Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:258/12.2BEBJA
Secção:CT
Data do Acordão:11/07/2024
Relator:TÂNIA MEIRELES DA CUNHA
Descritores:INTIMAÇÃO PARA UM COMPORTAMENTO
DERRAMA MUNICIPAL
PRÉVIA DEFINIÇÃO DA EXISTÊNCIA DE DEVER POR PARTE DA AT
Sumário:I. São requisitos cumulativos da intimação para um comportamento os seguintes:

a)Existência de uma omissão por parte da AT;

b)Tal omissão respeitar a um dever de uma prestação jurídica;

c)Essa mesma omissão ser suscetível de lesar direito ou interesse legítimo do contribuinte;

d)Ser o meio mais adequado para assegurar a tutela plena, eficaz e efetiva dos direitos ou interesses em causa.

II. A intimação para um comportamento não pretende acautelar toda e qualquer omissão por parte da AT, tendo como pressuposto intrínseco que haja uma prévia definição da existência desse dever por parte da AT.

III.No processo para intimação para um comportamento não há propriamente uma fase declarativa, onde se afira se assiste ou não direito à concreta prestação a que se pretende que a AT seja intimada, sendo este direito um pressuposto para o deferimento de tal intimação.

IV. Sendo este meio processual tendente a ordenar à AT a prática de um determinado ato, o seu indeferimento apenas significa que o direito não é evidente, e não que ele não existe.

V.Sendo o alegado direito a derrama municipal, invocado pelo Município requerente, um direito controvertido, não estamos perante uma situação de direito evidente.

Votação:UNANIMIDADE
Indicações Eventuais:Subsecção Tributária Comum
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral: Acórdão

I. RELATÓRIO

O Município de A………………….. (doravante Recorrente) veio recorrer da sentença proferida a 31.01.2013, no Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) de Beja, na qual foi julgada improcedente a intimação para um comportamento por si apresentada, onde peticionou a condenação da entidade requerida à prática de ato expresso na transferência das derramas devidas, relativas aos anos de 2008, 2009 e 2010.

O recurso foi admitido, com subida imediata nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.

Nas alegações apresentadas, o Recorrente concluiu nos seguintes termos:

“I. Nos termos do artigo 125.º, nº 1 do CPPT, a douta sentença padece de nulidade consubstanciada na não especificação dos fundamentos de facto da decisão, porquanto não discriminou a matéria de facto provada da não provada, conforme exigido no artigo 123.º, n.º 2, do CPPT, disposição essa que é aplicável aos processos de intimação para um comportamento, regidos pelo disposto no artigo 147.º do CPPT;

II. Com efeito, o Tribunal a quo limitou-se a empregar uma formulação genérica, já que apenas se refere que “[o]s restantes factos alegados não foram julgados provados ou não provados, por constituírem conclusões de facto ou de direito e por não terem relevância para a decisão da causa”, omitindo, assim, factos alegados pelas partes que revestiam inegável relevo para a decisão da causa;

III. A douta sentença recorrida está ainda ferida de nulidade por força do preceituado nos artigos 125.º do CPPT e 659.º, n.º 2 e n.º 3 do CPC, aplicável ex vi artigo 2.º, alínea e) do CPPT, atendendo a que a mesma não satisfaz, em sede de especificação da matéria de facto relevante, as exigências vertidas nos artigos 123.º do CPPT e 659.º, n.ºs 2 e 3, do CPC (aplicável ex vi artigo 2.º, alínea e) do CPPT), violando, assim, frontalmente tais disposições;

IV. Conclusão que decorre da circunstância de os factos dados como provados o serem sem que se tenha procedido a um exame crítico da prova produzida, porquanto é manifesto que, ao longo da indicação da matéria de facto, o Tribunal a quo omite totalmente os motivos que conduziram à decisão quanto aos factos dados como provados e não provados;

V. Errou ainda a dita sentença ao excluir da factualidade apurada os factos constantes dos documentos 6 e 9 juntos à p.i., desconsiderando, assim, elementos probatórios com um valor objetivo, determinantes para uma correta aplicação do direito;

VI. Tais elementos probatórios revelam-se essenciais, desde logo, porque são aptos a demonstrar os pressupostos de facto do direito de crédito tributário reclamado nos presentes autos – localização da mina nos limites administrativos do concelho de A............ e áreas de concessão e exploração da mina inseridas nesses limites administrativos.

VII. Para além de revelar a existência do dever ilicitamente violado pela Administração Tributária, essa factualidade também contribui para a identificação dos procedimentos a praticar pela Administração Tributária para que seja efetivado o cumprimento desse dever, tal como impõe o artigo 147.º, n.º 3, do CPPT.

VIII. Não cabendo, nesta sede, proceder ao apuramento dos concretos montantes a transferir, mas apenas condenar a ora recorrida a efetuar as transferências devidas, os factos que integram a causa com interesse para a decisão a proferir serão aqueles que se revelarem necessários para que o Tribunal possa delinear os princípios e critérios que deverão presidir à execução da sentença pela Administração Tributária.

IX. As dificuldades que a aplicação do critério previsto no n.º 2 do artigo 14.º da Lei das Finanças Locais, aprovada pela Lei n.º 2/2007, de 15 de janeiro, (LFL), suscita no caso que ora nos detém devem ser ultrapassadas através do recurso a métodos indiretos de avaliação da matéria coletável previstos nos artigos 87.º, 88.º e 90.º da Lei Geral Tributária, permitindo construir o critério que deverá presidir a tal apuramento;

X. Tais critérios poderão ser, nomeadamente, os da área de concessão ou da área de exploração integradas nas circunscrições territoriais de cada um dos municípios;

XI. Nesse sentido, resulta cabalmente provado do doc. 6 junto com a p.i. que, num total de 209,7153 ha de área de exploração, 30,7894 ha integram a circunscrição administrativa do Município de A………………..;

XII. Deve, por isso, ser aditado ao probatório o seguinte facto:

Em 10/02/2009, através do ofício nº 002095, a Direção de Serviços de Minas e Pedreiras da Direção-Geral de Energia e Geologia do Ministério da Economia e da Inovação, disponibilizou o desenho nº ………/DAT/2009 e, no mesmo, a informação cartográfica relevante referente à área de concessão mineira, incluindo a área de exploração (209,7153 ha, dos quais 178,9259 ha, localizados no Município de C……………… e 30,7894 ha localizados no Município de A............), para além de um quadro próprio com os dados estatísticos de produção e pessoal referentes aos anos de 2004, 2005, 2006 e 2007 – cfr. documento de fls. 211/214 do SITAF.

XIII. Por outro lado, constatando-se que o pressuposto fundamental no qual assenta a pretensão deduzida pelo Município nos presentes autos é a omissão ilícita da Administração Fiscal, consubstanciada na abstenção dos comportamentos que se lhe impunham com vista a efetivar o direito do Município de A............ à perceção da derrama devida pela S............ relativa às minas de Neves-Corvo, a sentença recorrida obnubila factos determinantes para o preenchimento de tal pressuposto;

XIV. Com efeito, a sentença ignora por completo o doc. 9 junto com a p.i., do qual resulta que o ora Recorrente, através do seu mandatário, requereu à Administração tributária a prática de todos os atos necessários à reintegração da sua esfera jurídica no que à perceção da receita da derrama devida pela S............ diz respeito;

XV. Tal documento faz prova do seguinte facto, cujo aditamento ao probatório se requer:

Em 23 de julho de 2008, o Município de A............, através do seu mandatário, enviou ao senhor Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais um requerimento no qual foi requerido o seguinte:

“a) “Que reconheça e declare que a exploração mineira que a S............ possui no subsolo do concelho de A............, bem como a “barragem de rejeitados” que no mesmo concelho possui à superfície, são qualificáveis como estabelecimento estável para efeitos do artigo 5.º do Código do IRC e do artigo 14.º da Lei das Finanças Locais aprovada pela Lei n.º 2/2007, de 15 de janeiro;

b. Que reconheça e declare que o Município de A............ se encontra habilitado a lançar derrama sobre os lucros que sejam imputáveis à exploração mineira e “barragem de rejeitados” que a S............ possui no território do Município de A............, em conformidade com o n.º 2 do artigo 14.º da referida Lei das Finanças Locais;

c. Que, em consequência, reconheça e declare que a correta aplicação do critério de imputação previsto no n.º 2 do artigo 14.º da citada Lei das Finanças Locais impõe que a S............, nas suas declarações periódicas de rendimento

i. Impute em partes iguais aos Municípios de C ………………… e de A............ a massa salarial correspondente os trabalhadores que efetivamente ocupe na sua exploração subterrânea e que

ii. Impute a massa salarial correspondente aos trabalhadores que ocupa à superfície entre os diferentes Municípios em que estes efetivamente laborem, tal como tem vindo a fazer até ao presente momento;

d. Que reconheça e declare a existência da obrigação da S............ de, doravante, proceder à imputação da sua massa salarial nos termos referidos na alínea anterior”. – cfr. documento de fls. 228 a 241 do SITAF.

XVI. importa ainda dar como provado o seguinte facto elementar, expressamente alegado, entre outros, no artigo 51.º da p.i., manifestamente admitido por acordo pela recorrida, e que constitui a razão pela qual o recorrente lançou mão do presente meio processual:

A Direção-Geral dos Impostos não entregou ao Município de A............ qualquer montante correspondente à receita do imposto de derrama paga pela S............ relativamente às minas de Neves-Corvo relativas aos anos de 2008, 2009 e 2010.

XVII. A douta sentença sub judice incorreu igualmente num manifesto erro de interpretação e aplicação do direito, na medida em que fez uma errónea aplicação das normas contidas no n.º 1 do artigo 5.º do CIRC e n.º 10 do artigo 14.º da Lei n.º 2/2007, de 15 de janeiro, as quais se mostram aqui violadas, ofendendo também os princípios estruturantes do regime jurídico da derrama e o artigo 238.º, n.º 1 da CRP.

XVIII. Com efeito, são manifestamente improcedentes os argumentos nos quais se sustenta que as instalações que a S............ possui na área do Município de A............ (galerias subterrâneas e barragem de rejeitados) não preenchem o conceito de estabelecimento estável, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 5.º, n.º 1 do CIRC;

XIX. Quanto ao entendimento defendido na sentença recorrida segundo o qual a derrama apenas deve ser repartida pelos municípios em cujo território a atividade da S............ se desenvolve à superfície (posto que se entende que o subsolo se encontra excluído do território do município, por integrar o domínio público do estado) não procede, já que as circunscrições concelhias tanto abrangem a superfície como o subsolo.

XX. Com efeito, é inequívoco que “os Municípios desenvolvem muitas das suas atribuições e os seus órgãos exercem as suas competências no subsolo da respetiva circunscrição administrativa, a que se chama concelho, quer esse subsolo esteja sujeito a um regime de propriedade privada (cfr. art.1344.º Código Civil) ou pública (domínio público, cfr. art. 84.º CRP)”;

XXI. Por outro lado, é ponto assente que as minas se situam necessariamente sobre o subsolo e, quando são de “jazigos minerais”, integram necessariamente o domínio público do Estado nos termos da alínea c) do n.º 1 do artigo 84.º da CRP, o que não significa, porém, que não possam integrar um estabelecimento estável situado na área geográfica de um ou mais municípios;

XXII. Aliás, diga-se que a determinação da titularidade ou dominialidade do subsolo só faria sentido caso estivéssemos perante a cobrança de uma qualquer taxa inerente ao uso e fruição do bem imóvel em causa, pois aí as utilidades que constituem a contraprestação inerente a esse tributo seriam prestadas em exclusivo pela entidade que detém a titularidade ou gestão dominial do bem, o que, porém, não sucede no caso vertente;

XXIII. Por outro lado, cumpre sublinhar que estamos perante um único estabelecimento gerador de rendimentos que se estende geograficamente por concelhos distintos, visto que a atividade de extração de minérios é desenvolvida nos dois municípios referidos, circunstância essa que se traduz numa especificidade face ao disposto no n.º2 do artigo 14.º da LFL, uma vez que tal preceito regula os casos em que se regista a existência de estabelecimentos estáveis plurilocalizados;

XXIV. Não obstante, a aplicação das citadas disposições legais no presente caso impõe-se por força da aplicação dos princípios que enformam o regime jurídico da derrama, designadamente, os princípios do benefício e da prevalência da substância sobre a forma, que postulam que os munícipes sejam compensados relativamente aos custos reflexos decorrentes da exploração de determinada atividade económica, geradora de vantagens económicas e a atribuição da receita da derrama ao município onde a riqueza é criada, respetivamente;

XXV. Recorde-se, a este respeito, que o regime jurídico da derrama deve ser interpretado em conformidade com a Constituição da República Portuguesa, que, nos seus artigos 238.º, n.º 1 e n.º2 e 254.º, reconhece expressamente aos Municípios a garantia institucional da autonomia financeira, na forma de património e finanças próprios, a par de poderes tributários próprios;

XXVI. Ora, é por demais evidente que o Tribunal a quo, a par de ter ignorado que estamos perante um único estabelecimento gerador de rendimentos que se estende geograficamente por concelhos distintos, não valorou os aludidos princípios, como poderia e deveria ter feito;

XXVII. Quedando-se, ao invés, pela análise isolada e meramente literal das normas aqui em discussão;

XXVIII. Na verdade, é de rejeitar uma interpretação meramente literal do disposto nos n.os 1 e 2 do artigo 14.º da LFL, como o fez o Juiz a quo;

XXIX. Importando, antes, proceder à interpretação extensiva do n.º 1 do artigo 14.º da LFL, aos casos em que se verifique que as atividades desenvolvidas pelos sujeitos passivos, sejam elas de natureza comercial, industrial ou agrícola, assentam na exploração ou utilização de bens do domínio público do Estado, sob pena de se poder entender que, por não se tratar de bens do domínio municipal, não estamos perante um estabelecimento estável;

XXX. Sendo certo, que também o n.º 2 do referido artigo deve ser interpretado extensivamente, de modo a abranger as situações em que se verifique que o mesmo estabelecimento estável se encontra situado em mais de um município, como é, de resto, o caso da concessão da Mina de Neves Corvo, aqui em relevo;

XXXI. Há que considerar que o n.º 7 do artigo 14.º apenas estabelece que os sujeitos passivos abrangidos pelo âmbito de aplicação de tal artigo devem indicar “na declaração periódica de rendimentos a massa salarial correspondente a cada município e efetua[r] o apuramento da derrama que seja devida”;

XXXII. Este preceito nada diz quanto ao procedimento jurídico a adotar para proceder ao apuramento da massa salarial afeta a cada um dos concelhos em que o sujeito passivo desenvolve a sua atividade nos casos em que o mesmo estabelecimento estável se situe em mais de um município, e se registe uma especial dificuldade de determinar a massa salarial imputável a cada um destes, como sucede no caso vertente.

XXXIII. Daí que, nesta situação concreta, se deva entender que está vedada a possibilidade de proceder ao apuramento direto da matéria tributável, impondo-se, por isso, lançar mão da utilização do método de avaliação indireta da matéria coletável, de modo a permitir ao Tribunal extrair uma presunção, nos termos do disposto no artigo 349.º do Código Civil.

XXXIV. E isto, porquanto está aqui preenchido o requisito constante na previsão das alíneas b) do artigo 87.º e a) do artigo 88.º, ambos da LGT, que conferem habilitação geral para o recurso a métodos indiretos para efeitos de apuramento da matéria tributável independentemente do imposto, conforme resulta do n.º 1 do artigo 1.º da referida lei.

XXXV. No que toca às atividades exercidas na “barragem de rejeitados”, é ponto assente que, ao invés do que sustenta o Tribunal a quo, as mesmas revestem caráter essencial à atividade de extração mineira, fazendo “parte integrante de um estabelecimento estável complexo e abrangente”, visto que, atento o disposto no Decreto-Lei n.º 10/2010, de 4 de fevereiro, não é possível conceber o pleno funcionamento do estabelecimento estável constituído pelas minas Neves-Corvo sem a existência daquela barragem;

XXXVI. É, pois, inequívoco que, quer a exploração mineira, quer a barragem de rejeitados, localizadas no subsolo e à superfície do concelho de A............, respetivamente, consubstanciam estabelecimentos estáveis para efeitos do disposto no n.º 1 do artigo 5.º do CIRC e, consequentemente, fundamentam a existência do poder tributário do referido município sobre a S............;

XXXVII. Dos factos dados como provados e daqueles cujo aditamento ao probatório se requer resulta, de resto, que estamos perante uma vantagem económica, resultante da localização de estabelecimentos estáveis no concelho de A............, consubstanciados nas referidas instalações que a S............ possui naquele concelho;

XXXVIII. Face ao exposto, mal andou o Tribunal a quo ao não ter condenado a Administração Fiscal a proceder à transferência do montante da receita da derrama devida para o Município de A............ relativa aos anos de 2008 a 2010, acrescido dos juros devidos sobre o montante apurado, bem como a proceder, para esse efeito, à determinação da matéria coletável por métodos indiretos, tal como se defendeu nos artigos 136.º e ss. da p.i., para os efeitos do disposto no n.º 3, in fine, do artigo 147.º CPPT.

Nestes termos, e nos melhores de Direito que V. Exas. mui doutamente suprirão, deverá o presente recurso ser julgado procedente, por provado, revogando-se a douta sentença recorrida e substituindo-a por outra que intime a Administração Tributária a proceder à transferência das derramas devidas para o Município de A............ relativas aos anos de 2008 a 2010, determinando que ela própria estabeleça o apuramento devido segundo métodos indiretos, nos termos dos artigos 87.º, 88.º e 90.º da LGT”.

A Administração Tributária (doravante Recorrida ou AT) não apresentou contra-alegações.

Foram os autos com vista à Ilustre Magistrada do Ministério Público, nos termos do então art.º 289.º, n.º 1, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), que emitiu parecer, no sentido de ser negado provimento ao recurso.

Colhidos os vistos legais (art.º 657.º, n.º 2, do CPC, ex vi art.º 281.º do CPPT), vem o processo à conferência.

São as seguintes as questões a decidir:

a) A sentença é nula, por falta de especificação dos fundamentos de facto?

b) Há erro na decisão proferida sobre a matéria de facto?

c) Verifica-se erro de julgamento, porquanto existe comportamento omissivo por parte da Recorrida?

II. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

II.A. O Tribunal recorrido considerou provada a seguinte matéria de facto:

A) Foi proferido o despacho nº 2672/2003, em 9.11.2003, com o conteúdo de “Concordo”, pelo Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, sobre a conclusão do parecer sob o “Assunto: Derrama Paga pela S............” do Gabinete do Director-Geral da Direcção-Geral dos Impostos do Ministério das Finanças, que se dá aqui por integralmente reproduzido, mas do qual se destaca a conclusão “7. Em face do exposto, a S............ deverá indicar em cada ano a massa salarial afecta a cada um dos seus estabelecimentos ou representações situados em cada município, incluindo o de A............, e a respectiva relação com a massa salarial global, nos termos e para efeitos do disposto no artigo 18º da Lei nº 42/98, de 6 de Agosto.”. – cf. documento de fls. 224/227 dos autos.

B) Em 18/06/2004, na sede da E…….. – Empresa ………………., SGPS, SA, teve lugar, entre o Estado e a S............ – Sociedade ………………., SA, com sede na Mina de Neves Corvo, a alteração ao Contrato de Concessão de Exploração celebrado em 24/11/1994, “…PARA ATRIBUIÇÃO DE UMA ÁREA PARA EXPLORAÇÃO DE DEPÓSITOS MINERAIS DE COBRE, ZINCO, CHUMBO, PRATA, OURO, ESTANHO E COBALTO, NOS CONCELHOS DE C …………….. E A............”, sendo que à concessão corresponde o número 41 de cadastro e a denominação de NEVES CORVO, sito nas freguesias de S …………. e Senhora da G ……………, concelhos de C …………… e A............, distrito de Beja, correspondendo-lhe uma área de 1350 hectares, documento que se dá aqui por integralmente reproduzido – cfr. documento de fls. 190 dos autos.

C) Em 14/11/2007, na reunião ordinária da Câmara Municipal de A............, foi aprovado lançar derrama de 1,5% sobre o lucro tributável sujeito e não isento do IRC, aos sujeitos passivos que apresentem um volume de negócios superior € 150.000,00 e 1% aos sujeitos passivos que apresentem um volume de negócios inferior a tal montante e submeter esta proposta à apreciação e aprovação da Assembleia Municipal. – cf. documento de fls 134/138 dos autos.

D) Em 26/11/2007, a proposta referida em C) foi aprovada pela Assembleia Municipal de A……………….- cf. documento de fls. 139/142 dos autos.

E) Em 08/10/2008, na reunião ordinária da Câmara Municipal de A............, foi aprovado lançar derrama de 1,5% sobre o lucro tributável sujeito e não isento do IRC, aos sujeitos passivos que apresentem um volume de negócios superior € 150.000,00 e 1% aos sujeitos passivos que apresentem um volume de negócios inferior a tal montante e submeter esta proposta à apreciação e aprovação da Assembleia Municipal. – cf. documento de fls 143/149 dos autos.

F) Em 31/10/2008, a proposta referida em E) foi aprovada pela Assembleia Municipal de A.............- cf. documento de fls. 150/152 dos autos.

G) Em 04/11/2009, na reunião ordinária da Câmara Municipal de A............, foi aprovado lançar derrama de 1,5% sobre o lucro tributável sujeito e não isento do IRC, aos sujeitos passivos que apresentem um volume de negócios superior € 150.000,00 e 1% aos sujeitos passivos que apresentem um volume de negócios inferior a tal montante e submeter esta proposta à apreciação e aprovação da Assembleia Municipal. – cf. documento de fls 153/157 dos autos.

H) Em 25/11/2009, a proposta referida em G) foi aprovada pela Assembleia Municipal de A.............- cf. documento de fls. 158/163 dos autos.

I) Conforme o Ofício-Circulado nº 20134, de 12/02/2009, a taxa geral de derrama relativa ao exercício de 2008 para o distrito de Beja, concelhos de A............ e C…………………foi de 1.50 e a taxa reduzida de derrama para o concelho de A............ foi de 1.00 – cfr. documento de fls. 164/171 dos autos.

J) Conforme o Ofício-Circulado nº 20145, de 05/04/2010, a taxa geral de derrama relativa ao exercício de 2009 para o distrito de Beja, concelhos de A............ e C…………………..foi de 1.50 e a taxa reduzida de derrama para o concelho de A............ foi de 1.00 – cfr. documento de fls. 172/179 dos autos.

K) Conforme o Ofício-Circulado nº 20149, de 09/02/2011, a taxa geral de derrama relativa ao exercício de 2010 para o distrito de Beja, concelhos de A............ e C………………foi de 1.50% e a taxa reduzida de derrama para o concelho de A............ e C………………… foi de 1.00% – cfr. documento de fls. 180/189 dos autos.

L) Em 02/11/2012, o Serviço de Finanças de Beja emitiu certidão de teor das declarações anuais de rendimentos, modelo 22, que se dão aqui por reproduzidas, respeitantes à empresa S............ – Sociedade ………………, SA, e aos exercícios de 2008, 2009 e 2010 e certificou que “ o Sujeito Passivo apenas apresentou anexo A (Derrama) relativamente ao exercício de 2009, inexistindo tal anexo relativamente aos exercícios de 2008 e 2010 – cfr. documentos de fls. 307 a 326 dos autos.

M) Como decorre da declaração mod. 22 do ano de 2008, referida em L), o Lucro Tributável desse ano da S............ foi de € 112.609.934,33 e a derrama apurada no valor de € 1.689.149,01 - cfr. documento de fls. 308/312 dos autos.

N) Como decorre da declaração mod. 22 do ano de 2009, referida em L), o Lucro Tributável desse ano da S............ foi de € 123.115.536,08 e a derrama apurada no valor de € 1.846.733,04 - cfr. documento de fls. 313/319 dos autos.

O) Como decorre da declaração mod. 22 do ano de 2010, referida em L), o Lucro Tributável desse ano da S............ foi de € 183.955.811,34 e a derrama apurada no valor de € 2.759.337,17 - cfr. documento de fls. 320/326 dos autos.

P) Como decorre do Anexo A ao modelo 22 do IRC do exercício de 2009 da S............, é aí indicada a massa salarial relativa aos Municípios de C…………….., L…………… e S……………. – cf. documento de fls 319 dos autos”.

II.B. Refere-se ainda na sentença recorrida:

“O Tribunal julgou provada a matéria de facto relevante para a decisão da causa com base na análise crítica e conjugada dos documentos juntos aos autos que não foram impugnados pelas partes.

Os restantes factos alegados não foram julgados provados ou não provados, por constituírem conclusões de facto ou de direito e por não terem relevância para a decisão da causa”.

II.C. Da impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto

Em virtude de se considerar que há questões que devem ser prioritariamente apreciadas, por motivos de precedência lógica, relega-se para momento ulterior a apreciação da impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto, se a tal nada obstar.

III. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

III.A. Da nulidade da sentença, por falta de especificação dos fundamentos de facto

Entende o Recorrente que a sentença recorrida é nula, por falta de especificação dos fundamentos de facto, uma vez que utilizou a formulação supratranscrita em II.B., fórmula essa vaga. Considera ainda que o Tribunal a quo omite totalmente os motivos que conduziram à decisão quanto aos factos dados como provados e não provados.

Vejamos.

Quanto ao julgamento da matéria de facto, é de ter em consideração o disposto no art.º 123.º do CPPT, nos termos do qual “[o] juiz discriminará também a matéria provada da não provada, fundamentando as suas decisões”, em termos similares ao que resulta do n.º 3 do art.º 607.º do CPC.

Nos termos do art.º 125.º, n.º 1, do CPPT, constitui nulidade da sentença a não especificação dos fundamentos de facto e de direito [cfr. igualmente o art.º 615.º, n.º 1, al. b), do CPC].

A nulidade por não especificação dos fundamentos de facto e de direito abrange as situações de falta absoluta de fundamentação de facto ou de direito(1).

A lei processual exige, com efeito, que a sentença esteja cabalmente fundamentada, de facto e de direito, como resulta, desde logo, do disposto no art.º 123.º, n.º 2, do CPPT, bem como no art.º 607.º, n.ºs 3 e 4, do CPC, por forma a que seja perfeitamente apreensível o itinerário cognoscitivo percorrido, fundamental para a sua adequada compreensão e eventual impugnação.

Nas palavras de Alberto dos Reis (2), “[u]ma decisão sem fundamentos equivale a uma conclusão sem premissas; é uma peça sem base”.

Não obstante cumpre distinguir a não especificação dos fundamentos de facto e de direito, que se configura como nulidade da sentença, nos termos já referidos, da existência de algumas insuficiências ou deficiências na fundamentação de facto e de direito.

“O que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação; a insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, afecta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade.// Por falta absoluta de motivação deve entender-se a ausência total de fundamentos de direito e de facto(3).

Ora, in casu, não se pode afirmar que haja omissão dos fundamentos de facto, por falta de discriminação dos factos provados dos não provados, nos termos alegados pela Recorrente.

Com efeito, depois de o Tribunal a quo elencar os factos que considerou provados, claramente referiu que o demais alegado na petição inicial eram ou conclusões ou factos irrelevantes para a decisão da causa, que, por isso, não cumpria elencar como provados ou não provados.

Logo, mal ou bem, o Tribunal a quo considerou que estavam provados os factos que elencou e que não havia mais factos, provados ou não provados, que cumprisse elencar.

A existir aqui algo a apontar trata-se de eventual erro de julgamento, e não nulidade.

Refira-se que esta situação não tem paralelo com a apreciada no Acórdão deste TCAS de 20.10.2009 (Processo: 02338/08), alegada pelo Recorrente. Neste aresto, a fórmula utilizada pela instância fora a de que “não se provaram os [factos] que não constam da factualidade supra descrita”, que não tem paralelo com a fundamentação da sentença recorrida. Enquanto na situação apreciada naquele Acórdão se conclui que o Tribunal a quo entendia existirem factos não provados, que não especificou, no presente caso a instância explanou que considerava que não tinham sido alegados quaisquer outros factos pertinentes que importasse considerar provados ou não provados.

Logo, reitera-se, a existir algo a apontar será erro de julgamento e não nulidade, pois é percetível que a instância considerou inexistirem factos alegados não provados com relevância para a apreciação da causa.

Por outro lado, não se considera que o Tribunal a quo tenha omitido totalmente os motivos conducentes à sua decisão de facto.

Com efeito, analisados os factos considerados como provados, junto aos mesmos está claramente indicado o meio de prova em que a instância se sustentou para decidir (meio de prova documental, cuja pertinência e relevância ou mesmo veracidade não foi posta em causa, como referido pelo Tribunal a quo, motivo pelo qual o exame crítico da prova é naturalmente mais simples) – o que, ulteriormente, é reiterado (cfr. ponto II.B.). Quanto ao demais, remete-se para o já referido: o Tribunal a quo entendeu que o demais alegado eram ou conclusões ou factos irrelevantes.

Como tal, não se verifica a nulidade assacada pelo Recorrente à sentença recorrida.

III.B. Do erro de julgamento, por existência de comportamento omissivo por parte da Recorrida

Entende, por outro lado, o Recorrente que o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento, porquanto existe comportamento omissivo por parte da Recorrida, existindo um direito na esfera do Município de A............ ao recebimento da derrama municipal.

Vejamos.

Sinteticamente, em termos fáticos, temos que:

a) Por despacho do Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais de 2003, foi concluído que “a S............ deverá indicar em cada ano a massa salarial afecta a cada um dos seus estabelecimentos ou representações situados em cada município, incluindo o de A............, e a respectiva relação com a massa salarial global, nos termos e para efeitos do disposto no artigo 18º da Lei nº 42/98, de 6 de Agosto”;

b) Na sua declaração modelo 22 de IRC atinente ao exercício de 2009, concretamente no Anexo A, atinente a derrama, a S............, com sede no concelho de C………………, declarou que a sua massa salarial se distribuía pelos municípios de C………………, L…………. e S………….., não tendo apresentado tal anexo relativamente a 2008 e 2010.

Nos termos da Lei das Finanças Locais (LFL – Lei n.º 2/2007, de 15 de janeiro), concretamente nos termos do n.º 2 do seu art.º 14.º, havendo estabelecimentos estáveis ou representações locais dos sujeitos em mais de um município e matéria coletável superior a 50.000,oo Eur., “o lucro tributável imputável à circunscrição de cada município é determinado pela proporção entre a massa salarial correspondente aos estabelecimentos que o sujeito passivo nele possua e a correspondente à totalidade dos seus estabelecimentos situados em território nacional”.

É nessas situações que é apresentado o Anexo A da declaração Modelo 22, não sendo apresentado, pois, quando não haja estabelecimentos estáveis ou representações locais dos sujeitos em mais de um município e matéria coletável superior a 50.000,oo Eur. Assim, conclui-se que, em relação a 2008 e 2010, a S............ declarou apenas que a derrama municipal que liquidou era atinente ao município de C……………., onde está a sua sede (art.º 14.º, n.º 1, da LFL).

Refira-se ainda que o n.º 3 do mesmo art.º 14.º prevê que, “[q]uando o volume de negócios de um sujeito passivo resulte em mais de 50% da exploração de recursos naturais que tornem inadequados os critérios estabelecidos nos números anteriores, podem os municípios interessados, a título excecional, propor, fundamentadamente, a fixação de um critério específico de repartição da derrama, o qual, após audição do sujeito passivo e dos restantes municípios interessados, é fixado por despacho conjunto do Ministro das Finanças e do ministro que tutela as autarquias locais”.

Tendo este contexto factual e jurídico como pano de fundo, vejamos agora em que circunstâncias pode o Tribunal intimar a AT a um determinado comportamento.

Nos termos do art.º 97.º, n.º 1, al. m), do CPPT, o processo judicial tributário compreende, entre outros, a intimação para um comportamento.

Este meio processual encontra-se previsto no art.º 147.º do mesmo código, nos termos do qual:

“1 - Em caso de omissão, por parte da administração tributária, do dever de qualquer prestação jurídica suscetível de lesar direito ou interesse legítimo em matéria tributária, poderá o interessado requerer a sua intimação para o cumprimento desse dever junto do tribunal tributário competente.

2 - O presente meio só é aplicável quando, vistos os restantes meios contenciosos previstos no presente Código, ele for o meio mais adequado para assegurar a tutela plena, eficaz e efetiva dos direitos ou interesses em causa.

3 - No requerimento dirigido ao tribunal tributário de 1.ª instância deve o requerente identificar a omissão, o direito ou interesse legítimo violado ou lesado ou suscetível de violação ou lesão e o procedimento ou procedimentos a praticar pela administração tributária para os efeitos previstos no n.º 1.

4 - A administração tributária pronunciar-se-á sobre o requerimento do contribuinte no prazo de 15 dias, findos os quais o juiz resolverá, intimando, se for caso disso, a administração tributária a reintegrar o direito, reparar a lesão ou adotar a conduta que se revelar necessária, que poderá incluir a prática de atos administrativos, no prazo que considerar razoável, que não poderá ser inferior a 30 nem superior a 120 dias.

5 - A decisão judicial especificará os atos a praticar para integral cumprimento do dever referido no n.º 1”.

Deste contexto, resulta que são requisitos cumulativos da intimação para um comportamento os seguintes:

a) Existência de uma omissão por parte da AT;

b) Tal omissão respeitar a um dever de uma prestação jurídica;

c) Essa mesma omissão ser suscetível de lesar direito ou interesse legítimo do contribuinte;

d) Ser o meio mais adequado para assegurar a tutela plena, eficaz e efetiva dos direitos ou interesses em causa.

Como se refere no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 05.02.2020 (Processo: 01167/17.4BELRA 0185/18), “a intimação para um comportamento, prevista no artigo 147.º do CPPT, visa reagir contra omissões ilegais do dever de prestações jurídicas lesivas de direitos ou interesses legítimos em matéria tributária, o que pressupõe necessariamente, em face da inexistência de fase declarativa deste meio processual, a “evidência do direito” que se invoca como tendo sido lesado pela conduta omitida pela Administração tributária”.

Significa isto que estão abrangidas as situações em que a AT tenha de praticar determinado ato, quer por força da lei, quer por força de decisão judicial, quer por força de ato anterior da própria AT.

No mesmo sentido vai Jorge Lopes de Sousa(4), que refere:

“A utilização deste procedimento, visando obter o cumprimento de um dever pela administração tributária, supõe que esteja definida previamente a existência deste, uma vez que, ao contrário do que sucede com a acção administrativa especial para condenação à prática de acto devido, não se inclui no processo de intimação uma fase declarativa.

(…) [A] primacial utilidade deste meio processual simplificado (integrado apenas por requerimento, resposta e decisão) como meio alternativo em relação à acção para reconhecimento de direito (complementada com a subsequente execução de julgado), é a de permitir a assegurar de forma muito mais rápida a efectivação de direitos cuja existência é evidente (…) e, nesta medida, é um meio relevante de assegurar a tutela judicial efectiva, que tem como componente importante um factor temporal” (sublinhados nossos).

Ou seja, a intimação para um comportamento não pretende acautelar toda e qualquer omissão por parte da AT, tendo como pressuposto intrínseco que haja uma prévia definição (judicial, legal ou administrativa) da existência desse dever por parte da AT [cfr. o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 08.05.2013 (Processo: 0666/12)].

Assim, nem todas as condutas omissivas da AT são passíveis de reação através de uma intimação para um comportamento, sendo imprescindível que o dever da AT seja previamente existente.

Daí que, por exemplo, perante o silêncio da AT a um pedido de reconhecimento do direito a um determinado benefício fiscal, formando-se indeferimento tácito, o meio processual adequado é a ação administrativa para condenação à prática do ato devido.

Apreciemos, então, o caso dos autos, desde já se adiantando que não assiste razão à Recorrente, ainda que a nossa fundamentação se afaste em parte da fundamentação do Tribunal a quo.

Com efeito, a instância, não obstante referir, nos termos que já explanamos, que, na intimação para um comportamento, inexiste uma fase declarativa, para efeitos de apreciação da existência do direito, concluiu que este direito inexistia, acabando por fazer algumas análises de cariz declarativo (designadamente, ao abordar o conceito de estabelecimento estável).

Ora, essas análises são absolutamente irrelevantes, em sede de intimação para um comportamento – logo, nada há apreciar em termos da sua correção ou incorreção, carecendo de pertinência analisar o alegado a esse propósito.

Como referimos, no processo para intimação para um comportamento não há propriamente uma fase declarativa, onde se afira se assiste ou não direito à concreta prestação a que se pretende que a AT seja intimada, sendo este direito um pressuposto para o deferimento de uma intimação para um comportamento. Trata-se, pois, de um dos pressupostos do próprio processo.

E, no caso, tal pressuposto não se verifica.

Com efeito, da matéria de facto provada, apenas se conclui que, das declarações modelo 22 apresentadas pela S............, não foi declarada qualquer derrama municipal atinente ao Município de A.............

Por outro lado, nada consta da matéria de facto nem nada foi alegado no sentido de que o direito a que o Município se arroga tenha sido reconhecido por qualquer outra forma.

E é esta ausência de direito evidente que dita que não assista razão à Recorrente.

Esta decisão implica que careça de pertinência a apreciação da impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto, uma vez que os factos cujo aditamento se propõe respeitam exatamente à situação fática em relação à qual não há um direito evidente, ou seja, à definição da existência de um direito ou não do Recorrente a uma parte da derrama municipal liquidada pela S............ (localização das minas, áreas de concessão e exploração da mina que integram o Município de A............). Por outro lado, o invocado na conclusão XV carece igualmente de pertinência, dado que nada foi alegado em termos de existência de uma concreta decisão sobre o requerido, carecendo também de pertinência o proposto na conclusão XVI, apenas relevante se estivéssemos perante um direito evidente, o que, como referido, não é o caso.

A existência do direito a que se arroga o Recorrente é controvertida.

Sublinhe-se que, sendo este meio processual tendente a ordenar à AT a prática de um determinado ato, o seu indeferimento apenas significa que o direito não é evidente, e não que ele não existe.

Nas palavras de Jorge Lopes de Sousa:

“[N]ão sendo o processo de intimação um meio processual destinado a definir a existência de direitos ou interesses em matéria tributária, mas apenas a dar ordens à administração tributária quando tais direitos são evidentes, a eventual improcedência do pedido significará apenas que não é evidente que o direito ou interesse invocado exista, não constituindo um juízo definitivo no sentido da inexistência desse direito” (5).

Como tal, não assiste razão ao Recorrente, sendo de confirmar a sentença recorrida, ainda que com a presente fundamentação.

IV. DECISÃO

Face ao exposto, acorda-se em conferência na Subsecção Tributária Comum da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:

a) Negar provimento ao recurso;

b) Custas pelo Recorrente;

c) Registe e notifique.


Lisboa, 07 de novembro de 2024

(Tânia Meireles da Cunha)

(Ana Cristina Carvalho)

(Tiago Brandão de Pinho)

(1)V., neste sentido, a título ilustrativo, os Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo, de 24.01.2018 (Processo: 01411/16), de 25.11.2015 (Processo: 0162/15) e de 04.03.2015 (Processo: 01939/13) e os deste TCAS, de 15.11.2018 (Processo: 1339/10.2BELRA) e de 15.05.2014 (Processo: 07508/14).
(2)Alberto dos Reis, Código de Processo Civil, Vol. V, p. 139.
(3)Alberto dos Reis, ob. cit., p. 140.
(4) Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário – Anotado e Comentado, 6.ª Edição, Vol. II, Áreas Editora, Lisboa, 2011, pp. 584 e 585.
(5)Jorge Lopes de Sousa, ob. cit., p. 586.