Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:275/24.0BELSB
Secção:CA
Data do Acordão:09/20/2024
Relator:MARCELO DA SILVA MENDONÇA
Descritores:PROTECÇÃO INTERNACIONAL
RETOMA A CARGO
PEDIDO SUBSEQUENTE
ÓNUS DE ALEGAÇÃO E PROVA/NOVOS ARGUMENTOS
Sumário:I - As autoridades portuguesas, detectando que um requerente de protecção internacional já formulou um pedido cronologicamente antecedente noutro Estado-Membro, que até já aceitou a retoma a cargo desse cidadão estrangeiro, emitem decisão de inadmissibilidade desse mesmo pedido em Portugal, por ser competente para a análise concreta dessa solicitação o Estado-Membro de primeiro registo ou acerto no sistema EURODAC, nos termos conjugados dos artigos 19.º-A, n.º 1, alínea a), e 37.º, n.º 1, da Lei n.º 27/2008, de 30/06, e dos artigos 3.º, n.º 1, e 7.º, n.º 2, do Regulamento n.º 604/2013.
II - Por consequência, passa a ser o Estado-Membro de retoma a cargo o competente para sindicar as concretas razões alegadas pelo requerente de protecção.
III - Só assim não procederá o Estado português se, no concreto e ante os factos alegados pelo requerente de protecção internacional, considerar que existem motivos válidos para crer que há falhas sistémicas no procedimento de asilo e nas condições de acolhimento do requerente no Estado-Membro de destino da tomada ou retoma a cargo, que impliquem o risco de tratamento desumano ou degradante na aceção do artigo 4.º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, conforme o preceituado no artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento n.º 604/2013.
IV - No caso em apreço, vendo-se que inexistem motivos válidos para conjecturar quaisquer falhas sistémicas no sistema alemão de protecção e nas condições de acolhimento, que impliquem risco de tratamento desumano ou degradante, nada impede a decisão das autoridades portuguesas de inadmissibilidade do pedido de protecção internacional formulado pelo ora Recorrente, nem a sua retoma a cargo pela Alemanha.
V - A qualificação de um pedido de protecção internacional como subsequente, nos termos e para os efeitos do previsto no n.º 1 do artigo 33.º da Lei do Asilo, depende do interessado cumprir com o ónus que sobre si impende de alegar e provar os novos argumentos.
Votação:UNANIMIDADE
Indicações Eventuais:Subsecção COMUM
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral: I - Relatório.
A…, cidadão da Gâmbia, doravante Recorrente, que no Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa (TACL) deduziu impugnação judicial contra a Agência para a Integração, Migrações e Asilo, I.P. (AIMA), doravante Recorrida, com vista à impugnação do despacho proferido pelo Conselho Directivo da AIMA, datado de 11/12/2023, que considerou inadmissível o pedido de protecção internacional apresentado pelo ora Recorrente e ordenou a transferência do mesmo para a Alemanha, por entender ser este o Estado-Membro responsável pela sua análise, inconformado que se mostra com a sentença do TACL, de 14/05/2024, que julgou improcedente a impugnação, contra a mesma veio interpor recurso ordinário de apelação, apresentando alegações, nas quais formula as seguintes conclusões (transposição feita a partir da peça de recurso inserta no SITAF):
I. Vem o presente recurso de apelação interposto da douta sentença que julgou improcedente a ação administrativa interposta e que absolveu a demandada AIMA.
II. A sentença recorrida considerou, genericamente, que “mediante a aceitação do pedido de retoma a cargo pelas autoridades alemãs, é evidente que, ao abrigo das normas em referência, o Conselho Diretivo da AIMA não dispunha de outra solução, senão determinar a inadmissibilidade do pedido de proteção internacional apresentado pelo Autor, e nessa senda, determinar a sua transferência para a Alemanha, conforme ocorreu”, visto que “Em 09/11/2023, o Estado Alemão, aceitou expressamente essa responsabilidade, conforme consta da matéria assente, não resultando dos autos que a Alemanha já se tenha pronunciado negativamente sobre o seu pedido de proteção internacional, conforme alega o Autor”, Cfr. sentença proferida.
III. E tendo dado como facto não provado que “O Estado Alemão já se pronunciou negativamente sobre o pedido de proteção internacional apresentado pelo Autor”.
IV. Todavia, consultado integralmente o teor do processo administrativo junto pela entidade demandada, é indubitável que o Estado Alemão se pronunciou negativamente sobre o pedido de proteção internacional formulado pelo aqui Recorrente.
V. Vejamos que a fls. 53/94 do processo administrativo, junto pela entidade demandada, resulta evidente que o aqui Recorrente havia apresentado anteriormente um pedido de proteção internacional na Alemanha, no dia 08.03.2016 em “DE-KARLSRUHE” (cidade na Alemanha), pedido esse que foi rejeitado.
VI. Sendo a própria estada em Karlsruhe assumida pelo aqui Recorrente, e dada por provada pelo Tribunal a quo, aquando da prestação das suas declarações: “(…), depois passei de comboio pela Suíça até à Alemanha (fiquei cerca de 1 ano em Karlsruhe) (….)” (destaque nosso).
VII. Tendo o próprio Estado Alemão, conforme ofício datado de 27.10.2023, junto a fls. 55 do processo administrativo informado que não era responsável pelo pedido de asilo e que o Requerente não seria aceite a título de retoma a cargo, rejeitando novamente o pedido formulado pelo aqui Recorrente.
VIII. Destarte, apenas foi aceite pelo Estado Alemão o pedido de retoma a cargo após insistência e manifestação de discordância por parte do Estado Português (cfr. fls. 57- 58 e 61 do processo administrativo).
IX. Todavia, essa aceitação 7 anos depois não derroga a primitiva rejeição do pedido formulado pelo aqui Recorrente, por parte do Estado Alemão, atendendo ao pedido efetivamente submetido em 2016.
X. Ademais, cumpre ainda mencionar que da cuidada análise do processo administrativo junto pela Entidade Demandada, não resulta evidenciado nem evidente que o pedido formulado pelo aqui Recorrente junto do Estado Alemão se encontra “em análise”.
XI. Por outro lado, sempre será de referir que, o motivo que suscitou a saída do aqui Recorrente do seu país de origem (Gâmbia) prende-se com “problemas militares”, tendo o mesmo sido preso e detido no seu País de origem, cfr. fls 7/94 do processo administrativo.
XII. Acrescendo ainda que a Gâmbia passou efetivamente por uma situação de Golpe de Estado em 2022, sendo facto público e notório que ainda há violações inadmissíveis dos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos neste País, designadamente, liberdade de expressão, de associação política e direito a manifestações.
XIII. Estes factos notórios, não poderiam não ser do conhecimento da AIMA, e por essa razão, incumbiria a esta entidade ter instruído oficiosamente o procedimento especial que lhe incumbia decidir, nele fazendo constar informação fidedigna e atualizada sobre o estado político e contexto socioeconómico do País de Origem do aqui Recorrente, recorrendo, para o efeito, a fontes credíveis, obtidas, designadamente, junto do Gabinete Europeu de Apoio em matéria de Asilo do ACNUR e de pertinentes organizações de direitos humanos.
XIV. Como resulta evidente no âmbito da presente ação, essa instrução não foi feita, isto é, a AIMA nada averiguou, pelo menos com expressão no procedimento, relativamente à situação política atual da Gâmbia e contexto que culminou com a saída forçada do Recorrente do seu País de Origem.
XV. Sempre se dirá, que essa averiguação não dependia de qualquer alegação do então requerente, aqui Recorrente.
XVI. Dispõe o ponto 199. do Manual “Ainda que normalmente uma entrevista inicial seja suficiente para revelar a história do solicitante, pode ser necessário que o examinador faça uma entrevista suplementar para esclarecer quaisquer inconsistências aparentes, solucionar quaisquer contradições ou obter explicação para qualquer distorção ou dissimulação dos fatos materiais. Declarações falsas não constituem, por si só, motivo para a recusa da condição de refugiado e é da responsabilidade do examinador avaliar tais declarações à luz de todas as circunstâncias do caso.”
XVII. Na verdade, e conforme se pode observar pela decisão proferida pelo Conselho Diretivo da AIMA, esta deixa só claro que o pedido formulado pelo Recorrente é inadmissível, pelo exclusivo argumento de que cabe ao Estado Alemão a decisão sobre o pedido formulado pelo aqui Recorrente, que conforme supra exposto, foi por aquele Estado rejeitado.
XVIII. Neste sentido, tem de ser exigível, em primeira análise à AIMA e em último reduto aos Tribunais Portugueses a averiguação e conclusão que, naquele caso concreto, o Requerente de Asilo está a ser protegido, e não, a invocação de uma norma que pela sua simples e rápida aplicação, desvirtua um regime que pretende assegurar e acautelar os direitos daqueles que abandonam o seu país por falta de alternativas e com fundado receio de a ele terem de regressar.
XIX. Com o devido respeito, o Recorrente não é conhecedor da linguagem técnico-jurídica e por isso, literalmente, nas suas declarações, não “fundamenta o seu pedido, e bem assim, o pedido subsequente”, mas,
XX. Tal depreende-se do por si declarado, nomeadamente a evidente rejeição do pedido formulado junto do Estado Alemão, Estado-Membro para onde as autoridades portuguesas pretendem agora devolver o A., tendo por destino certo a deportação para a Gâmbia, e necessidade de se qualificar o pedido efetuado junto do Estado Português como pedido subsequente.
XXI. Efetivamente, “a aplicação da Convenção de Dublin, tal como do atual Regulamento de Dublin III, não dispensa as autoridades de verificar se existem garantias suficientes de que a pessoa não será sujeita a um risco sério de sujeição a tratamentos contrários ao artigo 3º no país de acolhimento, nomeadamente um risco de refoulement, direta ou indiretamente, para o país de origem.” (destaque nosso)
XXII. No caso dos autos, o risco foi invocado pelo Recorrente, e a decisão administrativa e sentença recorrida nada referem na sua fundamentação acerca do procedimento de asilo alemão, condições de acolhimento dos requerentes de asilo nesse país, nem sequer sobre as condições vigentes na Gâmbia, no que respeita a respeito pelos direitos humanos e respeito por convicções políticas ou religiosas, e por último, quanto à manifesta necessidade de qualificar o pedido de proteção internacional formulado em Portugal pelo Recorrente como um pedido subsequente.
XXIII. Vejamos que o pedido de proteção internacional apresentado em 2023 às autoridades portuguesas, por um cidadão da Gâmbia, que já tinha apresentado um outro às autoridades alemãs, em 2016, já indeferido, o que motivou a decisão de retoma a cargo para Alemanha, ao abrigo do art. 18.º, n.º 1, alínea d), do Regulamento de Dublin III, – não pode, face a todo o exposto, deixar de ser qualificado como consubstanciando um pedido de proteção internacional subsequente, para o efeito de se proceder à sua instrução enquanto tal.
XXIV. Questões que foram suscitadas no âmbito da presente ação e na situação jurídica controvertida que se encontra na base do pedido formulado pelo Recorrente, não devidamente acauteladas pelo Tribunal a quo.
XXV. Pelo que, entende o Recorrente que a sentença recorrida deve assim ser revogada, substituindo-se por outra declare a invalidade do ato impugnado, por violação das disposições legais supra melhor identificadas.
A Recorrida não contra-alegou.
O Ministério Público junto deste Tribunal, notificado nos termos e para os efeitos do previsto no artigo 146.º, n.º 1, do CPTA, emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso.
O parecer do MP foi notificado às partes.
Sem vistos dos Exmos. Juízes-Adjuntos, por se tratar de processo urgente (cf. artigo 36.º, n.º 2, do CPTA), mas com apresentação prévia do projecto de acórdão, o processo vem à conferência da Subsecção Administrativa Comum da Secção de Contencioso Administrativo deste TCAS para o competente julgamento.
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II - Delimitação do objecto do recurso.
Considerando que são as conclusões de recurso a delimitar o seu objecto, nos termos conjugados dos artigos 635.º, n.ºs 3 e 4, e 639.º, n.ºs 1 e 2, do CPC, aplicáveis “ex vi” do artigo 140.º, n.º 3, do CPTA, cumpre apreciar e decidir, resumidamente, se a decisão recorrida, ao julgar improcedente a impugnação judicial, enferma, ou não, de erro de julgamento, impondo-se para tal desiderato a sindicância sobre o acerto ou desacerto do quadro legal interpretado e aplicado pelo Tribunal a quo, sobretudo, sobre o artigo 19.º-A, n.º 1, alínea a), e n.º 2, da Lei n.º 27/2008, de 30/06, diploma legal que estabelece as condições e procedimentos de concessão de asilo ou proteção subsidiária e os estatutos de requerente de asilo, de refugiado e de proteção subsidiária, e sobre o artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento (UE) n.º 604/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de Junho de 2013 (doravante apenas o Regulamento n.º 604/2013), que institui os critérios e mecanismos de determinação do Estado-Membro responsável pela análise de um pedido de protecção internacional apresentado num dos Estados-Membros por um nacional de um país terceiro ou por um apátrida.
Importa, também, analisar a aplicação do artigo 33.º, n.º 1, da Lei do Asilo, no sentido de descortinar se o ora Recorrente logrou demonstrar a propalada natureza de pedido subsequente que atribui ao requerimento de protecção internacional apresentado em Portugal.
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III - Matéria de facto.
Considerando que, no que toca aos factos dados como provados na sentença recorrida, tal fixação não foi impugnada, mormente, segundo o ónus prescrito ao Recorrente pelas alíneas a) a c) do n.º 1 do artigo 640.º do CPC, nem há lugar a qualquer alteração dessa mesma factualidade (dos factos provados), remetemos para os termos da decisão da 1.ª instância que a decidiu, por ser suficiente a sua consideração para a apreciação do presente recurso, conforme o disposto no n.º 6 do artigo 663.º do CPC, aplicáveis tais comandos legais “ex vi” do artigo 140.º, n.º 3, do CPTA.
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IV - Fundamentação de Direito.
Na parte que aqui nos importa perscrutar, vejamos a fundamentação de direito da sentença recorrida, transcrevendo-se o seguinte trecho, por ser aquele que, de modo mais relevante, interessa à decisão do presente recurso:
Ora, resulta do probatório que o aqui Autor, apresentou um pedido de proteção internacional em 04/09/2023, junto das autoridades portuguesas, tendo, no entanto, formulado, em momento anterior, idêntico pedido junto da Alemanha.
Nessa conformidade, os serviços da AIMA, I.P. iniciaram o procedimento especial de determinação do Estado responsável pela sua apreciação, tendo formulado um pedido de retoma a cargo do ora Autor, às autoridades alemãs, por se ter apurado ser esse o Estado responsável pela análise do pedido durante a instrução do procedimento, em conformidade com o disposto no artigo 18, n.º 1, al. d) e artigo 25.º do Regulamento n.º 604/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho de 26 de Junho de 2013 e no n.º 1 do artigo 37.º da Lei n.º 27/2008, de 30/06.
Em 09/11/2023, o Estado Alemão, aceitou expressamente essa responsabilidade, conforme consta da matéria assente, não resultando dos autos que a Alemanha já se tenha pronunciado negativamente sobre o seu pedido de proteção internacional, conforme alega o Autor.
Em face do exposto, a Entidade Demandada proferiu a decisão aqui impugnada, determinando a sua transferência para a Alemanha, em cumprimento dos arts. 19.º-A, n.º 1, al. a), e 37.º, nº 2, da Lei de Asilo, situação em que, como vimos, se prescinde da análise das condições de que depende a concessão do estatuto de beneficiário de proteção internacional (art. 19.º-A, n.º 2), razão pela qual estava a AIMA, I.P. dispensada de analisar o fundamento do pedido de proteção internacional apresentado pelo Autor.
Com isto, mediante a aceitação do pedido de retoma a cargo pelas autoridades alemãs, é evidente que, ao abrigo das normas em referência, o Conselho Diretivo da AIMA não dispunha de outra solução, senão determinar a inadmissibilidade do pedido de proteção internacional apresentado pelo Autor, e nessa senda, determinar a sua transferência para a Alemanha, conforme ocorreu.
No que concerne a alegação de que o pedido de proteção internacional em causa, se trata de um pedido subsequente, de facto, o art. 33.º da Lei do Asilo prevê a possibilidade de um requerente de asilo, que já teve um pedido apreciado e indeferido previamente, possa, mediante a apresentação de novos elementos de prova, beneficiar do direito de asilo.
Porém, há que salientar que, não só não resultou provado que o pedido de proteção internacional apresentado na Alemanha tenha sido recusado, como não foram trazidos, aos presentes autos, as circunstâncias em que esse pedido assentou.
Desta forma, quer do pedido formulado perante as autoridades portuguesas, quer da audiência previa, não se retira que o Requerente tenha feito qualquer referência a factos novos, isto é, surgidos posteriormente ou decorrentes da alteração das circunstâncias, no que diz respeito a sua condição pessoal perante a Gâmbia.
Sobre a questão de factos/elementos novos, a jurisprudência do TJUE tem decidido no sentido de que a alusão à apresentação ou surgimento de novos elementos ou provas no âmbito de um pedido subsequente se refere, sempre, a elementos aduzidos pelos Requerentes da protecção internacional e não a elementos oficiosamente colhidos ou aduzidos ao procedimento pelas entidades responsáveis pela apreciação e decisão do pedido.
Ora, cabendo ao Autor, o ónus de fundamentar o seu pedido, e bem assim, o pedido subsequente, atento o disposto nos artigos 40.º, n.º 2 e 42.º, n.º 2 da Directiva 2013/32/UE, não existem elementos que pudessem permitir a qualificação do pedido como pedido subsequente, à luz do disposto no artigo 33.º da Lei do Asilo, mesmo a admitir-se que essa qualificação não tivesse de ser invocada expressamente.
Impende ainda salientar, que também aqui a questão da competência se coloca, considerando o princípio europeu de que seja apenas um Estado-Membro a proceder à apreciação do pedido – o Estado Membro Responsável” (artigos 7.º e 18.º, n.º 1, alínea d) do Regulamento n.º 604/2013).
Com efeito, o disposto no n.º 7 do artigo 40.º da Directiva 2013/32/UE permite afirmar que a solução, no caso de se tratar de pedido subsequente, sempre seria a de promover a transferência do Requerente para o Estado-Membro responsável, através do processo de retoma a cargo, conjuntamente com o pedido subsequente, que ali teria de ser apreciado, pois à luz do regime do Regulamento (UE) n.º 604/2013, a Entidade Demandada só poderia ser responsável por apreciar o pedido se não houvesse retoma a cargo ou se esta decisão fosse objecto de recurso.
Logo, não estando reunidos os pressupostos legalmente exigidos para a qualificação do pedido em apreciação, como um pedido subsequente, nos termos e para os efeitos do disposto no art. 33.º da Lei do Asilo, a decisão impugnada não merece censura. (em sentido semelhante o Acórdão do STA, no proc. N.º 03319/22.6BELSB, de 09/11/2023).
Em face de todo o exposto, improcede integralmente a presente ação.
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Desde já adiantamos que a decisão recorrida, por dela provir um julgamento de direito acertado, será confirmada.
Vejamos as razões, cujo fio condutor analítico não poderá deixar de ser o âmbito estrito das conclusões recursivas do Recorrente.
O Recorrente alude que, num primeiro momento, as autoridades alemãs recusaram a sua retoma a cargo. Ainda que o procedimento administrativo a tal demonstre, o que releva é que, após novas diligências e explicações dos serviços da ora Recorrida, os serviços congéneres alemães acabaram mesmo por anuir em tal retoma a cargo do Recorrente, ditando uma última decisão e comunicação de aceitação, datada de 09/11/2023, a única que, ao fim e ao cabo, efectivamente releva no caso vertente.
Das conclusões recursivas depreende-se, entre outros argumentos, que o Recorrente, uma vez transferido para a Alemanha, tem receio que venha a ser decidido pelas autoridades alemãs o seu regresso à Gâmbia.
Ora bem, o argumento em causa não tem a virtualidade de abalar o mérito da sentença recorrida, posto que, nem as autoridades portuguesas controlam o que pode vir a ser decidido pelas suas congéneres alemãs, nem o acto administrativo impugnado (proferido pelas autoridades portuguesas) em parte alguma determina a deportação do ora Recorrente para o seu país de origem.
Em rigor, o sentido da decisão impugnada foi apenas o de, face ao quadro legal em vigor, considerar inadmissível o pedido de protecção internacional apresentado pelo Recorrente em Portugal, por ser a Alemanha o país que já contava com um registo/acerto prévio no sistema EURODAC de um pedido de protecção igualmente apresentado pelo ora Recorrente (para além da Itália), e, por isso, o Estado-Membro competente para a análise dessa pretensão, nos termos do artigo 19.º-A, n.º 1, alínea a), da Lei n.º 27/2008, de 30/06, que prescreve o seguinte: 1 - O pedido é considerado inadmissível, quando se verifique que:
a) Está sujeito ao procedimento especial de determinação do Estado responsável pela análise do pedido de proteção internacional, previsto no capítulo IV” (destaques nossos).
As autoridades portuguesas limitaram-se a aplicar o disposto no artigo 37.º, n.º 1, da citada Lei, que determina o seguinte: “Quando se considere que a responsabilidade pela análise do pedido de proteção internacional pertence a outro Estado-Membro, de acordo com o previsto no Regulamento (UE) n.º 604/2013, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho, a AIMA, I. P., solicita às respetivas autoridades a sua tomada ou retoma a cargo (destaques nossos).
Foi precisamente o que ocorreu no caso vertente, impondo-se à entidade recorrida a solicitação da retoma a cargo do ora Recorrente às autoridades alemãs (que o aceitaram), às quais compete agora a análise concreta dos alegados motivos para o pedido de protecção internacional, conforme dimana do artigo 3.º, n.º 1, do Regulamento n.º 604/2013, que preceitua o seguinte: Os Estados-Membros analisam todos os pedidos de proteção internacional apresentados por nacionais de países terceiros ou por apátridas no território de qualquer Estado-Membro, inclusive na fronteira ou nas zonas de trânsito. Os pedidos são analisados por um único Estado-Membro, que será aquele que os critérios enunciados no Capítulo III designarem como responsável” (destaques nossos).
É agora a Alemanha o país responsável pela apreciação do pedido de protecção internacional do ora Recorrente, porquanto, como atrás dissemos, foi nesse país que (para além da Itália), face aos registos do sistema EURODAC, o Recorrente antecedentemente apresentou um pedido de tal ordem, o que se mostra conforme ao disposto no artigo 7.º, n.º 2, do Regulamento n.º 604/2013, inserto no capítulo III, que estabelece os critérios de determinação do Estado-Membro responsável, do qual resulta o seguinte: “A determinação do Estado-Membro responsável em aplicação dos critérios enunciados no presente capítulo é efetuada com base na situação existente no momento em que o requerente tiver apresentado pela primeira vez o seu pedido de proteção internacional junto de um Estado-Membro (destaques nossos).
E compreende-se que assim seja, posto que, a tal critério de precedência cronológica presidem razões de certeza e segurança jurídicas, evitando-se, assim, a duplicação de decisões ou decisões díspares sobre o mesmo caso concreto, tal como, impede que o sistema europeu comum de asilo se torne numa espécie de “Asylum Shopping”.
Importa, pois, evitar tal prática de “Asylum Shopping”, obstando a que os requerentes, nomeadamente, de protecção internacional, sem qualquer outra finalidade, adoptem uma práxis de apresentação sucessiva de pedidos em diversos países do espaço europeu apenas com o fito nas condições de recepção ou de assistência social que cada Estado-Membro tem para lhes oferecer, optando pelo Estado-Membro que, em cada momento, garanta as melhores condições.
Aliás, situação de “Asylum Shopping” que, no caso concreto, importa mesmo evitar, porquanto, conforme resulta do probatório, o ora Recorrente já apresentou vários pedidos de protecção internacional no espaço da União Europeia: em Itália, na Alemanha e, agora, em Portugal.
Não pode ser o “Asylum Shopping”, com certeza, o desígnio do sistema europeu de protecção internacional, incluindo o mecanismo de protecção subsidiária, que é facultado às pessoas que requerem o amparo da União Europeia com propósitos bem específicos, sob pena de se desvirtuarem as verdadeiras razões que presidem a tal sistema de protecção, cujo elenco podemos observar nos artigos 3.º a 7.º da Lei n.º 27/2008, de 30/06, com especial destaque para os casos de perseguição ou ameaça grave em resultado de actividade no país de origem em prol da democracia, da libertação social e nacional, da paz entre os povos, da liberdade e dos direitos da pessoa humana, ou que receiem perseguição em virtude da sua raça, religião, nacionalidade, opiniões políticas ou integração em certo grupo social, ou ainda nas situações em que, ao regressarem ao país de origem, possam sofrer ofensa grave em virtude de pena de morte ou execução, tortura ou pena ou tratamento desumano ou degradante ou ameaça grave contra a vida ou a integridade física resultante de violência indiscriminada em situações de conflito armado internacional ou interno ou de violação generalizada e indiscriminada de direitos humanos.
No caso dos autos, sejam os alegados problemas militares ou de prisão que o Recorrente diz ter tido na Gâmbia, seja a situação de golpe de estado que alega ter ocorrido naquele país africano, em que aduz ser facto público e notório que ainda há violações inadmissíveis dos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos nesse país, designadamente, liberdade de expressão, de associação política e direito a manifestações, constituem motivos que, globalmente, devem ser analisados na actualidade pelas autoridades alemãs, que já se responsabilizaram perante Portugal pela retoma a cargo do ora Recorrente.
Portanto, uma vez considerado inadmissível o pedido de protecção internacional, sobre as autoridades portuguesas deixou de impender qualquer obrigação de análise sobre as concretas razões invocadas pelo ora Recorrente no seu pedido de protecção, já que, reitera-se, a apreciação de tais motivos passou a ser da competência das autoridades alemãs, responsáveis, segundo o direito nacional e europeu atrás enunciado, pela retoma a cargo do Recorrente.
Assim rege o artigo 19.º-A, n.º 2, da Lei n.º 27/2008, de 30/06, que estipula o seguinte: Nos casos previstos no número anterior, prescinde-se da análise das condições a preencher para beneficiar do estatuto de proteção internacional.” (destaques nossos).
Portanto, assim tendo sido apreciado e decidido pela sentença recorrida, nenhum erro de julgamento se lhe pode apontar neste conspecto, impondo-se dizer que o Tribunal a quo não tinha qualquer fundamento para anular o acto administrativo impugnado, pois que, como vimos, mostra-se de acordo com a legalidade aplicável a decisão de inadmissibilidade do pedido de protecção e de considerar a Alemanha como o Estado-Membro responsável pela retoma a cargo do ora Recorrente.
Só assim não aconteceria, isto é, não se admitiria retoma a cargo do Recorrente pelo estado alemão se, no caso concreto, se verificasse o panorama descrito no artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento n.º 604/2013, que prevê o seguinte: “Caso seja impossível transferir um requerente para o Estado-Membro inicialmente designado responsável por existirem motivos válidos para crer que há falhas sistémicas no procedimento de asilo e nas condições de acolhimento dos requerentes nesse Estado-Membro, que impliquem o risco de tratamento desumano ou degradante na aceção do artigo 4.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, o Estado-Membro que procede à determinação do Estado-Membro responsável prossegue a análise dos critérios estabelecidos no Capítulo III a fim de decidir se algum desses critérios permite que outro Estado-Membro seja designado responsável.” (destaques nossos).
Neste aspecto, e retornando ao caso “sub judice”, nada do inscrito em conclusões recursivas permite deduzir pela existência de falhas gritantes no procedimento de asilo alemão, nem pela falta de condições de acolhimento ou pela existência de um risco sério do Recorrente vir a ser alvo de tratamentos desumanos ou degradantes na Alemanha, o Estado-Membro agora responsável pela análise do pedido de protecção internacional formulado pelo Recorrente.
Dito de outro modo, nada permite concluir que a transferência do ora Recorrente para a Alemanha seja susceptível de implicar a sua exposição ao risco, directo ou indirecto, de, uma vez nesse Estado-Membro, ser objecto de tratamento desumano ou degradante ou de ser afectado no núcleo essencial dos seus direitos à segurança, à saúde, à protecção social, à vida e à integridade física.
Antes pelo contrário, conforme decorre indiciariamente do probatório, resulta das próprias declarações prestadas pelo ora Recorrente ante as autoridades portuguesas que, quando permaneceu em Itália e na Alemanha, não foi tratado com desumanidade, pois declarou o Recorrente que beneficiara de alojamento, alimentação, recebendo ainda algum dinheiro por mês, obtendo acesso a cuidados de saúde.
Acresce dizer que, face ao princípio da confiança mútua entre os Estados-Membros da União Europeia e de partilha dos mesmos valores, princípios e regras em matéria de respeito pelos direitos humanos e pelos direitos, liberdades e garantias mais elementares, deve presumir-se que o tratamento dado por um Estado-Membro aos requerentes de protecção internacional está em conformidade com as exigências da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, da Convenção de Genebra relativa ao Estatuto dos Refugiados, bem como, da Convenção Europeia dos Direitos Humanos, não tendo o Recorrente, relativamente à Alemanha, logrado ilidir tal presunção.
Assim se conclui que, do enunciado nas conclusões de recurso, nada justifica a derrogação da norma que dita a retoma a cargo do Recorrente pela Alemanha, o que só poderia acontecer, como dissemos, se existissem motivos válidos para crer que há falhas sistémicas no procedimento de asilo e nas condições de acolhimento dos requerentes nesse Estado-Membro, que impliquem o risco de tratamento desumano ou degradante, atento o já enunciado artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento n.º 604/2013, coisa que, como vimos, não foi alegado nem comprovado relativamente ao caso em apreço.
Temos por certo, assim, que foi a sentença recorrida a sustentar devidamente a falta desses motivos e, como tal, nada afasta a inexorável transferência do Recorrente para a Alemanha.
A propósito da presente temática, chamamos à colação o acórdão do STA, de 24/11/2022, proferido no processo sob o n.º 0269/22.0BELSB, consultável em www.dgsi.pt, que fez constar do seu sumário o seguinte posicionamento: “O SEF não se encontra obrigado a fazer quaisquer averiguações sobre eventuais falhas sistémicas do sistema de acolhimento quando não existam indícios de que o requerente tenha sido ou venha a ser vítima das mesmas, nomeadamente com a gravidade extrema que é pressuposto da aplicação da cláusula de salvaguarda constante do artº 3º nº 2 do Regulamento Dublin III”.
Do mesmo acórdão consta ainda o seguinte entendimento, que aqui igualmente sufragamos: E, também, não podemos esquecer que a França, como Estado-Membro da União Europeia, está sujeita às obrigações decorrentes da aplicação da legislação europeia, nomeadamente em matéria de procedimento de asilo (Regulamento Dublin III), de acolhimento dos requerentes de proteção internacional (Diretiva 2013/33/EU, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de Junho de 2013), e aos órgãos da própria União Europeia.
Pelo que, inexistindo indícios concretos de falhas sistémicas nos procedimentos de asilo em França, não se impõe obrigar o SEF a averiguar acerca das condições no procedimento de asilo no país de acolhimento, procedendo a diligências instrutórias de averiguação sobre eventuais falhas do sistema francês na apreciação dos pedidos de proteção internacional ou nas condições de acolhimento dos requerentes.
Não estamos, pois, perante uma situação donde, da inadmissibilidade do pedido de proteção em Portugal do aqui recorrente, possa decorrer a sua transferência para outro Estado-Membro que o vá colocar numa situação equiparada a “tratos desumanos ou degradantes”.
E, por isso, não se impõe ao SEF qualquer averiguação oficiosa sobre o funcionamento do procedimento de asilo e das condições de acolhimento dos requerentes de proteção internacional nesse Estado-membro da União Europeia.
Ainda que o citado acórdão se refira a um caso concreto da tomada ou retoma a cargo de um cidadão estrangeiro pela República Francesa, temos por certo que o entendimento no mesmo propugnado tem plena aplicação no caso vertente, estando aqui em apreço a transferência do Recorrente para a Alemanha, um país-membro da União Europeia, igualmente sujeito “às obrigações decorrentes da aplicação da legislação europeia, nomeadamente em matéria de procedimento de asilo (Regulamento Dublin III), de acolhimento dos requerentes de proteção internacional (Diretiva 2013/33/EU, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de Junho de 2013), e aos órgãos da própria União Europeia”.
No mesmo sentido existe já abundante jurisprudência deste TCAS, que de modo uniforme vem decidindo questões em tudo semelhantes à do presente recurso, destacando-se, entre outros, os acórdãos proferidos nos seguintes processos: n.º 1476/22.0BELSB, de 23/03/2023; n.º 3842/22.2BELSB, de 11/05/2023; n.º 48/23.7BELSB, de 11/05/2023; e 2415/23.7BELSB, de 12/12/2023, todos consultáveis em www.dgsi.pt.
E ainda que o Recorrente, em conclusões recursivas, pugne pela interpretação de que o seu actual pedido de protecção em Portugal constitui um pedido subsequente na acepção do artigo 33.º, n.º 1, da Lei do Asilo (“O requerente ao qual tenha sido negado o direito de proteção internacional pode, sem prejuízo do decurso dos prazos previstos para a respetiva impugnação jurisdicional, apresentar um pedido subsequente, sempre que disponha de novos elementos de prova que lhe permitam beneficiar daquele direito ou quando entenda que cessaram os motivos que fundamentaram a decisão de inadmissibilidade ou de recusa do pedido de proteção internacional” - destaque nosso), nada no caso vertente permite atribuir tal qualificação ao requerimento apresentado pelo ora Recorrente em Portugal.
Em primeiro lugar, mesmo a admitir-se a hipótese de que a protecção internacional tenha sido negada ao ora Recorrente pelas autoridades alemãs na sequência do pedido de 2016, ao Recorrente impunha-se que, em sede da p.i. relativa aos presentes autos, tivesse cumprido com o ónus de alegação e prova dos motivos concretamente inscritos nesse primeiro pedido de protecção internacional, por forma a que, naturalmente, os pudéssemos comparar com os argumentos que agora aduz no requerimento que deduziu em Portugal, pois só assim se poderia descortinar o carácter inovatório desses supostos novos motivos ou a cessação dos anteriores.
Em segundo lugar, dimana claramente do citado comando legal que é o ora Recorrente, enquanto interessado numa reapreciação do seu estatuto de requerente de asilo no espaço da União, quem deve apresentar os novos elementos de prova relativos aos mais recentes motivos que, no seu entender, justificam a atribuição da protecção internacional.
Portanto, para a aplicação do n.º 1 do artigo 33.º da Lei do Asilo não basta, como sustentou amiúde o ora Recorrente, que sobre o seu antecedente pedido de protecção internacional tenha já recaído uma decisão de indeferimento das autoridades alemãs, cujos concretos fundamentos o Recorrente, porém, nem sequer aludiu nem comprovou.
Dito de outra forma, torna-se relevante a determinação dos motivos apontados num e noutro pedido, aspecto que o Recorrente, como dissemos, nunca explicou relativamente ao primeiro pedido feito na Alemanha. E, no que tange ao requerimento apresentado em Portugal, como vimos, o Recorrente também não juntou qualquer novo elemento de prova, fosse no procedimento administrativo, fosse já com a p.i., que comprovasse uma nova situação factual merecedora de protecção internacional.
O ónus da prova para que o requerimento apresentado pelo ora Recorrente viesse a beneficiar da qualificação de pedido subsequente sobre o mesmo impendia e não à Administração. Incumprido que foi tal ónus pelo Recorrente, não se pode, por consequência, considerar o requerimento em causa como um pedido subsequente, nos termos do previsto no n.º 1 do artigo 33.º da Lei do Asilo.
Neste sentido, veja-se o acórdão do STA, de 09/11/2023, proferido no processo sob o n.º 03319/22.6BELSB, “in” www.dgsi.pt, enfatizando-se o seguinte excerto:
Com efeito, não cabe à Entidade Requerida a obrigação de oficiosamente proceder à verificação do “surgimento” de alteração das condições no país de origem, sem que tais alterações sejam invocadas pelo Requerente. Uma tal solução não tem acolhimento nem na letra do artigo 33.º, n.º 1 da Lei do Asilo, nem na dos artigos 40.º, n.º 2 e 42.º, n.º 2 da Directiva 2013/32/UE, dos quais decorre que é uma obrigação do Requerente a fundamentação do pedido, incluindo do pedido subsequente com a indicação de novos factos e, da leitura do processo administrativo, tal como resulta do ponto C da matéria de facto assente, inexiste qualquer indicação respeitante ao surgimento de factos novos [v. 1.2.3. do Guia Prático sobre pedidos subsequentes, Gabinete Europeu de Apoio em matéria de Asilo (EASO), Dezembro de 2021].
No mesmo sentido (de que invocação de “factos novos” é um ónus do Requerente), o acórdão do TJUE de 09.09.2021, exarado no proc. C-18/20, ao interpretar o âmbito da obrigação de apreciação preliminar da viabilidade de um pedido subsequente previsto no artigo 40.º, n.º 2 da Directiva 2013/32/UE concluiu que o mesmo se há-de fazer em conformidade com o teor do considerando 36 da referida Directiva, onde se pode ler que: “Caso um requerente apresente um pedido subsequente sem aduzir novos argumentos ou elementos de prova, seria desproporcionado obrigar os Estados-Membros a empreenderem um novo procedimento completo de apreciação. Em tais casos, os Estados-Membros deverão ter a possibilidade de considerar o pedido não admissível, segundo o princípio do caso julgado”.
Nesse contexto, o TJUE afirma, com interesse para a decisão que aqui cumpre formular, o seguinte: “[…] importa recordar que o procedimento de verificação da admissibilidade de um pedido subsequente visa, como resulta do considerando 36 da Diretiva 2013/32, permitir aos Estados-Membros declarar inadmissível qualquer pedido subsequente apresentado na falta de qualquer novo elemento ou prova, a fim de respeitar o princípio da autoridade de caso julgado de uma decisão anterior […]” e ainda “[…] Daqui resulta que a análise da questão de saber se um pedido subsequente se baseia em novos elementos ou provas relativos à apreciação que visa determinar se o requerente preenche as condições exigidas para beneficiar do estatuto de proteção internacional ao abrigo da Diretiva 2011/95 se deve limitar à verificação da existência, em apoio desse pedido, de elementos ou de provas que não foram apreciados no âmbito da decisão proferida sobre o pedido anterior e em relação aos quais essa decisão, revestida da autoridade de caso julgado, não pôde ser baseada […]” (§§ 41 e 42).
De resto, remete para os §§ 50 e 51, do acórdão, também do TJUE proferido no processo C-921/19, de 1.06.2021, onde se pode ler o seguinte: “[…]Uma interpretação diferente do artigo 40.º, n.º 2, da Diretiva 2013/32, que implicaria que a autoridade responsável pela determinação procedesse, logo na fase de verificação da presença de novos elementos ou provas em apoio do pedido subsequente, a uma apreciação desses elementos e provas, além do facto de levar a uma confusão das diferentes fases do procedimento de apreciação desse pedido, iria contra o objetivo da Diretiva 2013/32 de assegurar uma apreciação tão rápida quanto possível dos pedidos de proteção internacional […]”.
Resulta da jurisprudência do TJUE que a alusão à apresentação ou ao surgimento de novos elementos ou provas no âmbito de um pedido subsequente se refere, sempre, a elementos aduzidos pelos Requerentes da protecção internacional e não a elementos oficiosamente colhidos ou aduzidos ao procedimento pelas entidades responsáveis pela apreciação e decisão do pedido. O sentido da expressão surgimento é o de que esses elementos não têm de ter ocorrido após a presentação do primeiro pedido, mas têm e de ser invocados com carácter de novidade neste pedido subsequente. (destaques nossos).
Assim tendo julgado a sentença recorrida, também nesta vertente nenhum erro se lhe pode apontar.
Tudo visto, acordamos em negar provimento ao presente recurso jurisdicional, sendo de confirmar a sentença recorrida.
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Sem custas, por ser gratuito o processo, nos termos do artigo 84.º da Lei n.º 27/2008, de 30 de Junho.
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Em conclusão, é elaborado sumário, nos termos e para os efeitos do estipulado no artigo 663.º, n.º 7, do CPC, aplicável “ex vi” do artigo 140.º, n.º 3, do CPTA, nos seguintes moldes:
I - As autoridades portuguesas, detectando que um requerente de protecção internacional já formulou um pedido cronologicamente antecedente noutro Estado-Membro, que até já aceitou a retoma a cargo desse cidadão estrangeiro, emitem decisão de inadmissibilidade desse mesmo pedido em Portugal, por ser competente para a análise concreta dessa solicitação o Estado-Membro de primeiro registo ou acerto no sistema EURODAC, nos termos conjugados dos artigos 19.º-A, n.º 1, alínea a), e 37.º, n.º 1, da Lei n.º 27/2008, de 30/06, e dos artigos 3.º, n.º 1, e 7.º, n.º 2, do Regulamento n.º 604/2013.
II - Por consequência, passa a ser o Estado-Membro de retoma a cargo o competente para sindicar as concretas razões alegadas pelo requerente de protecção.
III - Só assim não procederá o Estado português se, no concreto e ante os factos alegados pelo requerente de protecção internacional, considerar que existem motivos válidos para crer que há falhas sistémicas no procedimento de asilo e nas condições de acolhimento do requerente no Estado-Membro de destino da tomada ou retoma a cargo, que impliquem o risco de tratamento desumano ou degradante na aceção do artigo 4.º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, conforme o preceituado no artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento n.º 604/2013.
IV - No caso em apreço, vendo-se que inexistem motivos válidos para conjecturar quaisquer falhas sistémicas no sistema alemão de protecção e nas condições de acolhimento, que impliquem risco de tratamento desumano ou degradante, nada impede a decisão das autoridades portuguesas de inadmissibilidade do pedido de protecção internacional formulado pelo ora Recorrente, nem a sua retoma a cargo pela Alemanha.
V - A qualificação de um pedido de protecção internacional como subsequente, nos termos e para os efeitos do previsto no n.º 1 do artigo 33.º da Lei do Asilo, depende do interessado cumprir com o ónus que sobre si impende de alegar e provar os novos argumentos.
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V - Decisão.
Ante o exposto, acordam, em conferência, os Juízes-Desembargadores que compõem a Subsecção Administrativa Comum da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao recurso jurisdicional, e, em consequência, confirmar a sentença recorrida.
Sem custas.
Registe e notifique.
Lisboa, 20 de Setembro de 2024.
Marcelo Mendonça – (Relator)
Ricardo Ferreira Leite – (1.º Adjunto)
Carlos Araújo – (2.º Adjunto)