| Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, na Subsecção Social do Tribunal Central Administrativo Sul:
I
O....... intentou, em 16.7.2012, no Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, ação administrativa especial contra a GUARDA NACIONAL REPUBLICANA, pedindo a anulação do ato do Comandante-Geral da Guarda Nacional Republicana através do qual indeferiu o seu pedido de passagem à situação de reserva, bem como a condenação da Entidade Demandada a deferir tal pedido.
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Por sentença proferida em 31.5.2017 o tribunal a quo julgou a ação totalmente procedente e, em consequência, condenou «a Ré, GNR, a deferir o pedido de passagem à situação de reserva, nos termos do artigo 85-1-b), do EMGNR».
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Inconformada, a Entidade Demandada interpôs recurso daquela sentença, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões, que se transcrevem:
1. A condição de passagem à reserva prevista na alínea b) do n.º 1 do artigo 85.º do Estatuto dos Militares da Guarda Nacional Republicana, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 297/2009, de 14 de Outubro, confere ao decisor administrativo uma margem de apreciação para que este afira, em face da missão que lhe cumpre prosseguir e dos interesses que lhe cabe acautelar, qual a decisão a adoptar, mediante as circunstâncias do caso concreto.
2. Assim, da previsão contida na citada norma não resultava directa e automaticamente para o Autor um direito à transição para a reserva e, consequentemente, a não satisfação dessa pretensão não é susceptível de violar, directamente, qualquer preceito legal.
3. Por outro lado, era lícito à Administração fixar como orientação, como fez, a de apenas permitir a mudança de situação, ao abrigo da faculdade prevista na alínea b), a militares que já contassem 36 ou mais anos de serviço (mas que ainda não cumprissem o critério da idade, para poderem usufruir do direito conferido pela alínea c)).
4. Assim, e ao contrário do que foi decidido na douta Sentença, a invocação na decisão de indeferimento do facto de o Autor não ter 36 ou mais anos de serviço na data da pretendida transição para a reserva, não consubstanciou o erro subsumptivo que lhe foi apontado, pelo que aquela decisão não enferma do vício de violação de lei que lhe foi atribuído.
5. Também ao contrário do que se julgou, não poderia o requerimento do Autor ter sido deferido com o fundamento de o mesmo não estar em condições de prestar serviço e, por isso, dever passar à reserva, pois o mesmo não tinha sido julgado incapaz para o serviço pela Junta Superior de Saúde, o que, a ocorrer, determinaria a sua transição para a reforma.
6. A fundamentação do acto de indeferimento mostra-se congruente e suficiente, pois do mesmo consta, por remissão para os fundamentos descritos na notificação da intenção de indeferimento, que o mesmo foi motivado pela «falta de efetivos e na passagem à reserva de um número considerável de militares, vicissitudes que implicam que a Guarda não tenha capacidade de repor tais perdas», e, ainda, para não abrir precedentes relativamente a pedidos idênticos que pudessem vir a ser formulados.
7. E, ainda que se verificasse o apontado vício de forma, por falta de fundamentação, o mesmo não seria susceptível de determinar, como se fez na douta Sentença, a condenação da entidade demandada a deferir o pedido de passagem à reserva, mas apenas a condenação a praticar um novo acto expurgado desse vício, o qual poderia ter ou não o mesmo sentido do acto anulado.
NESTES TERMOS, e nos demais de Direito aplicáveis que Vossas Excelências doutamente suprirão, deverá ser concedido provimento ao presente recurso e revogada a douta Sentença recorrida, como é de
JUSTIÇA!
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O Recorrido não apresentou contra-alegações.
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Com dispensa de vistos, mas com envio prévio do projeto de acórdão aos Juízes Desembargadores adjuntos, vem o processo à conferência para julgamento.
II
Sabendo-se que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões do apelante, a questão que se encontra submetida à apreciação deste tribunal de apelação consiste em determinar se o tribunal a quo errou ao condenar a Entidade Demandada a passar o Autor à situação de reserva.
III
A matéria de facto constante da sentença recorrida é a seguinte:
1) -O Autor [A], O......., é Guarda da GNR, estando colocado na Companhia de Comando e Serviços da Unidade de Intervenção, e reside na Rua…….., Amadora.
2) -Em 29/02/2012, o A compareceu perante a Junta Superior de Saúde da GNR, na sequência do que, conforme fls, do PA anexo cujo teor se dá por integralmente reproduzido, a Junta deliberou que:
« (….) Tendo em consideração a informação clínica disponível e de acordo com as perícias médico-legal do IML de 01 de Setembro de 2010 e de 07 de Dezembro de 2011, delibera-se o seguinte:
-Atribuída uma IPP de 0,235 (zero vírgula duzentos e trinta e cinco) segundo a TNT em vigor à data da ocorrência.
-Considerado parcialmente apto para o serviço com dispensa de serviços de escala, exercícios e esforços físicos, serviços no exterior e uso de arma por 180 dias, devendo voltar à JSS com informação clínica atualizada. (….)».
3) -A deliberação acabada de referir, foi homologada por despacho de 02/03/2012, do 2° Comandante-Geral da GNR e foi notificada pessoalmente ao A nessa mesma data conforme a certidão de notificação, junta ao PA, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
4) -Em 13/03/2012, o A dirigiu ao Comandante da Companhia de Comando e Serviços da Unidade de Intervenção da GNR, o requerimento de fls 14, doc 1 da PI, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, pedindo a passagem à reserva ao abrigo do artigo 85-1-b), do EMGNR, a partir de 30/04/2012.
5) -Em 13/03/2012, também o A dirigiu ao Tenente-General Comandante da GNR, o requerimento de fls 15, doc 1 da PI, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, pedindo igualmente a passagem à reserva ao abrigo do artigo 85-1-b), do EMGNR, a partir de 30/04/2012.
6) -Em 17/04/2012, pelo ofício 010751, de fls 18, doc 2 da PI, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, dirigido ao Comandante da Unidade de Intervenção/GNR, foi solicitada notificação do A, do Despacho Nº 10/12, de 28/02, do Tenente-General Comandante-Geral, para se pronunciar, em audiência prévia, em 10 dias, “Da intenção de indeferir o pedido caso não tenha, na data pretendida para a mudança de situação, 36 ou mais anos de serviço, com fundamento na falta de efetivos e na passagem à reserva de um número considerável de militares, vicissitudes que implicam que a Guarda não tenha capacidade de repor tais perdas;”.
7) -Em 24/04/2012, foi levado ao conhecimento do A, em cumprimento do ofício acabado de referir, o citado projecto de decisão –certidão de notificação de fls 17, doc 2 da PI, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
8) -Em 03/05/2012, o A exerceu o direito de audição, pelo requerimento de fls 20, doc 3 da PI, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, cujos fundamentos são similares aos da PI da presente acção, reiterando a «vontade expressa no requerimento», e concluindo que:
« [a sua] actual situação física e psíquica, não (.…) permite voltar ao activo de forma válida para a instituição, pelo que a suposta falta de activos a que Instituição poderá estar sujeita, não poderá de forma alguma ser debelada pela minha reintegração. Uma vez que não possuo as faculdades necessárias para poder desempenhar qualquer serviço válido, pelo que a Instituição nada perderá com a (….) dispensa, uma vez que, tal como acontece actualmente, não poderá contar com o (….) contributo pelas razões supra mencionadas (.…)».
9) -Em 18/05/2012, os Serviços da Ré emitiram a Informação Nº 368/12/RRRA, de fls 24/ss, doc 4 da PI, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, da qual se destaca:
« (….) d.O requerente foi notificado nos termos do despacho 10/12 de 28FEV12, do Exmo Comandante Geral e ouvido em audiência prévia em 24ABR12, refª c).
e.O Guarda N....... através de requerimento datado de 03MAI12 refª d), vem reiterar a intenção de passar à situação de reserva conforme requerimento datado de 13MAR12, refª a), alegando para esse efeito, entre outros, que se encontra de baixa médica desde Fevereiro de 2008 e que a sua atual condição física e psíquica não lhe permite voltar ao ativo de forma válida, pelo que a Instituição nada perderá com a sua dispensa.
f-Relativamente ao requerido, o Comando da Unidade informa que o requerente tem pendente um Processo Disciplinar, Processo Administrativo, um PAS e um Processo-crime, encontrando-se ausente sem licença, nos termos da alínea e) do nº 1 do Art° 30° do RGSGNR.
g.Em relação ao Guarda N......., o Comandante da Unidade informa que: “Este militar tem 125 dias de férias por gozar. (….). (….)3. PROPOSTA
Face ao exposto, pese embora o tempo de serviço prestado pelo militar (23 anos 04 meses e 10 dias) de serviço incluindo percentagens, à data solicitada para passagem à situação de reserva, é entendimento desta Divisão, que, face à situação atual do militar, quer a nível físico e psicológico, aos vários processos que recaem sobre o mesmo e à firme convicção de que neste momento deixou de ser um elemento válido para a Instituição que representa, propor, que a passagem à situação de reserva do Guarda de Infantaria n° 1......., O......., da Unidade de Intervenção, seja deferida, passando o mesmo àquela situação no primeiro dia útil após o gozo da totalidade das férias vencidas a 01 de Janeiro de tenores. (….)».
10) -Em 11/06/2012, o Coronel Director da DRH apôs, na Informação Nº 368/12/RRRA, acabada de referir, o seu parecer de concordância com a proposta, de fls 26, doc 4 da PI, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, dizendo:
«Concordo com a proposta mormente face à situação actual do militar. À consideração Superior (….)».
11) -Em 14/06/2012, o Major-General Comandante do CARI apôs na mesma Informação Nº 368/12/RRRA, o seu parecer de concordância com a proposta, dizendo:
«Concordo tendo em conta os antecedentes do militar. À consideração Superior (…)» [doc idem].
12) -Em 14/06/2012, o Major-General 2º Comandante-Geral, apôs o seu visto e submeteu a Informação Nº 368/12/RRRA, referida, à consideração Superior -[doc idem, e PA anexo].
13) -Em 19/06/2012, o Sr Comandante-Geral da GNR proferiu a decisão final de fls 26, doc 4 da PI, e fls do PA anexo, com o seguinte teor: «Indefiro, com os fundamentos constantes na intenção da decisão de que foi notificado. Com esta decisão pretendo também não abrir precedentes» [acto impugnado].
14) -Em 05/07/2012, a R deu conhecimento pessoal ao A, da decisão acabada de referir –certidão fls 27, doc 5 da PI, e PA anexo, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
15) -O A requereu o Apoio Judiciário.
16) -A presente acção deu entrada em juízo em 16/07/2012.
IV
1. O artigo 85.º do Estatuto dos Militares da Guarda Nacional Republicana aprovado pelo Decreto-Lei n.º 297/2009, de 14 de outubro (o aplicável ao caso dos autos), estabelecia o seguinte:
«1 — Transita para a situação de reserva o militar da Guarda na situação de activo que preencha as seguintes condições:
a) Atinja o limite de idade estabelecido para o respectivo posto; ou
b) Tendo prestado 20 ou mais anos de serviço, a requeira e esta lhe seja concedida; ou
c) O declare, depois de completar 55 anos de idade e 36 anos de serviço.
2 — A passagem de um militar à situação de reserva é da competência do comandante-geral da Guarda».
2. O Autor, ora Recorrido, requereu a passagem à situação de reserva e o seu pedido foi apreciado ao abrigo do regime da alínea b) do n.º 1. O que se mostra correto e incontrovertido nos autos.
3. Igualmente incontrovertido – para as partes e para o tribunal a quo - é o facto de o ato que indeferiu o pedido de passagem à situação de reserva ter sido exercido ao abrigo do poder discricionário que lhe é conferido pelo invocado dispositivo legal. Já quanto ao seu concreto exercício, o tribunal a quo considerou-o ilegal por erro nos pressupostos de direito e falta de fundamentação.
4. Vejamos, então, o teor do ato de 19.6.2012 do Comandante-Geral da Guarda Nacional Republicana através do qual indeferiu o pedido do Recorrido. Para o efeito importa recuperar, antes de mais, o facto 6, o qual tem o seguinte teor:
«Em 17/04/2012, pelo ofício 010751 (…), dirigido ao Comandante da Unidade de Intervenção/GNR, foi solicitada notificação do A, do Despacho Nº 10/12, de 28/02, do Tenente-General Comandante-Geral, para se pronunciar, em audiência prévia, em 10 dias, “Da intenção de indeferir o pedido caso não tenha, na data pretendida para a mudança de situação, 36 ou mais anos de serviço, com fundamento na falta de efetivos e na passagem à reserva de um número considerável de militares, vicissitudes que implicam que a Guarda não tenha capacidade de repor tais perdas”».
5. Posteriormente veio a ser proferida a decisão final, datada, como se disse, de 19.6.2012, e da autoria do Comandante-Geral da Guarda Nacional Republicana, com o seguinte teor: «Indefiro, com os fundamentos constantes na intenção da decisão de que foi notificado. Com esta decisão pretendo também não abrir precedentes».
6. Apreciando tal ato a sentença recorrida começou por discorrer do seguinte modo:
«Como resulta do probatório, desse projecto de decisão constam os seguintes fundamentos:
1-Não ter [“caso não tenha”], na data pretendida [30/04/2012] 36 ou mais anos de serviço;
2-Falta [“com fundamento na”] de efetivos;
3-Passagem à reserva de um número considerável de militares;
4-A GNR não ter capacidade [“vicissitudes que implicam”] de repor tais perdas.
5-Acresce a estes, o fundamento novo aditado na decisão final: não abrir precedentes.
Ora, deve desde já dizer-se que o primeiro fundamento, - não ter na data pretendida para a mudança 36 ou mais anos de serviço -, claramente ilegal, porque, como vimos, o artigo 85-1-b) do EMGNR, não exige os 36 anos de serviço, nem os 55 de idade, [ao contrário da al c)] e exige expressamente e apenas, que o requerente tenha prestado 20 ou mais anos de serviço, e requeira a transição para a reserva. Não pode, portanto, tentar subsumir-se a realidade numa norma com a qual o pedido e essa realidade não têm nenhuma conexão.
Não está no poder da entidade decisória subsumir, discricionariamente, a realidade factual numa previsão legal que nada tenha a ver com essa realidade. Essa operação traduz um flagrante erro subsumptivo, que acaba por ser contra legem e subverter, porque torna inútil, a norma que apenas exige 20 ou mais anos, na qual se enquadra o Autor e o requerimento.
Não pode a Administração, por outro lado, alterar o mínimo legalmente estabelecido de «20» anos para um mínimo de «36 ou mais» anos de serviço.
Note-se que a expressão do projeto de indeferimento, para que remete a decisão final, «36 ou mais anos de serviço» é uma expressão que não existe, pois o artigo 85-1-c), do RMGNR, só fala em «completar 55 anos de idade» e «36 anos de serviço», não dizendo «ou mais».
Este segmento «ou mais» anos só consta do artigo 85-1-b), do RMGNR: «20 ou mais anos».
Em face do exposto, este fundamento é ilegal e não pode ser aceite, pelo que, por aqui, a decisão impugnada enferma de violação de lei, o que implica a sua anulabilidade».
7. Julga-se, como na sentença recorrida, ser inaceitável o motivo invocado no ato impugnado, nos termos em que foi feito. Na verdade, o artigo 85.º do Estatuto dos Militares da Guarda Nacional Republicana estabelecia, na parte que nos interessa, que transita para a situação de reserva o militar da Guarda na situação de ativo que «[t]endo prestado 20 ou mais anos de serviço, a requeira e esta lhe seja concedida».
8. Temos, portanto, que a lei fixa o limite mínimo de anos de serviço: 20 anos. Deste modo, incorre em erro nos pressupostos de direito o ato que integra nos seus fundamentos de indeferimento, tout court, o facto de o militar não deter, pelo menos, 36 anos de serviço. Nem se diga – como alega a Recorrente – que «tal critério [dos 36 anos de serviço] até encontrava, de algum modo, respaldo no disposto no artigo 285.º do EMGNR». Não será seguramente esta norma a dar uma solução para algo que está expressamente regulado noutra.
9. Não significa isto que se afaste, em qualquer caso, a possibilidade de o órgão decisor tomar em consideração um tempo de serviço superior ao referido no artigo 85.º do Estatuto dos Militares da Guarda Nacional Republicana. Tome-se a hipótese de ser reduzido o número de pedidos passíveis de obter deferimento, face às carências de pessoal, a par do facto de esse número ser inferior ao dos pedidos previsíveis por parte de quem tem 36 ou mais anos de serviço. Nada impedirá que, face a esse desequilíbrio, seja fixado a priori que apenas serão apreciados os pedidos de quem tenha tal tempo de serviço, desde que os mesmos esgotem a quota disponível. Nesse caso o mesmo assumirá apenas a natureza de critério de ordenação dos pedidos.
10. Não é o caso dos autos. O referido tempo de serviço foi fixado como requisito da própria passagem à situação de reserva. O que – como bem entendeu o tribunal a quo - não se mostra aceitável.
11. No entanto, o indeferimento do pedido de passagem à situação de reserva tem igualmente como fundamento a «falta de efetivos» e a «passagem à reserva de um número considerável de militares, vicissitudes que implicam que a Guarda não tenha capacidade de repor tais perdas».
12. Segundo o tribunal a quo «[n]ão se percebe (…) onde é que está demonstrada, razoavelmente, a conveniência do serviço de que se fala na Contestação, para denegar a pretensão que a lei confere ao A, na medida em que este preenche todas as demais condições do artigo 85-1-b) acima vistas». Não se poderá acompanhar tal entendimento.
13. Antes de mais recorde-se que o artigo 85.º/1/b) do Estatuto dos Militares da Guarda Nacional Republicana estabelecia que transita para a situação de reserva o militar da Guarda na situação de ativo que «[t]endo prestado 20 ou mais anos de serviço, a requeira e esta lhe seja concedida». Portanto, existe aqui uma margem de livre apreciação administrativa que não admite a referida afirmação.
14. Vejamos melhor, no entanto, o que consta da sentença recorrida, na qual se pode ler o seguinte:
«Quanto ao segundo e terceiro fundamentos, –a falta de efetivos e a passagem à reserva de um número considerável de militares-, coloca a questão de saber como pode um militar, e no caso o A, que a demais hierarquia e de algum modo a Junta de Saúde consideram que, por razões físicas e psíquicas, não está em condições de prestar serviço e devia passar à reserva, ainda assim, sirva para colmatar a falta de efetivos. Ser efectivo de nome apenas, na verdade, não tem lógica. Lógico seria manter no activo, -para colmatar a falta, por outros terem passado à reserva e assim terem diminuído os efectivos-, quem pode estar em ‘actividade’ e não quem de pouco ou nada serve para colmatar números.
É evidente que o artigo 85-1-b), do EMGNR, como diz o A, não fala em falta de efetivos e na passagem à reserva de um número considerável de militares; só que do que estamos e temos de tratar é de saber se estes fundamentos legitimam o exercício do chamado poder discricionário, que, como vimos, tem sempre algo de vinculado e não pode ser arbitrário.
Ora é nesse âmbito que estes fundamentos também não são aceitáveis, pois, de forma palmar, se contradizem nos próprios termos, tornando a fundamentação incongruente.
Quanto aos quarto e quintos fundamentos, -de a GNR não ter capacidade de repor tais perdas e de não abrir precedente-, estes são complementares dos dois fundamentos anteriores, por nada inovam e apenas reforçam aqueles [a falta de efectivos].
Assim, o que se disse acima quanto aos segundo e terceiro fundamentos vale aqui, mutatis mutandi, para o quarto e quinto. Na verdade, tendo aqueles a ver com a falta de efectivos por passagem à reserva de um número considerável de militares, estes respeitam à alegada falta de capacidade de repor essas perdas de efectivos, e ao ainda não abrir precedentes.
O raciocínio lógico das razões invocadas com tais fundamentos parece partir de um pressuposto errado, qual seja o de que o Autor está de boa saúde mental e física e, portanto, é necessário para repor as perdas de efetivos referidas, ou seja, que o autor é necessário para colmatar o desfalque de efectivos resultante da passagem à reserva de número considerável de militares. Mas a questão repete-se: como pode ser necessário, aponto de se negar a pretensão e o direito que lhe está subjacente, tutelado pelo artigo 85-1-b), do EMGNR, se, como se disse e resulta do probatório, toda a demais hierarquia de proximidade e de comando, entende que o Autor de nada servirá como efectivo.
Deste modo, a incongruência da fundamentação continua a existir e é palmar, não se compreendendo, com razoabilidade e lógica, como pode ser necessário, atento o interesse público, o preenchimento de um elemento efectivo, –o Autor--, que, a não ser para fazer número, reconhecidamente, à luz da demais hierarquia e Junta de Saúde, não tem utilidade para esse interesse público, por razões de ordem física e psíquica, após acidente de serviço.
Deve notar-se de novo que, conforme resulta do probatório, a Junta Superior de Saúde da GNR, considerou o A apenas «parcialmente apto para o serviço», mas, ainda assim, com dispensa de serviços de escala, de exercícios e esforços físicos, de serviços no exterior e de uso de arma por 180 dias, devendo voltar à Junta com informação clínica».
Ora, a decisão de indeferimento em questão não apresenta este fundamento, e, por isso dissemos que ele não serve para fundamentar a decisão, e, portanto não tem que ser trazido a debate. E mantemos. Porém, a questão é a de saber da razoabilidade ou não da decisão que, sendo denegadora do direito tutelado pelo artigo 85-1-b) do EMGNR, ainda assim não quis atender a esta situação; que, obviamente, militaria a favor do deferimento, pois deita por terra o argumento da falta de efectivos e a consequente necessidade da presença do A.
Não se percebe, pois, onde é que está demonstrada, razoavelmente, a conveniência do serviço de que se fala na Contestação, para denegar a pretensão que a lei confere ao A, na medida em que este preenche todas as demais condições do artigo 85-1-b) acima vistas».
15. Julga-se que o tribunal a quo invadiu o espaço próprio da função administrativa, violando o princípio da separação de poderes, a que alude, aliás, o artigo 3.º/1 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos. Mais concretamente, tomou as vestes de Comandante-Geral da Guarda Nacional Republicana.
16. Na verdade, recusando o acerto da decisão daquela entidade, o tribunal a quo formulou a seguinte questão: «Como pode [o Recorrido] ser necessário, aponto de se negar a pretensão e o direito que lhe está subjacente, tutelado pelo artigo 85-1-b), do EMGNR, se, como se disse e resulta do probatório, toda a demais hierarquia de proximidade e de comando, entende que o Autor de nada servirá como efectivo»? A questão suscita uma outra: quem decide é a «hierarquia de proximidade e de comando» ou o Comandante-Geral da Guarda Nacional Republicana? E esta é questão de resposta inequívoca.
17. Portanto, o que importa apurar é se existe erro manifesto no exercício do poder discricionário exercido pelo Comandante-Geral da Guarda Nacional Republicana (ou desrespeito pelos princípios gerais que enformam a atividade administrativa). E não existe.
18. Desde logo importa afastar a premissa da sentença recorrida, segundo a qual «não deve ser chamada ao debate a decisão homologada da Junta Superior de Saúde, que 29/02/2012, considerou o A «parcialmente apto para o serviço com dispensa de serviços de escala, exercícios e esforços físicos, serviços no exterior e uso de arma por 180 dias, devendo voltar à JSS com informação clínica atualizada». De resto, a ser trazida a debate, –e não deve-, então teríamos de atender não somente ao «parcialmente apto» mas também à «dispensa de serviços de escala, exercícios e esforços físicos, serviços no exterior e uso de arma por 180 dias», pois, teria de se saber, afinal, que serviços pode prestar o militar que, por incapacidade física e psíquica, reconhecida pela restante hierarquia e Junta de Saúde, está dispensado de serviços de escala, de exercícios e esforços físicos, de serviços no exterior e de uso de arma [por 180 dias]».
19. É o inverso, segundo se julga. Ou seja, deve ser trazida a debate pois é relevante. Porque será precisamente em função dela que se compreenderá que não está correta a conclusão da sentença recorrida no sentido de que o Recorrido «não está em condições de prestar serviço e devia passar à reserva».
20. É que a Junta Superior de Saúde da Guarda Nacional Republicana deliberou o seguinte: «Considerado parcialmente apto para o serviço com dispensa de serviços de escala, exercícios e esforços físicos, serviços no exterior e uso de arma por 180 dias, devendo voltar à JSS com informação clínica atualizada». Ora, estar parcialmente apto para o serviço – como referiu a Junta - é coisa bem diversa de não estar em condições de prestar serviço, como pressupôs a sentença recorrida. O que inquinou, naturalmente, o raciocínio que se seguiu. E mais: a própria avaliação da Junta Superior de Saúde tinha apenas uma validade de 180 dias. Decorrido este período o Recorrido teria de ser sujeito a nova avaliação.
21. Compreende-se, pois, a alegação da Recorrente quando refere que «nem se entende a conclusão constante no douto aresto segundo a qual “lógico seria manter no activo (…) quem pode estar em “actividade” e não quem de pouco ou nada serve para colmatar números”» (…) «pois existem múltiplas tarefas, designadamente de natureza administrativa, susceptíveis de serem atribuídas a militares na situação do Autor, as quais não implicam a realização de serviços de escala, exercícios e esforços físicos, serviços no exterior ou uso de arma».
22. Por outro lado, não nos impressionemos com a informação da hierarquia de proximidade. Na verdade, e como invocava o próprio Comando da Unidade, o Recorrido tinha um processo disciplinar e um processo criminal, estava ausente e tinha 125 dias de férias por gozar. Por outro lado, já conhecemos a diminuição funcional reconhecida pela Junta Superior de Saúde da Guarda Nacional Republicana. É evidente que, numa análise micro, própria de quem faz a gestão da unidade onde se integra o Recorrido, o interesse primacial passará por afastar o militar em causa, cujo abatimento ao quadro permitirá mais facilmente obter a nomeação de um outro militar sem tais dificuldades.
23. Já ao Comandante-Geral da Guarda Nacional Republicana exige-se uma avaliação macro. Portanto, se considera ter falta de efetivos, assinala a passagem à reserva de um número considerável de militares e conclui que a Guarda Nacional Republicana não tem capacidade para repor tais perdas, inexiste fundamento para identificar qualquer erro ostensivo no exercício do poder discricionário em causa. E muito menos fundamento para – como fez a sentença recorrida – sobrepor a sua avaliação à da entidade administrativa competente, no caso, o Comandante-Geral da Guarda Nacional Republicana. Ainda que a sua avaliação seja amparada em avaliações de subordinados da entidade máxima da Guarda Nacional Republicana. Tendo-o feito, não se poderá manter.
24. É certo que no ato impugnado ainda se fez constar o seguinte trecho final: «Com esta decisão pretendo também não abrir precedentes». Como assinalou a sentença recorrida, tal não consubstancia um «fundamento válido». No entanto, trata-se de um fundamento meramente complementar, que em nada prejudica o que realmente motivou a decisão de indeferimento, ou seja, a falta de efetivos, a passagem à reserva de um número considerável de militares e a incapacidade da Guarda Nacional Republicana para repor tais perdas.
V
Em face do exposto, acordam os Juízes da Subsecção Social do Tribunal Central Administrativo Sul em conceder provimento ao recurso, revogar a decisão recorrida e julgar a ação improcedente, absolvendo a Entidade Demandada/Recorrente (Guarda Nacional Republicana) do pedido.
Custas pelo Recorrido, em ambas as instâncias (artigo 527.º/1 e 2 do Código de Processo Civil).
Lisboa, 25 de setembro de 2025.
Luís Borges Freitas (relator)
Maria Julieta França
Maria Helena Filipe |