, preenchido.
“In casu”, foi precisamente o que ocorreu. O Meritíssimo Juiz a quo, tendo que proferir o despacho inicial no processo de intimação que lhe calhou em distribuição, emitiu, ante as circunstâncias alegadas do caso concreto, a decisão liminar de rejeição do requerimento inicial.
O n.º 1 do artigo 109.º do CPTA dita o seguinte: “A intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias pode ser requerida quando a célere emissão de uma decisão de mérito que imponha à Administração a adoção de uma conduta positiva ou negativa se revele indispensável para assegurar o exercício, em tempo útil, de um direito, liberdade ou garantia, por não ser possível ou suficiente, nas circunstâncias do caso, o decretamento de uma providência cautelar” (destaques nossos).
O processo de intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias é de utilização excepcional, cujos requisitos encontram-se formulados no n.º 1 do artigo 109.º do CPTA em termos intencionalmente restritivos, segundo o entendimento sufragado no “Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos”, de Mário Aroso de Almeida e de Carlos Alberto Fernandes Cadilha, 5.ª Edição, 2022, Almedina, página 929, em anotação ao artigo acabado de citar.
Antecipamo-nos a dizer que, tendo presente os pressupostos vertidos no n.º 1 do artigo 109.º do CPTA, a começar pelo da indispensabilidade, não se mostra o mesmo preenchido no caso em apreço.
Em termos sintéticos, a indispensabilidade do processo de intimação significa, de acordo com a doutrina inscrita na obra e pelos autores já atrás assinalados, que a intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias não é a via normal de reação a utilizar em situações de lesão ou ameaça de lesão de direitos, liberdades e garantias. A via normal de reação é a da propositura de uma ação não urgente (…)”,associada à dedução do pedido de decretamento de uma providência cautelar, destinada a assegurar a utilidade da sentença que, a seu tempo, vier a ser proferida no âmbito dessa ação. Só quando, no caso concreto, se verifique que a utilização das vias não urgentes de tutela não é possível ou suficiente para assegurar o exercício, em tempo útil, do direito, liberdade ou garantia é que deve entrar em cena o processo de intimação.
A intervenção da intimação está, assim, excluída nas situações em que a célere emissão de uma decisão sobre o mérito da causa, que ponha definitivamente termo ao litígio, não é indispensável para proteger o direito, liberdade ou garantia, bastando, para o efeito, a propositura de uma ação não urgente, complementada pelo decretamento de uma providência cautelar que dê uma regulação provisória ao caso.
Pelo contrário, o processo de intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias há de ser chamado a intervir em situações que não possam ser acauteladas deste modo, porque é urgente a obtenção de uma pronúncia definitiva sobre o mérito da causa.” (cf. páginas 933 a 935 da obra citada) – (sublinhados nossos).
Sobre a subsidiariedade, importa também salientar que o processo de intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias foi instituído como um meio subsidiário de tutela, vocacionado para intervir como uma válvula de segurança do sistema de garantias contenciosas, nas situações – e apenas nessas – em que as outras formas de processo do contencioso administrativo não se revelem aptas a assegurar a proteção efetiva de direitos, liberdades e garantias” e que “Quando se afirma que o processo de intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias só deve intervir quando os processos não urgentes não se mostrem capazes de assegurar uma proteção adequada, esta afirmação tem, pois, em vista os processos não urgentes, devidamente complementados pelo sistema de tutela cautelar, com todas as possibilidades que ele comporta – com natural destaque, quando tal se mostre necessário, para a mais efetiva de todas, que é o decretamento provisório de providências cautelares” (cf. a obra e os autores que temos vindo a citar, de páginas 935 a 937) – (sublinhados nossos).
Doutrinam ainda Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha na obra citada, na página 932, que “A utilização da intimação não está sujeita a prazo de caducidade (…)”, “mas, a nosso ver, só se justifica se esse for o único meio que em tempo útil permita evitar a lesão do direito, pelo que está necessariamente associada a uma situação de urgência” (destaques nossos).
Retornemos, pois, ao caso concreto.
Em conclusões de recurso observamos, designadamente, nas conclusões VI e VII, o desagrado da Recorrente quanto à inércia decisória da Administração, pois, como no essencial refere, o prazo legal de decisão sobre o seu requerimento administrativo foi já largamente ultrapassado, o que, no seu entender, coloca em causa os princípios da legalidade, boa-fé e colaboração.
O inconformismo da Recorrente pela demora da Administração na instrução procedimental ou na tomada de uma decisão no competente procedimento administrativo de atribuição da nacionalidade portuguesa, ainda que compreensível e legítimo quanto a eventuais transtornos pessoais ou frustrações que essa situação possa causar ao projecto de vida que decidiu fundar com base em tal nacionalidade, não é, por princípio, debelado pelo acesso imediato ao processo urgente de intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias, dado que, ante a inércia instrutória ou decisória da Administração, o contencioso administrativo disponibiliza outros meios comuns aos quais os interessados podem recorrer previamente, com especial prevalência para a acção administrativa de condenação à prática de acto devido, consagrada no artigo 37.º, n.º 1, alínea b), do CPTA (meio processual não urgente), eventualmente complementada com o requerimento incidental de processo cautelar para adopção de providência cautelar antecipatória (processo urgente), que ainda pode ser reforçado com o seu decretamento provisório, nos termos do artigo 131.º do CPTA.
Neste particular conspecto, seguimos aqui a jurisprudência já firmada por este TCAS, destacando-se, entre outros, o recente acórdão de 15/07/2025, proferido no processo sob o n.º 12861/25.6BELSB (uma intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias, precisamente, em matéria de aquisição da nacionalidade), cuja passagem passamos a transcrever do seguinte modo (consultável em www.dgsi.pt):
Acrescente-se que “ao dever de decisão que impende sobre a Administração [artigo 13.º do CPA] não corresponde uma posição jurídica subjectiva dos particulares com a natureza de um direito, liberdade e garantia, o que significa que o incumprimento dos prazos procedimentais, na medida em que não contende com um direito com aquela natureza, não permite o recurso à intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias”, donde “o incumprimento do prazo de decisão do pedido de atribuição de nacionalidade não permite, por si só, o recurso à intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias, sendo que, noutra perspectiva, tal incumprimento não consubstancia a urgência que integra o primeiro pressuposto do recurso à intimação” (Ac. deste Tribunal Central Administrativo Sul de 3.10.2024, proferido no processo 1796/24.0BELSB).” (sublinhado nosso).
Portanto, podemos concluir que não é a violação do dever de decisão que, por si só, justifica o acesso imediato ao processo de intimação, mas sim quando este meio processual se mostre indispensável para assegurar o exercício em tempo útil de um direito, liberdade e garantia.
Aliás, como bem ajuizado na sentença recorrida, “o decurso do tempo não obstará a que a pretensão da Requerente em ser portuguesa lhe venha a ser reconhecida, se a isso tiver efetivamente direito.
De resto, vistas as demais conclusões de recurso, no essencial, a Recorrente assevera que estão em crise direitos inerentes à nacionalidade portuguesa (sem, contudo, os enumerar e explicitar nessas mesmas conclusões), inculcando na conclusão de recurso IV, enfim, a tese de que está mesmo em causa os direitos fundamentais de cidadania e nacionalidade” portuguesa.
Dilucidando a presente temática, veja-se o que preceitua o artigo 26.º, n.º 1, da CRP: “A todos são reconhecidos os direitos à identidade pessoal, ao desenvolvimento da personalidade, à capacidade civil, à cidadania, ao bom nome e reputação, à imagem, à palavra, à reserva da intimidade da vida privada e familiar e à protecção legal contra quaisquer formas de discriminação.” - (destaques nossos).
Admite-se que existe um direito fundamental à aquisição da nacionalidade portuguesa, que pode ser tutelado por recurso à intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias, desde que, preenchidos os restantes pressupostos vertidos no artigo 109.º, n.º 1, do CPTA.
Aliás, o direito à aquisição da cidadania portuguesa pode assistir aos estrangeiros que aleguem e demonstrem uma ligação a Portugal (por terem conhecimento suficiente da língua portuguesa, ou ascendência/descendência com residência em Portugal ou com nacionalidade portuguesa, ou por terem prestado serviços relevantes ao Estado português ou à comunidade, ou por serem descendentes de judeus sefarditas, nos termos do artigo 6.º da Lei da Nacionalidade), constituindo, assim, “o direito à aquisição da cidadania portuguesa uma dimensão positiva do direito fundamental à cidadania” (artigo 26.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa) – cfr. JORGE PEREIRA DA SILVA, O direito fundamental à cidadania portuguesa, in Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Armando M. Marques Guedes, Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, 2004, pp. 277-279, e o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 106/2016, de 24.02.2016 (in https://www.tribunalconstitucional.pt) – neste sentido, vide o acórdão deste TCAS, de 10/04/2025, proferido no processo sob o n.º 2768/24.0BELSB, consultável em www.dgsi.pt.
Todavia, como decorre do caso vertente, a situação da ora Recorrente não é de molde a preencher os demais pressupostos preconizados no artigo 109.º, n.º 1, do CPTA, razão pela qual, não basta a mera invocação ou presença daquele direito fundamental para aceder ao presente meio processual.
De resto, os alegados receios da ora Recorrente quanto ao potencial perigo de irregularidade na sua permanência em território sueco ou até a sua eventual expulsão da Suécia por não cumprir as regras para obtenção do título de residência naquele país escandinavo, não assumem, por um lado, qualquer conexão com o procedimento de aquisição da nacionalidade portuguesa que tramita junto da Administração Pública portuguesa - tanto mais que as decisões relativas ao deferimento ou indeferimento da autorização de residência da ora Recorrente em território sueco e o inconformismo quanto às mesmas deve ser esgrimido ou contestado nesse país -, e, por outro lado, como bem afirmou a sentença recorrida, “o direito a residir na suécia não configura um direito, liberdade ou garantia” que mereça a tutela do ordenamento jurídico-constitucional português.
Aqui chegados, importava que a Recorrente tivesse cumprido com o ónus de alegação de factos concretos realmente demonstrativos de uma situação impressivamente caracterizadora da indispensabilidade do presente meio processual, ou seja, um contexto factual elucidativo de urgência ou premência. Mas tal não dimana do requerimento inicial, como bem constatou a sentença recorrida, como não resulta, de igual modo, do exposto em conclusões de recurso.
Ou seja, visto o fio condutor das conclusões recursivas, que delimitam o objecto do recurso, não se vislumbra a alegação de qualquer factualidade devidamente circunstanciada e densificada que sirva para justificar a indispensabilidade do uso excepcional do processo de intimação, pois que, nada de urgente ou premente dali se infere no sentido de ser necessária uma tutela imediata e definitiva dos direitos esgrimidos pela Recorrente.
Ora, sem quaisquer outros factos devidamente explicados ou densificados, que justifiquem o provir de uma situação de especial urgência ou premência que importe, desde já, obstar, nada de ofensivo se vislumbra para os direitos, liberdades e garantias invocadas.
Quer isto dizer, em resumo, que a Recorrente não acoplou quaisquer factos concretos e realmente demonstrativos de estarmos perante uma situação de especial urgência que seja indispensável acautelar ou impedir de modo imediato, em tempo útil e de forma definitiva pela utilização do processo de intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias.
Não é por demais relembrar que é sempre a partir do caso concreto que se perscruta a existência de fundamentos factuais que justificam a indispensabilidade do recurso ao processo de intimação. É o próprio requerente do meio processual de intimação que tem o ónus de alegar e provar os factos integradores/demonstrativos da requerida indispensabilidade.
Ao fim e ao cabo, como já aflorámos, inexiste no caso vertente, por falta de alegação, qualquer situação realmente urgente ou premente que importe prevenir por intermédio do processo de intimação, isto é, a Recorrente não associou ao requerimento inicial, nem sequer agora, às conclusões recursivas, quaisquer factos suficientemente densificados que demonstrem a tal urgência ou premência ou dos quais seja possível extrair um atropelo grave e irreversível aos direitos invocados.
Ademais, a posição aqui propugnada mostra-se apoiada por jurisprudência deste mesmo TCAS, chamando-se à colação o acórdão de 06/10/2022, proferido no processo sob o n.º 1749/22.2BELSB, “in” www.dgsi.pt, num caso semelhante ao ora em análise, enfatizando-se o seguinte trecho: (…) 22. Além do mais, é ainda patente que a autora não deu satisfação ao ónus de alegação e de prova que lhe estava cometido, de acordo com as regras gerais do ónus da prova, no sentido de demonstrar a imprescindibilidade do recurso ao presente meio processual, por não ser possível, em tempo útil, o recurso a uma acção administrativa.
23. Percorrendo novamente quer o requerimento inicial, quer a alegação de recurso, constata-se que a autora não alega um único facto concreto do qual resulte que, pela circunstância da sua pretensão ser apreciada no âmbito da acção administrativa e, portanto, de uma decisão final com trânsito em julgado numa tal acção poder demorar, pelo menos – atendendo aos prazos previstos para a sua tramitação e à possibilidade de recurso jurisdicional –vários meses, tal circunstância seja susceptível de retirar utilidade ao processamento do acto de integração do seu registo de nascimento no registo civil português que só nessa data seja efectuado.
24. Com efeito, a autora não alegou – e, consequentemente, não provou – que, caso a decisão de mérito não fosse proferida num processo de natureza urgente, haveria (a) uma perda irreversível de faculdades de exercício desse direito (o direito à aquisição da nacionalidade portuguesa), e (b) uma qualquer situação de carência pessoal ou familiar em que estivesse em causa a imediata e directa sobrevivência pessoal de alguém.
25. Acresce que o direito em causa nos presentes autos (o direito à aquisição da nacionalidade portuguesa) não é relativo à situação profissional da autora, nem está em causa qualquer situação de incerteza quanto à sua situação civil (designadamente quanto ao seu estado civil), mas antes a aquisição de mais outra nacionalidade pela autora (que já possui a nacionalidade brasileira).
26. De tudo o que se afirmou, resulta inequívoco que a autora não alegou – e também não alega no presente recurso – um único facto concreto que permita concluir que o invocado direito à aquisição da nacionalidade portuguesa não terá utilidade caso só venha a ser concedido mediante uma decisão a proferir em acção administrativa, isto é, que esta acção não é suficiente para assegurar o exercício em tempo útil desse direito. Ou, dito por outras palavras, a autora não invoca qualquer facto concreto do qual resulte que, pela circunstância da sua pretensão vir apenas a ser apreciada no âmbito da acção administrativa, ficará sem qualquer utilidade a eventual condenação dos réus que aí possa vir a ocorrer, de deferimento do pedido de aquisição da nacionalidade portuguesa oportunamente formulado.
27. Deste modo, bem andou a decisão recorrida ao entender que a questão para a qual era solicitada tutela não podia ser resolvida através do processo de intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias, visto que não vinha invocada qualquer situação concreta de urgência a exigir uma decisão de fundo no âmbito desse processo.
28. Conclui-se, assim, que a decisão recorrida não violou o disposto no artigo 109º, nº 1 do CPTA, ao julgar manifesta a inexistência de um dos pressupostos necessários para a admissibilidade do pedido de intimação, na medida em que tal pronúncia conduziu a que ficasse prejudicado o conhecimento do mérito da pretensão formulada, motivo pelo qual carece de razão de ser a alegação de que a decisão recorrida violou os artigos 3º, nº 1 e 22º, ambos da Lei da Nacionalidade, e os artigos 4º, 16º, nº 1, 18º e 26º, todos da CRP. - (sublinhado nosso).
É de referir, ainda, o acórdão deste TCAS, de 19/03/2024, emitido no processo sob o n.º 2087/23.9BELSB, “in” www.dgsi.pt, salientando-se a seguinte passagem: (…) Por outro lado e não de somenos importância, a acção de intimação prevista no artigo 109º do CPTA visa a protecção de direitos, liberdades e garantias previstos na CRP e susceptíveis de ser exercidos no território nacional por nacionais portugueses ou estrangeiros que se encontrem ou residam em Portugal, por beneficiarem do princípio da equiparação, previsto no artigo 15º do mesmo diploma fundamental.
Sucede que nem a Recorrente é portuguesa, nem se encontra a residir em Portugal, nem a proposta de trabalho que pretende assegurar se enquadra no direito ao trabalho previsto no artigo 58º da CRP, como um direito económico do Capítulo I do Título III – Direitos e deveres económicos, sociais e culturais [e não como um dos direitos, liberdades e garantias, do Título II, com a mesma epígrafe].
No que concerne à invocada cidadania europeia, no caso, decorrente da titularidade da nacionalidade portuguesa, não se verificando esta na esfera jurídica da Recorrente e não tendo a decisão recorrida conhecido do mérito da causa, nada mais se impõe considerar sobre o assunto.
Donde, o direito fundamental alegado, à nacionalidade portuguesa, não se encontra ameaçado e a urgência alegada na petição reporta-se a um direito que, pelas razões expostas, não pode ser considerado um direito, liberdade e garantia consagrado e protegido pela CRP, merecedor de tutela jurisdicional nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 109º do CPTA.
(…)
Em face do que, sendo de manter o entendimento do tribunal recorrido de que não se verifica o requisito da indispensabilidade do uso da acção de intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias, o presente recurso não pode proceder. – (destaques nossos).
E ainda, no sentido do ora julgado, referimos o acórdão deste TCAS, de 16/10/2024, proferido no processo sob o n.º 1562/24.2BELSB, e o acórdão deste mesmo Tribunal de apelação, 14/11/2024, tirado no processo sob o n.º 2181/23.6BELSB, todos consultáveis em www.dgsi.pt.
Atente-se, também, entre outros, ao acórdão deste TCAS, de 13/07/2023, emitido no processo sob o n.º 489/23.0BELSB, “in” www.dgsi.pt, convocando-se o entendimento formulado no seu sumário, do qual consta o seguinte:
I Do art. 109º n.º 1, do CPTA, resulta que a utilização da intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias depende dos seguintes pressupostos:
1) - a necessidade de emissão urgente de uma decisão de mérito seja indispensável para protecção de um direito, liberdade ou garantia [indispensabilidade de uma decisão de mérito];
2) - não seja possível ou suficiente o decretamento de uma providência cautelar no âmbito de uma acção administrativa normal [impossibilidade ou insuficiência do decretamento de uma providência cautelar no âmbito de uma acção administrativa, isto é, o requisito da subsidiariedade (…)
Invoca-se, ainda, o acórdão do STA, de 04/04/2024, tirado no processo sob o n.º 015/24.3BALSB, consultável em www.dgsi.pt, destacando-se os pontos I e II do seu sumário, como segue:
I-A adequação do meio processual da intimação judicial para proteção de direitos, liberdades e garantias, não se afere apenas em função de estar em causa um direito, liberdade ou garantia ou direito fundamental análogo, pois é necessário que esse direito se encontre ameaçado ou carente de tutela urgente de mérito.
II-Nos termos previstos no n.º 1, do artigo 109.º do CPTA, o uso deste meio processual pressupõe a necessidade de uma tutela de mérito urgente, que não possa ser satisfeita através do recurso aos meios normais, urgentes e não urgentes, isto é, processo cautelar e ação administrativa.
Tudo visto, é de negar provimento ao recurso, mantendo-se a decisão recorrida.
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Sem custas, atenta a isenção prevista no artigo 4.º, n.º 2, alínea b), do RCP.
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Em conclusão, é elaborado sumário, nos termos e para os efeitos do estipulado no artigo 663.º, n.º 7, do CPC, aplicável “ex vi” do artigo 140.º, n.º 3, do CPTA, nos seguintes moldes:
I - O recurso ao processo de intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias, ainda que intentado por cidadão estrangeiro requerente da nacionalidade portuguesa, depende da verificação, ante os factos concretamente alegados, do pressuposto da indispensabilidade desse meio processual, isto é, da sua necessidade para a emissão urgente de uma decisão de mérito imprescindível à protecção de um direito, liberdade e garantia, tendo em conta o estatuído pelo n.º 1 do artigo 109.º do CPTA.
II - Tendo presente o pressuposto da indispensabilidade, impõe-se que do caso concreto transpareça uma evidente situação de urgência ou premência, não bastando invocar na petição inicial a ameaça ao exercício de direitos, alegadamente tipificados na CRP como fundamentais, impondo-se ao requerente que alegue e prove factos que permitam concluir pela verificação, por referência à sua situação concreta, dos pressupostos de admissibilidade do processo de intimação previsto no artigo 109.º do CPTA.
III - Faltando a demonstração dos pressupostos da indispensabilidade e da subsidiariedade, resulta a ausência de idoneidade do meio processual, razão pela qual não é de admitir o articulado inicial, devendo o juiz, em consequência, rejeitar liminarmente a petição inicial, atento o disposto no artigo 110.º, n.º 1, do CPTA.
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V - Decisão.
Ante o exposto, acordam, em conferência, os Juízes-Desembargadores que compõem a Subsecção Administrativa Comum da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao recurso jurisdicional, confirmando a sentença recorrida.
Sem custas.
Registe e notifique.
Lisboa, 25 de Setembro de 2025.
Marcelo Mendonça – (Relator)
Marta Cavaleira – (1.ª Adjunta)
Joana Costa e Nora – (2.ª Adjunta)

Declaração de voto:
Vencido o Relator quanto apenas a um dos fundamentos (cf. artigo 663.º, n.º 4, do CPC), pela seguinte razão:
Não acompanho o fundamento vencedor tão-só no sentido em que admite a existência do direito fundamental à aquisição da nacionalidade portuguesa.
Em igual questão, no acórdão deste TCAS, de 30/04/2025, proferido no processo sob o n.º 8605/24.8BELSB, consultável em www.dgsi.pt, de que o ora signatário no mesmo interveio como Relator, foi entendido o seguinte, conforme excerto que passo a transcrever e aqui reitero:
(…) não tendo o Recorrente, por enquanto, a nacionalidade portuguesa, não pode dizer (para já) que está em crise, sob ameaça, privado ou restringido de qualquer direito fundamental pessoal enquanto cidadão nacional português (nacionalidade que ainda não adquiriu), nomeadamente, os consagrados no artigo 26.º, n.º 1, da CRP, com especial destaque para o direito de cidadania (portuguesa) e o direito de identidade pessoal (enquanto português).
Importa frisar que, na perspectiva que ora se cuida, os direitos fundamentais pessoais directamente convocáveis e aplicáveis por força da letra do artigo 26.º, n.º 1, da CRP, são os de cidadania portuguesa e de identidade pessoal e não propriamente o direito de adquirir a nacionalidade portuguesa.
Aliás, neste capítulo, Jorge Miranda e Rui Medeiros, na “Constituição Portuguesa Anotada”, Volume I, 2.ª edição revista, 2017, reimpressa em 2024, da “UCP Editora”, em anotação ao artigo 26.º da CRP, assinalam nas páginas 457 e 458 o seguinte: “A consagração do direito fundamental à cidadania – ou, mais rigorosamente, do direito fundamental à cidadania portuguesa – apresenta, como demonstra desenvolvidamente JORGE PEREIRA DA SILVA (Direitos de cidadania, págs. 79 e segs.) duas dimensões substancialmente distintas. A leitura do direito à cidadania portuguesa em conformidade com o artigo 15.º da DUDH, leitura imposta pelo artigo 16.º, n.º 2, da Constituição, revela, na verdade, que, não só “ninguém pode ser arbitrariamente privado da sua nacionalidade” (n.º 2), mas também que “todo o indivíduo tem direito a ter uma nacionalidade” (n.º 1) e a “mudar de nacionalidade” (n.º 2). Trata-se, em qualquer caso, de direitos com estruturas substancialmente diferentes” (sublinhados nossos).
Tendo presente a doutrina supra, no caso dos autos, nem o Recorrente se encontra a ser privado da nacionalidade que possui (…), nem da nacionalidade portuguesa, que ainda não adquiriu.
De igual modo, o Recorrente não se trata propriamente de um apátrida ao qual se encontre a ser negada a nacionalidade portuguesa (não se confunda a delonga do procedimento administrativo com qualquer decisão final de indeferimento desse mesmo processo, podendo o ora Recorrente alcançar a almejada nacionalidade portuguesa se para tal cumprir com os requisitos legais), nem ocorre um pedido de mudança de nacionalidade, mas antes de cumulação de nacionalidades.
Portanto, nesta dimensão, por não ser o ora Recorrente português, não estão em questão os direitos fundamentais pessoais de cidadania (portuguesa) e de identidade pessoal preconizados no artigo 26.º, n.º 1, da CRP, pois, segundo a obra e autores que temos vindo a citar, em anotação ao n.º 4 do referido comando constitucional, “No que respeita àqueles que são portugueses, o direito fundamental traduz-se, nos termos do artigo 26.º, n.º 4, no direito a não ser privado da cidadania portuguesa ou, com maior rigor, no direito a não ser dela privado através de medidas arbitrárias ou desproporcionais” (cf. páginas 458 e 459) – (sublinhado nosso).
E ainda que na mencionada “Constituição Portuguesa Anotada” seja feita a alusão ao “direito fundamental à aquisição da cidadania portuguesa” (cidadania e não nacionalidade, como defende o Recorrente), não deixa tal prerrogativa de ser encarada, todavia, como “um direito positivo, que exige dos poderes públicos a criação de condições jurídicas para a sua efetivação”; uma norma constitucional não exequível por si mesma, carecendo de concretização por parte do legislador ordinário” (cf. página 458) - (sublinhado nosso)..
Portanto, sufragando o entendimento plasmado no acórdão supra citado, também aqui, por não ser a ora Recorrente (ainda) portuguesa, não tem fundamento para alegar que está em crise no seu caso concreto um suposto direito fundamental de “cidadania portuguesa”, porquanto, o escudo protector que deriva do artigo 26.º, n.º 1, da CRP, não só não lhe é ainda aplicável, como também do mesmo não resulta qualquer direito fundamental à aquisição da nacionalidade portuguesa.
Marcelo Mendonça