Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:12861/25.6BELSB
Secção:CA
Data do Acordão:07/15/2025
Relator:MARA DE MAGALHÃES SILVEIRA
Descritores:INTIMAÇÃO PARA PROTEÇÃO DE DIREITOS, LIBERDADES E GARANTIAS
PRESSUPOSTOS
AQUISIÇÃO DE NACIONALIDADE
Sumário:I - Cabe ao requerente da intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias, alegar e demonstrar a verificação dos pressupostos previstos no artigo 109.º, n.º 1, do CPTA, incluindo que a emissão urgente de uma decisão de mérito é indispensável para proteção de um direito, liberdade ou garantia;
II - Residindo o Recorrente legalmente em Portugal, beneficia da aplicação do princípio da equiparação nos termos do n.º 1 do artigo 15.º da CRP, donde, com exceção dos direitos a que se reporta o n.º 2 do normativo constitucional, encontra-se assegurado o exercício dos direitos cuja tutela reclama em moldes idênticos aos cidadãos nacionais;
III - O pressuposto a que se reporta o artigo 109.º, n.º 1 do CPTA não se preenche quando a alegada necessidade de prolação de uma decisão judicial célere se destina a garantir o direito a uma decisão em prazo razoável no âmbito do direito à tutela jurisdicional efetiva, mas apenas quando se mostre indispensável a célere emissão de uma decisão que imponha à Administração a adoção de uma conduta positiva ou negativa para assegurar o exercício, em tempo útil, de um direito, liberdade ou garantia.
Votação:Unanimidade
Indicações Eventuais:Subsecção Administrativa Comum
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes desembargadores da Subsecção Administrativa Comum, do Tribunal Central Administrativo Sul:

1. Relatório

G… (doravante Recorrente, Requerente ou A.), nacional da Índia, instaurou, no Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, a presente ação de intimação para a proteção de direitos, liberdades e garantias contra a Conservatória dos Registos Centrais - Instituto de Registos e Notariado, IP (doravante Requerido, Recorrido ou ER), peticionando a procedência da intimação, intimando a Requerida a decidir a pretensão por si formulada a 10.9.2024, concedendo-lhe a nacionalidade portuguesa e o respetivo passaporte português, com caráter de urgência, e a aplicação de sanção pecuniária compulsória por cada dia de incumprimento da sentença.

Por sentença de 28 de fevereiro de 2025, o Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa indeferiu liminarmente o requerimento inicial.

Inconformado, o A./Requerente interpôs recurso jurisdicional dessa decisão para este Tribunal Central Administrativo, concluindo nos seguintes termos:

“143°) A tese constante na Sentença a quo revela-se atentatória de um valor fundamental do Estado de Direito.
144°) A Sentença a quo traduz-se num claro benefício ao infrator Requerido Conservatória dos Registos Centrais.
145°) O Ac. do TCA SUL, processo n° 12003/15, defende a idoneidade da Intimação para Defesa de Direitos, Liberdades e Garantias em matéria de concessão de nacionalidade portuguesa.
146°) A Sentença a quo viola a recente posição do STA sobre a idoneidade do presente meio processual em matéria de valores fundamentais aplicável ao caso concreto que versa sobre a aquisição da cidadania portuguesa
147°) O Recorrente comprova junto aos autos através de vinte e cinco acórdãos do STA qual o meio processual idóneo a seguir.
148°) O Requerido Conservatória dos Registos Centrais assume e confessa uma posição de inércia ilegal.
149°) A ER assume atrasos superiores a três anos para decisão de processos de aquisição de nacionalidade portuguesa conforme prova junto á PI.
150°) O Recorrente tem em causa o seu direito à cidadania, direito ao sufrágio e a equiparação aos cidadãos nacionais em matéria de direitos.
151°) Sem o seu passaporte português não consegue sair e depois regressar para território nacional, não podendo andar toda a vida com títulos de residência, sendo certo depois de caducado a AlMA encerrou os agendamentos.
152°) O Recorrente não tem atualmente os seus direitos reconhecidos em concreto o seu direito à identidade, segurança no emprego, sufrágio e equiparação aos cidadãos nacionais.
153°) Volvidos mais de cinco meses a ER recusa-se a decidir.
154°) O Requerente reúne todos os requisitos legais para ver ser-lhe concedida a sua nacionalidade portuguesa.
155°) A providência cautelar é precária e enxertada a uma ação ordinária que visa somente decidir.
156°) O Signatário tem ação ordinária com uma pendência de sete anos.
157°) É do domínio público que as ações administrativas demoram largos anos a serem decididas.
158°) Não tem qualquer sentido, emitir um passaporte português para vir à posteriori decidir sobre o uso do mesmo, é de uma enorme contradirão, um paradoxo.
159°) A providência a decretar excederia o efeito jurídico propiciado pela procedência da causa principal.
160°) Não é possível formular em processo cautelar, juízo sobre o preenchimento do requisito do fumus boni iuris previsto no n°1 do artigo 120° do CPTA.
161°) A Sentença a quo, ora recorrida traduz-se claramente num benefício ao infrator Conservatória dos Registos Centrais que assume uma posição clara de inércia e de clara irresponsabilidade nos presentes autos.
162°) Ademais, existe uma evolução jurisprudencial no sentido de aclamar a Intimação para Defesa de Direitos, Liberdades e Garantias como o meio processual mais idóneo.
163°) Violou-se o Código Europeu da Boa Conduta Administrativa.
164°) Violou-se a Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia.
165°) Violou-se o Tratado de Lisboa de Dezembro de 2009.
166°) Violaram os Ac. do STA de 1.2.2017, processo n° 01338/16, e o Ac. STA, de 16.05.2019, proferido no processo n° 02762/17.7 BELSB.
167°) Não existe prazo legal para intentar uma Intimação Defesa de direitos, liberdades e garantias.
168°) Aquilo que se discute é de uma Justiça em tempo útil, rápida, eficaz., definitiva.
169°) O Recorrente aguarda há mais de nove por uma decisão.
170) Tem em risco a sua identidade e a equiparação com os cidadãos nacionais.
171°) O Direito assenta em prazos legais e regras.
172°) A Conservatória dos Registos Centrais dispõe de 105 dia úteis para decidir.
173°) O Regulamento da Nacionalidade Portuguesa e o CPA são muito claros quanto a prazos legais.
174°) A ER, não está, acima de Lei, não tem uma prerrogativa ou privilégio especial pelo facto de estar integrado nos serviços do Estado.
175°) Pensar o contrário é grave e mexer com os alicerces do Estado de Direito e com o princípio da dignidade da pessoa humana previstos na Constituição da República Portuguesa.
176°) O Recorrente não tem de arcar com os custos de falência dos serviços públicos.
177°) É o Estado que deverá se reinventar ou reorganizar para fazer cumprir as Leis e a Constituição da República Portuguesa.
178°) A mera sugestão da feitura de ação ordinária para condenação à prática do ato é mais um claro benefício ao infrator Conservatória dos Registos Centrais na medida em que como é domínio público aquela demora bastantes anos para ser decidida.
179°) É, adiar para a frente o problema que deve ser resolvido de imediato, já, agora, com a flagrante violação de valores constitucionais em curso e da LEI.
180°) Dai que rogamos a mesma coragem que o STA teve em 06.06.24 com o Acórdão de formação alargada, processo n° 741/23.4 BELSB, coragem para se realizada uma Justiça em tempo útil, rápida e eficaz, sob pena de a mesma Justiça ficar preterida ou perder a oportunidade e ser letra morta.
181°) Violaram-se os artigos 1°,2°,12 0 ,13°, 15°, 20°, 26°, 27°,36°, 44°, 53°, 58°,59°, 64°, 67°,68°, 268°,4 da Constituição da República Portuguesa, artigos 7°, 15° e 41° da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, 6° e 14° da Convenção Europeia dos Direitos Humanos e ainda o artigo 27°,n's 5,6,10 do Regulamento da Nacionalidade Portuguesa e ainda o artigo 109° CPTA, artigo 120°,1 CPTA e ainda os artes 5°,8°,10°,13°, 128° todos do CPA e ainda o artigo 607°, 4, do CPC. Violaram -se ainda a Carta dos Direitos Fundamentais da União
Europeia, proclamado pelo Parlamento Europeu, o Código Europeu da Boa
Conduta Administrativa, violou-se o Tratado de Lisboa.
NESTES TERMOS E NOS MAIS DE DIREITO APLICÁVEL DEVE, O PRESENTE RECURSO SER JULGADO PROCEDENTE E, EM CONSEQUÊNCIA,
A) SER REVOGADA A SENTENÇA PROFERIDA PELO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO DE CIRCULO DE LISBOA
B) SER O RECORRIDO CONSERVATÓRIA DOS REGISTOS CENTRAIS EM DEFINITIVO INTIMADO A DECIDIR.
C) SER RECONHECIDA A INTIMAÇÃO, PARA DEFESA DE DIREITOS, LIBERDADES E GARANTIAS COMO O MEIO PROCESSUAL MAIS IDÓNEO, NA DEFESA DO DIREITO NACIONAL, EUROPEU, INTERNACIONAL, DOS VALORES CONSTITUCIONAIS, E SEM DEPENDÊNCIA DE PRAZO PARA SER ARGUIDA OU DAR ENTRADA EM JUÍZO, EVITANDO SOFRIMENTO OU SACRIFÍCIO AOS ADMINISTRADOS E, SOBRETUDO PARA QUE POSSA EXISTIR OU SER FEITA JUSTIÇA A QUEM RECORRE AOS TRIBUNAIS, PARA QUE O ESTADO DE DIREITO FUNCIONE,
D) SER CONDENADO O RECORRIDO CONSERVATÓRIA DOS REGISTOS CENTRAIS A CONCEDER A NACIONALIDADE PORTUGUESA E A EMITIR O PASSAPORTE PORTUGUÊS AO ORA RECORRENTE.
E) POR CONSEQUÊNCIA AINDA DEVEM SER RESPEITADOS E SE MANTEREM OS MUI DOUTOS ACÓRDÃOS DA SUPREMA INSTÂNCIA E ADAPTÁVEIS AO CASO EM EPÍGRAFE PROCESSOS NÚMEROS 741/23.4 BELSB, Nº 2186/23.7 BELSB, N° 1777/23.0 BELSB, N° 2144/23.1 BELSB, N° 2084/24.4 BELSB, N° 477/23.6 BELSB, N° 707/23.4 BELSB, N° 781/23.3 BELSB, N° 2724/23.5 BELSB, N° 180/23.7 BELSB, N° 1864/23.5 BELSB, N° 310/23.9 BELSB, N° 2049/23.6 BELSB, N° 4223/23.6 BELSB, N° 2767/23.9 BELSB, N° 1643/23.0 BELSB, N° 2748/23.2 BELSB, N° 1601/23.4 BELSB, N° 276/24.8 BELSB, N° 2721/23.0 BELSB, N° 1145/23.4 BELSB, N° 3894/23.8 BELSB, N° 4261/23.9 BELSB, N° 4223/23.6 BELSB, N° 2144/23.1 BELSB.
F) ACÓRDÃOS DA SUPREMA INSTÂNCIA QUE DEFENDEM SEMPRE A INTIMAÇÃO, PARA DEFESA DE DIREITOS, LIBERDADES E GARANTIAS COMO O MEIO PROCESSUAL MAIS IDÓNEO.
ASSIM SE FARÁ, JUSTIÇA!”

O recurso foi admitido como de apelação, efeito meramente devolutivo e subida imediata nos próprios autos.

O Recorrido IRN, IP, citado para os termos do recurso e da causa, apresentou contestação e contra-alegações, concluindo nos seguintes termos,
i. O Recorrente funda o recurso no alegado entendimento do Tribunal a quo de que o meio processual da intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias, previsto nos artigos 109.º a 111.º do CPTA, seria, por natureza, inaplicável aos pedidos de aquisição de nacionalidade portuguesa, sustentando que tal interpretação configuraria recusa de acesso à justiça.
ii. Todavia, a sentença de primeira instância, não recusou liminarmente o meio processual utilizado por razões de inadmissibilidade formal, tendo antes conhecido do pedido e apreciado a sua conformidade com os pressupostos legais específicos da intimação, concluindo pela falta de alegação e demonstração da imprescindibilidade da tutela urgente.
iii. O Tribunal recorrido reafirmou que a intimação constitui meio de tutela jurisdicional excecional, apenas admissível quando a célere emissão de uma decisão de mérito se revele indispensável à proteção efetiva de um direito, liberdade ou garantia, e quando a ação administrativa comum e a providência cautelar se revelem inidóneas, nos termos estritos do artigo 109.º do CPTA.
iv. A sentença recorrida esclareceu que o mero incumprimento dos prazos administrativos legais, não basta, por si só, para preencher o requisito da imprescindibilidade exigido para a intimação, exigindo-se a demonstração de uma concreta e atual lesão ou ameaça irreversível a um direito fundamental.
v. Não se vislumbra, pois, qualquer negativa de acesso ao direito ou à justiça, uma vez que a instância reconheceu a legitimidade abstrata do meio processual, mas julgou que, no caso concreto, a alegação do Recorrente se limitou a considerações genéricas e subjetivas, desprovidas de substanciação fáctica bastante, remetendo-o para o meio processual ordinário adequado: a ação administrativa de condenação à prática do ato devido.
vi. A tese recursiva segundo a qual a sentença recorrida teria recusado o conhecimento do pedido com base na inaplicabilidade do meio processual utilizado não encontra respaldo no texto da decisão, sendo, nessa medida, juridicamente infundada e desprovida de objeto relevante para efeitos de revista, consubstanciando um equívoco interpretativo quanto ao efetivo alcance da fundamentação das instâncias. [efeitos do mero incumprimento do prazo de decisão]
vii. Nos termos do artigo 109.º, n.º 1, do CPTA, a intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias exige a verificação cumulativa da urgência e indispensabilidade da decisão judicial para assegurar, em tempo útil, o exercício de um direito fundamental, sendo inidónea para reagir, de forma automática e abstrata, à mera inércia administrativa.
viii. A admissibilidade do meio processual depende da análise do pedido e da concreta factualidade alegada como causa de pedir, não bastando a invocação genérica de direitos fundamentais ou a alegação vaga de prejuízos decorrentes da ausência de decisão administrativa.
ix. A sentença recorrida, em linha com jurisprudência reiterada do Supremo Tribunal Administrativo (designadamente o Ac. de 11.07.2024, Proc. 1403760/23.7BELSB), reconheceu que a demora administrativa, por si só, não legitima o recurso à intimação urgente, salvo se demonstrada a existência de lesão concreta, atual e irreversível de um direito, liberdade ou garantia.
x. O recorrente não logrou alegar nem concretizar quaisquer danos efetivos que resultem da ausência de decisão sobre o seu pedido de nacionalidade, limitando-se a afirmar, de forma genérica, a violação de direitos e o seu inconformismo com o funcionamento da Administração.
xi. A jurisprudência administrativa tem entendido que o requerente de nacionalidade não é titular de um direito subjetivo à sua concessão, mas apenas de um direito a obter uma decisão administrativa, não correspondendo tal situação, por si, à violação de um direito fundamental com tutela reforçada.
xii. Mesmo que se aceitasse, em tese, a existência de um direito fundamental à nacionalidade, a sua mera invocação não supre a ausência dos requisitos legais de urgência e indispensabilidade, os quais o recorrente não alegou com base em factos concretos suscetíveis de justificar tutela principal, urgente e definitiva.
xiii. A jurisprudência invocada pelo recorrente, não é aplicável ao caso sub judice, não tendo sido invocados quaisquer elementos fácticos diferenciadores que conferissem ao pedido natureza urgente e prioritária.
xiv. A tese do recorrente, ao defender que qualquer atraso administrativo deve ser automaticamente tutelado por intimação urgente, colide frontalmente com o entendimento consolidado dos tribunais superiores e esvaziaria os pressupostos legais do artigo 109.º do CPTA, transformando um meio de natureza excecional num expediente ordinário de aceleração processual —o que a sentença recorrida, com justeza, rejeitou. [Mérito da decisão recorrida]
xv. O Art.15.º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa não confere ao recorrente um direito subjetivo à concessão da nacionalidade, mas confere-lhe a equiparação, enquanto estrangeiro residente legal em Portugal, que o é, ao gozo dos direitos fundamentais constitucionalmente consagrados aos portugueses, pelo que não se afigura credível o quadro de clandestinidade e medo de ser deportado ou sequer de poder recorrer à PSP, etc... etc... que este invocou perante as instâncias.
xvi. O recorrente não alegou nem demonstrou ter invocado, em sede administrativa, qualquer fundamento de urgência – nomeadamente razões de natureza humanitária, profissional ou de interesse público – que justificasse um tratamento prioritário do seu pedido de nacionalidade, nem formulou tal requerimento ao abrigo do procedimento próprio junto do IRN.
xvii. As alegações do recorrente assentam em generalidades, formulações hipotéticas e, por vezes, afirmações factualmente incorretas, não logrando demonstrar qualquer lesão concreta, atual ou iminente de um direito fundamental, pelo que, face à factualidade alegada, a idoneidade da intimação era patente, e decisão das instâncias teria que ser a que foi.
Pelo exposto, deverá ser o recurso julgado improcedente,
Assim se fazendo JUSTIÇA!”

O Ministério Público junto deste Tribunal Central Administrativo Sul, notificado nos termos e para efeitos do disposto no n.º 1 do artigo 146.º do CPTA, emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.

O Recorrente pronunciou-se sobre o referido parecer.

Prescindindo-se dos vistos legais, atento o carácter urgente do processo, mas com envio prévio do projeto de acórdão aos juízes desembargadores adjuntos, foi o processo submetido à conferência para julgamento.

2. Delimitação do objeto do recurso

Conforme jurisprudência firmada, o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação dos apelantes, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso (cfr. artigos 144.º, n.º 2 e 146.º, n.º 4 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), 608.º, n.º 2, 635.º, nºs 4 e 5 e 639.º, nºs 1 e 2, do CPC ex vi artigos 1.º e 140.º do CPTA).
Tendo em conta o exposto, a questão que a este Tribunal cumpre apreciar reconduz-se a saber se a sentença recorrida padece de erro de julgamento de direito.

3. Fundamentação de facto

Não foram fixados factos na sentença recorrida.

4. Fundamentação de direito

4.1. Do erro de julgamento

Decorre dos autos que a sentença recorrida rejeitou liminarmente a petição de intimação para a proteção de direitos, liberdades e garantias, entendendo não se encontrar preenchido o pressuposto do recurso à intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias correspondente à indispensabilidade de uma decisão de mérito urgente para assegurar o exercício, em tempo útil, de um direito, liberdade ou garantia, o que corresponderia à impropriedade do meio processual que determina a nulidade de todo o processo e, consequentemente, havendo lugar ao indeferimento liminar da intimação.
Para tanto considerou, em suma, que “o Requerente é omisso na alegação de factos relativos à sua situação concreta, que permitam concluir que a falta de decisão, por parte da Entidade Requerida, contende com o exercício do direito supra mencionado, não bastando, para o efeito, a sua alegação vaga e genérica” e que “o Requerente reside há mais de cinco anos em Portugal”, pelo que já beneficia dos direitos e está sujeito aos deveres do cidadão português. Aduzindo que “o Requerente apenas arguiu que carece de um passaporte português, enumerando as vantagens que decorrem de ser seu titular, não logrando evidenciar, de forma clara e circunstanciada, de que modo o seu direito à nacionalidade se encontra afetado em virtude da inércia decisória da Entidade Requerida”.
Contra esta decisão insurge-se o Recorrente alegando, em suma, que a sentença viola a jurisprudência das instâncias superiores que considera a intimação para a proteção de direitos, liberdades e garantias o meio processual idóneo em matéria de concessão da nacionalidade portuguesa.
Sustenta que é residente legal em território nacional há mais de cinco anos, paga os seus impostos em Portugal, domina a língua portuguesa, tendo aqui feito um projeto de vida, pelo que, reunindo os requisitos para lhe ser concedida a nacionalidade portuguesa, a inércia da Entidade Requerida, que volvidos mais de 5 meses se recusa a decidir, coloca em causa os seus direitos à identidade, cidadania, segurança no emprego, direito ao sufrágio e a equiparação aos cidadãos nacionais em matéria de direitos, pois que “sem o seu passaporte português não consegue sair e depois regressar para território nacional, não podendo andar toda a vida com títulos de residência, sendo certo depois de caducado a AIMA encerrou os agendamentos” e o passaporte português permite-lhe uma maior plenitude e segurança no gozo dos direitos constitucionais, em igualdade com um cidadão nacional, possibilitando-o viajar para o seu País, evitar custos com vistos e reagrupar a sua família. Entende que as circunstâncias do caso evidenciam a necessidade de decisão de mérito urgente, sob pena de lhe ser coartado o direito à cidadania portuguesa.
Aduz que o uso da tutela cautelar, designadamente antecipatória, também se mostra inviável, por desadequada, por não se preencheram os requisitos da instrumentalidade e da provisoriedade e, bem assim, porque o Tribunal não poderia formular qualquer juízo sobre o preenchimento do requisito relativo ao fumus boni iuris, uma vez que não possuiria os elementos de facto necessários para poder aferir se preenche os requisitos para a concessão da autorização de residência e concluir se é ou não provável a procedência da pretensão deduzida na ação principal.
E que a sentença onera o Recorrente com os custos da falência dos serviços públicos e traduz um “benefício ao infrator Conservatória dos Registos Centrais que assume uma posição clara de inércia e de clara irresponsabilidade”, mostrando-se atentatória do direito à tutela jurisdicional efetiva, consagrado no artigo 268.°, n.° 4 da Constituição da República Portuguesa, porquanto o condiciona à propositura de uma ação de condenação à prática de ato devido, arrastando-o para uma “espera interminável” em face da demora na decisão, sujeitando-o a uma inevitável incerteza ou insegurança por conduzir a uma situação dramática a nível pessoal e até familiar com a impossibilidade de o Recorrente ter uma cidadania portuguesa plena.
Sustenta que o princípio da boa administração comporta uma vertente temporal, obrigando a administração a organizar-se e a atuar para que os procedimentos conheçam o seu fim num prazo razoável cabendo, agora em matéria de cidadania, “[f]orçar a Administração Pública, o Estado a se reinventar, a se reorganizar sempre ao serviço da LEI e das pessoas em tempo rápido, eficaz, útil.”.
Finaliza reputando terem sido violados “os artigos 1°,2°,12º ,13°, 15°, 20°, 26°, 27°, 36°, 44°, 53°, 58°,59°, 64°, 67°,68°, 268°, 4 da Constituição da República Portuguesa, artigos 7°, 15° e 41° da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, 6° e 14° da Convenção Europeia dos Direitos Humanos e ainda o artigo 27°,nºs 5, 6, 10 do Regulamento da Nacionalidade Portuguesa e ainda o artigo 109° CPTA, artigo 120°,1 CPTA e ainda os art.ºs 5°,8°,10°,13°, 128° todos do CPA e ainda o artigo 607°, 4, do CPC” e, ainda, a Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, o Código Europeu da Boa Conduta Administrativa, o Tratado de Lisboa.
Previamente cumpre clarificar que não obstante se detetar que o Tribunal a quo conclui erroneamente verificar-se a “impropriedade do meio processual que determina a nulidade de todo o processo”, constata-se da fundamentação da decisão que, verdadeiramente, assenta a sua decisão na falta de (concretização do) preenchimento dos pressupostos específicos de que depende a utilização da intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias, previstos no n.º 1 do artigo 109.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, conducente (também) ao indeferimento liminar mas por verificação da exceção dilatória inominada de falta de verificação do pressuposto da intimação para a proteção de direitos, liberdades e garantias.
Este esclarecimento evidencia, desde logo, que não assiste razão ao Recorrente quando advoga o desrespeito pela jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo, designadamente a vertida no Ac. do STA de 6.6.2024, proferido no processo 0741/23.4BELSB e que, como é sabido, se debruça sobre a (in)adequação do meio processual – intimação para a proteção de direitos, liberdades e garantias.
Notando-se que o Recorrente pretende extrair do Acórdão (e da jurisprudência que lhe seguiu) um entendimento – qual seja, o de que em situações de falta de decisão por banda da Administração, ali em pedidos de autorização e agora por referência à aquisição da nacionalidade, por contender com direitos, liberdades e garantias, decorreria inevitavelmente a indispensabilidade da emissão urgente de uma decisão -, que dele não resulta. O que aí se decidiu é que, em tais situações se reclama uma tutela definitiva, de tal forma que “o meio processual adequado, de que o cidadão deve lançar mão, é o processo principal de intimação previsto nos artigos 109.º a 111.º do CPTA”. Ou seja, o que está em causa é a adequação da forma processual, mas ainda que a forma processual seja a intimação para a proteção de direitos, liberdades e garantias, tal não dispensa, para que o requerente dela beneficie, que demonstre o preenchimento dos pressupostos subjacentes à tutela requerida.
E in casu o que o Tribunal a quo considerou, embora qualificando erroneamente como impropriedade processual, foi que o Recorrente não concretizou uma situação fáctica demonstrativa do pressuposto, para o recurso à intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias, da indispensabilidade da emissão urgente de uma decisão de mérito para assegurar o exercício, em tempo útil, de um direito, liberdade ou garantia.
É que, enquanto pressupostos do recurso a este meio processual, encontra-se, o de índole positiva, qual seja a indispensabilidade da emissão urgente de uma decisão que imponha à Administração uma conduta positiva ou negativa como forma de assegurar o exercício, em tempo útil, de um direito, liberdade ou garantia, acudindo a lesões presentes e futuras, e o de índole negativa, traduzido na impossibilidade ou insuficiência, nas circunstâncias do caso, do decretamento de uma providência cautelar.
Com efeito, como emerge do n.º 1 do artigo 109.º do CPTA, “[a] intimação para a proteção de direitos, liberdades e garantias pode ser requerida quando a célere emissão de uma decisão de mérito que imponha à Administração a adoção de uma conduta positiva ou negativa se revele indispensável para assegurar o exercício, em tempo útil, de um direito, liberdade ou garantia, por não ser possível ou suficiente, nas circunstâncias do caso, o decretamento de uma providência cautelar.”.
Este meio processual, que é de utilização excecional, assegura a proteção a título principal, urgente e sumária, de direitos, liberdades e garantias, que estejam a ser violados naquelas situações em que a rápida prolação de uma decisão que vincule a Administração (ou particulares) a adotar uma conduta positiva (facere) ou negativa (non facere) se revele como indispensável para acautelar o exercício em tempo útil de um direito, liberdade e garantia.
Exige-se, assim, que a necessidade de emissão urgente de uma decisão de mérito seja indispensável para proteção de um direito, liberdade ou garantia, cabendo ao requerente da intimação alegar e demonstrar a urgência na obtenção de uma decisão definitiva para a tutela dos direitos, liberdades e garantias que alega estarem a ser violados.
Como escrevem Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha (Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 4ª edição, Almedina, 2017, p. 883) “(...) é necessário que esteja em causa o exercício, em tempo útil, de um direito, liberdade ou garantia e que a adopção da conduta pretendida seja apta a assegurar esse exercício. À partida, o preenchimento deste requisito pressupõe que o requerente concretize na petição os seguintes aspectos: a existência de uma situação jurídica individualizada que caracterize um direito, liberdade e garantia, cujo conteúdo normativo se encontre suficientemente concretizado na CRP ou na lei para ser jurisdicionalmente exigível por esta via processual; e a ocorrência de uma situação, no caso concreto, de ameaça do direito, liberdade e garantia em causa, que só possa ser evitada através do processo urgente de intimação. Não releva, por isso a mera invocação genérica de um direito, liberdade ou garantia: impõe-se a descrição de uma situação factual de ofensa ou preterição do direito fundamental que possa justificar, à partida, ao menos numa análise perfunctória de aparência do direito, que o tribunal venha a intimar a Administração, através de um processo célere e expedito, a adoptar uma conduta (positiva ou negativa) que permita assegurar o exercício em tempo útil desse direito.”.
É que a defesa ou tutela dos direitos fundamentais, faz-se, por regra, através do recurso à ação administrativa, recorrendo-se à intimação apenas quando aquela via não é possível ou suficiente por se verificar “a ocorrência de uma situação, no caso concreto, de grave ameaça ou violação do direito, liberdade ou garantia em causa, que só possa ser reparada através do processo urgente de intimação.” (idem, ibidem, p. 883).
O segundo dos requisitos estatuídos no n.º 1 do artigo 109.º do CPTA, refere-se à subsidiariedade da intimação, no sentido de que a intimação é o meio adequado quando a tutela do direito, liberdade ou garantia lesado, ou em vias de o ser, não se compadece com a delonga de um processo não urgente, ainda que acompanhado de uma providência cautelar. Assim, “[a] impossibilidade poderá resultar do facto de o juiz, para se pronunciar, ter necessariamente de ir ao fundo da questão, o que, como é sabido, lhe está vedado no âmbito dos procedimentos cautelares. Por sua vez, a insuficiência respeita à incapacidade de uma decisão provisória satisfazer as necessidades de tutela do particular, posto que estas apenas lograrão obter satisfação com uma tutela definitiva, sobre o fundo da questão. Estamos a referir-nos àquelas situações sujeitas a um período de tempo curto, ou que digam respeito a direitos que devam ser exercitados num prazo ou em datas demarcadas, maxime, questões relacionadas com eleições, actos ou comportamentos que devam ser realizados numa data fixa próxima ou num período de tempo determinado (como exames escolares ou uma frequência do ano lectivo), situações de carência pessoal ou familiar em que esteja em causa a própria sobrevivência pessoal de alguém, ou, ainda, casos relativos à situação civil ou profissional de uma pessoa. ” (Catarina Santos Botelho, A intimação para a protecção de direitos, liberdades e garantias: quid novum?, O Direito, n.º 143, I, 2011, pp. 31- 53).
Isto posto, dá-se nota que a jurisprudência deste Tribunal Central Administrativo vem sustentando que na generalidade dos casos relativos à aquisição da nacionalidade portuguesa não se encontram reunidos os pressupostos da utilização da intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias (vg. Acórdãos do Tribunal Central Administrativo Sul, de 19 de março de 2024, Processo n.º 2087/23.9BELSB, de 6 de junho de 2024, Processo n.º 1846/23.7BELSB, de 20 de junho de 2024, Processo n.º 4037/23.3BELSB e de 14 de novembro de 2024, Processo n.º 2181/23.6BELSB, 30 de abril de 2025, Processo n.º 8605/24.8BELSB, disponíveis em www.dgsi.pt).
Entendendo-se em sentido diverso, ou seja, que será de reconhecer que é urgente, sob pena de perda de utilidade, a prolação de uma decisão com vista a assegurar a possibilidade de exercício do direito à aquisição da cidadania portuguesa, consagrado no n.º 1 do artigo 26.º da Constituição, em situações cujo circunstancialismo fáctico, devidamente concretizado nos autos, designadamente o Requerente deter idade avançada ou problemas do foro de saúde manifestamente debilitantes e graves, suscetíveis de encurtar o tempo de vida do requerente da nacionalidade, revela a urgência no recurso à intimação para cautelar a utilidade da lide (vg. as decisões proferidas nos Acórdãos deste TCA Sul de 27.4.2023, no processo n.º 3368/22.4BELSB, de 9.5.2024, no processo n.º 2604/23.4BELSB e de 13.3.2025, no processo 2078/24.2BELSB).
A admissão da utilização de uma intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias depende, pois, da análise das circunstâncias de cada caso, sendo a verificação do preenchimento dos pressupostos da intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias, enunciados no n.º 1 do artigo 109.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, efetuada por referência à causa de pedir e ao pedido formulado pelo Requerente, a quem incumbe alegar factos concretos idóneos ao preenchimento dos referidos pressupostos.
Constata-se que o Requerente, limitando-se a enumerar um conjunto de normativos e diplomas – cuja violação nem sequer concretiza em termos que possibilitassem a sua análise -, verdadeiramente apenas sustenta a alegada indispensabilidade da emissão de uma decisão urgente na circunstância de a ausência de decisão colocar em causa os seus direitos à identidade, cidadania, segurança no emprego, direito ao sufrágio e liberdade de circulação, por entender que apenas com a nacionalidade portuguesa disporá de condições iguais aos nacionais, designadamente em termos de deslocações e reagrupamento. Assistindo-lhe o direito a uma decisão, em termos tais que, face à delonga dos meios processuais não urgentes, sairia violado a tutela jurisdicional efetiva nos termos do artigo 268.º, n.º 4 da CRP.
O que sucede é que o Recorrente, como se entendeu na sentença recorrida, nada concretiza quanto à sua efetiva situação fáctica, limitando-se a alegar, em abstrato e de forma conclusiva, que a demora na decisão do seu pedido de aquisição de nacionalidade viola os direitos, que elenca, inerentes à titularidade da nacionalidade portuguesa. Mas nada consubstancia que evidencie que assim suceda, isto é, refere uma situação pessoal e familiar que adjetiva de dramática decorrente da impossibilidade de não ter uma cidadania portuguesa plena mas não concretiza os factos que a revelam e dos quais se possa concluir que apenas uma decisão de mérito urgente que imponha à Administração que decida o seu pedido e lhe conceda a nacionalidade portuguesa possa assegurar que a mesma lhe seja atribuída atempadamente.
Na realidade, o que se revela é, precisamente, o contrário.
Com efeito, é que, como próprio Requerente alega (pontos 80.º e 81.º e 19.º e 130.º da p.i.) reside legalmente em Portugal há mais de cinco anos.
Assim, o Recorrente beneficia da aplicação do princípio da equiparação nos termos do n.º 1 do artigo 15.º da CRP, que prevê que “[o]s estrangeiros e os apátridas que se encontrem ou residam em Portugal gozam dos direitos e estão sujeitos aos deveres do cidadão português”.
O que significa, portanto, que, com exceção dos direitos a que se reporta o n.º 2 do artigo 15.º da CRP lhe estão garantidos, em forma igual aos nacionais, os direitos cuja tutela reclama.
Compreende-se, por isso, que o Recorrente não logre concretizar uma situação fáctica concreta reveladora da indispensabilidade da tutela de mérito urgente, porquanto, na realidade, residindo legalmente em Portugal encontra-se assegurado o exercício dos direitos à identidade, cidadania, segurança no emprego e, bem assim, o direito de circular e permanecer livremente no território dos Estados-Membros, concedida aos nacionais de países terceiros que residem legalmente no território de um Estado-Membro (artigo 45.º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia).
É certo que não lhe assistem direitos políticos, tais como o direito ao sufrágio. Contudo, o que o Recorrente invoca é um mero interesse no seu exercício, em termos tais que não consubstanciam que, a não ser que obtenha decisão judicial definitiva e célere que intime o Requerido a decidir com urgência o pedido de aquisição de nacionalidade portuguesa, não mais os poderá exercer ou não os poderá exercer atempadamente.
Acrescente-se que “ao dever de decisão que impende sobre a Administração [artigo 13.º do CPA] não corresponde uma posição jurídica subjectiva dos particulares com a natureza de um direito, liberdade e garantia, o que significa que o incumprimento dos prazos procedimentais, na medida em que não contende com um direito com aquela natureza, não permite o recurso à intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias”, donde “o incumprimento do prazo de decisão do pedido de atribuição de nacionalidade não permite, por si só, o recurso à intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias, sendo que, noutra perspectiva, tal incumprimento não consubstancia a urgência que integra o primeiro pressuposto do recurso à intimação” (Ac. deste Tribunal Central Administrativo Sul de 3.10.2024, proferido no processo 1796/24.0BELSB).
E a respeito da alegada violação da tutela jurisdicional efetiva importa clarificar que o pressuposto para o recurso à intimação é o de uma decisão de mérito urgente se mostrar indispensável a impor à Administração uma conduta como forma de assegurar a proteção de um direito, liberdade ou garantia. Ora, ao alegar que impor-lhe o recurso aos meios processuais de tutela de mérito não urgente corresponderia à violação do seu direito à tutela jurisdicional efetiva, o que o Recorrente faz é fundar o pressuposto da indispensabilidade na alegada necessidade de assegurar o direito à decisão judicial de mérito de forma urgente, que respeita, pois, à atuação do Tribunal, e não da Administração. Só que aí o meio processual não se destina a assegurar o exercício, em tempo útil, de um direito, liberdade ou garantia, que, mostrando-se ameaçado pela conduta da Administração, careça da intervenção judicial de mérito urgente para a sua proteção, mas sim a salvaguardar que o próprio processo judicial obtenha uma decisão célere sob pena de, no entender do Recorrente, se violar o princípio da tutela jurisdicional efetiva.
Daí que, tal como se deu nota no recente Acórdão deste TCA Sul de 3 de julho de 2025, proferido no processo 32039/24.5BELSB, “naturalmente que, em face do princípio da tutela jurisdicional efetiva (consagrado no n.º 4 do artigo 268.º da Constituição da República Portuguesa), assiste aos requerentes o direito de obter, em prazo razoável, uma decisão judicial que aprecie a sua pretensão de condenação da Administração à prática do acto administrativo devido, mas tal direito não corresponde à verificação dos pressupostos de recurso ao meio processual da intimação para a protecção de direitos, liberdades e garantias, na medida em que do mesmo não resulta a indispensabilidade do recurso a tal meio processual para assegurar o exercício, em tempo útil, de qualquer direito, liberdade ou garantia de que os recorrentes sejam titulares”.
Admitir a tese do Recorrente de, em virtude das alegadas demoras na tramitação e prolação de decisões no âmbito dos processos judiciais de natureza não urgente, lhe assistir o direito a recorrer à intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias para obter uma decisão em prazo razoável, sob pena de sair violado o seu direito à tutela jurisdicional efetiva (20.º, n.º 4 e 268.º, n.º 4 da CRP), seria subverter o regime processual previsto pelo legislador em que, ao lado dos processos que seguem a normal tramitação, se consagram formas processuais com caráter urgente e cuja utilização depende do preenchimento dos correspondentes pressupostos. Seria admitir que, em face das imputadas deficiências do sistema judicial, todos os litígios submetidos a juízo passassem a ser de natureza urgente porque, mostrando-se necessário a assegurar o direito a uma decisão em prazo razoável, seriam enquadráveis na intimação para a proteção de direitos, liberdades e garantias.
Só que, como vimos, o pressuposto a que se reporta o artigo 109.º, n.º 1 do CPTA não se preenche quando a alegada necessidade de prolação de uma decisão judicial célere se destina a garantir o direito a uma decisão em prazo razoável no âmbito do direito à tutela jurisdicional efetiva, mas apenas quando se mostre indispensável a célere emissão de uma decisão que imponha à Administração a adoção de uma conduta positiva ou negativa para assegurar o exercício, em tempo útil, de um direito, liberdade ou garantia.
O que sucede nos autos é que o Recorrente não alegou qualquer factualidade concreta demonstrativa de que a demora na decisão do pedido de aquisição de nacionalidade o impede de desenvolver uma vida normal (privada, familiar, profissional, etc.), pondo em causa um qualquer direito, liberdade e garantia, que lhe assista, limitando-se a alegar de forma genérica e conclusiva – e, no essencial, incompatível com os direitos que lhe emergem face à titularidade de autorização de residência - que a falta de decisão coloca em causa os seus direitos à identidade, cidadania, segurança no emprego, direito ao sufrágio e liberdade de circulação. Omitindo, pois, quaisquer factos dos quais se pudesse extrair a indispensabilidade de uma decisão urgente para assegurar o exercício, em tempo útil, de um direito, liberdade ou garantia, conforme exigido pelo n.º 1 do artigo 109.º do CPTA.
O que não significa que o seu direito à tutela jurisdicional efetiva se encontre comprometido. Simplesmente este não lhe é garantido por via da intimação para a proteção de direitos, liberdades e garantias – mas antes, apenas, através de ação administrativa de condenação à prática de ato devido - porque, na realidade, o Recorrente não se encontra, ou pelo menos não o concretizou, numa situação em que, de forma urgente, cumpra impor (em termos definitivos) à Administração uma conduta como forma de tutelar, em tempo útil, um seu direito, liberdade ou garantia.
Não se trata de onerar o Recorrente com os alegados custos da falência dos serviços públicos e beneficiar a inércia da Administração, mas apenas de subsumir a sua posição jurídica, nos moldes em que o próprio a alegou e concretizou, aos pressupostos em que a lei a tutela. Impondo-se recordar o Recorrente que “[o] nosso modelo jurídico não se coaduna com o uso da via judicial para dar resposta a uma falha estrutural, seja na execução de políticas públicas, seja na gestão e organização administrativas. Os tribunais não podem ser a prima ratio da garantia da “boa gestão pública” perante falhas estruturais, sejam do poder executivo, sejam do poder legislativo. A sua função atém-se à protecção, em concreto, de situações jurídicas individualizadas, de acordo com as regras processuais vigentes e as circunstâncias fácticas concretizadas e (com)provadas” (Cf. voto de vencido da Exma. Sra. Juíza Conselheira Suzana Tavares da Silva, no âmbito do Acórdão do STA de 6.6.2024, proferido no processo 0741/23.4BELSB).
Em face do exposto, cumpre concluir no sentido que emerge da sentença recorrida, qual seja o de que o Recorrente não alegou quaisquer factos que permitam concluir que a emissão urgente de uma decisão de mérito é indispensável para assegurar o exercício, em tempo útil, dos direitos que se arroga.
E porque se tratam de pressupostos cumulativos, tal dispensa a pronúncia deste Tribunal quanto à alegada inviabilidade da tutela cautelar, porquanto tal contende com o segundo pressuposto - impossibilidade ou insuficiência, nas circunstâncias do caso, do decretamento de uma providência cautelar – regulado no n.º 1 do artigo 109.º do CPTA.
Donde, não se encontrando preenchidos os pressupostos da intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias, se impunha, como decidido, o indeferimento liminar do requerimento inicial, não incorrendo a sentença em erro de julgamento.


4.2. Da condenação em custas

Sem custas, nos termos do artigo 4.º, n.º 2, alínea b), do Regulamento das Custas Processuais.

5. Decisão

Nestes termos, acordam os juízes desembargadores da Subsecção Administrativa Comum, do Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao recurso e confirmar a decisão recorrida.

Sem custas.

Mara de Magalhães Silveira
Ana Cristina Lameira
Lina Costa