Decisão Texto Integral: |
Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:
Instituto da Segurança Social, IP (ISS, IP) devidamente identificada como Entidade demandada nos autos de acção administrativa instaurados por D..., inconformado, veio interpor recurso jurisdicional do acórdão, proferido em 28.4.2014, pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, que julgou procedente a presente acção, e em consequência, anulou a decisão impugnada, que indeferiu à A. o pedido de prestação de desemprego, uma vez que a prestação de desemprego é acumulável com a prestação da pensão de invalidez, quando, como no caso presente, essa invalidez é meramente relativa.
Nas respectivas alegações, o Recorrente formulou as conclusões que seguidamente se reproduzem:
«1. O presente recurso vem interposto da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, que julgou a ação administrativa procedente, por provada, e, em consequência, decidiu anular a decisão impugnada, que indeferiu à A o pedido de prestação de desemprego, por entender, que a prestação de desemprego é acumulável com a prestação da pensão de invalidez, quando, como no caso presente, essa invalidez é meramente relativa;
2. O âmbito objetivo cinge-se à questão de saber se tendo a A uma invalidez relativa e recebendo pensão por essa invalidez, tal facto exclui a mesma da atribuição do subsídio de desemprego, ao ficar desempregada; bem como, a respectiva validade ou invalidade da decisão, em face dos artigos 55° n.° 1, alínea b) e 60° n.° 1, alínea b), ambos do Dec. Lei n.° 220/2006, de 03/11, republicado pelo Dec. Lei n.° 72/2010, de 8/06, artigo 67° n.° 1, da Lei 4/2007, de 16/01 e artigo 1º n.° 2, do Dec. Lei n.° 187/2007, de 10/05;
3. O Tribunal “a quo” considerou que “o artigo 57 do DL 187/2007, de 10/05, deve ser interpretado no sentido de permitir a cumulação da pensão de invalidez relativa (não a absoluta) com o subsídio de desemprego, face à capacidade de trabalho relativa remanescente. Consequentemente e por tudo o exposto, os artigos 55 e 60-1 -b), do DL 220/2006, não serão aplicáveis. Mas, se se defendesse que o artigo 55 [e 60-1-b)], fosse aplicável, ao determinar a cessação do direito às prestações de desemprego nos casos de passagem do beneficiário à situação de pensionista por invalidez, então deverá ser interpretado no sentido de se referir à «invalidez absoluta», mas não à «invalidez relativa», sob pena de negar à pessoa inválida (por mera incapacidade relativa) o subsídio e de inutilizar aquele outro regime estabelecido pelo DL 187/2007, para proteger a invalidez”;
4. Ora, salvo o devido respeito pela opinião sufragada pela decisão recorrida, entendemos que o Meritíssimo Juiz “a quo” fez uma errada interpretação da lei aplicável ao caso em apreço;
5. Resulta do Artigo 60° n.° 1, alínea b) do Dec. Lei n.° 220/2006, de 3 de novembro, republicado pelo Dec. Lei n.° 72/2010, de 18 de junho, que: “As prestações de desemprego não são acumuláveis com pensões atribuídas pelos regimes do sistema de segurança social ou de outro sistema de proteção social de inscrição obrigatória incluindo o da função pública e regimes estrangeiros”;
6. O Artigo 67° n.° 1 da Lei n.° 4/2007, de 16 de janeiro (Bases gerais do sistema de segurança social), estabelece que: “Salvo disposição legal em contrário, não são cumuláveis entre si as prestações emergentes do mesmo facto, desde que respeitantes ao mesmo interesse protegido”;
7. O Artigo 54° do Dec. Lei n.° 187/2007, de 10 de maio, refere que “é permitida, nomeadamente a acumulação de pensão de invalidez com pensões de outros regimes de proteção social de enquadramento obrigatório, encontrando-se os mesmos definidos no Artigo 56° do citado Diploma”;
8. Acresce que, o Artigo 55° n.° 1, alínea b) do Dec. Lei n.° 220/2006, de 3 de novembro, republicado pelo Dec. Lei n.° 72/2010, de 18 de junho, estabelece que: “Determinam a cessação do direito às prestações de desemprego (...) a passagem do beneficiário à situação de pensionista por invalidez”;
9. De acordo com os citados normativos legais, a intenção do legislador é clara e fundamentada. Destinando-se o subsídio de desemprego a compensar a situação de perda da remuneração do trabalho, por facto não imputável ao trabalhador nem compreendido nas outras causas de cessação do vínculo laboral, não se compreenderia a sua subvenção com a pensão de reforma por invalidez, seja no caso do destinatário se encontrar numa situação de emprego efetivo, em que recebe o respetivo salário, seja no caso de, não o estando, não obstante recebe uma compensação prestativa por ter perdido a remuneração correspondente;
10. À reforma de invalidez, corresponde uma determinada pensão que visa precisamente compensar o interessado da perca das respetivas remunerações do trabalho enquanto no serviço ativo, verificados os pressupostos da lei, fundamentalmente a natureza do vínculo e o tempo de serviço ou a constatação de uma situação de incapacidade física que impede o trabalhador de continuar ao serviço;
11. Muito embora a A. enquanto reformada, possa exercer cumulativamente uma função ativa em certas condições, certo é, porém, que o desemprego nesta não lhe dá o direito, percebendo pensão de reforma, ao subsídio a que teria direito se, diferentemente, não recebesse a pensão de invalidez ou outra compensatória da perda da remuneração de trabalho;
12. A pensão de reforma por invalidez, reveste a natureza de prestação compensatória da perda de remuneração de trabalho, não sendo, por isso, cumulável com a atribuição de subsídio de desemprego;
13. Ao passar à situação de reformada por invalidez, a A. adquiriu o direito a receber, em vez do vencimento, uma pensão de montante aproximado ao daquele, que funciona como um rendimento de substituição do rendimento de trabalho perdido, tendo, por isso, uma natureza compensatória da perda da remuneração de trabalho;
14. Tal facto encontra-se afirmado expressamente a lei, nomeadamente no artigo 1°, n°2, do Dec. Lei n.° 187/2007, de 10 de maio, onde refere, que as pensões de invalidez ou de velhice do regime geral da segurança social, têm por objetivo compensar a perda de remunerações de trabalho;
15. Ora, sendo o subsídio de desemprego um "substituto" da retribuição devida aos trabalhadores, não pode ser cumulável com outra prestação compensatória da perda da remuneração de trabalho, concedida no âmbito de regime de proteção social, como seja a pensão de reforma por invalidez;
16. Os pressupostos da substituição da remuneração, em razão da cessação do contrato de trabalho, não se verificam, uma vez que a A. recebia, no período em que requereu a atribuição das prestações a título de subsídio de desemprego, a pensão de reforma por invalidez, estando, portanto, a incapacidade para o trabalho coberta por esta última pensão;
Acresce que
17. De acordo com a Lei n.° 110/2009, de 16 de setembro (Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial da Segurança Social), os pensionistas que acumulam as respetivas pensões com exercício de atividade profissional subordinada, apesar de não terem direito às prestações de desemprego, são abrangidos pelo regime geral, contribuindo, juntamente com as entidades empregadoras, com uma taxa inferior aplicável aos pensionistas de invalidez e velhice;
18. O artigo 90° n.° 1, do citado Diploma Legal, refere que: "Os pensionistas de invalidez têm direito à proteção nas eventualidades de parentalidade, doenças profissionais, invalidez, velhice e morte", sendo que, o artigo 91° do referido Diploma, veio estabelecer as taxas contributivas no âmbito do regime de segurança social dos trabalhadores por conta de outrem, tendo fixado taxas reduzidas aplicáveis aos pensionistas de invalidez e velhice;
19. Ora, a aplicação da taxa geral ou de uma taxa reduzida não depende da vontade dos beneficiários ou das entidades empregadoras, mas sim da situação concreta enquadrável na previsão do mencionado preceito legal;
20. Sempre se dirá, que o diferente enquadramento contributivo tem implicações ao nível da protecção social, pelo que, o facto da A. contribuir para o regime previdencial, com uma taxa contributiva mais reduzida, afasta entre outras, o direito a receber subsídio de desemprego;
21. Neste sentido, a A. não tem direito às prestações de desemprego, porque a situação de pensionista que acumulou com trabalho por conta de outrem, determinava que estivesse sujeita a um regime contributivo mais favorável, que não conferia direito a protecção na doença e desemprego, não sendo aceitável o facto de a beneficiária recorrer à suspensão da pensão sempre que previsse ficar numa situação de doença ou desemprego com o simples intuito de aceder àquelas prestações;
22. A sentença recorrida deve assim, ser revogada por errada interpretação da lei, nomeadamente, dos artigos 55° n.° 1, alínea b) e 60° n.° 1, alínea b), ambos do Dec. Lei n.° 220/2006, de 3 de Novembro, republicado pelo Dec. Lei n.° 72/2010, de 18 de Junho; 67° n.° 1 da Lei n.° 4/2007, de 16 de Janeiro (Bases gerais do sistema de segurança social); 1o, n° 2, do Dec. Lei n.° 187/2007, de 10 de Maio e 91° da Lei n.° 110/2009, de 16 de Setembro (Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial da Segurança Social).».
A Recorrida contra-alegou, formulando as seguintes conclusões:
«IV. A pensão por invalidez relativa não servia para compensar a situação de perda de remuneração do trabalho por facto não imputável ao trabalhador, mas apenas a perda da parte da remuneração do trabalho por facto não imputável ao trabalhador, visto que mantendo-se a relação laboral em vigor, o trabalhador tinha o direito a auferir a retribuição compatível com a capacidade restante, que lhe devia ser paga pelo empregador.
V. Se é possível acumular a pensão por invalidez relativa com os rendimentos do trabalho, é evidente que se o trabalhador fica involuntariamente numa situação de desemprego, tem de poder acumular o respetivo subsídio de desemprego proporcional com a pensão por invalidez relativa.
VI. A posição do recorrente implica para o trabalhador com uma invalidez relativa uma tripla desproteção e vulnerabilidade: por um lado, veria a sua capacidade de ganho diminuída em virtude da referida invalidez; por outro, considerando a diminuição da sua capacidade de trabalho, teria menos "valor" para o seu empregador; e, por fim, caso o seu empregador decidisse atirar o trabalhador para o desemprego, este estaria totalmente desabrigado dos mecanismos de proteção social, como o subsídio de desemprego...
VII. A solução defendida pelo recorrente e aplicada à recorrente é totalmente incompatível com alguns elementares direitos fundamentais, como é o caso das garantias de segurança no emprego e proteção em caso de desemprego involuntário previstas nos 53°, 59° n° 1 al. e) e 63° da Constituição da República Portuguesa, pelo que a revogação da sentença recorrida e a consagração de uma solução jurídica da questão conforme defendido pelo recorrente estaria inevitavelmente inquinada de inconstitucionalidade por violação das supra referidas normas.
VIII. A questão da alegada sujeição a um regime contributivo mais favorável, que não conferia direito a proteção na doença e desemprego é totalmente nova e inadmissível, pois não foi suscitada na contestação, não foi discutida, não foi conhecida pelo Tribunal a quo e, como tal, não pode ser conhecida por via de recurso. Em todo o caso, tampouco provado que a recorrida tivesse estado abrangida por um regime contributivo distinto e que não conferisse proteção no desemprego.».
O Ministério Público, junto deste Tribunal, notificado nos termos e para efeitos do disposto nos artigos 146º e 147°, do CPTA, não emitiu parecer.
Sem vistos dos Exmos. Juízes-Adjuntos (mas com envio prévio aos mesmos do projecto de acórdão), o processo vem à Conferência para julgamento.
A questão suscitada pelo Recorrente, delimitada nos termos do disposto no nº 4 do artigo 635º e nos nºs 1 a 3 do artigo 639º, do CPC ex vi nº 3 do artigo 140º do CPTA, consiste, em suma, em saber se o acórdão recorrido enferma de erro de julgamento de direito ao julgar a acção procedente por entender que a prestação de desemprego é cumulável com a prestação de pensão de invalidez relativa.
A matéria de facto relevante é a constante da decisão recorrida, a qual, por não ter sido impugnada, aqui se dá por reproduzida, nos termos e para os efeitos do disposto no nº 6 do artigo 663º do CPC, ex vi o nº 3 do artigo 140º do CPTA.
Alega o Recorrente que: o tribunal recorrido ao decidir como decidiu fez errada interpretação do disposto nos artigos 55º, nº 1 alínea b) e 60º nº 1 alínea b) do Decreto-Lei nº 220/2006, de 3 de Novembro, republicado pelo Decreto-Lei nº 75/2010, de 8 de Junho, e dos artigos 67º, nº 1 da Lei nº 4/2007, de 16 de Janeiro, e artigo 1º, nº 2 do Decreto-Lei nº 187/2007, de 10 de Maio; destinando-se o subsídio de desemprego a compensar uma situação de perda da remuneração do trabalho, por facto não imputável ao trabalhador nem compreendido nas outras causas de cessação do vínculo laboral, não se compreenderia a sua atribuição com a pensão de reforma de invalidez, seja no caso de o destinatário se encontrar numa situação de emprego efectivo, em que recebe salário, seja no caso de, não o estando, não obstante recebe uma compensação prestativa por ter perdido a remuneração correspondente; recebendo a Recorrida uma pensão de invalidez relativa, para a compensar da perca das respectivas remunerações do trabalho enquanto no serviço activo, não se vê como possa cumulá-la com o subsídio que visa compensar a perda da remuneração; as pensões de velhice e de invalidez do regime geral da segurança social visam compensar a perda de remunerações de trabalho pelo que revestem de natureza idêntica ao subsídio de desemprego; de acordo com a Lei nº 110/2009, de 16 de Setembro – Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial da Segurança Social – os pensionistas que cumulem as respectivas pensões com o exercício de actividade profissional subordinada, apesar de não terem direito às prestações de doença e desemprego, são abrangidos pelo regime geral, contribuindo, com as entidades empregadoras, com uma taxa inferior aos pensionistas de invalidez e de velhice; diferente enquadramento contributivo tem implicações ao nível da protecção social, afastando, designadamente, o direito de receber subsídio de desemprego.
A sentença recorrida fundamentou, de direito, o decidido nos seguintes termos:
«A invalidez em causa, da Autora, é uma invalidez relativa. E foi com base nessa invalidez relativa que o R atribuiu à A a pensão por invalidez. Como se começou por dizer, acima, a questão que se coloca está em saber se, não se tratando de invalidez absoluta, e, por conseguinte, sendo a A capaz para laborar em determinadas funções compatíveis, e, se, no âmbito destas ficar desempregada, tal facto de receber pensão por essa invalidez parcial exclui a atribuição do subsídio de desemprego (em função da actividade relativa).
Quanto à invalidez absoluta, como veremos, a questão estaria resolvida, pois não ficam dúvidas uma vez que a lei determina a não acumulação. O que até se compreende e verá melhor, pois, não podendo trabalhar, não pode ser despedida do emprego, ou melhor, não pode cessar a relação jus-laboral e, portanto, não se pode falar em subsídio de desemprego.
Mas o problema é bem mais delicado, porque se trata de invalidez relativa, o que vale por dizer capacidade de trabalho relativa, e, consequentemente, a possibilidade de desemprego, a correspondente diminuição do rendimento do trabalho, e, daí, saber se o regime à invalidez relativa deve ser o mesmo que é aplicável à invalidez/incapacidade absoluta (tanto mais que a pensão de invalidez também é relativa, na medida em que é proporcional à invalidez/incapacidade de trabalho relativa).
Como veremos melhor e desde já se adianta, a lei estabelece uma co-relação entre invalidez relativa e incapacidade de trabalho relativa. Daí que importe arredar desde já as situações tratadas na jurisprudência, como seja a do Acórdão invocado pelo Réu, que não têm que ver exactamente com a situação presente, ou como sejam as que não abordaram a questão da acumulação quando se trate de invalidez relativa, e, portanto, incapacidade laboral relativa.
Assim, o invocado Ac TCA-S, de 22/04/2010, Procº 05592/09, invocado pelo R, refere a dado passo, que «as prestações de desemprego não são acumuláveis com pensões atribuídas pelos regimes de Segurança Social ou de outro sistema de protecção social de inscrição obrigatória, incluindo o da função pública», mas fê-lo no quadro normativo do artigo 47-1-b), do DL 119/99, de 14 de Abril, e no quadro material da acumulação de prestações de desemprego com trabalho por conta de outrem; e, ainda assim, o douto Ac do STA, de 05/11/2013, Procº 0778/10, decidiu de modo diverso. Por outro lado, num pequeno bosquejo jurisprudencial, verifica-se que, inter alia, os Acs do STA, de 29/05/2008, Procº 0779/07, (no sentido de que não é admissível a acumulação de pensão de aposentação com subsídio de desemprego), ou de 28/10/2009, Procº 0535/09, (no sentido de que não são cumuláveis pensão de invalidez e subsídio de desemprego); ou ainda os Ac do TCA-S de 03/12/2003, Proc.º 07167/03 e do TCA-N de 21/09/2012, Procº 01643/09.2BEPRT, não tratam da acumulação de pensão de invalidez relativa com o subsídio de desemprego, em face da incapacidade de trabalho também relativa.
Vamos supor, para melhor demonstração, e para se procurar determinar o pensamento do legislador, que a um trabalhador era atribuída uma invalidez relativa, vg, de 5 ou 10%. E que, em face da respectiva incapacidade laboral relativa (vg, o artigo 50, do DL 187/2007 fala em «capacidades remanescentes»), lhe era atribuída uma pensão de invalidez mínima, que, sem necessidade de quantificação, vamos supor para raciocínio, não chegava sequer para pagar o passe de transporte que usava para se deslocar para o seu local de trabalho.
E trabalhava, pois a incapacidade era meramente relativa. Mas, por qualquer razão, caiu no desemprego, ficando apenas, para seu sustento, com a tal pensão de invalidez mínima 2 [2 Obviamente também se podiam configurar hipóteses de invalidez e incapacidade mais acentuadas, mas não absolutas].
Pediu, supondo-se, então, o subsídio de desemprego, mas o ISS indeferiu porque o dito trabalhador já recebia uma pensão de invalidez, ainda que mínima, e não era cumulável.
A questão é, então, a de saber se o legislador, em face dos interesses e fins visados, quis excluir, em situações como a referida, a que a situação da A em apreço se pode adaptar, o apoio deste trabalhador efectivamente desfavorecido. É o que procuraremos ver.
Como se sabe, a interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada. Não pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso. Além disso, na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete tem de presumir que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados [artigo 9, do CC]3 [3Para melhor desenvolvimento da doutrina aqui vertida pode ver-se o “Ensaio Sobre a Teoria da Interpretação das Leis”, dissertação de doutoramento, Prof MANUEL A. DOMINGUES DE ANDRADE, 4ª Ed. 1987, Arménio Amado, Editor Sucessor, Colecção Studium, que incorpora a fls. 110/ss, a obra “Interpretação e Aplicação das Le i s ”, do Prof FRANCESCO FERRARA, traduzida pelo referido Mestre de Coimbra. Vide também Prof Doutor JOÃO DE CASTRO MENDES, in “Introdução ao Estudo do Direito, Lições do Prof Doutor JOÃO DE CASTRO MENDES», 1977, Título V, Lisboa, Ed da FDL, pp 339 a 401].
A Lei 4/2007, de 16 de Janeiro (lei de bases do sistema de segurança social), estabelece, no âmbito pessoal, que «são abrangidos obrigatoriamente pelo sistema previdencial, na qualidade de beneficiários, os trabalhadores por conta de outrem ou legalmente equiparados e os trabalhadores independente» [artigo 51-1], e, no âmbito material , que a protecção social ali regulada integra as seguintes as situações de «a) Doença; b) Maternidade, paternidade e adopção; c) Desemprego; d) Acidentes de trabalho e doenças profissionais; e) Invalidez; f) Velhice; e g) Morte» [artigo 52-1]. Mas o elenco destas «eventualidades» protegidas pode ser alargado, em função da «necessidade de dar cobertura a novos riscos sociais, ou reduzido», nos termos e condições legalmente previstos, em função de determinadas situações e categorias de beneficiários [artigo 52-2].
Os «regimes abrangidos» pelo sistema previdencial são o regime geral de segurança social aplicável à generalidade dos trabalhadores por conta de outrem e aos independentes, os regimes especiais, e os regimes de inscrição facultativa [artigos 53 e 51-2].
No CAPÍTULO IV, desta Lei 4/2007, sob a epígrafe «acumulação de prestações», o artigo 67, estabelece que: «1 - Salvo disposição legal em contrário, não são cumuláveis entre si as prestações emergentes do mesmo facto, desde que respeitantes ao mesmo interesse protegido.
2 - As regras sobre acumulação de prestações pecuniárias emergentes de diferentes eventualidades são reguladas por lei, não podendo, em caso algum, resultar da sua aplicação montante inferior ao da prestação mais elevada nem excesso sobre o valor total.
3 - Para efeitos de acumulação de prestações pecuniárias podem ser tomadas em conta prestações concedidas por sistemas de segurança social estrangeiros, sem prejuízo do disposto em instrumentos internacionais aplicáveis.» [todos os destaques dos textos legais entre “comas” e outros textos sem ressalva em contrário são sempre nossos].
Assim, daqui resulta a regra geral de que não são cumuláveis entre si as prestações emergentes do mesmo facto, e respeitantes ao mesmo interesse protegido (nº1). Mas as «diferentes eventualidades», [leia-se «a) Doença; b) Maternidade, paternidade e adopção; c) Desemprego; d) Acidentes de trabalho e doenças profissionais; e) Invalidez; f) Velhice; e g) Morte»] podem dar origem a acumulação de prestações (nº2).
Ou seja, a Lei de Bases apenas proíbe que «o mesmo» facto/interesse protegido dê origem à acumulação (duplo efeito), mas qualifica como «diferentes» factos/interesses protegidos, entre outros, a doença, o desemprego, a invalidez, a velhice, casos em que expressamente determina que podem dar origem a acumulação de prestações.
O DL 187/2007, de 10 de Maio, dedicou à invalidez relativa apreciável atenção tratando-a de modo diverso da invalidez absoluta. Com efeito, o legislador refere na sua declaração de motivos preambular, que o «presente decreto-lei traz ainda uma outra importante novidade ao nosso ordenamento jurídico. Vem introduzir uma distinção, no regime da protecção social na invalidez, entre a invalidez relativa, até aqui objecto de regulamentação anterior, e a invalidez absoluta, situação a merecer pela primeira vez atenção e tratamento especiais. Na verdade, considera-se que estas situações - que traduzem casos de incapacidade permanente e definitiva para a obtenção de quaisquer meios de subsistência resultantes do exercício de qualquer profissão ou trabalho - devem merecer um cuidado especial, pois, ao contrário do que sucede com a invalidez relativa, não subsistem capacidades remanescentes para o trabalho e são, por isso, situações de gravidade social extrema. Assim sendo, a tutela acrescida que o legislador vem agora, em termos inovadores, conceder traduz-se nos seguintes aspectos: (…).
Prevê-se ainda a definição de medidas de activação dos pensionistas de invalidez, a aprovar por legislação própria, que visem a reinserção profissional destes beneficiários no mercado de trabalho, valorizando e incentivando as suas capacidades remanescentes.».
Neste contexto, o artigo 1º do DL 187/2007, determina que o mesmo define e regulamenta o regime jurídico de protecção nas eventualidades invalidez e velhice do regime geral de segurança social, e, que «a protecção prevista no presente decreto-lei tem por objectivo compensar a perda de remunerações de trabalho motivada pela ocorrência das eventualidades invalidez e velhice».
A invalidez consiste em «toda a situação incapacitante de causa não profissional determinante de incapacidade física, sensorial ou mental permanente para o trabalho»; e a «situação incapacitante de causa profissional» é a que «resulta de acidente de trabalho ou de doença profissional» [artigo 2º].
Integram o âmbito pessoal do diploma os beneficiários com enquadramento obrigatório no regime geral, para efeitos de protecção na invalidez e velhice [artigo 3º]; e, materialmente, a protecção na invalidez e velhice é assegurada através da atribuição de prestações pecuniárias mensais, denominadas pensão de invalidez e pensão de velhice [artigo 4º].
O artigo 13, do DL 187/2007, de 10/05, distingue os «tipos de invalidez», acima referidos, estabelecendo que «para efeitos da protecção prevista no presente decreto-lei, a invalidez pode ser relativa ou absoluta, nos termos dos artigos seguintes», considerando-se em situação de «invalidez relativa o beneficiário que, em consequência de incapacidade permanente, não possa auferir na sua profissão mais de um terço da remuneração correspondente ao seu exercício normal», sendo que «a incapacidade para o trabalho é permanente quando seja de presumir que o beneficiário não recupera, dentro dos três anos subsequentes, a capacidade de auferir no desempenho da sua profissão mais de 50% da retribuição correspondente. (…)» [artigo 14-1-2].
Por sua vez, considera-se em situação de «invalidez absoluta o beneficiário que se encontre numa situação de incapacidade permanente e definitiva para toda e qualquer profissão ou trabalho»; e em situação de incapacidade permanente e definitiva o beneficiário que «não apresenta capacidades de ganho remanescentes nem seja de presumir que o beneficiário venha a recuperar, até à idade legal de acesso à pensão de velhice, a capacidade de auferir quaisquer meios de subsistência» [artigo 15].
O artigo 54 do DL 187/2007, sob a epígrafe «acumulação com pensões de regimes de enquadramento obrigatório», estabelece que «é permitida a acumulação das pensões estatutárias ou regulamentares de invalidez e de velhice do regime geral com pensões de outros regimes de protecção social de enquadramento obrigatório, sem prejuízo do disposto no artigo seguinte»
O artigo 55 rege sobre a «garantia de mínimos na acumulação com outras pensões», na soma das pensões que sejam objecto de acumulação, e em caso «de acumulação de pensão proporcional com pensões de outros regimes de protecção social de enquadramento obrigatório».
O artigo 56, desde mesmo DL define como «outros regimes de protecção social de enquadramento obrigatório», «a) Os regimes especiais do sistema de segurança social; b) Os regimes da função pública; c) O regime dos antigos funcionários ultramarinos; d) O regime dos advogados e solicitadores; e) O regime dos trabalhadores da Companhia Portuguesa Rádio Marconi; f) O regime de protecção social estabelecido na regulamentação colectiva de trabalho dos empregados bancários; g) Os regimes de protecção nos riscos de acidente de trabalho e doença profissional; h) Os regimes dos sistemas de segurança social estrangeiros».
Já o artigo 57-1, deste DL 187/2007, de 10/05, determina que «as pensões de invalidez e de velhice do regime geral são livremente acumuláveis com pensões atribuídas por regimes facultativos de protecção social».
Finalmente, na SECÇÃO II, sob a epígrafe «acumulação da pensão de invalidez relativa com rendimentos de trabalho», o artigo 58, estatui que «é permitida a acumulação da pensão de invalidez relativa com rendimentos de trabalho, auferidos no País ou no estrangeiro, atentas as capacidades remanescentes do pensionista e tendo em vista a sua reabilitação e reintegração profissional.».
Não parecem, pois, restar dúvidas quanto à vontade do legislador, no que toca à acumulação de pensões, nos casos de invalidez/incapacidade relativa, permitindo tal acumulação da com rendimentos de trabalho atentas as capacidades remanescentes do trabalhador pensionista, visando a sua reabilitação e reintegração profissional.
O DL 72/2010, de 18/06, alterou e republicou o DL 220/2006, de 03/11, e veio estabelecer medidas destinadas a reforçar a empregabilidade dos beneficiários de prestações de desemprego, introduzindo ainda medidas de combate à fraude na atribuição de prestações sociais (artigo 1º).
Como consta da declaração de motivos preambular do diploma, foi «fundamental garantir que as regras do subsídio de desemprego promovem a justiça social, apoiando quem se encontra numa situação de desemprego, ao mesmo tempo que promovem a reintegração no mercado de trabalho e o rápido regresso à vida activa (…). Em terceiro lugar, no sentido de promover o regresso à vida activa, o presente decreto-lei vem, ainda, flexibilizar o regime de acumulação de rendimentos de trabalho com as prestações de desemprego. Esta medida vem possibilitar a acumulação do subsídio de desemprego com o desempenho de trabalho parcial por conta de outrem ou de trabalho de actividade independente que sejam geradores de um baixo nível de rendimento. Ao ser alargado o âmbito de atribuição do subsídio de desemprego parcial a outras formas de trabalho, para além do trabalho a tempo parcial, permite -se que o desempregado desenvolva actividades por conta própria sem perder o apoio do subsídio parcial, assegurando -se, desta forma, a transição para a vida activa.».
O DL 220/2006, de 03/11, na redação referida, estabeleceu, no âmbito do subsistema previdencial, o quadro legal da reparação do desemprego dos trabalhadores por conta de outrem, sem prejuízo do disposto em instrumento internacional aplicável. Essa reparação da situação de desemprego realiza–se através de «medidas passivas e activas», podendo, ainda, incluir medidas excepcionais e transitórias [artigo 1º].
Para efeitos deste decreto-lei o «desemprego» consiste em «toda a situação decorrente da perda involuntária de emprego do beneficiário com capacidade e disponibilidade para o trabalho, inscrito para emprego no centro de emprego [artigo 2º].
As referidas medidas «passivas» são (a) o subsídio de desemprego; e o (b) subsídio social de desemprego inicial ou subsequente ao subsídio de desemprego [artigo 3º]. E as medidas activas» são, entre outras, (a) o pagamento, por uma só vez, do montante global das prestações de desemprego com vista à criação do próprio emprego; a (b) a possibilidade de acumular subsídio de desemprego parcial com trabalho por conta de outrem a tempo parcial ou com actividade profissional independente; (d) a manutenção das prestações de desemprego durante exercício de actividade ocupacional; e ainda (e) «outras medidas de política activa de emprego não mencionadas nas alíneas anteriores desde que promovam a melhoria dos níveis de empregabilidade e a reinserção no mercado de trabalho de beneficiários das prestações de desemprego em termos a definir por legislação própria [artigo 4º].
Nos termos do artigo 6º, deste DL 220/2006, alterado pela referida lei, o subsídio (as prestações) de desemprego visam (a) compensar os beneficiários da falta de retribuição resultante de desemprego ou de redução por aceitação de trabalho a tempo parcial; e (b) promover a criação de emprego, através, designadamente, do pagamento por uma só vez das prestações de desemprego com vista à criação do próprio emprego. E tais prestações são o subsídio de desemprego, o subsídio social de desemprego e o subsídio de desemprego parcial, nos casos definidos conforme o artigo 7º.
O artigo 8-1, deste diploma, determina que o titular do direito ao subsídio de desemprego e subsídio social de desemprego é o beneficiário cujo contrato de trabalho tenha cessado nos termos do artigo 9º, reúna as respectivas condições de atribuição à data do desemprego e residam em território nacional.
Nos termos do artigo 8º-3, «a titularidade do direito ao subsídio de desemprego e, na sua sequência, ao subsídio social de desemprego é ainda reconhecida aos beneficiários que, sendo pensionistas de invalidez, cuja qualidade adquiriram no âmbito do regime geral de segurança social, e não exercendo simultaneamente actividade profissional, sejam declarados aptos para o trabalho em exame de revisão de incapacidade».
O «desemprego» é «involuntário sempre que a cessação do contrato de trabalho decorra de: a) Iniciativa do empregador; b) Caducidade do contrato não determinada por atribuição de pensão; c) Resolução com justa causa por iniciativa do trabalhador; d) Acordo de revogação celebrado nos termos definidos no presente decreto-lei.
2- Para efeitos da alínea a) do número anterior, presume-se haver desemprego involuntário desde que o fundamento invocado pelo empregador não constitua justa causa de despedimento por facto imputável ao trabalhador ou, constituindo, o trabalhador faça prova de interposição de acção judicial contra o empregador.
(…) 4- Considera-se igualmente em situação de desemprego involuntário o trabalhador que, tendo sido reformado por invalidez é, em posterior exame de revisão da incapacidade realizado nos termos regulamentares, declarado apto para o trabalho (…)» [artigo 9º (e 10º)].
O artigo 11, do DL 220/2006, com as referidas alterações, estabelece que «a capacidade para o trabalho traduz-se na aptidão para ocupar um posto de trabalho». E «a disponibilidade para o trabalho» traduz-se nas seguintes obrigações ali definidas, assumidas pelo trabalhador, entre elas a obrigação de a) procura activa de emprego pelos seus próprios meios».
Finalmente importa ter presente o que se estabelece nos artigos 55 e 60, deste diploma legal, em que se escuda a decisão impugnada.
O artigo 55, determina, sob a epígrafe «situação perante os sistemas de protecção social», que «1- Determinam a cessação do direito às prestações de desemprego os seguintes casos inerentes à situação do beneficiário perante os sistemas de protecção social a que se encontre vinculado: a) O termo do período de concessão das prestações de desemprego; b) A passagem do beneficiário à situação de pensionista por invalidez; c) A verificação da idade legal de acesso à pensão por velhice, se (…); d) A alteração dos rendimentos do agregado familiar (…), tratando -se de subsídio social de desemprego. (…)».
Por seu turno, o artigo 60, sistematicamente inculcado no Capítulo IX, designado «acumulação e coordenação das prestações», estabelece o princípio de não acumulação, determinando que «1- As prestações de desemprego não são acumuláveis com: a) Prestações compensatórias da perda de remuneração de trabalho; b) Pensões atribuídas pelos regimes do sistema de segurança social ou de outro sistema de protecção social de inscrição obrigatória incluindo o [“regime”, subentende-se] da função pública e regimes estrangeiros; c) Prestações de pré-reforma e outras atribuições pecuniárias, (…). 3- As prestações de desemprego apenas são cumuláveis com rendimentos de trabalho independente ou por conta de outrem nos termos previstos no presente decreto-lei. 4- Durante o período de concessão das prestações de desemprego é proibida a sua acumulação com rendimentos provenientes do exercício de trabalho (…)».
Deve notar-se que o artigo 50 usa a expressão «sistemas», e o artigo 60 usa a expressão «regimes do sistema», e, como vimos acima, o artigo 56 do DL 187/2007, de 10/05, usa a expressão «regime(s)» e «regime(s) do sistema».
Temos, pelo exposto, de um lado, o 60-1-b), do citado DL 220/2006, segundo o qual «as prestações de desemprego não são acumuláveis com: (…) b) Pensões atribuídas pelos regimes do sistema de segurança social ou de outro sistema de protecção social de inscrição obrigatória incluindo o (“regime”) da função pública e regimes estrangeiros».
E de outro lado temos os artigo 56 e 57, do DL 187/2007, que apontam no sentido oposto.
Na verdade, como vimos, artigo 56 do DL 187/2007, de 10/05, define o que são «outros regimes de protecção social de enquadramento obrigatório» [recordando em súmula: a) os regimes especiais do sistema de segurança social; b) Os regimes da função pública; c) O regime dos antigos funcionários ultramarinos; d) O regime dos advogados e solicitadores; e) O regime dos trabalhadores da Companhia Portuguesa Rádio Marconi ; f) O regime de protecção social estabelecido na regulamentação colectiva de trabalho dos empregados bancários; g) Os regimes de protecção nos riscos de acidente de trabalho e doença profissional; h) Os regimes dos sistemas de segurança social estrangeiros ].
Mas o artigo 57-1 do DL 187/2007, de 10/05, determina que «as pensões de invalidez e de velhice do regime geral são livremente acumuláveis com pensões atribuídas por regimes facultativos de protecção social»; e o seu artigo 58 estatui que «é permitida a acumulação da pensão de invalidez relativa com rendimentos de trabalho, auferidos no País ou no estrangeiro, atentas as capacidades remanescentes do pensionista e tendo em vista a sua reabilitação e reintegração profissional.».
O legislador, ao permitir a acumulação da pensão de invalidez relativa com os rendimentos do trabalho, que o trabalhador aufira por ter ‘capacidade remanescente’ para a sua contraprestação laboral, com o fim de o reabilitar e reintegrar no meio laboral, aponta claramente no sentido de que, se quis, como expressamente quis, a acumulação da pensão de invalidez relativa com o ordenado laboral estando a trabalhar, então, e, até por maioria de razão, também deve ter querido que, por falta de rendimentos do trabalho por via do desemprego involuntário, seja compensado, com aqueles mesmos fins, com o subsídio de desemprego acumulado com a mesma pensão de invalidez.
A própria harmonia do sistema aponta nesse sentido, bem como a teleologia do diploma, pois que não parece ser razoável, nem lógico, que o legislador queira permitir a acumulação da pensão de invalidez relativa com o recebimento de um ordenado quando o trabalhador tem emprego e aufere vencimento, o que previu expressamente, e, negar essa acumulação quando o trabalhador não recebe o vencimento e (porque) deixou de ter desemprego.
Em suma, não parece razoável que o legislador tivesse querido proteger o mais e deixasse de proteger o menos, ou seja, que quisesse proteger mais quem tem trabalho do que quem, precisamente, ficou sem trabalho, em situação de desemprego involuntário (como é o caso).
Lógico é que o legislador tenha querido proteger mais o trabalhador no caso de desemprego involuntário do que o trabalhador no activo, dado o que fixou nos fins do DL 187/2007.
O DL 187/2007, de 10/05, é um diploma especial que define e regulamenta o regime jurídico de protecção nas eventualidades invalidez e velhice do regime geral de segurança social, visando o objectivo de compensar a perda de remunerações de trabalho motivada pela ocorrência das eventualidades invalidez e velhice. E, no que diz respeito à invalidez, deu especial atenção à «invalidez relativa», distinguindo esta e o seu regime, dos conceitos e regime da «invalidez absoluta».
Pelo que também se deve entender que o legislador, ao distinguir, tão veementemente, o conceito e o regime da invalidez relativa da invalidez absoluta, não pode ter querido, sob pena de contradição e de desarmonia do sistema, sancionar de modo igual estas situações que quis diferenciar.
O DL 187/2007 primacialmente respeita à invalidez. O DL 220/2006, embora alterado pela Lei 72/2010, no que aqui releva não foi alterado em relação à versão originária e respeita, primacialmente a empregabilidade e a reparação do desemprego, em geral. Assim, não se trata de revogação tácita, tendo o primeiro diploma o campo de acção especial da regulação da invalidez relativa, que no DL 220/2006, está omissa. Assim, o DL 187/2007 é um diploma especial em relação aos demais diplomas referidos, nomeadamente, ao DL 220/2006.
Como vimos, segundo a Lei 4/2007 (Lei de Bases), o desemprego e a invalidez (e a doença e a velhice, entre outros), não são um «mesmo facto» nem um «mesmo» interesse protegido, ali se permitindo expressamente a acumulação das respectivas prestações.
Nos termos do artigo 7-5, do CC, a lei geral não revoga a lei especial, excepto se outra for a intenção inequívoca do legislador. Ora, no caso, o legislador não teve qualquer vontade de eliminar esse regime especial, pois não o revogou expressamente podendo fazê-lo, nem tacitamente, e chamou particular atenção para a invalidez, como se viu.
Pelo exposto, o artigo 57 do DL 187/2007, de 10/05, deve ser interpretado no sentido de permitir a cumulação da pensão de invalidez relativa (não a absoluta) com o subsídio de desemprego em questão, face à capacidade de trabalho relativa remanescente.
Consequentemente e por tudo o exposto, os artigos 55 e 60-1-b), do DL 220/2006, não serão aplicáveis. Mas, se se defendesse que o artigo 55 [e 60-1-b)], fosse aplicável, ao determinar a cessação do direito às prestações de desemprego nos casos de passagem do beneficiário à situação de pensionista por invalidez, então deverá ser interpretado no sentido de se referir à «invalidez absoluta», mas não à «invalidez relativa», sob pena de negar à pessoa inválida (por mera incapacidade relativa) o subsídio e de inutilizar aquele outro regime estabelecido pelo DL 187/2007, para proteger a invalidez.
Em conclusão, deve ser julgada procedente a presente acção, anulando-se a decisão de indeferimento proferida pela R e concedendo-se à A o direito a receber o subsídio de desemprego nos termos da DL 220/2006, de 3/11, republicado pelo DL 72/2010, de 8/06, em acumulação com a pensão de invalidez relativa.».
O pedido de subsídio de desemprego, formulado pela A./recorrida, foi indeferido pelo acto impugnado [anulado na sentença recorrida], por ser pensionista, nos termos da alínea b) do nº 1 do artigo 60º do Decreto-Lei nº 220/2006, de 3 de Novembro [que estabelece o regime jurídico de protecção social da eventualidade de desemprego dos trabalhadores por conta de outrem e revoga os Decretos-Leis n.ºs 119/99, de 14 de Abril, e 84/2003, de 24 de Abril] (cfr. ponto 10) dos factos assentes).
A referida norma consagra o princípio da não acumulação das prestações de desemprego, no caso, com as pensões atribuídas pelos regimes do sistema de segurança social.
À A./recorrida foi atribuída pelo aqui Recorrente uma pensão por invalidez relativa, no valor de €303,23, com início em 20.12.2010, nos termos do Decreto-Lei nº 187/2007, de 10 de Maio [que consagra o regime de protecção nas eventualidades invalidez e velhice dos beneficiários do regime geral de segurança social], que acumulou com os rendimentos mensais de trabalho que vinha auferindo desde 1990, como trabalhadora por conta de outrem e que na data da cessação do contrato de trabalho, por caducidade, em 16.3.2011, eram de €725,00, de remuneração base a que acrescia o subsídio de alimentação e diuturnidades (cfr. pontos 3) a 6) dos factos assentes).
Tendo ficado em situação de desemprego involuntário, a A./recorrida manteve a pensão de invalidez relativa que, repete-se, lhe foi atribuída enquanto beneficiária do regime geral da segurança social (e não de outros regimes de protecção social de enquadramento obrigatório, como o da função pública, o dos funcionários ultramarinos, o dos advogados e solicitadores e os demais previstos no artigo 56º, ou de outros regimes facultativos de protecção social, com os quais tal pensão é livremente acumulável, de acordo com o nº 1 do artigo 57º, ambos do Decreto-Lei nº 187/2007).
Entende o tribunal recorrido que na alínea b) do nº 1 do artigo 60º do Decreto-Lei nº 220/2006 está compreendida a pensão por invalidez absoluta, mas já não a de invalidez relativa, referente à incapacidade de trabalho relativa.
Vejamos,
Como resulta do respectivo preâmbulo, o Decreto-Lei nº 187/2007 veio, designadamente, «(…) introduzir uma distinção, no regime da protecção social na invalidez, entre a invalidez relativa, até aqui objecto de regulamentação anterior, e a invalidez absoluta, situação a merecer pela primeira vez atenção e tratamento especiais. Na verdade, considera-se que estas situações - que traduzem casos de incapacidade permanente e definitiva para a obtenção de quaisquer meios de subsistência resultantes do exercício de qualquer profissão ou trabalho - devem merecer um cuidado especial, pois, ao contrário do que sucede com a invalidez relativa, não subsistem capacidades remanescentes para o trabalho e são, por isso, situações de gravidade social extrema. Assim sendo, a tutela acrescida que o legislador vem agora, em termos inovadores, conceder traduz-se nos seguintes aspectos: em primeiro lugar, a fixação de um prazo de garantia mais baixo que aquele que se exige para a invalidez relativa (três anos naquela contra os cinco desta); em segundo lugar, a não aplicação do factor de sustentabilidade, no momento da convolação da pensão por invalidez em velhice, sempre que o beneficiário tenha estado numa situação de incapacidade absoluta por um período considerado suficientemente longo que impeça a compensação dos efeitos daquele factor, finalmente, a fixação de uma nova regra em matéria de mínimos sociais, garantindo-se, de forma gradual, a atribuição aos beneficiários de pensões de invalidez absoluta de um valor mínimo de pensão igual ao valor mínimo da pensão de velhice correspondente a uma carreira contributiva completa. // Prevê-se ainda a definição de medidas de activação dos pensionistas de invalidez, a aprovar por legislação própria, que visem a reinserção profissional destes beneficiários no mercado de trabalho, valorizando e incentivando as suas capacidades remanescentes.» [sublinhados nossos].
A saber, o que este diploma legal veio regular de forma inovatória foi o regime de protecção social na situação de invalidez absoluta, distinguindo esta da invalidez relativa que vinha a ser regulamentada em legislação anterior.
No mesmo sentido v. acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 20.6.2011, proc. 263/10.3TTGRD.C1 de cujo sumário se extrai: «I – Para efeitos de reforma, a invalidez, tout court, sempre foi o que hoje é a invalidez relativa, ou seja, o que o Dec. Lei nº 187/2007 acrescentou não foi a invalidez relativa, mas a invalidez absoluta. // II – Efectivamente, o que mudou foi a consagração de um regime mais favorável para o que hoje, e como novidade, se chama invalidez absoluta (fixação de um prazo de garantia mais baixo, não aplicação do factor de sustentabilidade, no momento da conversão da pensão por invalidez em velhice e a fixação de uma regra mais favorável nos, assim chamados, mínimos sociais). // (…)», in www.dgsi.pt.
O que significa que a alínea b) do nº 1 do artigo 60º do Decreto-Lei nº 220/2006 prevê a não acumulação das prestações de desemprego com as pensões atribuídas pelos regimes do sistema de segurança social, mormente com a pensão por invalidez do regime geral da segurança social que o legislador no Decreto-Lei nº 187/2007, para a poder distinguir da invalidez absoluta, qualificou de relativa.
As medidas de prestação de desemprego, mesmo as do subsídio parcial em acumulação com o exercício de trabalho parcial por conta de outrem ou independente, observados os requisitos previstos no Decreto-Lei nº 220/2006, na redacção dada pelo Decreto-Lei nº 72/2010, de 18 de Junho [que estabelece medidas para reforçar a empregabilidade dos beneficiários de prestações de desemprego e o combate à fraude], têm como pressuposto a total capacidade e disponibilidade do respectivo beneficiário para o trabalho. O que não sucede quando o requerente em situação de desemprego involuntário é também pensionista por invalidez relativa.
E por assim entender, o legislador consagrou no nº 3 do artigo 8º do Decreto-Lei nº 220/2006, na redacção dada pelo referido Decreto-Lei nº 72/2010 que “A titularidade do direito ao subsídio de desemprego e, na sua sequência, ao subsídio social de desemprego é ainda reconhecida aos beneficiários que, sendo pensionistas de invalidez, cuja qualidade adquiriram no âmbito do regime geral de segurança social, e não exercendo simultaneamente actividade profissional, sejam declarados aptos para o trabalho em exame de revisão de incapacidade.” [sublinhados nossos].
Para os que, como a A./recorrida, se mantenham como pensionistas de invalidez relativa é permitida a acumulação da pensão de invalidez relativa com rendimentos de trabalho, auferidos no País ou no estrangeiro, atentas as capacidades remanescentes do pensionista e tendo em vista a sua reabilitação e reintegração profissional – cfr. o artigo 58º do Decreto-Lei nº 187/2007 [tal como vinha acontecendo com a A./recorrida até cessação do respectivo contrato de trabalho] pretendendo o legislador, como resulta do respectivo preâmbulo, a definição e aprovação, em legislação própria, de medidas de activação dos pensionistas de invalidez relativa que visem a sua reinserção profissional no mercado de trabalho, valorizando as suas capacidades remanescentes.
Pelas razões invocadas, a passagem à situação de pensionista por invalidez [relativa], no período de concessão do subsídio de desemprego, determina a cessação dos direitos do beneficiário às prestações de desemprego, nos termos da alínea b) do nº 1 do artigo 55º do Decreto-Lei nº 220/2006.
Assim, continua a ser aplicável à situação em apreciação a jurisprudência do STA expendida ainda que por referência a legislação revogada, designadamente, nos Acórdãos:
- de 28.10.2009, proc. nº 0535/09, com o seguinte sumário: “I - Não são cumuláveis, pensão de invalidez e subsídio de desemprego; II - O artigo 12.º, n.º 3, do DL 119/99, de 14 de Abril, garante que o pensionista de invalidez submetido a uma revisão da iniciativa da Administração e declarado apto para o trabalho, perdendo, por isso, aquela condição de pensionista, não fica desprovido de protecção.”, constando da sua fundamentação: «O Tribunal Administrativo e Fiscal concluiu inexistir o vício, pois que a “entidade demandada, quando decidiu suspender o subsídio de desemprego atribuído ao Autor porquanto este era pensionista de Invalidez desde 5/94, agiu em conformidade com a lei”. // O Tribunal Central, no acórdão sob recurso, sufragou o entendimento de que “conforme resulta dos preceitos legais citados na sentença recorrida e nomeadamente dos artigos 5.º, 6.º n.º 1, 7.º, n.º 2, 10.º e 47 do DL 119/99 de 14/4 não é cumulável o recebimento das prestações de desemprego com a percepção de invalidez” // (…) // Ora, estando demonstrado que não havia lugar à cumulação, conforme fundamentou, e bem, neste ponto, o Tribunal Central, não se detecta nenhum dos vícios assinalados pelo ora recorrido ao acto administrativo. // (…)»,
- e de 19.2.2002, proc. nº 48399, de cujo teor, se extrai o seguinte: «O artigo 33º do DL 79-A/89, de 13 de Março, dispõe: As prestações de desemprego não são cumuláveis com outras prestações compensatórias da perda de remuneração de trabalho nem com prestações de pré-reforma. // A intenção do legislador é clara e fundamentada. Destinando-se o subsídio de desemprego a compensar a situação de perda de remuneração do trabalho, por facto não imputável ao trabalhador nem compreendido nas outras causas de cessação do vínculo laboral, não se compreenderia a sua subvenção com a referida prestação, seja no caso do destinatário se encontrar numa situação de emprego efectivo, em que recebe o respectivo salário, seja no caso de, não o estando, não obstante recebe uma compensação prestativa por ter perdido a remuneração correspondente. // Ora, à reforma, como à aposentação, corresponde uma determinada pensão que visa precisamente compensar o interessado da perca das respectivas remunerações do trabalho enquanto no serviço activo, verificados os pressupostos da lei, fundamentalmente a natureza do vínculo e o tempo de serviço ou a constatação de uma situação de incapacidade física que impede o trabalhador de continuar ao serviço. // Não se vê, assim, recebendo o trabalhador essa compensação, como possa acumulá-la com o subsídio que pretende outrossim compensar a situação de desemprego, mas por carência de outros meios que tal situação lhe originou.(…).» [consultáveis em www.dgsi.pt].
Em face do que não se verificam os fundamentos de direito que determinaram o tribunal a quo a anular o acto impugnado, pelo que, procedendo o recurso, a decisão recorrida não pode manter-se na ordem jurídica, devendo a acção ser julgada improcedente.
Por tudo quanto vem exposto acordam os Juízes deste Tribunal Central Administrativo Sul, em conceder provimento ao recurso e, em consequência, revogar o acórdão recorrido e julgar a acção improcedente.
Custas pela Recorrida, nas duas instâncias, sem prejuízo do apoio judiciário de que possa beneficiar.
Registe e Notifique.
Lisboa, 31 de Março de 2022
(Lina Costa – relatora)
(Catarina Vasconcelos)
(Rui Pereira) |