Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:810/11.3BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:12/19/2024
Relator:PATRÍCIA MANUEL PIRES
Descritores:CADUCIDADE DO DIREITO À LIQUIDAÇÃO
ASSINATURA DA ORDEM DE SERVIÇO POR TERCEIRO SEM REPRESENTAÇÃO
EFICÁCIA OPERATIVA DE CAUSA SUSPENSIVA DO PRAZO DE CADUCIDADE
Sumário:I - O início da ação inspetiva é delimitado pela assinatura da Ordem de Serviço, decorrendo do normativo artigo 51.º do RCPIT que a mesma tem de ser assinada pelo sujeito passivo ou pelo seu representante legal, podendo, outrossim, e nas situações aplicáveis, ser assinada pelo TOC, qualquer empregado ou colaborador, caso o sujeito passivo ou o seu representante não se encontrem no local.
II - Não releva para efeitos de causa suspensiva do prazo de caducidade, prevista no artigo 46.º, nº1 da LGT, a cognoscibilidade da Carta Aviso, na medida em que a notificação que permite suspender o prazo de caducidade da liquidação é, tão-só, a da Ordem de Serviço ou do despacho no início da ação de inspeção externa, a efetuar nos termos do artigo 51.º do RCPIT.
III - Se o legislador estabeleceu a vinculação e imposição de que a Ordem de Serviço que credencia e determina o início do procedimento inspetivo, tem de ser notificada ao sujeito passivo ou seu representante legal, naturalmente que o fez com o objetivo de ser necessária uma notificação pessoal, por forma que o mesmo pudesse compreender, avaliar e indagar do âmbito e extensão dessa atividade inspetiva.
IV - Se o Impugnante não assinou a Ordem de Serviço, nem consta que a pessoa que a assinou o representasse, por qualquer forma, e, tão-pouco, que exista qualquer situação suscetível de ser qualificada e enquadrada enquanto recusa de assinatura, então, não pode assumir-se como válida a notificação da aludida Ordem de Serviço, o que obsta, necessariamente, a que a mesma possa revestir causa suspensiva do prazo de caducidade, passível de subsunção normativa no artigo 46.º, nº1 da LGT.
Votação:Unanimidade
Indicações Eventuais:Subsecção Tributária Comum
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
ACÓRDÃO


I-RELATÓRIO

O DIGNO REPRESENTANTE DA FAZENDA PÚBLICA (doravante Recorrente), veio interpor recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, que julgou procedente a impugnação judicial deduzida por A…, contra as liquidações adicionais de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) e respetivos Juros Compensatórios (JC), referentes ao ano de 2002, no valor global de 174.968,00.


***


O Recorrente, veio apresentar as suas alegações, formulando, as conclusões que infra se reproduzem:

“I. Entendeu o Tribunal recorrido, na douta sentença, que a notificação da liquidação ocorreu para além do prazo de caducidade, desconsiderando a suspensão de 6 meses prevista no art. 46º, nº 1 da LGT.

II. Conforme resulta dos factos dados como provados ao impugnante foi remetida “Carta- Aviso” comunicando que os Serviços de Inspeção Tributária (SIT) se iriam deslocar à morada do mesmo, a fim de verificarem do cumprimento das obrigações Tributárias por parte do Impugnante – fls. 132 do PAT.

III. Resultou, ainda, provado que a ordem de serviço foi assinada, em 29-09-2006, por C…, filho do impugnante – fls. 133 do PAT.

IV. Determina, por sua vez, o art. 46º, nº 1, da LGT, que o decurso do prazo de caducidade se suspende “com a notificação ao contribuinte, nos termos legais, da ordem de serviço ou despacho no início da inspecção externa” e determina, na segunda parte, que a suspensão cessa, e o prazo conta-se desde o seu início “caso a duração da inspecção externa tenha ultrapassado o prazo de seis meses após a notificação”.

V. Ora, resulta dos autos que o sujeito passivo foi notificado da ordem de serviço na pessoa do seu filho, que, seguramente, lhe deu conhecimento da mesma, conforme lhe deu conhecimento da “Carta-Aviso” – cfr. fls. 132 e 134 do PAT.

VI. Sendo, pois, o IRS um imposto periódico, conta-se o prazo a partir do termo do ano, ou seja, in casu, o inicio do prazo de caducidade conta-se a partir de 31 de dezembro de 2002, prazo que terminaria a 31 de dezembro de 2006, caso não ocorresse nenhuma causa suspensiva, nos termos do disposto nos arts. 45º, nº 1 e 46º, nº 1 da LGT.

VII. Cumpre, pois, aferir se ocorreu alguma causa de suspensão da caducidade, atendendo ao disposto no art.º 46º, n.º 1, da LGT, que determina a suspensão prazo de caducidade com a notificação ao contribuinte da ordem de serviço ou despacho no início da ação de inspeção externa, cessando tal efeito e contando-se o prazo desde o seu início, no caso de a duração da inspeção externa ultrapassar o prazo de seis meses após a notificação.

VIII-In casu, a ordem de serviço foi notificada 29-09-2006, antes do termo do prazo de caducidade, pelo que se suspendeu o mesmo nessa data

IX. Sendo inquestionável que, entre a data da notificação da ordem de serviço da inspeção –29-09-2006 - e a data da conclusão do procedimento de inspeção externa, marcada com a notificação do relatório final da inspeção, e que não se controverte que ocorreu em 04-01-2007, decorreram menos de seis meses.

X. Assim, o prazo de caducidade de quatro anos, que se completaria em 31-12-2006, esteve suspenso entre 29-09-2006 e 04-01-2007, e, nesta circunstância, tal prazo só viria a completar-se em 07-04-2007.

XI. E tendo o sujeito passivo sido notificada da liquidação em 22-01-2007, ainda não decorrera o prazo de caducidade de quatro anos previsto no artigo 45º, nº 1, da LGT.

XII. Nesta decorrência, ao decidir como decidiu, violou a douta sentença o disposto nos arts. 51º do RCPIT e 45º e 46º da LGT.

Termos em que, concedendo-se provimento ao recurso, deve a decisão ser revogada e substituída por acórdão que declare a impugnação improcedente, quanto à matéria aqui discutida. PORÉM V. EX.AS DECIDINDO FARÃO A COSTUMADA JUSTIÇA.”


***


A Recorrida devidamente notificada apresentou contra-alegações, tendo concluído da seguinte forma:

a) Ilegalidade da liquidação por caducidade porquanto:

b) Só em 22.01.2007, após o decurso do prazo de 4 anos (irs 2002) é que a liquidação foi notificada ao Impugnante, E assi.

c) Ora, para que a dívida possa ser exigida nos termos do n.º 1 do artigo 45º da LGT, segundo o qual o direito de liquidar tributos caduca se a liquidação não for validamente notificada ao contribuinte no prazo de 4 anos.

d) Nos termos do artigo 36º, nº 1, do Código de Procedimento e de Processo Tributário, «os actos em matéria tributária que afectem direitos e interesses legítimos dos contribuintes só produzem efeitos em relação a estes quando lhes sejam notificados».

e) Consistindo a notificação, por força do que dispõe o art. 35.º, n.º 1 do CPPT, “no acto pelo qual se leva um facto ao conhecimento de uma pessoa”

f) E nos termos do art.36.º,n.º 2, do mencionado CPPT, ”as notificações conterão sempre a decisão, os seus fundamentos e meios de defesa e prazo para reagir contra o acto notificado, bem como a entidade que o praticou e se o fez no uso de delegação ou subdelegação de competências”

g) Ao contrário do que alega a Recorrente, não se verificou qualquer causa de suspensão (por um período de 6 meses) nos termos do n.º 1 do artigo 46º da LGT.

h) Dado que, e conforme resultado provado, em momento algum o Impugnante foi notificado da ordem de serviço ou do despacho no início da acção de inspecção de cujas conclusões emergiu a liquidação em causa.

i) Quem assinou a Ordem de Serviço foi o filho do Impugnante na qualidade de gerente da sociedade SOCIVIL.

j) Ora, nos termos do artigo 46º, n.º 1 da LGT só a notificação (efectiva) do contribuinte no âmbito de um procedimento inspectivo possui a virtualidade de fazer suspender o curso do prazo de caducidade de liquidar tributos, o que não aconteceu, nesse sentido o Acórdão do STA de 12/10/2016, referente ao processo n.º 0879/15, e, ainda, Acórdão STA, de 21/11/2012, relativamente ao processo n.º 0594/12.

k) Não tendo sido a Ordem de Serviço assinada pelo próprio Impugnante tal obsta, por um lado, ao início do procedimento de inspecção, nos termos dos n.ºs 1 e 2 do artigo 51º do RCPIT, e, por outro lado, obsta à operatividade do n.º 1 do artigo 46º da LGT enquanto facto suspensivo do curso do prazo de caducidade da liquidação objecto dos presentes autos.

l) Desta forma, o prazo de caducidade do direito de emitir liquidação sobre os factos tributários em causa na liquidação objecto da presente pronúncia não se suspendeu por via do regime do n.º 1 do artigo 46º da LGT.

m) Pelo que, o termo final do prazo de caducidade para a liquidação dos factos tributários objecto da liquidação em causa nos presentes autos ocorreu em 31/12/2006 e que o Impugnante ao ser notificado da liquidação em 22/01/2007, tal ocorre após o curso do respectivo prazo de caducidade, o que, determina a ilegalidade da liquidação e consequentemente, a anulação da mesma.

n) Por outro lado, nulidade do procedimento inspectivo porquanto:

o) violação dos art.º 51.º, n.º 1, do Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária, dado que em momento algum foi ser entregue uma cópia ao sujeito passivo da ordem de serviço que determinou o procedimento de inspecção;

p) violação do art.º 49.º do Regulamento dado que a inspecção deveria ter sido efectuada na morada do Impugnante, o que não aconteceu dado que a ordem de serviço que legitimava a inspecção ao impugnante A… foi dada a assinar a um gerente da Sociedade Socivil, que a assinou nessa qualidade de GERENTE e não pelo Impugnante ou por representante deste; e,

q) por violação do art.º 61.º do RCPIT dado que inexiste qualquer nota de diligência onde conste que foi dado conhecimento ao impugnante do seu termo.

r) Ilegalidade da liquidação por falta de definitividade da matéria colectável que lhe serviu de base, porquanto:

s) A Liquidação adicional terá sido efectuada a 8 de Dezembro de 2006, ou seja, 30 dias antes da notificação da alteração acima descrita de onde se conclui que, a prática do acto tributário, objecto da presente petição, foi efectuada sem que se encontrasse definitivamente determinado o lucro tributável que lhe serviu de base.

t) Qualquer alteração ao rendimento em sede de IRS teria sempre de ser notificada aos ora Impugnante em data anterior à da liquidação, o que se não verificou.

Nestes termos, e nos melhores de direito e sempre com o douto suprimento de V.Ex.ªs deverá o presente recurso ser julgado improcedente, com a consequente confirmação da decisão recorrida com todos os efeitos legais, por nela se ter feito boa interpretação da lei, fazendo assim a costumada JUSTIÇA.”


***


A Digna Magistrada do Ministério Público (DMMP) neste Tribunal Central Administrativo Sul proferiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso.

***


Colhidos os vistos dos Exmos. Juízes Desembargadores Adjuntos, cumpre, agora, decidir.

***


II - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

A decisão recorrida fixou a factualidade que infra se descreve:

Com relevância para a decisão a proferir nos presentes autos, dão-se como provados os seguintes factos:

1. Pela Ordem de Serviço n.º OI200603492 foi determinada a realização de acção inspectiva sobre o Impugnante – cfr. fls. 53 do processo administrativo junto aos presentes autos.

2. A acção inspectiva tinha como objecto e âmbito o IRS do exercício de 2002 – cfr. fls. 53 do processo administrativo junto aos presentes autos.

3. Ao Impugnante foi remetida “Carta-Aviso” afirmando que a breve prazo os técnicos dos Serviços de Inspecção Tributária se iriam deslocar à morada do mesmo, a fim de verificarem do cumprimento das obrigações tributárias por parte do Impugnante – cfr. fls. 132 do processo administrativo junto aos presentes autos.

4. A Ordem de Serviço referida em 1. foi assinada, em 29/09/2006, por C…, na qualidade de “Gerente” – cfr. fls. 133 do processo administrativo junto aos presentes autos.

5. Na decorrência de 1. foi elaborado relatório final de inspecção tributária – cfr. fls. 51 a 56 do processo administrativo junto aos presentes autos.

6. No relatório referido em 5., no seu capítulo “III – Descrição sumária dos factos e fundamentos das correcções meramente aritméticas à matéria colectável”, escreveu-se o seguinte: “…3. Gerência do Sócio A… … No ano de 2002 o sócio A… era o gerente, que assinou as escrituras e que era responsável pela parte financeira da empresa, nomeadamente pagamentos e recebimentos. Atendendo às regularizações efectuadas pelos adquirentes, documentos comprovativos das mesmas e aos movimentos bancários da SOCIVIL enquanto parte vendedora, verifica-se que foram pagos valores à sociedade que não se encontram reflectidos nas contas da empresa, tendo esses montantes sido entregues ao Sr. Sócio-gerente A…. Nos termos do n.º do art.º 6º do CIRS presumem-se feitos a título de lucros ou adiantamentos dos lucros os lançamentos de qualquer valor em conta corrente dos sócios e constituem rendimentos da categoria E, conforme art.º 5º n.º 2 alínea h) do CIRS. O cheque de que se junta cópia no anexo I e prova deste facto e corresponde de facto à escrituração na conta corrente do gerente de valores que não resultam de mútuos, da prestação de trabalho ou do exercício de cargos sociais. Uma vez que não se verificam diferenças materialmente relevantes entre os valores de escritura e os valores reconhecidos como proveitos e que entraram nas contas de bancos da empresa, vai ser considerado como adiantamento por conta de lucros o valor das regularizações dos adquirentes de €803.482,27€…” – cfr. fls. 54 a 56 do processo administrativo junto aos presentes autos.

7. O relatório referido em 6. foi remetido por carta registada com aviso de recepção ao Impugnante – cfr. fls. 123 a 130 do processo administrativo junto aos presentes autos.

8. O aviso de recepção referente ao relatório referido em 7. foi assinado pelo Impugnante em 01/01/2007 – cfr. fls. 128 a 130 do processo administrativo junto aos presentes autos.

9. Da carta referida em 7. constava uma alteração ao rendimento líquido de IRS referente ao ano de 2008 do Impugnante no valor de 404.079,64€ - cfr. fls. 123 do processo administrativo junto aos presentes autos.

10. Na decorrência das conclusões referidas em 6. foi emitida a liquidação n.º 2006 5004589641 com valor de 151.925,32€ relativo a imposto em falta e de 23.042,68€ referente a juros compensatórios, perfazendo o valor global de 174.968,00€ – cfr. fls. 20 do processo administrativo junto aos presentes autos.

11. A liquidação referida em 10. foi remetida ao Impugnante por carta registada com aviso de recepção, tendo o respectivo aviso de recepção sido assinado em 22/01/2007 – cfr. fls. 19 do processo administrativo junto aos presentes autos.

12. A Ordem de Serviço referido em 4. foi assinada por outrem que não o Impugnante.

13. Da liquidação referida em 11. o Impugnante apresentou reclamação graciosa – cfr. fls. 2 a 7 do processo de reclamação graciosa junto aos presentes autos.

14. A reclamação referida em 13. foi indeferida na totalidade – cfr. fls. 151 a 157 do processo de reclamação graciosa junto aos presentes autos.

15. Do indeferimento referido em 14. o Impugnante deduziu recurso hierárquico – cfr. fls. 1 a 8 do processo de recurso hierárquico junto aos presentes autos.

16. O recurso referido em 15. foi indeferido – cfr. fls. não numeradas do processo de recurso hierárquico junto aos presentes autos.

17. A presente acção deu entrada em 18/04/2011.


***


A decisão recorrida consignou como factualidade não provada o seguinte:

Com relevância para a pronúncia a emitir nos presentes autos, inexistem factos que importe dar com não provados.


***


No item atinente à motivação da decisão sobre a matéria de facto, consta a seguinte menção:

“A decisão da matéria de facto, consonante ao que acima ficou exposto, efectuou-se com base nos documentos e informações constantes dos autos e no processo administrativo apenso, referidos em cada uma das alíneas do elenco dos factos provados, os quais não foram impugnados, merecendo a credibilidade do tribunal, em conjugação com o princípio da livre apreciação da prova.”


***


III-FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

In casu, a Recorrente não se conforma com a decisão proferida pelo Tribunal Tributário de lisboa, que julgou procedente a impugnação judicial deduzida contra a liquidação de IRS, e respetivos JC, respeitantes ao ano 2002.

Em ordem ao consignado no artigo 639.º, do CPC e em consonância com o disposto no artigo 282.º, do CPPT, as conclusões das alegações do recurso definem o respetivo objeto e consequentemente delimitam a área de intervenção do Tribunal ad quem, ressalvando-se as questões de conhecimento oficioso.

Assim, ponderando o teor das conclusões de recurso cumpre aferir se o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento, quanto à sentenciada procedência da caducidade do direito à liquidação respeitante ao ano de 2002, na medida em que foi, erradamente, ajuizada a inexistência de qualquer causa operativa de suspensão do aludido prazo, incorrendo, por conseguinte, em violação do disposto nos artigos 51.º do RCPIT e 45.º e 46.º ambos da LGT.

Apreciando.

Ab initio, importa evidenciar que a Recorrente não procedeu à impugnação da matéria de facto, em ordem aos requisitos constantes no artigo 640.º do CPC, não requerendo qualquer aditamento ou supressão da factualidade constante no probatório, encontrando-se, por conseguinte, devidamente estabilizada a matéria de facto.

Assim, face ao exposto, importa, então, apreciar se o Tribunal a quo incorreu no aludido erro de julgamento por errónea interpretação dos pressupostos de facto e de direito.

Vejamos, então.

A Recorrente alega que o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento, na medida em que, inversamente ao sentenciado, a notificação da liquidação ocorreu dentro do prazo de caducidade, consignado no artigo 45.º, nº 1 da LGT.

Densifica, para o efeito, que, por um lado, foi remetida Carta- Aviso comunicando que os Serviços de Inspeção Tributária se iriam deslocar à morada do Recorrido, a fim de verificarem do cumprimento das obrigações Tributárias por parte do Impugnante, e por outro lado, a Ordem de Serviço foi assinada, a 29 de setembro de 2006, por C….

Nessa medida conclui que, face ao consignado no artigo 46.º, nº 1, da LGT, o prazo de caducidade suspendeu-se “com a notificação ao contribuinte, nos termos legais, da ordem de serviço ou despacho no início da inspeção externa”, donde não resulta caducado o direito à liquidação, visto que o dies a quo se iniciou a 31 de dezembro de 2002, e só terminou a 07 de abril de 2007, porquanto suspenso entre 29 de setembro de 2006 a 04 de janeiro de 2007.

Desfecha, assim, que tendo a liquidação sido notificada a 22 de janeiro de 2007, foi cumprido o prazo legal de caducidade, incorrendo, por conseguinte, a decisão recorrida em clara violação do disposto nos artigos 51.º do RCPIT e 45.º e 46.º da LGT.

Dissente o Recorrido, propugnando pela manutenção da decisão recorrida, na medida em que o Tribunal a quo estabeleceu uma correta convocação e interpretação do regime normativo à luz do recorte fático dos autos.

Aduz para o efeito que, inversamente ao alegado pela Recorrente, não se verificou qualquer causa de suspensão nos termos do n.º 1 do artigo 46º da LGT, na medida em que em momento algum o Impugnante foi notificado da Ordem de Serviço ou do despacho do início da ação de inspeção de cujas conclusões emergiu a liquidação em causa.

Com efeito o que resulta dos factos é que quem assinou a Ordem de Serviço foi C…na qualidade de gerente da sociedade SOCIVIL, não podendo, portanto, a mesma ser considerada eficaz para efeitos da aludida suspensão atenta a letra do artigo 46.º, n.º 1 da LGT e do artigo 51.º, n.º 1, do RCPIT.

Conclui, assim, que não tendo a Ordem de Serviço sido assinada pelo próprio Impugnante tal obsta, por um lado, ao início do procedimento de inspeção, nos termos dos n.ºs 1 e 2 do artigo 51.º do RCPIT, e, por outro lado, à operatividade do n.º 1 do artigo 46.º da LGT enquanto facto suspensivo do prazo de caducidade da liquidação objecto dos presentes autos.

O Tribunal a quo, após convocar o respetivo quadro normativo, tecer os considerandos de direito de relevo e chamar à colação Jurisprudência que reputou pertinente, fundamentou a procedência da seguinte forma:

“[t]endo em consideração que a liquidação ora impugnada é referente a IRS do ano de 2002 – cfr. 10. dos factos provados –, pois que os factos tributários em que a mesma se sustenta se reportam a tal ano – cfr. 6. e 9. dos factos provados –, o prazo de caducidade relativo a tais factos tributários teve o seu termo inicial no dia 01/01/2003. O que, tendo em conta o conteúdo dos n.ºs 1 e 4 do artigo 45º da LGT, determina que o termo final do prazo de caducidade do direito a liquidar IRS relativo a factos tributários ocorridos no ano de 2002 se deu a 31/12/2006.
Por outro lado, encontra-se estabilizado na jurisprudência dos Tribunais Superiores o entendimento que só obstará ao curso do prazo de caducidade do direito de liquidar tributos o facto de a notificação da liquidação em causa ao contribuinte se ter como validamente realizada ainda dentro do prazo de caducidade.”

Densifica, depois, mediante convocação do respetivo probatório que:

“Assim, analisando conjugadamente a data do termo final do prazo de caducidade para a emissão de liquidação referente a IRS relativa factos tributários ocorridos no ano de 2002 – 31/12/2006, de acordo com os termos supra explanados – com a data em que o mesmo foi notificado da liquidação objecto dos presentes autos – 22/01/2007 –, conclui-se que o Impugnante foi notificado de tal liquidação já após o curso do prazo de caducidade.
No entanto, importa aferir ainda se ocorreu no caso sub judice alguma causa de interrupção ou suspensão do curso do prazo de caducidade aqui em causa.
Nos termos do n.º 1 do artigo 46º da LGT, o prazo de caducidade suspende-se (por um período de 6 meses) com a notificação ao contribuinte da ordem de serviço ou do despacho no início da acção de inspecção.
Temos que nos presentes autos – cfr. 6., 9. e 10. dos factos provados – a liquidação objecto da presente pronúncia foi emitida em consequência de um procedimento inspectivo.
Mas, tendo em conta a alegação do Impugnante de que não foi notificado nem assinou a Ordem de Serviço a qual titulava o procedimento inspectivo de cujas conclusões emergiu a liquidação que ora tratamos (alegando que fora outra pessoa quem assinou tal documento), e a matéria de facto dada como provada – cfr. 4. e 12. dos factos provados – segundo a qual se conclui que, de facto, o Impugnante não assinou tal Ordem de Serviço, necessário se torna aferir se tal falta de assinatura releva, concretamente obstando, para efeitos de suspensão do curso do prazo de caducidade, tendo em consideração o conteúdo do artigo 46º, n.º 1 da LGT.

Conclui, após convocar jurisprudência que reputou de relevo, que:

“[o] elemento relevante para efeitos de suspensão do curso do prazo de caducidade do direito de liquidar tributos no quadro do n.º 1 do artigo 46º da LGT é a notificação nos termos legais da Ordem de Serviço que titula o procedimento inspectivo, notificação essa que se dá nos termos legais, concretamente nos termos dos n.ºs 1 e 2 do artigo 51º do RCPIT.
Desse modo, só com a notificação (meio pelo qual se dá a conhecer ao destinatário determinado facto – artigo 35º, n.º 1 do CPPT) da Ordem de Serviço que titula o procedimento inspectivo ao contribuinte/inspeccionado, cuja perfeição somente se dá com a assinatura do contribuinte/inspeccionado da referida Ordem de Serviço ou com a menção expressa da recusa de assinatura por este – n.ºs 2 , 4 e 5 do artigo 51º do RCPIT, é que ocorrerá o efeito suspensivo do curso do prazo de caducidade consagrado no artigo 46º, n.º 1 do CPPT.
E transportando o regime jurídico que vimos explanando nos parágrafos antecedentes para a realidade factual adquirida pelos presentes autos, temos que in casu, conferindo 4. e 12. dos factos provados, é de se concluir que o Impugnante não foi notificado da Ordem de Serviço referida em 1. dos factos provados, porque não a assinou, nem na mesma ou em outro qualquer documento junto aos presentes autos consta que o Impugnante se recusou a assinar a referida Ordem de Serviço. E não tendo assinado a Ordem de Serviço em causa, nem constando em lado algum que o Impugnante se recusou a assiná-la, outra solução não resta ao presente Tribunal senão a de concluir que o Impugnante não assinou a Ordem de Serviço que aqui tratamos.
Falta de assinatura essa que obsta por um lado ao início do procedimento de inspecção, nos termos dos n.ºs 1 e 2 do artigo 51º do RCPIT, como, por outro lado, obsta à operatividade do n.º 1 do artigo 46º da LGT enquanto facto suspensivo do curso do prazo de caducidade da liquidação objecto dos presentes autos.”

Desfecha, assim, que:

“[o] prazo de caducidade do direito de emitir liquidação sobre os factos tributários em causa na liquidação objecto da presente pronúncia não se suspendeu por via do regime do n.º 1 do artigo 46º da LGT.
Daí que o termo final do prazo de caducidade para a liquidação dos factos tributários objecto da liquidação em causa nos presentes autos tenha ocorrido em 31/12/2006, nos termos que já supra enunciamos.
E, como já vimos, o Impugnante foi notificado da liquidação objecto dos presentes autos em 22/01/2007, pelo que evidente se revela que a liquidação objecto da presente pronúncia foi notificada ao Impugnante já após o curso do respectivo prazo de caducidade, o que, nos termos que também já supra expusemos, determina a ilegalidade da liquidação objecto do presente processo, o que determinará, consequentemente, a anulação da mesma.
Assim, tendo em conta tudo quanto expusemos na presente pronúncia, a liquidação ora impugnada será de considerar ilegal porque notificada ao Impugnante já após o curso do respectivo prazo de caducidade – de acordo com o estipulado nos n.ºs 1 e 4 do artigo 45º da LGT, pelo que a presente impugnação procederá na totalidade, consequentemente se determinando a anulação da liquidação objecto da presente pronúncia.”

Vejamos, então.


Começando por atentar no quadro normativo atinente à caducidade do direito à liquidação.


Preceituava, à data, o artigo 45.º da LGT sob a epígrafe de caducidade do direito à liquidação, e na parte que, ora, releva o seguinte:

“1 - O direito de liquidar os tributos caduca se a liquidação não for validamente notificada ao contribuinte no prazo de quatro anos, quando a lei não fixar outro.
2 - No caso de erro evidenciado na declaração do sujeito passivo o prazo de caducidade referido no número anterior é de três anos.
3 - Em caso de ter sido efetuada qualquer dedução ou crédito de imposto, o prazo de caducidade é o do exercício desse direito.
4 - O prazo de caducidade conta-se, nos impostos periódicos, a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário e, nos impostos de obrigação única, a partir da data em que o facto tributário ocorreu, exceto no imposto sobre o valor acrescentado e nos impostos sobre o rendimento quando a tributação seja efetuada por retenção na fonte a título definitivo, caso em que aquele prazo se conta a partir do início do ano civil seguinte àquele em que se verificou, respetivamente, a exigibilidade do imposto ou o facto tributário.”

Mais consignava o artigo 46.º, nº1, do mesmo diploma legal, relativamente à suspensão e interrupção do prazo de caducidade que:

“1 - O prazo de caducidade suspende-se com a notificação ao contribuinte, nos termos legais, da ordem de serviço ou despacho no início da ação de inspeção externa, cessando, no entanto, esse efeito, contando-se o prazo do seu início, caso a duração da inspeção externa tenha ultrapassado o prazo de seis meses após a notificação.”

Sendo, outrossim, de chamar à colação o consignado no artigo 36.º do RCPIT relativamente ao “início e prazo do procedimento de inspeção”, segundo o qual:

“1 - O procedimento de inspeção tributária pode iniciar-se até ao termo do prazo de caducidade do direito de liquidação dos tributos ou do procedimento sancionatório, sem prejuízo do direito de exame de documentos relativos a situações tributárias já abrangidas por aquele prazo, que os sujeitos passivos e demais obrigados tributários tenham a obrigação de conservar.

2 - O procedimento de inspeção é contínuo e deve ser concluído no prazo máximo de seis meses a contar da notificação do seu início (…).”

Assumindo igual pertinência, o consignado no artigo 49.º do mesmo diploma legal, sobre a epígrafe de “notificação prévia para procedimento de inspeção”, do qual resulta que:

“1 - O procedimento externo de inspeção deve ser notificado ao sujeito passivo ou obrigado tributário com uma antecedência mínima de cinco dias relativamente ao seu início.

2 - A notificação prevista no número anterior efetua-se por carta-aviso elaborada de acordo com o modelo aprovado pelo diretor-geral dos Impostos, contendo os seguintes elementos:

a) Identificação do sujeito passivo ou obrigado tributário objecto da inspeção;

b) Âmbito e extensão da inspeção a realizar.

3 - A carta-aviso conterá um anexo contendo os direitos, deveres e garantias dos sujeitos passivos e demais obrigados tributários no procedimento de inspeção.”

E bem assim o plasmado no artigo 51.º do RCPIT, o qual intitulado de “data do início do procedimento de inspeção”, preceitua que:

“1 - Da ordem de serviço ou do despacho que determinou o procedimento de inspeção será, no início deste, entregue uma cópia ao sujeito passivo ou obrigado tributário, exceto nas situações previstas no n.º 6 do artigo 46.º

2 - O sujeito passivo ou obrigado tributário ou o seu representante deve assinar a ordem de serviço indicando a data da notificação, a qual, para todos os efeitos, determina o início do procedimento externo de inspeção.

3 - A ordem de serviço deve ser assinada pelo técnico oficial de contas ou qualquer empregado ou colaborador presente caso o sujeito passivo ou obrigado tributário ou o seu representante não se encontrem no local.

4 - A recusa da assinatura da ordem de serviço não obsta ao início do procedimento de inspeção.

5 - Se ocorrer recusa de assinatura da ordem de serviço ou despacho, será a mesma assinada por duas testemunhas, entregando-se cópia ao sujeito passivo ou obrigado tributário.

6 - Na impossibilidade de se colherem assinaturas das testemunhas, o facto constará na ordem de serviço ou despacho, sendo entregue cópia ao sujeito passivo ou obrigado tributário.”

No atinente à conclusão do procedimento de inspeção importa ter presente o consignado no artigo 62.º do RCPIT, o qual estatuía que para a conclusão do procedimento deve ser elaborado um Relatório Final com vista à identificação e sistematização dos factos detetados e sua qualificação jurídico-tributária, consagrando, por seu turno, o seu nº2 que a notificação ao contribuinte deve ser concretizada “no prazo de 10 dias após a notificação da nota de diligência, o relatório referido no número anterior deve ser notificado ao contribuinte por carta registada, ou por transmissão eletrónica de dados, através do serviço público de notificações associado à morada digital única, da caixa postal eletrónica ou na respetiva área reservada do Portal das Finanças, considerando-se concluído o procedimento na data da notificação do relatório.”


Visto o regime normativo, há, efetivamente, que concluir que no caso vertente o prazo aplicável é de quatro anos, de harmonia com o artigo 45.º, nº 4, da LGT, cujo cômputo inicial se coaduna com o termo do ano em que se verificou o facto tributário.


No caso vertente, encontramo-nos perante IRS do ano de 2002, donde o dies a quo é o dia 31 de dezembro de 2002, e o dies ad quem o dia 31 de dezembro de 2006, logo tendo a liquidação impugnada sido notificada apenas a 22 de janeiro de 2007, tal determinaria, sem mais, a caducidade do direito à liquidação.


Sobre esta realidade fática, sua aplicação ao caso vertente e concreta cominação inexiste dissenso, sendo que, como visto, a discordância reside, tão-só, na concreta valoração das causas de suspensão e sua particular eficácia e operatividade, no caso vertente.


Com efeito, enquanto a Recorrente propugna que ter-se-á de valorar a assinatura da Carta Aviso e ulterior Ordem de Serviço enquanto facto suspensivo do prazo de caducidade, a Recorrida propugna no sentido da manutenção da decisão recorrida que ajuizou no sentido da sua irrelevância face à falta de notificação pessoal do visado.


E a verdade é que, tendo presente o regime normativo aplicável e o recorte probatório dos autos, nenhuma censura merece a decisão recorrida.


Senão vejamos.


Do recorte fático dos autos resulta que, foi dado início a uma inspetiva ao Recorrido, com âmbito parcial, estritamente delimitada ao IRS do ano de 2002, tendo, para o efeito, sido remetida a competente Carta Aviso.


Mais resulta que, essa ação inspetiva foi credenciada pela Ordem de Serviço n.º OI200603492, a qual foi objeto de assinatura a 29 de setembro de 2006, por C…, na qualidade de “Gerente”.

Tendo nessa conformidade, sido emitido o correspondente Relatório de Inspeção Tributária, e ulteriormente emitida a competente liquidação adicional de IRS, a qual foi objeto de notificação mediante carta registada com aviso de receção ao Impugnante, ora Recorrido, a 22 de janeiro de 2007.

Ora, tendo presente a realidade fática supra expendida, e o regime normativo aplicável, mormente, a interpretação conjugada do disposto no artigo 51.º do RCPIT com o consignado no artigo 46.º da LGT há, efetivamente, que secundar o entendimento propugnado pelo Tribunal a quo.

E isto porque, inversamente ao defendido pela Recorrente, não releva para efeitos de causa suspensiva do prazo de caducidade a cognoscibilidade da Carta Aviso, na medida em que a notificação que permite suspender o prazo de caducidade da liquidação é, tão-só, a da Ordem de Serviço ou do despacho no início da ação de inspeção externa, a efetuar nos termos do artigo 51.º do RCPIT.

Com efeito, o dies a quo do prazo de seis meses para a conclusão do procedimento de inspeção não é o da data da receção pelo sujeito passivo ou obrigado tributário da Carta-Aviso a que alude o artigo 49.º do RCPIT, mas sim o da data em que aquele assinar ou dever assinar a Ordem de Serviço ou despacho que ordenou a inspeção, de que lhe deve ser dada cópia no início da inspeção, nos termos do artigo 51.º do RCPIT.

Como doutrinado no Aresto do STA, prolatado no processo nº 01364/15, de 26 de outubro de 2016:

“O RCPIT fixa, pois, de forma absolutamente inequívoca, que o procedimento externo de inspecção se inicia na data da notificação da ordem de serviço.

De resto, face à letra e ao espírito da lei surge também claro que a carta aviso da inspecção se situa em momento anterior ao início da inspecção. Com efeito, como decorre do teor do artigo 49º do RGIT, esta carta corporiza o cumprimento do disposto no artigo 59º, nº 3, alínea l), da LGT, que impõe à Administração Tributária, e por força do princípio da colaboração, o dever de «comunicação antecipada do início da inspecção da escrita, com a indicação do seu âmbito e extensão e dos direitos e deveres que assistem ao sujeito passivo», sendo que o artigo 49º, nº 1, do RGIT, determina, por sua vez, que essa comunicação deve ser feita com uma antecedência mínima de cinco dias em relação ao início do procedimento externo da inspecção.

É, pois, patente que a tese defendida pela Recorrente – de que o início da inspecção externa é marcado pelo recebimento da carta aviso, que não pela notificação da ordem de serviço respeitante a essa inspecção – é totalmente insubsistente.

De todo o modo, o artigo 46º, nº 1, da LGT, que rege em matéria da suspensão do decurso do prazo de caducidade, consagra expressamente que a duração da inspecção externa se conta a partir da notificação da ordem de serviço.”

Sendo, outrossim, de convocar, neste concreto particular, o teor do Aresto do STA, prolatado no âmbito do processo nº 0879/15, datado de 12 de outubro de 2016, também convocado, e bem, pela decisão recorrida, do qual se extrata, na parte que para os autos releva, designadamente, o seguinte:

“é claro que a data para a conclusão do procedimento de inspecção se conta com início na data em que deve ser assinada (As situações de impossibilidade ou de recusa de assinatura e o modo como devem ser supridas estão previstos nos n.ºs 3 a 6 do art. 51.º do RCPIT.) pelo sujeito passivo ou obrigado tributário ou pelo seu representante a ordem de serviço ou despacho que ordenou a inspecção, de que lhe deve ser dada cópia. (…)

Na verdade, a notificação do início da inspecção a considerar designadamente para determinar o termo do prazo da inspecção, com relevância para efeitos da contagem do prazo da caducidade, a nosso ver, não pode ser outra senão a prevista no art. 51.º, mesmo na redacção deste artigo anterior à da Lei n.º 50/2005, de 30 de Agosto, ou seja, aquela que «marca, formalmente, o início do procedimento externo de inspecção» (Neste sentido, MARTINS ALFARO, Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária Comentado e Anotado, Lisboa, Áreas Editora, 2003, pág. 377.). Salvo o devido respeito, a notificação prevista no art. 49.º do RCPIT, mesmo na referida redacção anterior à da Lei n.º 50/2005, não pode ser vista como a notificação do início da inspecção. Aliás a sua epígrafe (“Notificação para início do procedimento de inspecção”), pese embora não seja inequívoca, também aponta nesse sentido, pois, a ser como defende a sentença, a epígrafe mais curial seria, simplesmente, notificação do início do procedimento de inspecção. Essa notificação constitui, isso sim, uma notificação prévia da inspecção, o anúncio ao destinatário de que a inspecção vai ter lugar – anúncio que lhe deve ser remetido com a antecedência mínima de 5 dias em relação ao início do procedimento –, cuja exigência decorre do princípio da cooperação, expressamente consagrado no art. 59.º da LGT e que sempre seria exigível – mesmo na ausência do art. 49.º do RCPIT – pela alínea l) do seu n.º 3, que dispõe: «3. A colaboração da administração tributária com os contribuintes compreende, designadamente: […] l) A comunicação antecipada do início da inspecção da escrita, com a indicação do seu âmbito e extensão e dos direitos e deveres que assistem ao sujeito passivo». Esta notificação prévia (designação que a lei veio a adoptar na epígrafe do artigo após a redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 50/2005 e que era, já anteriormente, também utilizada no art. 51.º do RCPIT) é obrigatória, «de modo a poder antecipar na esfera jurídica do destinatário a possibilidade da prática de actos intrusivos e potencialmente restritivos» e, por outro lado, «permitirá à entidade inspeccionada preparar devidamente a vinda dos funcionários da inspecção» (() JOAQUIM FREITAS DA ROCHA e JOÃO DAMIÃO CALDEIRA, Regime Complementar do Procedimento da Inspecção Tributária Anotado e Comentado, Coimbra Editora, 2013, págs. 268/269.). Mas esta notificação nem sempre terá lugar, o que, decisivamente, afasta a sua potencialidade de constituir o momento a relevar como a notificação do início da inspecção, designadamente para efeitos de contagem do prazo fixado para a conclusão do procedimento tributário de inspecção, determinante para averiguar da caducidade do direito à liquidação à face do disposto no n.º 5 do art. 45.º da LGT, na redacção da Lei n.º 15/2001, de 5 de Junho. Na verdade, há situações em que não haverá lugar à notificação prevista no art. 49.º do RCPIT, como resulta do art. 51.º do mesmo Regulamento (quer antes quer depois da Lei n.º 50/2005). Ora, se nem sempre a carta-aviso prevista naquele artigo é enviada ao sujeito passivo ou obrigado tributário, mal se compreenderia que a lei fixasse o momento da sua recepção como início do prazo. Em conclusão, e tendo sempre presentes as regras hermenêuticas do art. 9.º do Código Civil, temos que a notificação do início da inspecção a considerar, designadamente para determinar o termo do prazo da inspecção, com relevância para efeitos da contagem do prazo da caducidade ao abrigo do n.º 5 do art. 45.º na redacção da Lei n.º 15/2001, é aquela em que, nos termos do art. 51.º do RCPIT, é ou deve ser assinado pelo sujeito passivo ou obrigado tributário a ordem de serviço, de que lhe será dada cópia no início da inspecção. “ (destaques e sublinhados nossos).

Daqui resulta, portanto, que o início da ação inspetiva é delimitado pela assinatura da Ordem de Serviço, sendo que o citado normativo, como visto, o artigo 51.º do RCPIT, é claro e inequívoco a mesma tem de ser assinada pelo sujeito passivo ou pelo seu representante legal. Podendo, outrossim, e nas situações aplicáveis, ser assinada pelo TOC, qualquer empregado ou colaborador, caso o sujeito passivo ou o seu representante não se encontrem no local.

Logo, in casu, para que a aludida assinatura da Ordem de Serviço, tivesse a virtualidade de suspender o prazo de caducidade do direito à liquidação a mesma teria, indubitavelmente, de cumprir os respetivos requisitos legais, como visto, assinatura pelo próprio ou por representante legal.

O que, conforme resulta do probatório, não sucede, de todo, no caso vertente.

In casu, a Ordem de Serviço não foi assinada pelo próprio, nem resulta dos autos, nem tão-pouco, alegado e demonstrado que C…, estivesse munido de poderes de representação atinentes ao efeito.

Sendo, naturalmente, irrelevante o aduzido pela Recorrente em V) das suas conclusões, quando, de resto, são meras prognoses e sem qualquer substrato fático vertido no probatório.

Ademais, no caso sub judice, dimana que a mesma foi assinada na qualidade de gerente, realidade fática que não tem o menor respaldo com o âmbito e a natureza da ação inspetiva.

Como visto, e resulta do probatório a presente ação inspetiva tem um âmbito parcial, circunscrevendo-se apenas ao IRS do ano de 2002, daí dimanando correções meramente aritméticas por alegada falta de declaração de rendimentos passíveis de enquadramento na Categoria E, concretamente, adiantamento por conta de lucros.

Acresce que, é preciso ter presente que se o legislador estabeleceu a vinculação e imposição de que a Ordem de Serviço que credencia e determina o início do procedimento inspetivo, tem de ser notificada ao sujeito passivo ou seu representante legal, naturalmente que o fez com o objetivo de ser necessária uma notificação pessoal, por forma que o mesmo pudesse compreender, avaliar e indagar do âmbito e extensão dessa atividade inspetiva.

Reitere-se e sublinhe-se que, marcando a mesma o início do procedimento, e revestindo este uma importância primordial, por um lado, porque existe um prazo de conclusão, como visto, prazo máximo de seis meses (cfr. artigo 36.º do CPPT), e por outro lado, porque essa notificação, em concreto, determina o início da suspensão do prazo de caducidade do direito à liquidação (artigo 46.º, nº1, da LGT), não poderá propugnar-se uma eficácia suspensiva quando a mesma não cumprir os respetivos requisitos legais.

Dir-se-á, portanto, que admitir-se qualquer outra interpretação, carece de razoabilidade e ofende inclusivamente o princípio geral de notificação das decisões que afetem os direitos e interesses legítimos dos contribuintes [Vide, neste sentido, com as devidas adaptações, o Acórdão do STA, proferido no processo nº 02243/16.6BEBRG, de 04.12.2019, e demais jurisprudência nele citada].

Há, portanto, que ressalvar e sublinhar que, apenas, e só, se a pessoa em causa for, válida e efetivamente notificada, ou seja, de acordo com as formalidades legais, em relação ao facto intrusivo e lesivo de que vai ser alvo poderá antecipar com razoabilidade na sua esfera jurídica as consequências gravosas que poderá sofrer, e reagir em conformidade. (1-Vide, neste âmbito, Joaquim Freitas da Rocha e João Damião Caldeira, in Regime Complementar do Procedimento de Inspeção Tributária, Comentado e Anotado, Coimbra Editora, anotação ao artigo 42.º, pág.244).”.


Ora, face a todo o exposto, conclui-se, tal como ajuizado pelo Tribunal a quo, que se o Recorrido não assinou a Ordem de Serviço, nem consta que a pessoa que a assinou o representasse, por qualquer forma, e, tão-pouco, que exista qualquer situação suscetível de ser qualificada e enquadrada enquanto recusa de assinatura, então, não pode assumir-se como válida a notificação da aludida Ordem de Serviço, o que obsta, necessariamente, a que a mesma possa revestir causa suspensiva do prazo de caducidade, passível de subsunção normativa no artigo 46.º, nº1 da LGT.


E por assim ser, tendo sido este o entendimento propugnado pelo Tribunal a quo, a decisão recorrida não merece a censura que lhe é visada.

Face a todo o exposto e sem necessidade de quaisquer considerações adicionais, improcede, na íntegra, o alegado pela Recorrente, devendo, por conseguinte, confirmar-se a decisão recorrida.


***

IV. DECISÃO

Face ao exposto, acordam, em conferência, os Juízes da Secção de Contencioso Tributário, Subsecção Comum, do Tribunal Central Administrativo Sul em:

NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO E manter A DECISÃO RECORRIDA.

Custas pela Recorrente.

Registe. Notifique.


Lisboa, 19 de dezembro de 2024

(Patrícia Manuel Pires)

(Rui A.S. Ferreira)

(Cristina Coelho da Silva)