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Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:116/06.0BEPDL
Secção:CA
Data do Acordão:03/27/2025
Relator:HELENA TELO AFONSO
Descritores:OMISSÃO DE PRONÚNCIA
RESPONSABILIDADE CONTRATUAL
RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRACONTRATUAL POR ATO ILÍCITO
RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRACONTRATUAL POR ATO LÍCITO
Sumário:I – Não ocorre nulidade por omissão de pronúncia pois ao Tribunal compete apreciar todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, não se lhe impondo a apreciação de todos os argumentos, razões ou fundamentos invocados pelas partes para sustentarem a sua causa de pedir.
II – Não se verifica qualquer contradição entre os fundamentos e a decisão pela circunstância de o Tribunal a quo ter concluído que a Recorrente não estava obrigada a impugnar os “atos que inequivocamente traduziram a revogação da Resolução n.º 25/2004”, para efeitos de deduzir os pedidos de indemnização que formulou nos presentes autos, atento o previsto no artigo 38.º do CPTA, na redação anterior às alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 214-G/2015, de 02/10.
III – Tendo o Tribunal a quo formado a sua convicção com base nos depoimentos das testemunhas, acompanhados pela análise dos documentos juntos aos autos, no âmbito e ao abrigo do princípio da livre apreciação da prova, e sendo a mesma sustentável e compatível com os meios de prova em causa, este Tribunal ad quem não tem fundamento para alterar o decidido.
IV - A Resolução n.º 25/2004, de 11 de março, aprovou a prorrogação do contrato por mais um ano, impondo que a prorrogação se concretize com a celebração de um adicional ao contrato inicial, precedida da elaboração e aprovação pela Recorrida da respetiva minuta e do seu envio à Recorrente para aprovação. Exigia-se, assim, a prática de um conjunto de formalidades legais prévias para que se pudesse considerar que ocorreu a celebração do adicional contratualmente previsto (cfr. artigos 64.º, 61.º, 62.º e 67.º do Decreto-Lei n.º 197/99, de 8 de junho).
V - Em face das enunciadas vicissitudes no cumprimento do contrato, nos anos de 2004 e 2005, que ocorreram após a referida Resolução n.º 25/2004, de 11 de março, não se impunha à Recorrida a obrigação de formalizar a prorrogação do prazo do contrato, o que motivou a não celebração do contrato adicional para prorrogação do prazo contratual por mais um ano, não ocorrendo, assim, a invocada violação do disposto nos artigos 220.º, n.º 1, artigo 222.º, n.º 2, 224.º, n.º 1, artigo 227.º, n.º 1, artigo 234.º, artigo 235.º, n.º 2, artigo 238.°, n.º 1, artigo 406.º, n.º 1, artigo 432.º, n.º 1, artigo 436.º, n.º 1, artigo 483.º, n.º 1, artigo 762.º, n.ºs 1 e 2, artigo 798.º e artigo 799.º, n.º 1, todos do Código Civil.
VI - Não configurando a referida Resolução um ato administrativo não está sujeita ao regime previsto para a revogação dos atos administrativos, não tendo, assim, ocorrido violação do disposto nos artigos 140.º, n.º 1, alínea b), 143.º, n.º 2, e 122.º do CPA`91.
VII - A Recorrente só em sede de recurso invocou a violação do princípio da participação (art. 8.º do CPA); do direito/dever de audiência dos interessados (art. 100.º do CPA); e do direito/dever de fundamentação (art. 124.º, n.º 1 alínea e) do CPA), razão pela qual está vedado a este Tribunal o seu conhecimento, por se tratarem de questões novas.
VIII - Não se verificando da conduta dos representantes da Ré, quer compulsemos as diversas resoluções do seu governo, quer analisemos a atuação do Senhor Secretário Regional da Economia, nenhum indício de má-fé contratual ou de grosseira desconsideração dos interesses da autora, não ocorre a invocada violação dos princípios da legalidade (art. 3.º do CPA), da boa fé (art. 6.º-A do CPA) e da proteção da confiança decorrente do princípio do Estado de Direito Democrático (art. 2.º da Constituição da República Portuguesa).
IX - Não ocorrendo uma rescisão unilateral do contrato, não assiste à Recorrente direito a ser indemnizada (cfr. artigo 180.º, n.º 1, alínea c) do CPA).
X - Não estamos perante uma situação em que a Recorrida no exercício das suas funções administrativas, designadamente, de realização de uma qualquer obra de interesse público, de concessão de um licenciamento ou de exercício de uma qualquer outra atividade administrativa, por razões de interesse público, em observância ou respeito pelas normas jurídicas ou técnicas aplicáveis tenha causado danos ou imposto um encargo à Recorrente, pelo que não se verificam os pressupostos da responsabilidade civil para condenar a Recorrida pela prática de ato lícito.
Indicações Eventuais:Subsecção de Contratos Públicos
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam na Subseção de Contratos Públicos, da 1.ª Secção do Tribunal Central Administrativo Sul:

I – Relatório:
A... - TRANSPORTES MARÍTIMOS, S.A. (A...) instaurou a presente ação administrativa comum, sob a forma de processo ordinário, contra a REGIÃO AUTONOMA DOS AÇORES (RAA), pedindo a condenação da Ré no pagamento à Autora da quantia de 1.339.650,18 € (um milhão trezentos e trinta e nove mil, seiscentos e cinquenta euros e dezoito cêntimos), a título de danos emergentes, e de lucros cessantes; e, da quantia correspondente ao montante dos danos futuros que vierem a ser apurados, se necessário em execução de sentença, no montante estimado de 2.656.290,95 € (dois milhões, seiscentos e cinquenta e seis mil, duzentos e noventa euros e noventa e cinco cêntimos), acrescidas dos juros que se vencerem desde a data da citação até integral e efetivo pagamento, calculados à taxa legal aplicável.

Por sentença proferida a 25 de julho de 2011 foi a ação julgada improcedente e a Ré absolvida do pedido.

Vencida na ação, a Autora interpôs recurso da referida sentença, formulando na sua alegação as seguintes conclusões:
“I. Para além de nula, a Douta Sentença recorrida, julgou incorrectamente a matéria de facto e de direito relevante.
II. A Recorrente invocou e suscitou a questão da ilicitude da “revogação tácita” da Resolução n.º 25/2004, de 11 de Março, designadamente com fundamento na violação dos princípios da boa fé e da confiança, assim como da alínea b) do n.º 1 do art. 140.º e do art. 143.º, ambos do CPA
III. A Recorrente também invocou a responsabilidade civil da Recorrida por acto lícito, designadamente com fundamento na alínea c) do art. 180.º do CPA e/ou do art. 9.º do DL 48.051, de 21 de Novembro de 1967 (cfr. arts. 177.º a 182.º da P.I.), diploma em vigor à data da propositura da acção.
IV. A Douta Sentença recorrida não se pronunciou sobre a validade substancial e/ou formal da revogação, não justificou/fundamentou a eventual licitude da mesma, nem não se pronunciou sobre responsabilidade civil da Recorrida por acto lícito, nem, tão pouco, sobre os fundamentos/pressupostos específicos desta.
V. A Douta Sentença recorrida pronunciou-se sobre (e considerou) questões ou factos sobre os quais não se poderia ter pronunciado, pois não só não se encontravam quesitados, como não foram dados como assentes e/ou provados, designadamente os alegados "percalços" na operação do ano de 2005.
VI. Uma vez que deixou de se pronunciar sobre questões que deveriam ter sido apreciadas, bem como que conheceu de questões e factos de que não podia tomar (nem tomou) conhecimento, a Douta Sentença recorrida é nula (cfr. art. 668.º, n.º 1, alínea b) e art. 666.º, n.º 2, ambos do CPC)
VII. Ao afirmar-se que existiram actos que inequivocamente traduziram a revogação da Resolução n.º 25/2004, mas em relação aos quais se concluiu, previamente, pela impossibilidade/desnecessidade de impugnação, verifica-se ainda uma contradição, entre os fundamentos e a decisão, o que configura, igualmente, causa de nulidade da sentença (cfr. art. 668.º, n.º 1, alínea c) do CPC).
VIII. A Douta Sentença recorrida julgou incorrectamente os Quesitos 7.º, 9.º, 17.º, 18.º, 19.º, 21.º, 33.º, 34.º, 35.º, 37.º, 38.º, 39.º, 40.º, 41.º, 42.º e 49.º da Base Instrutória.
IX. Impunham decisão diversa da proferida, não só os depoimentos das testemunhas A.. (gravado na fita magnética n.º 3, lados A e B), J… (gravado na fita magnética n.º 5, lados A e B), V… (gravado na fita magnética n.º 5, lado B, voltas 2146 a 2500, e n.º 6 lados A e B) e D… (gravado na fita magnética n.º 7, lado B, e n.º 8 lados A e B), mas também a total ausência de contraprova por parte das testemunhas arroladas pela Recorrida.
X. Embora a revisão/modificação da Decisão relativa à Matéria de Facto se imponha e seja de elementar justiça, a mesma não é, de forma alguma, essencial à procedência do Recurso e do pedido formulado na acção.
XI. Face aos factos provados, a Douta Decisão recorrida violou, consoante o enquadramento jurídico que se conclua dever ser atribuído à matéria controvertida, os seguintes preceitos legais:
a) Art. 220.º, n.º 1, art. 222.º, n.º 2, 224.º, n.º 1, art. 227.º, n.º 1, art. 234.º, art. 235.º, n.º 2, art. 238.°, n.º 1, art. 406.º, n.º 1, art. 432.º, n.º 1, art. 436.º, n.º 1, art. 483.º, n.º 1, art. 762.º, n.ºs 1 e 2, art. 798.º e art. 799.º, n.º 1, todos do Código Civil;
b) Art. 2.º da CRP e os arts. 3.º, 6.º-A e 8.º do CPA;
c) Art. 100.º e art. 124.º, n.º 1 alínea e), ambos do CPA;
d) Art. 140.º, n.º 1, alínea b) e art. 143.º, ambos do CPA;
e) Art. 2.º do DL 48.051, de 21 de Novembro de 1967, ou art. 7.º, n.º 1, art. 9.º, n.º 1 e art. 10.º n.º 2, todos da Lei n.º 67/2007, de 31 de Dezembro;
f) Art. 180.º, alínea c) do CPA; e,
g) Art. 9.º do DL 48.051, de 21 de Novembro de 1967, ou art. 16.º da Lei n.º 67/2007, de 31 de Dezembro
XII. Nos termos dos arts. 224.º, n.º 1, 232.º e 234.º do Código Civil, foi estabelecido entre as partes um acordo firme e integral relativo à prorrogação do contrato dos autos por mais um ano (admitido pela Cláusula 3.ª do mesmo), por intermédio do qual a Recorrida se obrigou a celebrar o respectivo contrato adicional.
XIII. Ao não celebrar o contrato relativo à prorrogação concedida e acordada, a Recorrida incumpriu o acordo firmado com a ora Recorrente (cfr. n.º 1 do art. 762.º do Código Civil), incumprimento esse que se presume culposo (cfr. n.º 1 do art. 799.º do Código Civil), e que torna a primeira responsável pelos prejuízos causados a esta (cfr. art. 798.º do Código Civil).
XIV. Caso se entenda que os actos e a Resolução em causa se inserem na fase da negociação do contrato adicional que não chegou a ser executado, sempre se dirá que a Recorrida se encontrava obrigada a “proceder segundo as regras da boa fé, sob pena de responder pelos danos que culposamente causar à outra parte" (cfr. n.º 1 do art. 227.º do Código Civil).
XV. Caso se entenda “desligar” a conduta e actos da Recorrida de um acordo ou negociação tendo em vista a prorrogação do contrato dos autos, bem como da execução deste, a matéria controvertida deverá ser apreciada no âmbito da responsabilidade civil por danos decorrentes do exercício da função administrativa, ou seja, à luz do disposto na Lei n.º 67/2007, de 31 de Dezembro,
XVI. A revogação tácita da Resolução n.º 25/2004 é ilícita, violando:
a) O art. 122.º, n.º 1 do CPA;
b) A alínea b) do n.º 1 do art. 140.º do CPA; e,
c) O art. 143.º, n.º 2 do CPA.
XVII. A conduta da Recorrida, ocultando da Recorrente a decisão de revogação da Resolução e os respectivos fundamentos até ao termo inicial do contrato, é ilícita, violando:
a) O princípio da legalidade (art. 3.º do CPA);
b) O princípio da boa fé (art. 6.º-A do CPA);
c) O princípio da participação (art. 8.º do CPA);
d) O direito/dever de audiência dos interessados (art. 100.º do CPA);
e) O direito/dever de fundamentação (art. 124.º, n.º 1 alínea e) do CPA); e,
f) O princípio da protecção da confiança decorrente do princípio do Estado de Direito Democrático (art. 2.º da Constituição da República Portuguesa).
XVIII. Ainda que se conclua pela licitude da revogação do acordo/acto de prorrogação do contrato dos autos, designadamente por se considerar que a Recorrida entendeu que o interesse público subjacente ao contrato impunha a “dispensa” da ora Recorrente, rescindindo unilateralmente o acordo e entregando - como veio efectivamente a fazer - a prestação do serviço a outra entidade, nem por isso deixa de haver lugar ao pagamento de "justa indemnização" nos termos:
a) da alínea e) do art. 180.º do CPA;
b) do art. 334.º do CCP;
c) do n.º 3 do art. 105.º do CCP;
d) do art. 9.º, n.º 1 do DL 48.051 de 21 de Novembro de 1967; e,
e) dos arts. 2.º e 16.º da Lei n.º 67/2007, de 31 de Dezembro.
XIX. A recorrente sofreu danos, decorrentes:
a) dos custos e investimentos suportados tendo em vista a operação do ano de 2006 (cfr. respostas aos quesitos 7.º, 8.º e 9.º);
b) Da menos valia obtida na venda do navio (cfr. respostas aos quesitos 15.º a 19.°, 23.º, 24.º, 43.º e 45.º);
c) Das alteração dos resultados do exercício de 2006 (cfr. respostas aos quesitos 47.º, 48.º, 51.º e 52.º); e,
d) Os custos suportados com a sua estrutura, incluindo o navio, durante o ano de 2006 (cfr. resposta aos quesitos 49.º e 50.º);
XX. Os danos reclamados decorrem, necessária e directamente, da confiança gerada pela Resolução n.º 25/2004, conjugada com a falta de comunicação atempada de decisão expressa de revogação da mesma.
XXI. A Recorrida bem sabia que publicou e manteve em vigor um acto do qual decorria a prorrogação do contrato dos autos por mais um ano, bem como que com base nesse acto, a ora Recorrente iria criar expectativas, efectuar investimentos e assumir compromissos, não podendo, para além do mais, desconhecer as regras relativas à emissão e revogação de actos administrativos, pelo que não é possível concluir, pelo menos, pela inexistência de culpa leve, a qual, aliás, se presume (cfr. n.º 2 do art. 10.º da Lei n.º 67/2007).
XXII. Por se verificarem os pressupostos constitutivos da obrigação de indemnizar, o pedido deveria ter sido julgado parcialmente procedente e, nos termos dos art. 798.º e 564.º, n.º 1 do Código Civil, ou do art. 3.º, n.º 1 da Lei n.º 67/2007, a Recorrida condenada a pagar à ora Recorrente:
a) O valor dos investimentos referidos no Quesito 8.º, ou seja, € 463.285,98 (quatrocentos e sessenta e três mil, duzentos e cinquenta e cinco euros e noventa e oito cêntimos), ou, pelo menos, 50% desse valor, correspondente ao ano adicional de amortização dos mesmos da qual a Recorrente se viu privada;
b) O diferencial entre o valor referido no Quesito 43.º e o valor referido no Quesito 46.º ou seja, € 576.364,20 (quinhentos e setenta e seis mil trezentos e sessenta e quatro euros e vinte cêntimos);
e) O montante, a apurar em liquidação de sentença, correspondente aos prejuízos do exercício de 2006 que se demonstrarem ser imputáveis à conduta da Recorrida, e/ou aos custos com a estrutura a que aludem os Quesitos 49.º e 50.º.

Nestes termos e nos demais de direito, e sempre com o Douto suprimento de V. Exas., deve o Recurso ser julgado procedente, como é de Lei e de Justiça!!”.
A Recorrida REGIÃO AUTONOMA DOS AÇORES (RAA) apresentou contra-alegação de recurso, que concluiu nos seguintes termos:
“1. Com base nos depoimentos e nos meios de prova constantes dos pontos 4 e seguintes supra apresentados, a impugnação de matéria de facto deduzida pela A... quanto aos quesitos 7.°, 9.°, 17.°, 18.°, 19.°, 21.°, 33.°, 34.°, 35.°, 37.°, 38.°, 39.°, 40.°, 41.°, 42.° e 49.° da base instrutória deve ser julgada improcedente, por não existir fundamento.
2. A matéria de facto constante dos artigos 31.°, 32.°, 38.°, 45.°, 49.°, 52.º, 59.°, 71.º, 72.°, 73.°, 76.°, 78.°, 80.°, 81.°, 85.°, 86.°, 87.°, 93.°, 106.°, 112.°, 116.°, 137.° e 150.° da contestação da RAA não foi seleccionada pelo Tribunal a quo, apesar de poder ser relevante para a decisão a proferir, na hipótese de a sentença recorrida não subsistir. Deveria, por isso, ser ampliada a matéria de facto, de maneira a incluir esse âmbito, o que se invoca apenas a título subsidiário e nos termos do artigo 684.°-A, n.° 2, do Código de Processo Civil.
3. A resposta aos quesitos 7.°, 8.° e 9.° da base instrutória deve ser alterada no sentido referido nos pontos 4 a 9 supra, tendo em atenção os meios de prova indicados nesses pontos e no ponto 13 e ainda o disposto no artigo 376.°, n.º 2, do Código Civil, que claramente impõem uma resposta diferente sobre essa mesma matéria de facto, o que se invoca a título subsidiário e nos termos do artigo 684.°- A, n.º 2, do Código de Processo Civil, dando-se-lhes a seguinte redacção:
Quesito 7.° - provado que os gastos efectuados pela Autora em 2005, com excepção dos mencionados nas alíneas a) e b), neste último caso na parte relativa a reparações, do quesito 8.°, tiveram também como objectivo a preparação da operação do ano de 2006;
Quesito 8. ° - provado que, em 2005, a Autora efectuou os seguintes investimentos:
a) Obras e trabalhos de reparação do navio - € 358.575,00;
b) Aquisição de equipamentos - € 7.402,32;
c) Aquisição de uma nova aplicação informática - € 29.152;
d) Aquisição de equipamentos informáticos - € 29.018,21;
e) Mudança de escritório - € 17.271,48.
Quesito 9. ° - provado o que consta dos quesitos 7.° e 8.° e ainda que os equipamentos adquiridos foram utilizados durante o ano de 2005, permitindo uma poupança de custos significativa com comissões.
4. A resposta ao quesito 13.° deve ser alterada em função dos meios de prova indicados no ponto 17 supra, dando-se-lhe a seguintes resposta, o que se invoca a título subsidiário e nos termos do artigo 684.°-A, n.° 2, do Código de Processo Civil:
"Quesito 13.° - O valor imobilizado bruto do navio no final do ano de 2005, tal como inscrito no respectivo balanço, é não superior a € 688.202,92".
5. A resposta ao quesito 15.° deve ser alterada em função dos meios de prova indicados no ponto 18 supra, dando-se-lhe a resposta aí apresentada de não provado, com o consequente prejuízo da resposta dada ao quesito 16.° da base instrutória, o que se invoca a título subsidiário e nos termos do artigo 684.°-A, n.º 2, do Código de Processo Civil, ou, ainda subsidiariamente, a seguinte resposta:
"Quesito 15.° - Caso a A. tivesse tudo conhecimento antecipado de que não iria executar o contrato no ano de 2006, teria colocado o navio à venda no termo da operação relativa ao ano de 2005, ou seja, em Outubro/Novembro desse ano"
6. A resposta ao quesito 26.° deve ser alterada em função dos meios de prova indicados no ponto 19 supra, dando-se-lhe a resposta de não provado, o que se invoca a título subsidiário e nos termos do artigo 684.°-A, n.º 2, do Código de Processo Civil.
7. A resposta ao quesito 43.° deve ser alterada em função dos meios de prova indicados no ponto 20 supra, dando-se-lhe a resposta de não provado ou, subsidiariamente, a seguinte resposta, o que, em qualquer dos casos, se invoca a título subsidiário e nos termos do artigo 684.°-A, n.° 2, do Código de Processo Civil:
"Quesito 43.° - Caso o mesmo tivesse sido vendido até ao final do ano de 2005, e para operar, a A. poderia ter recebido um valor não inferior ao valor contabilístico do navio, de € 688.202,92 (seiscentos e oitenta e oito mil duzentos e dois euros e noventa e dois cêntimos), a que teriam que ser deduzidos os custos com comissões de venda".
8. A resposta ao quesito 51. ° deve ser alterada em função dos meios de prova indicados nos pontos 21 e 22 supra, dando-se-lhe a resposta de não provado, o que se invoca a título subsidiário e nos termos do artigo 684.º-A, n.º 2, do Código de Processo Civil.
9. A resposta ao quesito 54.° deve ser alterada em função dos meios de prova indicados nos pontos 23 e 24 supra, dando-se-lhe a resposta de provado, o que se invoca a título subsidiário e nos termos do artigo 684.°-A, n.º 2, do Código de Processo Civil.
10. A pretensão formulada pela A... deve ser julgada improcedente, na medida em que não existe fundamento para uma pretensão indemnizatória contra a RAA seja por via de incumprimento contratual, seja por via de responsabilidade civil extra-contratual por acto ilícito, seja ainda por responsabilidade por acto lícito, ao invés do que, sem qualquer base legal, é sustentado pela A....
11. Caso o Tribunal ad quem entenda que a pretensão de fundo suscitada pela A... pode proceder, o que apenas por cautela de patrocínio se equaciona, deve ser apreciada a excepção peremptória deduzida pela RAA e que o Tribunal a quo considerou prejudicada pela solução final, tudo por via do disposto no artigo 149.° do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.
12. Mesmo que algum fundamento pudesse existir na referida pretensão da A..., O respectivo reconhecimento pelo Tribunal ad quem nunca poderia ir além das parcelas indicadas nas alíneas a) e b) do ponto 42 supra, no valor global máximo de € 147.411,13 (cento e quarenta e sete mil quatrocentos e onze euros e treze cêntimos), a que teria ainda de se aplicar o regime previsto no artigo 570.° do Código Civil e ainda deduzir os custos não considerados pela A... E para obter esses proveitos ou ainda os custos que deixariam de ser suportados em 2006.
Termos em que se requer a V. Ex.a se digne declarar o recurso jurisdicional interposto pela A... totalmente improcedente, seja quanto à matéria de facto, seja quanto à matéria de direito, tudo com as consequências legalmente previstas.
Subsidiariamente, requer-se a V. Ex.a se digne alterar a matéria de facto objecto de impugnação por parte da RAA, nos termos supra apresentados e ao abrigo do disposto no artigo 684.°-A, n.° 2, do Código de Processo Civil, tendo em consideração os fundamentos e os meios de prova supra apresentados.”.

O Digno Magistrado do Ministério Público, notificado nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 146.º, n.º 1 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), não se pronunciou.

Sem vistos, com prévio envio do projeto de acórdão aos Juízes Desembargadores Adjuntos, vem o presente processo à conferência para decisão.
*
II. Questões a apreciar e decidir:
As questões suscitadas pela Autora e Recorrente - e tendo presente que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação de recurso, sem prejuízo das questões que, sendo de conhecimento oficioso, encontrem nos autos os elementos necessários à sua integração -, resumem-se, em suma, em determinar se a sentença recorrida incorreu em:
- nulidade por omissão e excesso de pronúncia e por oposição entre os fundamentos e a decisão, nos termos previstos nas alínea b) e c), do n.º 1, do artigo 668.º do C.P.C., aplicável ao presente recurso;
- erro de julgamento da matéria de facto, por ter efetuado uma incorreta apreciação da prova e julgado incorretamente os factos constantes dos quesitos 7.º, 9.º, 17.º, 18.º, 19.º, 21.º, 33.º, 34.º, 35.º, 37.º, 38.º, 39.º, 40.º, 41.º, 42.º e 49.º da Base Instrutória (BI);
- violação do disposto no artigo 220.º, n.º 1, artigo 222.º, n.º 2, 224.º, n.º 1, artigo 227.º, n.º 1, artigo 234.º, artigo 235.º, n.º 2, artigo 238. °, n.º 1, artigo 406.º, n.º 1, artigo 432.º, n.º 1, artigo 436.º, n.º 1, artigo 483.º, n.º 1, artigo 762.º, n.ºs 1 e 2, artigo 798.º e artigo 799.º, n.º 1, todos do Código Civil;
- violação do disposto no artigo 122.º, n.º 1 do CPA, na alínea b) do n.º 1 do artigo 140.º do CPA e no artigo 143.º, n.º 2 do CPA; o princípio da legalidade (artigo 3.º do CPA), O princípio da boa fé (artigo 6.º-A do CPA), o princípio da participação (artigo 8.º do CPA), o direito/dever de audiência dos interessados (artigo 100.º do CPA), o direito/dever de fundamentação (artigo 124.º, n.º 1 alínea e) do CPA), e, o princípio da proteção da confiança decorrente do princípio do Estado de Direito Democrático (artigo 2.º da Constituição da República Portuguesa);
- violação do previsto na alínea c) do artigo 180.º do CPA; no artigo 334.º do CCP; no n.º 3 do artigo 105.º do CCP; no artigo 9.º, n.º 1 do DL 48.051 de 21 de Novembro de 1967; e, nos artigos 2.º e 16.º da Lei n.º 67/2007, de 31 de dezembro.
Subsidiariamente, no caso de procedência da ação, impõe-se decidir a ampliação do recurso sobre a decisão da matéria de facto apresentado pela Recorrida.

III – Fundamentação:
3.1. De facto:
A matéria de facto provada, constante da sentença recorrida, é a seguinte:
“Desde 1998 e até 2005, a ora A. prestou à R. o serviço público de transporte marítimo de passageiros e viaturas entre as ilhas da Região Autónoma dos Açores.
Após uma experiência inicial de alguns anos, na sequência de concurso público internacional lançado para o efeito, no dia 30/05/2001, a ora A. e a ora R., representada pelo Secretário Regional da Economia, celebraram, na data de 21/03/2002, um contrato de prestação do serviço público de transporte marítimo de passageiros e viaturas entre as ilhas da Região Autónoma dos Açores.
Cujo termo de vigência inicial estava aprazado para o dia 31/10/2005.
O prazo de vigência do contrato podia ser prorrogado por mais um ano, contado desde a data do termo da sua vigência inicial.
No dia 18/02/2004, o Governo da ora R., reunido em Conselho, deliberou “prorrogar o contrato de prestação do serviço público de transporte marítimo de passageiros e viaturas entre as ilhas da Região Autónoma dos Açores, celebrado com a empresa “A... - Transportes Marítimos, SA”, pelo prazo de mais um ano, terminando a sua vigência a 31 de Outubro de 2006, e pelo valor de € 2.303.790,64 (dois milhões, trezentos e três mil, setecentos e noventa euros e sessenta e quatro cêntimos), acrescidos de IVA à taxa legal em vigor, e de acordo com as condições constantes da proposta apresentada pela empresa em 27 de Agosto de 2001.
Por intermédio da mesma Resolução, a R. deliberou ainda “autorizar a celebração de um adicional ao referido contrato e delegar competências no Secretário Regional da Economia, com poderes de subdelegação, para aprovar a minuta do mesmo e proceder à sua outorga, em nome e representação da Região Autónoma dos Açores”.
A Resolução em causa iniciou a produção dos seus efeitos no dia seguinte ao da sua publicação no Jornal Oficial.
No dia 30/09/2005, a A. remeteu à Direcção Regional dos Transportes Aéreos e Marítimos da Secretaria Regional da Economia da R., para apreciação e aprovação, a sua proposta de horários a implementar durante o ano de 2006.
Por intermédio de Ofício datado de 07/10/05, a Directora Regional dos Transportes Aéreos e Marítimos, devolveu a proposta em causa à A., alegando, para o efeito, que o contrato caducava na data de 31/10/2005, não tendo sido prorrogado.
No dia 08/11/2005, a A. solicitou ao Secretário Regional da Economia da R. que, em cumprimento do determinado na Resolução supra referida, lhe remetesse a minuta do Adicional ao CONTRATO DE PRESTAÇÃO DO SERVIÇO PÚBLICO DE TRANSPORTE MARÍTIMO DE PASSAGEIROS E VIATURAS ENTRE AS ILHAS DA REGIÃO AUTÓNOMA DOS AÇORES, bem como que fosse designada data para a sua outorga.
Entretanto, foram sendo publicadas várias notícias na imprensa regional, dando conta que o Governo da R. havia decidido não renovar o contrato celebrado com o A..
No dia 29/11/2005, foi aberto um CONCURSO PÚBLICO INTERNACIONAL PARA A ADJUDICAÇÃO DO FORNECIMENTO DO SERVIÇO PÚBLICO DE TRANSPORTE MARÍTIMO DE PASSAGEIROS E VIATURAS ENTRE AS ILHAS DA REGIÃO AUTÓNOMA DOS AÇORES.
Do qual era entidade adjudicante a firma A..., SA.
No dia 14/12/2005, a A. comunicou ao Secretário Regional da R., com conhecimento ao Presidente do seu Governo, que considerava o contrato celebrado entre as partes unilateral e definitivamente resolvido.
Tendo igualmente solicitado informações sobre a eventual disponibilidade da R. para assumir as responsabilidades, maxime indemnizatórias, decorrentes de tal resolução.
No dia 05/01/06, a Directora Regional dos Transportes Marítimos respondeu, por incumbência do Secretário Regional da Economia, a esta comunicação/solicitação.
Informando a ora A. que a Resolução n.º 25/2004, de 11 de Março, havia sido tacitamente revogada.
Bem como que, no seu entendimento, tal revogação não seria susceptível de causar quaisquer prejuízos à A..
Posteriormente, e porque a única proposta apresentada ao Concurso Público Internacional supra referido foi rejeitada, o mesmo foi anulado.
Na data de 7 de Fevereiro de 2006, foi aberto um procedimento por negociação sem publicação prévia de anúncio destinado à adjudicação do serviço.
Muito embora tenha sido convidada pela entidade adjudicante a apresentar uma proposta, a ora A. não o fez.
Tendo o procedimento culminado com a adjudicação do contrato ao único concorrente, a T... - Transportes Marítimos, Lda..
Cujo capital social é parcialmente detido pelo Governo Regional da R..
No dia 15.05.2006, o Secretário Regional da Economia da ré transmitiu à autora os motivos da conduta adoptada pelo Governo Regional.
Informando que, em virtude de inúmeros/alegados incumprimentos contratuais da A., não havia restado ao Governo da R. outra alternativa “se não a de não efectuar o contrato opcional por mais um ano, pretendido pela A...”.
Bem como, “lançar um novo Concurso Público Internacional com o único intuito de satisfazer os interesses e as legítimas aspirações, quer do Governo Regional quer da população em geral”.
Em Abril de 1999 a ora A. adquiriu um dos navios (N/M Golfinho Azul) que vinha sendo utilizado na prestação dos serviços e que, posteriormente, veio a ser utilizado na execução do contrato sub judice.
O contrato posto a concurso em 29.11.2005 coincidia integralmente com o pactuado com a autora.
Em virtude de a autora não ter cumprido o prazo de início da operação de 2004, pela Resolução n° 70/2004, aprovada em 2 de Junho desse ano, a ré delegou poderes no Secretário Regional da Economia para autorizar o procedimento por ajuste directo para a adjudicação do serviço público de transporte público de passageiros e viaturas entre as ilhas da região, para esse ano, caso viesse a ser rescindido o contrato com a autora.
Em 2005, o referido secretário ameaçou os representantes da autora com a resolução do contrato se estes não obtivessem autorização do IPTM para retomar a operação até ao dia 7 de Junho de 2005, o que se não veio a concretizar em virtude de a mesma ter sido concedida em 4 de Junho.
Os gastos efectuados pela autora em 2005 tiveram também como objectivo a preparação da operação do ano de 2006.
A autora, em 2005, efectuou os investimentos e suportou os seguintes custos:
a) Obras e trabalhos de reparação do N/M Golfinho Azul, no valor de 358.575,00 € (trezentos e cinquenta e oito mil, quinhentos e cinquenta e sete euros);
b) Aquisição e reparação de equipamentos para o N/M Golfinho Azul, no valor de 11.262,52 € (onze mil duzentos e sessenta e dois euros e cinquenta e dois cêntimos);
c) Aquisição de uma nova aplicação informática de gestão de bilhetes, com informação “on line” com a DRTAM, previamente acordada com esta e por ela aceite, no valor de 44.605,92 € (quarenta e quatro mil, seiscentos e cinco euros e noventa e dois cêntimos);
d) Aquisição de equipamentos informáticos destinados a permitir o funcionamento a bordo dos navios da aplicação informática referida na alínea anterior, no valor de 31.571,06 € (trinta e um mil, quinhentos e setenta e um euros e seis cêntimos);
e) Mudança do seu escritório e ponto de venda de bilhetes para novas instalações, no valor de 17.271,48 € (dezassete mil, duzentos e setenta e um euros e quarenta e oito cêntimos).
Tais investimentos não são conversíveis ou reutilizáveis noutras actividades comerciais da A., tendo perdido toda e qualquer utilidade.
O preço de aquisição do N/M Golfinho Azul foi de 7.150.000 USD.
A autora fez, ao longo dos anos, obras de reparação e de manutenção do navio Golfinho Azul.
O valor imobilizado bruto do navio no final do ano de 2005, tal como inscrito no respectivo balanço, era de 1.126.805,18 €, correspondente ao valor de compra, diminuído do valor das amortizações dos anos anteriores.
Para além da sua utilização no âmbito do contrato sub judice, o navio em causa não tinha qualquer outra utilidade para A..
Caso a A. tivesse tido conhecimento antecipado de que não iria executar o contrato no ano de 2006, a mesma teria procedido à venda do mesmo no termo da operação relativa ao ano de 2005, ou seja, em Outubro/Novembro desse ano.
O que, à partida, pressupunha que o mesmo fosse colocado à venda, o mais tardar, em Janeiro de 2005.
A autora não pôs o navio à venda em 2005, na perspectiva de vir a utilizá-lo na operação de 2006.
O navio em causa apenas foi vendido em Julho de 2006.
O mercado e os negócios de compra e venda de navios são extremamente complexos, demorados e incertos.
Factos que levam a que um navio possa/deva estar à venda durante um largo período de tempo.
E que recomendam/impõem que os interessados em vender anunciem essa intenção e encetem negociações com os potenciais compradores com bastante antecedência em relação à data previsível/possível da concretização do negócio.
O mercado de compra e venda de navios é fortemente sazonal.
Dependendo da época em que são vendidos, os navios são adquiridos para operar ou para desmantelar.
Sendo, neste último caso, posteriormente revendidos para sucata ou às peças.
Quem pretende um navio para operar está, obviamente, disposto a pagar um preço superior a quem o pretende desmantelar.
Casos em que o preço é determinado, exclusivamente, pela relação entre o peso bruto do mesmo e a cotação do aço nos mercados internacionais.
Não sendo levados em conta, ou valorizados, todos os equipamentos, aprestos, bens e materiais pertencentes ao navio.
Bem como, todas as certificações e/ou autorizações detidas pelo mesmo.
Tendo em conta todo tempo e as inúmeras operações/obras necessárias a garantir que um navio esteja em condições de operar na data prevista.
Caso o mesmo tivesse sido vendido até ao final do ano de 2005, e para operar, a A. poderia ter recebido um valor não inferior a 1.200.000,00 € (um milhão e duzentos mil euros).
A autora vendeu o navio, no verão de 2006, para a sucata, por 800.000,00 USD.
Valor que, tendo em conta a taxa de câmbio aplicável na data da venda, ou seja, 1.2828 correspondente a 623.635,80 € (seiscentos e vinte e três mil, seiscentos e trinta e cinco euros e oitenta cêntimos).
Em virtude da não renovação do contrato, a autora deixou de receber as receitas decorrentes da prestação de serviços relativa à operação de 2006.
A prestação de serviços em causa constituía a principal e (quase) única fonte de receitas da A.
A autora teve, em 2006, custos relacionados com a manutenção da sua estrutura.
No exercício relativo ao ano de 2006, a A. previa obter resultados positivos.
A A. deverá registar resultados negativos.
Na Resolução n.º 70/2004, de 17 de Junho, o Conselho do Governo da REGIÃO AUTÓNOMA DOS AÇORES ponderava a rescisão do CONTRATO em vigor com a A...., por incumprimento desta quanto aos prazos de início da operação, e autorizava o recurso a um ajuste directo a outra entidade, caso viesse a confirmar-se a referida rescisão.
Pela Resolução n.º 126/2005, de 21 de Julho, foi determinado pelo Conselho de Governo adoptar medidas com vista à revisão das actuais condições de funcionamento do transporte de passageiros, veículos e também de mercadorias entre as ilhas do Arquipélago dos Açores.
Através de Resolução n.º 152/2005, de 3 de Novembro, foi aprovada a minuta de contrato de gestão de serviços de interesse económico geral relativo à exploração de navios de transporte de veículos e passageiros entre as ilhas do arquipélago dos Açores.
Mais recentemente, por carta recebida pela A..., datada de 5 de Janeiro de 2006, foi-lhe transmitido, de forma expressa, que não seria celebrada qualquer alteração ao CONTRATO, no sentido de alargar o respectivo período de vigência até Outubro de 2006.
E que a referida Resolução n.º 25/2004, de 11 de Março, tinha sido tacitamente revogada.
A A..., com a aprovação expressa da REGIÃO AUTÓNOMA DOS AÇORES, abriu um procedimento pré-contratual para a escolha da entidade responsável pela prestação do serviço de transporte marítimo entre as ilhas da Região, também para o período de Maio a Outubro de 2006, compreendido na tal prorrogação que a A... pretendia.
A autora sabia da necessidade de um aditamento ao contrato, para que a prorrogação da exploração do serviço em 2006 pudesse ocorrer.
Como resultava expressamente da Resolução n.º 25/2004, de 11 de Março.”.
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3.2. De Direito
Nos presentes autos de ação administrativa comum, sob a forma de processo ordinário, formulou a Autora o pedido de condenação da Ré no pagamento à Autora da quantia de 1.339.650,18 € (um milhão trezentos e trinta e nove mil, seiscentos e cinquenta euros e dezoito cêntimos), a título de danos emergentes, e de lucros cessantes; e, da quantia correspondente ao montante dos danos futuros que vierem a ser apurados, se necessário em execução de sentença, no montante estimado de 2.656.290,95 € (dois milhões, seiscentos e cinquenta e seis mil, duzentos e noventa euros e noventa e cinco cêntimos), acrescidas dos juros que se vencerem desde a data da citação até integral e efetivo pagamento, calculados à taxa legal aplicável.
A presente ação foi julgada improcedente e a Ré absolvida do pedido.
Inconformada a Autora interpôs recurso dessa sentença.
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Importa, então, apreciar e decidir o recurso interposto pela Autora e Recorrente, sendo as questões a decidir, tal como vêm delimitadas pela alegação de recurso as supra enunciadas em II.
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3.2.1. Da invocada nulidade da sentença
Nas conclusões da alegação de recurso defendeu a Recorrente que a sentença recorrida é nula, pois:
i) invocou e suscitou a questão da ilicitude da “revogação tácita” da Resolução n.º 25/2004, de 11 de março, designadamente com fundamento na violação dos princípios da boa fé e da confiança, assim como da alínea b) do n.º 1 do art. 140.º e do art. 143.º, ambos do CPA;
ii) invocou a responsabilidade civil da Recorrida por ato lícito, designadamente com fundamento na alínea c) do art. 180.º do CPA e/ou do art. 9.º do DL 48.051, de 21 de novembro de 1967 (cfr. arts. 177.º a 182.º da P.I.), diploma em vigor à data da propositura da ação.
A Douta Sentença recorrida não se pronunciou sobre a validade substancial e/ou formal da revogação, não justificou/fundamentou a eventual licitude da mesma, nem não se pronunciou sobre responsabilidade civil da Recorrida por ato lícito, nem, tão pouco, sobre os fundamentos/pressupostos específicos desta.
Mais invocou a Recorrente que a sentença recorrida pronunciou-se sobre (e considerou) questões ou factos sobre os quais não se poderia ter pronunciado, pois não só não se encontravam quesitados, como não foram dados como assentes e/ou provados, designadamente os alegados "percalços" na operação do ano de 2005.
Vejamos.
Previa-se no artigo 668.º, do CPC`91, na redação aplicável ao presente recurso (1-Cfr. artigos 11.º, n.º 1 e 12.º a contrario do Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24 de agosto)., que:
1 - É nula a sentença:
a) Quando não contenha a assinatura do juiz;
b) Quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;
c) Quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão;
d) Quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;
e) Quando condene em quantidade superior ou em objecto diverso do pedido.
2 - A omissão prevista na alínea a) do número anterior pode ser suprida oficiosamente ou a requerimento de qualquer das partes, enquanto for possível colher a assinatura do juiz que proferiu a sentença.
Este declarará no processo a data em que apôs a assinatura.
3 - As nulidades mencionadas nas alíneas b) a e) do n.º 1 só podem ser arguidas perante o tribunal que proferiu a sentença se esta não admitir recurso ordinário; no caso contrário, o recurso pode ter como fundamento qualquer dessas nulidades. A nulidade prevista na alínea a) do mesmo número pode ser sempre arguida no tribunal que proferiu a sentença.
4 - Arguida qualquer das nulidades da sentença em recurso dela interposto, é lícito ao juiz supri-la, aplicando-se, com as necessárias adaptações e qualquer que seja o tipo de recurso, o disposto no artigo 744.º;”.
Só ocorre a nulidade da decisão por omissão de pronúncia, nos termos do art.º 668.º, n.º 1, al. d), do CPC, quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devia apreciar, que são todas as que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras (cfr. artigo 660.º, n.º 2 do CPC, na redação aplicável aos autos).
Deve o juiz apreciar as questões respeitantes ao pedido e à causa de pedir, não se lhe impondo a apreciação de todos os argumentos, razões ou fundamentos invocados pelas partes para sustentarem a sua causa de pedir. Só a falta absoluta de fundamentação gera a nulidade da decisão.
A consagração desta causa de nulidade relaciona-se com o dever de fundamentação das decisões imposto ao juiz, pretendendo sancionar-se os casos em que ocorre violação desse dever. Com efeito, quer por imperativo constitucional (art.º 205.º, n.º 1 da Constituição) quer por determinação da lei ordinária (art.º 158.º do CPC, na redação aplicável aos autos), as decisões judiciais têm de ser fundamentadas, o que pressupõe, pois, que o julgador indique as razões de facto e de direito que o conduziram, num raciocínio lógico, a decidir em determinado sentido.
Assim, no que respeita a esta invocada nulidade por omissão de pronúncia, quanto à “questão da ilicitude da “revogação tácita” da Resolução n.º 25/2004, de 11 de março, designadamente com fundamento na violação dos princípios da boa fé e da confiança, assim como da alínea b) do n.º 1 do art.º 140.º e do art.º 143.º, ambos do CPA”, atentando no ponto 3 da sentença recorrida verifica-se que na mesma foi apreciada e decidida esta questão, em sede análise dos pressupostos da responsabilidade civil extracontratual. Ainda que em termos sintéticos, não deixou, contudo, de a analisar, fazendo o seu enquadramento no âmbito do regime jurídico da responsabilidade civil extracontratual da ré, por ato ilícito e concluindo que “não se surpreende na conduta dos representantes da ré, nenhum indício de má-fé contratual ou de grosseira desconsideração dos interesses da autora” e que “houve uma série de sucessos que puseram em evidência a não preparação da autora para cumprir com eficiência o contrato que com a ré tinha pactuado”, não se verificando, assim, a ilicitude da conduta. Analisando, também, os pressupostos da culpa, do nexo de causalidade, assim como dos danos.
Quanto à invocada omissão de pronúncia sobre os fundamentos/pressupostos específicos da responsabilidade civil da Recorrida por ato lícito, no ponto 3 da sentença e por referência à análise efetuada no ponto 2, foi decidida a questão relativa ao direito da Autora a ser indemnizada pela prática de ato lícito (justa indemnização conexa com a rescisão unilateral de contrato por imperativo de interesse público), concluindo que “não cabe falar de rescisão unilateral de contrato já que nenhuma relação contratual se estabeleceu, no que concerne à pretensa prorrogação.”, tendo, assim, a questão sido apreciada estabelecendo conexão com a apreciação efetuada no ponto 2 da sentença recorrida a propósito da invocada responsabilidade contratual, ou seja remetendo para essa fundamentação.
Tendo concluído a sentença recorrida que não ocorreu a “pretensa prorrogação” do contrato, pelo que não existia uma relação contratual, não tendo, desta forma, ocorrido a invocada rescisão unilateral do contrato.
Assim, não assiste razão à Recorrente, nesta questão, pois a decisão recorrida não deixou de se pronunciar sobre as questões que foram submetidas à apreciação do Tribunal, não lhe competindo apreciar todos os argumentos apresentados pela Autora, ora Recorrente ou como esta refere “sobre os fundamentos/pressupostos específicos desta” (responsabilidade civil por ato lícito).
Em conformidade com o previsto no artigo 660.º, n.º 2, do CPC (na redação aplicável aos autos) o juiz não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.
Ora, também, não assiste razão à Recorrente quanto à invocada questão do excesso de pronúncia, dado que o juiz na fundamentação da sentença, tomará em consideração os factos admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito e os que o tribunal coletivo deu como provados, fazendo o exame crítico das provas de que lhe cumpre conhecer (cfr. artigo 659.º do CPC, na redação aplicável aos autos), não lhe estando vedado extrair ilações dos factos provados. Basta atentar nos factos provados elencados na sentença recorrida para se concluir que não assiste razão à Recorrente quando defende que “não foram dados como assentes e/ou provados, designadamente os alegados "percalços" na operação do ano de 2005”, designadamente, o exemplo de facto provado dado pela própria Autora a este respeito e que a mesma qualifica como “ameaça” relativa ao ano de 2005.
Resolveu, assim, o juiz todas as questões de que lhe competia conhecer, não padecendo a sentença de nulidade, por excesso de pronúncia.
Referiu, ainda, a Recorrente que ao afirmar-se que existiram atos que inequivocamente traduziram a revogação da Resolução n.º 25/2004, mas em relação aos quais se concluiu, previamente, pela impossibilidade/desnecessidade de impugnação, verifica-se ainda uma contradição, entre os fundamentos e a decisão, o que configura, igualmente, causa de nulidade da sentença (cfr. art. 668.º, n.º 1, alínea c) do CPC).
Ora, não se verifica qualquer contradição entre os fundamentos e a decisão pela circunstância de o Tribunal a quo ter concluído que a Recorrente não estava obrigada a impugnar os “atos que inequivocamente traduziram a revogação da Resolução n.º 25/2004”, para efeitos de deduzir os pedidos de indemnização que formulou nos presentes autos, pelo contrário, só pela não verificação dessa denominada exceção foi possível apreciar os pedidos formulados, atento o previsto no artigo 38.º do CPTA, na redação anterior às alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 214-G/2015, de 02/10.
Não significa, contudo, que a não obrigação de impugnação dessas Resoluções determine a obrigação da Ré indemnizar a Autora, nos termos pela mesma pretendidos, pois tal factualidade careceria de ser apreciada designadamente se se concluísse que se encontravam verificados os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual da Ré, nos termos do previsto no artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 48051, não ocorrendo a apontada contradição entre os fundamentos e a decisão.
Termos em que improcedem as invocadas nulidades da sentença.
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3.2.2. Do invocado erro de julgamento da matéria de facto
Alegou a Recorrente que a douta sentença recorrida julgou incorretamente os quesitos 7.º, 9.º, 17.º, 18.º, 19.º, 21.º, 33.º, 34.º, 35.º, 37.º, 38.º, 39.º, 40.º, 41.º, 42.º e 49.º da Base Instrutória. E que impunham decisão diversa da proferida, não só os depoimentos das testemunhas A… (gravado na fita magnética n.º 3, lados A e B), J… (gravado na fita magnética n.º 5, lados A e B), V… (gravado na fita magnética n.º 5, lado B, voltas 2146 a 2500, e n.º 6 lados A e B) e D… (gravado na fita magnética n.º 7, lado B, e n.º 8 lados A e B), mas também a total ausência de contraprova por parte das testemunhas arroladas pela Recorrida.
Concluiu dizendo que embora a revisão/modificação da Decisão relativa à Matéria de Facto se imponha e seja de elementar justiça, a mesma não é, de forma alguma, essencial à procedência do Recurso e do pedido formulado na ação.
Vejamos.
Dispunha-se no artigo 690.º-A, do CPC`91, na redação vigente à data da interposição deste recurso (2-Cfr. Decreto-Lei n.º 183/2000, de 10 de agosto, que veio a ser revogado pelo Decreto-Lei 303/2007, de 24 de agosto e artigos 11.º, n.º 1 e 12.º a contrario deste diploma.), com a epígrafe “Ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão de facto”:
1 - Quando se impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Quais os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b) Quais os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida.
2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ainda ao recorrente, sob pena de rejeição do recurso, indicar os depoimentos em que se funda, por referência ao assinalado na acta, nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 522.º-C.
3 - Na hipótese prevista no número anterior, incumbe à parte contrária proceder, na contra-alegação que apresente, à indicação dos depoimentos gravados que infirmem as conclusões do recorrente, também por referência ao assinalado na acta, ao abrigo do disposto no n.º 2 do artigo 522.º-C.
4 - O disposto nos n.ºs 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 684.º-A.
5 - Nos casos referidos nos n.ºs 2 a 4, o tribunal de recurso procederá à audição ou visualização dos depoimentos indicados pelas partes, excepto se o juiz relator considerar necessária a sua transcrição, a qual será realizada por entidades externas para tanto contratadas pelo tribunal.”.
Como se decidiu no acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 8/05/2012, proferido no processo n.º 695/09.0TBMGR.C1 (3-Consultável em www.dgsi.pt., como todos os acórdãos sem indicação de outra proveniência e proferido na vigência do artigo 685.º-B n.º 1, a), CPC, ainda que com alterações de redação, mantém, no essencial o regime previsto no artigo 690.º-A, do CPC`91, na redação vigente à data da interposição do presente recurso.) : “I - A parte que, nos termos do artigo 685.º-B n.º 1 a) CPC, pretenda impugnar a decisão proferida sobre a matéria de facto tem que, "sob pena de rejeição", especificar "os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados", o que significa que deve indicar o quesito da base instrutória, ou, na ausência desta, o artigo dos articulados, onde se encontra a matéria de facto objecto de erro no seu julgamento, pois é nessas peças processuais que estão os factos que, tendo sido alegados, foram submetidos a julgamento.”.
No acórdão deste TCA Sul, de 22 de agosto de 2019, proc. n.º 580/18.4BEBJA (4-Ainda que a propósito do regime previsto no artigo 640.º, n.º 1, do CPC, tem aplicação para a decisão da matéria de facto nos presentes autos, ainda que lhe seja aplicável o regime previsto no artigo 690.º-A, do CPC.), considerou-se que “a impugnação da matéria de facto e a modificabilidade da mesma pelo tribunal superior não visa alterar a decisão de facto fundada na prova documental ou testemunhal, apenas porque a mesma é susceptível de produzir convicções diferentes, podendo ser diversa a tomada no tribunal superior daquela que teve o tribunal da 1.ª instância. Diferentemente, este tribunal superior só pode alterar a matéria de facto porque as provas produzidas na 1.ª instância impunham, decisiva e forçosamente, outra decisão diversa da aí tomada (cf. art.º 662.º do CPC).
Portanto, para a modificação da matéria de facto é necessário que haja uma dada matéria de facto que foi identificada e apreciada pelo tribunal de 1.ª instância e que este tenha exteriorizado a sua convicção na fixação da matéria provada e não provada. Só depois, se face às provas produzidas e para as quais o Recorrente remete, se impuser forçosamente decisão diversa da tomada pela 1.ª instância, há que alterar aquela. Mas terá que se tratar de uma prova firme, indiscutível ou irrefutável, que necessariamente abala a convicção que o tribunal de 1.ª instância retirou da prova produzida.
Igualmente, a matéria de facto que se exige fixada e que pode justificar a alteração em sede de recurso é apenas a que releve para a decisão da causa e não qualquer outra que haja sido alegada pelo A. e R. Ou seja, ainda que seja alegada determinada matéria de facto e ainda que a mesma resulte provada nos autos, se a mesma for irrelevante para a decisão a proferir, não há-de ser tomada em consideração pelo juiz em sede de 1.ª instância e tal omissão também não conduz a um erro decisório.”.
Vejamos, então, se assiste razão à Recorrente, reapreciando os meios de prova que no entendimento da Autora e Recorrente deveriam ter conduzido a uma decisão da matéria de facto diferente da que foi proferida pelo Tribunal a quo.
Defendeu a Recorrente que no que diz respeito aos quesitos 7.º e 9.º (indissociavelmente ligados ao quesito 8.º), muito embora seja correto - e suficiente para a procedência da ação - afirmar “que os gastos efectuados em 2005 tiveram também como objectivo a preparação da operação do ano de 2006", é forçoso concluir que os investimentos alegados (e provados) no quesito 8.º não teriam sido efetuados caso a Recorrida não tivesse decidido prorrogar o contrato. Tal facto/pressuposto foi unanimemente confirmado pelas testemunhas acima referidas, as quais tiveram o cuidado e a precisão de demonstrar que os investimentos referidos no quesito 8.º correspondem, apenas, a parte dos custos totais suportados pela ora Recorrente no ano de 2005, mais concretamente, aos investimentos que não teriam sido efetuados caso o Navio dos autos apenas fosse operar por mais 5 meses, ou seja, apenas no ano de 2005, o que também foi assumido na Resolução n.º 25/2004, de 11 de março.
A Recorrida defendeu que a A... não tem qualquer razão, sendo certo que o próprio Tribunal a quo também decidiu mal estes quesitos, o que justifica a impugnação subsidiária da matéria de facto. É evidente a insuficiência da prova testemunhal produzida para a impugnação pretendida. A A... indicou três testemunhas que sobre esta matéria prestaram depoimento, mas nenhuma foi convincente a respeito da razão de fundo para as intervenções realizadas nos motores do navio, parcela de maior relevo no valor global. E foi o estado de degradação imensa do motor que determinou a intervenção mecânica que veio a ter lugar, como, de resto, a prova documental apresentada assim o confirma, cfr. documento n.º 7 junto com a contestação, devendo ser indeferida a alteração da matéria de facto constante dos quesitos 7.º e 9.º pretendida pela Recorrente.
É a seguinte a redação dos quesitos 7.º e 9.º da Base Instrutória, cuja decisão a Recorrente pretende que seja alterada por este Tribunal de recurso:
“7.º
Na sequência da decisão de prorrogação do contrato, e com fundamento na mesma, durante o ano de 2005, a ora A. cuidou de preparar a execução do contrato por mais um ano.
9.º
Estes investimentos foram efectuados no único pressuposto de que a ora A. iria assegurar a prestação do serviço público em causa por mais um ano e tendo em vista a mesma.”.
O quesito 8.º tem a seguinte redação:
Designadamente, a ora A. efectuou os seguintes investimentos e/ou suportou os seguintes custos:
a) Obras e trabalhos de reparação do N/M Golfinho Azul, destinadas a permitir a operação do ano de 2006, no valor de 358.575,00 € (trezentos e cinquenta e oito mil, quinhentos e cinquenta e sete euros);
b) Aquisição e reparação de equipamentos para o N/M Golfinho Azul, destinados a permitir a operação do ano de 2006, no valor de 11.262,52 € (onze mil duzentos e sessenta e dois euros e cinquenta e dois cêntimos);
c) Aquisição de uma nova aplicação informática de gestão de bilhetes, com informação “on line” com a DRTAM, previamente acordada com esta e por ela aceite, no valor de 44.605,92 € (quarenta e quatro mil, seiscentos e cinco euros e noventa e dois cêntimos);
d) Aquisição de equipamentos informáticos destinados a permitir o funcionamento a bordo dos navios da aplicação informática referida na alínea anterior, no valor de 31.571,06 € (trinta e um mil, quinhentos e setenta e um euros e seis cêntimos); e,
e) Mudança do seu escritório e ponto de venda de bilhetes para novas instalações, mais adequadas às necessidades dos clientes e do serviço a prestar, que seriam utilizadas no ano de 2006, no valor de 17.271,48 € (dezassete mil, duzentos e setenta e um euros e quarenta e oito cêntimos);”.
O Tribunal a quo decidiu nos seguintes termos a matéria constante dos quesitos:
- 7.º e 9.º: “provado apenas que os gastos efectuados pela autora em 2005 tiveram também como objectivo a preparação da operação do ano de 2006”; e,
8.º - “provado apenas que a autora, em 2005, efectuou os investimentos e suportou os custos questionados de a) a e)”.
Diga-se, desde já, que a Resolução n.º 25/2004, de 11 de março, em particular o excerto transcrito pela Recorrente, não permite dar como provada a matéria de facto constante dos quesitos 7.º e 9.º, em particular do quesito 9.º, não permitindo responder afirmativamente ao mesmo, ou seja que os investimentos referidos no quesito 8.º foram efetuados no único pressuposto de que a ora A. iria assegurar a prestação do serviço público em causa por mais um ano.
De resto, da restante prova documental, designadamente, do documento n.º 7 junto com a contestação e do depoimento das testemunhas acima referidas resulta que as intervenções ou reparações mecânicas do navio, que se veio a verificar não se tratavam de meras intervenções periódicas, eram necessárias, também, para a exploração ou prestação do serviço em 2005, pelo que não há que alterar a decisão da matéria de facto constante dos quesitos 7.º e 9.º, no sentido defendido pela Recorrente.
Com efeito, analisado o depoimento da testemunha A… não é possível concluir no sentido defendido pela Recorrente. Na verdade, quanto aos custos da reparação do navio não é possível extrair com certeza que as reparações não teriam sido efetuadas se não houvesse perspetiva de continuidade no ano de 2006, ainda que o mesmo tenha expressamente afirmado isto. Sucede que o seu depoimento no que concerne à imprescindibilidade das reparações a efetuar e sobre o valor das reparações que na sua perspetiva seriam necessárias foi genérico e não é acompanhado, designadamente, pela prova documental junta aos autos. Ao invés, dos documentos juntos aos autos, em particular do referido documento 7 junto com a contestação, subscrito pela Recorrente em 8 de junho de 2005, resulta com evidência o estado de deterioração do navio “Golfinho Azul”. Não sendo, também, possível face aos depoimentos das demais testemunhas concluir no sentido de que os gastos efetuados com a reparação do navio, bem como os demais identificados no quesito 8.º, foram efetuados no único pressuposto de que a Autora iria assegurar a prestação do serviço público em causa por mais um ano. A testemunha J… referiu que se não fosse para operarem em 2006, ficavam pelos 350 mil em segurança e manutenção. No entanto, esta afirmação/conclusão é desacompanhada de factualidade que a permita confirmar. Sendo certo que, também, referiu que: “(...) quando abrimos o motor vimos que ele estava muito pior do que de facto nós esperaríamos que estivesse”. Assim, não se pode concluir que foi produzida prova credível e convincente de que o funcionamento em segurança do motor pudesse ser acautelado com medidas de controlo, tais como a medição diária da temperatura, contrariamente ao referido pela mesma testemunha. Aliás esta conclusão sai reforçada pelo já referido documento n.º 7 junto com a contestação onde se refere, designadamente: “(...) Após a abertura da máquina, verificou-se que os bronzes se encontravam totalmente deteriorados, apresentando um desgaste acima dos limites aceitáveis e de segurança, pondo em causa o bom funcionamento da máquina e segurança do navio.
11. Ora, neste tipo de máquina, os bronzes de apoio têm habitualmente uma duração superior à da sua acreditação, não sendo de todo de prever que fosse necessário, nos anos mais próximos, proceder à sua substituição.
12. Infelizmente, foi efetivamente o que foi necessário fazer, tendo que se encomendar à empresa alemã, MAN, fabricante da máquina, os 8 bronzes de apoio (a totalidade dos bronzes que compõem a máquina) para proceder à sua substituição.
(...)
17. Impedindo esta de, perante uma situação, à partida, de mera intervenção periódica das máquinas, poder antecipar um período mais prolongado, uma vez que, para além das intervenções periódicas, se verificou que várias máquinas e peças do navio exigiam mais do que meras intervenções, no limite tendo sido necessário proceder à sua substituição.".
As testemunhas são unânimes em referir as condições em que o Navio se encontrava em março de 2005, e da necessidade que existia em fazer “uma grande intervenção em termos de máquinas”, trabalhos na cozinha, pisos novos, como refere a testemunha D…, não ficando claro que tais obras não fossem já necessárias para funcionar em 2005.
Não pode, pois, concluir-se que os investimentos a que se refere o quesito 8.º, alíneas a) e b), não seriam necessários para garantir a segurança da operação do ano de 2005, isto é que não teriam sido realizados se a Autora não tivesse pressuposto que iria assegurar a prestação do serviço por mais um ano, bem como se verifica que não se produziu prova que permita alterar a decisão dos quesitos 7.º e 9.º, a qual deve manter-se.
Relativamente à decisão dos quesitos 17.º, 18.º, 19.º e 21.º, referiu a Recorrente que muito embora também seja correto - e igualmente suficiente para a procedência da ação - afirmar que “a autora não pôs o navio à venda em 2005, na perspectiva de vir a utilizá-lo na operação de 2006", as referidas testemunhas também demonstraram que tal expectativa - obviamente criada pela Recorrida - apenas foi desfeita no início do ano de 2006, designadamente, face aos factos a que aludem as alíneas Q) a X) da Matéria Assente. Aliás, face à resposta negativa ao quesito 54.º, bem como ao facto da Recorrida apenas ter assumido, pela primeira vez, a revogação da Resolução n.º 25/2004, de 11 março, na comunicação a que alude a alínea Q) da Matéria Assente, esta conclusão não surpreende nem poderia ser distinta.
Já quanto ao Quesito 21.º, a resposta afirmativa ao mesmo é uma consequência necessária das respostas, com as alterações que se impõem, aos quesitos que o antecedem.
A redação dos quesitos 17.º, 18.º, 19.º, 21.º e 54.º é a seguinte:
“17.º - Perante a expectativa de execução do contrato durante o ano de 2006, o navio em causa apenas pode ser colocado à venda após a confirmação de que o contrato não iria ser executado;
18.º Após a A. ter concluído que o serviço iria ser prestado por outra entidade.
19.º Ou seja, no final de Março de 2006, data na qual o contrato com a T... foi celebrado;
21.º Com cerca de um ano de atraso relativamente àquela que seria a data possível caso a R. tivesse comunicado à A. que o contrato não iria ser renovado e executado durante o ano de 2006;
54.º Depois da Resolução n.º 25/2004, de 11 de março, e, enquanto decorria a execução do contrato, foi transmitido à A... que a REGIÃO AUTÓNOMA DOS AÇORES tinha decidido i) não prorrogar, até Outubro de 2006, o prazo de execução contratual e que por isso, ii) não iria celebrar a alteração contratual necessária para o efeito.”.
As alíneas Q) a X) dos factos assentes têm o seguinte teor:
“Q) No dia 05/01/06, a Directora Regional dos Transportes Marítimos respondeu, por incumbência do Secretário Regional da Economia, a esta comunicação/solicitação,
R) Informando a ora A. que a Resolução n.º 25/2004, de 11 de Março, havia sido tacitamente revogada,
S) Bem como que, no seu entendimento, tal revogação não seria susceptível causar quaisquer prejuízos à A.
T) Posteriormente, e porque a única proposta apresentada ao Concurso Público Internacional supra referido foi rejeitada, o mesmo foi anulado.
U) Na data de 7 de Fevereiro de 2006, foi aberto um procedimento por negociação sem publicação prévia de anúncio destinado à adjudicação do serviço. 
V) Muito embora tenha sido convidada pela entidade adjudicante a apresentar uma proposta, a ora A. não o fez,
X) Tendo o procedimento culminado com a adjudicação do contrato ao único concorrente, a T... - Transportes Marítimos, Lda.”.
A decisão da matéria de facto constante dos quesitos 17.º, 18.º e 19.º, foi a seguinte: “provado apenas que a autora não pôs o navio à venda em 2005, na perspectiva de vir a utilizá-lo na operação de 2006;”.
O quesito 21.º teve a seguinte resposta: “apenas o que decorre da restante matéria de facto apurada;”.
Com efeito, das alíneas I), L), M) e O), dos FA) como salienta a Recorrida, resulta, designadamente que esta, por ofício datado de 07/10/05, subscrito pela Diretora Regional dos Transportes Aéreos e Marítimos, devolveu a proposta de horários apresentada pela Autora para o ano de 2006, alegando para o efeito, que o contrato caducava na data de 31/10/2005, não tendo sido prorrogado (alínea I dos FA); que foram sendo publicadas várias notícias na imprensa regional, dando conta que o Governo da R. havia decidido não renovar o contrato celebrado com o A. (alínea L) dos FA) e que no dia 29/11/2005, foi aberto um CONCURSO PÚBLICO INTERNACIONAL PARA A ADJUDICAÇÃO DO FORNECIMENTO DO SERVIÇO PÚBLICO DE TRANSPORTE MARÍTIMO DE PASSAGEIROS E VIATURAS ENTRE AS ILHAS DA REGIÃO AUTÓNOMA DOS AÇORES (alínea M) dos FA); e, no dia 14/12/2005, a A. comunicou ao Secretário Regional da R., com conhecimento ao Presidente do seu Governo, que considerava o contrato, celebrado entre as partes unilateral e definitivamente resolvido (alínea O) dos FA).
Na verdade, o teor das alíneas Q) a X), não poderá ser visto isoladamente, pois, limita-se a reproduzir uma comunicação datada de 05/01/06, da Diretora Regional dos Transportes Marítimos, na qual se resumem factos e razões pelos quais no entender da Recorrida, a não prestação do serviço pela Recorrente no ano de 2006, não seria suscetível de lhe causar quaisquer prejuízos, não se podendo extrair que só a partir dessa comunicação é que foi desfeita a expectativa de execução do contrato no ano de 2006 e que só a partir de final de março de 2006 é que o navio pode ser colocado à venda.
Da conjugação de toda a prova produzida não é possível chegar à conclusão que a Recorrente só concluiu que o serviço iria ser prestado por outra entidade no início do ano de 2006 (final de março), e que o navio apenas pode ser colocado à venda após esta confirmação de que o contrato não iria ser executado. Não podendo extrair-se do depoimento das referidas testemunhas, isoladamente, que essa expectativa só foi desfeita no início do ano de 2006. Sendo que a resposta afirmativa ao quesito 21.º encerraria uma conclusão resultante da decisão no sentido positivo designadamente, dos quesitos 17.º, 18.º e 19.º, que não ocorre.
Assim, a resposta dada aos quesitos 17.º, 18.º, 19.º e 21.º, não merece qualquer censura, devendo manter-se.
Referiu a Recorrente que os factos a que aludem os quesitos 33.º, 34.º, 35.º, 37.º, 38.º, 39.º, 40.º, 41.º e 42.º foram objeto de depoimento claro, esclarecido e convincente por parte das testemunhas J…, V… e D…, as quais revelaram, profundo e circunstanciado conhecimento quer do (específico) mercado de transação de navios, quer das condições em que ocorreu a venda do navio dos autos. Com efeito, todas elas atestaram que vender um navio como o dos autos “parado” afeta a sua atratividade e valor comercial, bem como que, caso o mesmo tivesse sido colocado no mercado antes do início da operação do ano de 2005 (e com esta como “montra”), o “poder” negocial da ora Recorrente seria outro. Mais confirmaram os elevadíssimos custos que a manutenção e conservação do navio “parado” envolvia, com o consequente aumento da “pressão” colocada sobre a Recorrente para o vender depressa e com o menor prejuízo possível.
Já a testemunha A…, apesar de não ser “versada” na matéria, confirmou - tal como todas as restantes testemunhas - o alegado nos Quesitos 37.º, 40.º e 41.º, ou seja, que a Recorrida manteve a Recorrente na expectativa de executar a operação de 2006 até ao início deste mesmo ano.
Os quesitos 33.º, 34.º, 35.º, 37.º, 38.º, 39.º 40.º, 41.º e 42.º têm o seguinte teor:
33.º - Colocá-lo à venda na altura em que a ora A. o pôde colocar, significava, irremediavelmente, vendê-lo para sucata.
34.º - Muito embora a A. tivesse consciência disso, face à conduta da R., não lhe restou outra alternativa.
35.º - Se em 2005 o N/M Golfinho Azul possuía todas as condições e autorizações necessárias para navegar em 2006, para que o mesmo reunisse todas as condições e autorizações necessárias para navegar em 2007 - ainda para mais depois de um ano de completa imobilização/inactividade -, a ora A. teria que despender várias centenas de milhares de euros em reparações, obras e inspecções.
37.º - Caso a ora A. tivesse conhecimento de que poderia vender o N/M Golfinho Azul em Outubro de 2005, a mesma teria colocado o navio no mercado, o mais tardar, logo no início desse ano,
38.º - O que, à partida, lhe permitiria vender o navio até ao final de 2005,
39.º E a algum armador que com ele pretendesse efectivamente operar/navegar na Primavera/Verão do ano de 2006
40.º - No entanto, e apenas porque a R. manteve a A. na expectativa de que esta iria executar o contrato por mais um ano,
41.º - O navio não pôde ser colocado no mercado com a devida/desejada antecedência,
42.º - Nem pôde ser vendido em condições mais vantajosas de preço.”.
Os quesitos 33°, 34°, 35°, 37°, 38°, 39°, 40°, 41° e 42°, tiveram a seguinte resposta: “apenas o que decorre da restante matéria de facto apurada;”.
Efetivamente as testemunhas arroladas pela Autora e Recorrente referiram que se o navio tivesse sido colocado à venda no ano de 2005, teria sido vendido durante o ano de 2005, para transporte de passageiros e noutras condições mais favoráveis. No entanto, estas afirmações são desacompanhadas de factos concretos que as permitam corroborar. Na verdade, basta atentar-se na idade do navio (36 anos), o estado de conservação do mesmo (em 2005 sofreu uma grande reparação, especialmente a máquina de bombordo), questões relacionadas com a segurança do navio impediram o início da prestação do serviço na data prevista no ano de 2005, o que veio a culminar com a aplicação de uma multa contratual pelo atraso no início da operação em 2005 (cfr. documento 8 junto com a contestação). Mas estes factos certamente não permitiriam que o navio tivesse sido colocado à venda “o mais tardar, logo no início” do ano de 2005. Existem, pois, fatores objetivos que não permitem concluir, de forma segura, nesse sentido. Por outro lado, a testemunha J…, referiu que o navio está numa situação terminal, tanto a nível da estrutura como numa situação de incapacidade de se adaptar às novas exigências legais a entrar em vigor e outras já em vigor. Estas conclusões que já constavam do relatório elaborado pelo mesmo, em 4 de maio de 2005, na sequência da vistoria que efetuou ao navio “Golfinho Azul”, em 27 e 28 de abril de 2005, constando, ainda, deste relatório, designadamente, a menção de que do cadastro do navio verifica-se a existência de “cerca de uma detenção por ano” e a “condição estrutural demonstra sinais evidentes de fadiga terminal”. Portanto, as condições de venda de um navio não podem apenas ser aferidas só pelo momento em que o mesmo foi colocado à venda, mas também, como é evidente, designadamente, pelas condições ou estado de conservação em que se encontra.
Analisados os depoimentos das testemunhas que a Recorrente indicou, ainda que a mesma não tenha concretizado os concretos pontos dos depoimentos que levariam a outra decisão, não pode senão concluir-se, em geral ou em tese, que a Autora poderia, eventualmente, ter colocado o navio à venda em data anterior, mas não que o navio poderia ter sido vendido mais cedo ou em condições mais vantajosas. Sucede que a testemunha D… referiu que receberam uma carta a dizer que não podiam ser apreciados os horários porque não se faria a operação de 2006, e apesar de estarem a ser desenhados cadernos de encargos “mais se me vincou a ideia de que pelo menos em 2006 a A.. faria a operação”. Assim, mesmo sabendo que não era intenção da Recorrida prorrogar o contrato, por lhe ter sido expressamente comunicado que o contrato não seria prorrogado, como não foi, a A... estava convicta que prestaria o serviço no ano de 2006. Por outro lado, esta testemunha referiu expressamente que quando o concurso foi anulado (o que sucedeu em novembro de 2005) “fomos à procura de navios” e que “naquela altura havia uma procura muito grande e uma escassez muito grande de navios. Quer para comprar, quer para alugar.”. Podendo, assim, concluir-se que se a Autora não colocou o navio à venda mais cedo, não foi por razões imputáveis à Recorrida, mas por convicção da Recorrente de que prestaria ainda o serviço no ano de 2006, tendo decidido aguardar até à celebração do contrato com outra entidade em março de 2006, não obstante a evidência de que tal não sucederia ao abrigo de adicional ao contrato inicial, uma vez que o mesmo não tinha sido celebrado na vigência deste e em face de todas as demais circunstâncias que inevitavelmente levavam a essa conclusão. Não se extrai dos depoimentos das testemunhas que o valor comercial do Navio “Golfinho Azul” seria superior. A testemunha D… faz a comparação com o Navio Lady of Mann mas de forma muito genérica e sem consistência, referindo que fazem parte de uma mesma geração de navios, idênticas certificações, estado de manutenção e conservação, sendo que o idêntico estado de conservação de ambos não é confirmado por todas as testemunhas (cfr. designadamente o depoimento da testemunha M…).
A testemunha O…, esclarece que o navio foi colocado à venda, no mercado, em janeiro de 2006, e que não existiram propostas para a aquisição do navio, apesar de existirem vários interessados no navio, a única proposta foi a que deu lugar à respetiva venda.
A testemunha J…, que tinha um conhecimento técnico do navio Golfinho Azul, pois procedeu a uma inspeção ao mesmo a pedido da Recorrida, como já se referiu, afirmou que “(...) todas as regras, os requisitos e as inspecções que são aplicadas a este tipo de navios de passageiros (...) são muito mais rigorosos que a outro tipo de navios de carga (...) transporte de pessoas, portanto, um navio destes, que tem este tipo de cadastro, que tem este número de detenções, que tem este número de deficiências, que tem este número de não conformidades, eu penso que será extremamente difícil arranjar um comprador internacional, para utilizar no tráfego internacional (...)” e “(...) a minha convicção, de acordo com a minha experiência profissional, é que este navio está, de facto, numa situação terminal, tanto a nível da estrutura como estava, como também da capacidade, ou incapacidade como queira, de se adaptar às novas exigências que estavam a entrar em vigor, e já estavam em vigor a maior parte delas, portanto (...) dificuldade demonstra também as detenções que ele tinha sistematicamente”.
Em suma e como defendeu a Recorrida “de nenhum segmento desses depoimentos se retira que, se o navio tivesse sido colocado à venda em momento anterior, (i) teria sido vendido durante o ano de 2005, (ii) teria sido vendido para transporte de passageiros e (iii) teria sido vendido nas condições (…) pretendidas pela A.... Essa prova nunca foi feita, limitando-se os depoimentos a meras suposições e não sustentadas.”.
Assim, a decisão destes quesitos por remissão para a restante matéria de facto apurada não enferma de erro, pois, não é possível concluir no sentido que a Recorrente pugna, designadamente, que o navio não pode ser vendido em condições mais vantajosas de preço dada a altura em que foi colocado à venda ou que se tivesse colocado o navio à venda no início do ano de 2005, tal permitir-lhe-ia vender o navio até ao final de 2005 e a algum navegador que com ele pretendesse navegar na Primavera ou Verão de 2006.
Em face do que não é de alterar a decisão da matéria de facto quanto aos quesitos 33.º, 34.º, 35.º, 37.º, 38.º, 39.º 40.º, 41.º e 42.º, devendo manter-se a decisão nos seus exatos termos.
Aduziu, também, a Recorrente que face aos depoimentos das testemunhas A… e D… (responsáveis pela contabilidade e finanças da ora Recorrente), bem como aos documentos contabilísticos juntos aos autos (Docs. 55 e 56 juntos com a P.I.), a resposta ao Quesito 49.º deveria ter sido afirmativa. E que os factos alegados neste quesito são - manifestamente - empíricos, podendo ser confirmado por qualquer pessoa com conhecimentos em matéria de gestão de uma qualquer sociedade comercial, que não seja uma microempresa.
O quesito 49.º tem o seguinte teor:
“49.º - E não obstante a não execução do contrato originar o “desaparecimento” de todos os (relevantes) custos decorrentes da prestação dos serviços contratados, a restante estrutura de custos da A. é fixa, não podendo grande parte dos mesmos ser reduzidos ou eliminados de imediato.”.
A matéria de facto constante do quesito 49.º foi decida em conjunto com a do quesito 50.º, nos seguintes termos: “provado apenas que a autora teve, em 2006, custos relacionados com a manutenção da sua estrutura;”.
E o quesito 50.º tem a seguinte redação:
“A não prestação do serviço implicou a imobilização/laid-up do N/M Golfinho Azul em doca até à data em que o mesmo foi vendido, originando, portanto, custos acrescidos e não previstos”.
Pretende, assim, a Recorrente que se julgue, também, provado que grande parte dos custos não podiam “ser reduzidos ou eliminados de imediato”.
Sucede que dos depoimentos das referidas testemunhas A… e D… e dos documentos 55 e 56 juntos com a petição inicial não é possível extrair esta conclusão, ou seja não resulta demonstrado que grande parte dos custos suportados durante o ano de 2006 eram inevitáveis, designadamente as licenças informáticas, consumíveis, telefones, rendas, limpeza, a vigilância e que não poderiam ter terminado ou pelo menos ser reduzidas logo após a cessação do contrato, em outubro de 2005.
Pois, pelo menos em outubro de 2005 a Autora recebeu uma comunicação expressa de que não seria a prestadora do serviço em 2006, uma vez que o contrato não seria prorrogado.
De todo o modo face à demais prova produzida nos autos, designadamente à matéria provada (cfr. alíneas I), M), O) e factos provados 1.º, 53.º, 55.º, 56.º, 62.º e 63.º) teria sido possível à Autora e Recorrente prever, em data anterior, que não continuaria a prestar o serviço no ano de 2006, não obstante o teor da Resolução n.º 25/2004, de 11 de março. A partir desta data sucederam-se um conjunto de factos que permitiam com segurança perspetivar a mudança de sentido de decisão da RAA (cfr. entre outras, a Resolução n.º 70/2004, de 17 de junho e a Resolução n.º 126/2005, de 21 de julho). Sendo que a partir da comunicação que a Recorrida dirigiu à Recorrente em 7 de outubro de 2005, mediante a qual lhe devolveu os horários que esta lhe havia remetido em 30 de setembro de 2005 deixa de subsistir qualquer dúvida razoável que permita à Recorrente ter a expectativa de que continuaria a prestar o serviço em 2006, ao abrigo do contrato inicial, uma vez que não foi celebrado qualquer adicional a prorrogar o mesmo. O que a Recorrente corrobora pelo ofício que dirigiu à Recorrida em 14/12/2005 (cfr. alínea O) dos FA).
Do despacho de decisão da matéria de facto consta a seguinte motivação subjacente à formação da convicção que permitiu decidir os quesitos nos termos enunciados:
“A convicção em que se estribou o apuramento da matéria de facto supra consignada formou-se a partir dos depoimentos das testemunhas inquiridas, sendo que o O... representou a autora na venda do Golfinho Azul, explicando as circunstâncias em que a mesma ocorreu, o A… foi o técnico de contas da autora, o J… é gerente da sociedade que geriu a autora, a partir de 2004, o V… e a D… administraram a autora, a L… e o P… foram directores regionais da ré, o D… foi secretário regional da economia, tendo os três representado a ré nas relações estabelecidas com a autora, o J… fez inspecções ao navio Golfinho Azul a pedido da ré e o M… foi tripulante do navio em 2001 e 2002.
Todos eles prestaram depoimento circunstanciado e ciente dos factos sobre os quais depuseram, aparentando isenção.
A inquirição foi acompanhada pela análise dos documentos juntos aos autos (cópias de publicações, fotografias, contratos, correspondência, orçamentos, facturas, relatórios de inspecção e estimativas), que as testemunhas pontualmente explicitaram, comentaram e articularam.”.
Tendo o Tribunal a quo formado a sua convicção com base nos depoimentos das testemunhas, acompanhado pela análise dos documentos juntos aos autos, como acima descrito, no âmbito e ao abrigo do princípio da livre apreciação da prova, e sendo a mesma sustentável e compatível com os meios de prova em causa, este Tribunal ad quem não tem fundamento para alterar o decidido, como já acima se explicitou para efeitos de decisão sobre o pedido de alteração da decisão dos quesitos pretendida pela Recorrente.
A prova produzida nos autos, concretamente os documentos juntos aos autos e acima referidos, assim como os depoimentos das referidas testemunhas fundamentam com razoabilidade a decisão do Tribunal a quo quanto ao julgamento da matéria de facto.
Deste modo, a impugnação de facto da Recorrente não merece acolhimento e a decisão de facto da sentença recorrida permanece intocada.
Nesta conformidade, não pode senão manter-se a decisão da matéria de facto, nos exatos termos constantes da sentença recorrida.
*
3.2.3. Da responsabilidade contratual da Recorrida
Defendeu a Recorrente que a decisão recorrida violou o disposto no artigo 220.º, n.º 1, artigo 222.º, n.º 2, 224.º, n.º 1, artigo 227.º, n.º 1, artigo 234.º, artigo 235.º, n.º 2, artigo 238. °, n.º 1, artigo 406.º, n.º 1, artigo 432.º, n.º 1, artigo 436.º, n.º 1, artigo 483.º, n.º 1, artigo 762.º, n.ºs 1 e 2, artigo 798.º e artigo 799.º, n.º 1, todos do Código Civil.
Aduziu a Recorrente que não está em causa nos presentes autos saber se houve, ou não, prorrogação do contrato, ou se houve, ou não, violação dessa prorrogação, mas sim se os atos e condutas da Recorrida no âmbito da execução do contrato celebrado em 21/03/2002 são geradores de responsabilidade civil contratual da primeira. O que está em causa nos presentes é saber se a conduta da Recorrida, ao decidir prorrogar o contrato e, posteriormente, “revogar” tal decisão é, ou não, geradora de responsabilidade civil da mesma, não podendo a resposta deixar de ser afirmativa. Referiu que submeteu à apreciação da Recorrida vários pedidos de prorrogação do contrato dos autos e que a prorrogação do contrato nos termos pretendidos e solicitados pela ora Recorrente encontrava-se contratualmente prevista/admitida (cfr. alínea D) da Matéria Assente e n.º 2 da Cláusula 3.ª do Contrato). A Recorrida aceitou tal proposta, sendo certo que a Resolução n.º 25/2004, fixa a duração e condições financeiras de tal prorrogação, autoriza a celebração do respetivo adicional e delega as competências para a respetiva outorga em pessoa certa (cfr. alínea E) da Matéria Assente). A aceitação da proposta apresentada pela ora Recorrente e/ou a prorrogação do contrato, não ficou condicionada, nem a celebração do competente adicional ao contrato ficou dependente de qualquer ato ou conduta da mesma.
Desta forma, nos termos dos arts. 224.º, n.º 1, 232.º e 234.º do Código Civil, foi estabelecido um acordo relativo à prorrogação do contrato dos autos por mais um ano, acordo esse admitido pela Cláusula 3.ª do mesmo, e que, como tal, constitui um negócio endocontratual. O cumprimento deste acordo, designadamente a outorga do respetivo adicional ao contrato dos autos, dependia, em exclusivo - ou, pelo menos, em primeira linha - da iniciativa e vontade da Recorrida, que desta forma, se constituiu na obrigação de formalizar a prorrogação acordada/concedida, tendo-se a Recorrida recusado a cumprir o acordado. Posteriormente, e só após a ora Recorrente ter solicitado o envio da minuta do adicional, e considerar, na sequência da abertura do concurso referido na alínea M) da Matéria Assente, tal acordo resolvido/incumprido, é que a Recorrida veio esclarecer que o acordo e a resolução em causa haviam sido tacitamente revogados.
Assim, ao não celebrar o contrato relativo à prorrogação concedida e acordada, a Recorrida incumpriu o acordo firmado com a ora Recorrente (cfr. n.º 1 do art. 762.º do Código Civil), incumprimento esse que se presume culposo (cfr. n.º 1 do art. 799.º do Código Civil), e que torna a primeira responsável pelos prejuízos causados a esta (cfr. art. 798.º do Código Civil).
Ainda que se entenda que os atos e a Resolução em causa se inserem apenas na fase da negociação do contrato adicional que não chegou a ser executado, sempre se dirá que a Recorrida se encontrava obrigada a “proceder segundo as regras da boa fé, sob pena de responder pelos danos que culposamente causar à outra parte” (cfr. n.º 1 do art. 227.º do Código Civil). Designadamente, e se efetivamente sabia, desde junho de 2004, que já não pretendia celebrar o contrato adicional que havia autorizado, e “apresentado’’ à Recorrente, a Recorrida encontrava-se, no mínimo, obrigada a informar, expressa e atempadamente, a primeira desse facto. E devia/podia também tê-lo feito aquando da “ameaça’’ a que alude a resposta ao quesito 6.º, momento em que a Recorrente ainda iria a tempo de evitar parte dos prejuízos que sofreu e reclama, designadamente os decorrentes do atraso na venda do navio dos autos e os custos decorrentes da impossibilidade de encerramento da empresa logo após o termo da operação do ano de 2005. Ou seja, quer seja pela forma, quer seja pelo método, o incumprimento/revogação do acordo relativo à prorrogação do contrato formalizado e publicitado através da Resolução n.º 25/2004 é ilícito.
Importa, assim, apreciar e decidir se a Recorrida incorreu em responsabilidade contratual, ao resolver prorrogar o contrato e não ter praticado os subsequentes atos necessários à celebração do adicional ao contrato.
Para efeitos de verificação da existência de responsabilidade contratual da Ré pelos danos que a Autora lhe imputa a sentença recorrida - contrariamente ao entendimento da Recorrente - considera que a questão a colocar é a de saber se, efetivamente, ocorreu a prorrogação do prazo do contrato de prestação do serviço público de transporte marítimo de passageiros e viaturas entre as ilhas da região, em que filia o seu pedido, por mais um ano, até 31 de outubro de 2006, tendo concluído em sentido negativo.
Para apuramento da invocada responsabilidade contratual da Recorrida importa, antes de mais, saber se, efetivamente, ocorreu ou não a prorrogação do contrato celebrado em 21/03/2002, como defende a Recorrente que ocorreu.
Ora, como se provou nos autos, na sequência de concurso público internacional lançado para o efeito, no dia 30/05/2001, a ora A. e a ora R., representada pelo Secretário Regional da Economia, celebraram, na data de 21/03/2002, um contrato de prestação do serviço público de transporte marítimo de passageiros e viaturas entre as ilhas da Região Autónoma dos Açores (doravante designado contrato), cujo termo de vigência inicial estava aprazado para o dia 31/10/2005. Podendo o prazo de vigência do contrato ser prorrogado por mais um ano, contado desde a data do termo da sua vigência inicial.
Ora, não se previa na citada cláusula contratual 3.ª n.º 2, do contrato, nem no restante clausulado deste contrato qualquer outra disposição relativa à referida prorrogação, designadamente no que diz respeito à respetiva operacionalização ou tramitação a seguir para esse efeito. Como salienta a Recorrida o contrato previa apenas a possibilidade de prorrogação do prazo contratual, por mais um ano, mas sem qualquer indicação sobre os termos a seguir para o efeito, não se extraindo desta previsão de possibilidade de prorrogação do contrato por mais um ano qualquer obrigação contratual de qualquer uma das partes no sentido da sua concretização, ou seja, nenhuma das partes poderia exigir da outra a celebração do necessário contrato adicional.
Assim, a efetiva prorrogação do contrato por mais um ano exigia a conjugação de vontades das partes para efeito de celebração de um novo instrumento contratual, não existindo, em termos contratuais, nenhum direito subjetivo à celebração do adicional ao contrato de prestação do serviço público de transporte marítimo de passageiros e viaturas entre ilhas da Região Autónoma dos Açores.
A prorrogação era, pois, uma possibilidade conferida à RAA e não uma obrigação, pressupondo, naturalmente, que havia interesse nisso, designadamente em função do adequado cumprimento contratual.
Sucede que no dia 18/02/2004, o Governo da ora R., reunido em Conselho, deliberou “prorrogar o contrato de prestação do serviço público de transporte marítimo de passageiros e viaturas entre as ilhas da Região Autónoma dos Açores, celebrado com a empresa “A... - Transportes Marítimos, SA”, pelo prazo de mais um ano, terminando a sua vigência a 31 de Outubro de 2006, e pelo valor de € 2.303.790,64 (dois milhões, trezentos e três mil, setecentos e noventa euros e sessenta e quatro cêntimos), acrescidos de IVA à taxa legal em vigor, e de acordo com as condições constantes da proposta apresentada pela empresa em 27 de Agosto de 2001 (cfr. Resolução n.º 25/2004, de 11 de março).
Por intermédio da mesma Resolução, a R. deliberou ainda “autorizar a celebração de um adicional ao referido contrato e delegar competências no Secretário Regional da Economia, com poderes de subdelegação, para aprovar a minuta do mesmo e proceder à sua outorga, em nome e representação da Região Autónoma dos Açores”. A Resolução em causa iniciou a produção dos seus efeitos no dia seguinte ao da sua publicação no Jornal Oficial.
Não obstante o Governo da RAA ter decidido prorrogar o contrato por mais um ano e ter publicado essa decisão (cfr. Resolução n.º 25/2004, de 11 de março), o correspondente adicional ao contrato não chegou a ser celebrado.
Com efeito, esta Resolução não consubstancia uma efetiva prorrogação do prazo de execução do contrato inicial, por preterição das formalidades legais exigíveis para o efeito, nem efetivamente consubstanciou uma prorrogação do prazo de execução do contrato inicial.
Senão vejamos.
Provou-se que a ora Recorrente solicitou à Recorrida a prorrogação do contrato dos autos. E que a Recorrida, nos termos da referida Resolução n.º 25/2004, de 11 de março, e ao abrigo do contrato, resolve prorrogar o contrato pelo prazo de mais um ano, de acordo com as condições da proposta apresentada pela Autora em 27 de agosto de 2001, autorizar a “celebração de um adicional ao referido contrato” e “delegar competências no Secretário Regional da Economia, como poderes de subdelegação, para aprovar a minuta do mesmo e proceder à sua outorga, em nome e em representação da Região Autónoma dos Açores” (cfr. alíneas E) e F) dos factos assentes).
Sucede que a respetiva minuta do contrato não chegou a ser aprovada, nem o contrato foi celebrado ou praticado qualquer ato de execução do contrato prorrogado.
Ao invés, o que se provou foi que em virtude de a autora não ter cumprido o prazo de início da operação de 2004, pela Resolução n.º 70/2004, aprovada em 2 de Junho desse ano, a ré delegou poderes no Secretário Regional da Economia para autorizar o procedimento por ajuste direto para a adjudicação do serviço público de transporte público de passageiros e viaturas entre as ilhas da região, para esse ano, caso viesse a ser rescindido o contrato com a autora, e que, em 2005, o referido secretário ameaçou os representantes da autora com a resolução do contrato se estes não obtivessem autorização do IPTM para retomar a operação até ao dia 7 de Junho de 2005, o que se não veio a concretizar em virtude de a mesma ter sido concedida em 4 de Junho.
Mais se provou que no dia 30/09/2005, a A. remeteu à Direcção Regional dos Transportes Aéreos e Marítimos da Secretaria Regional da Economia da R., para apreciação e aprovação, a sua proposta de horários a implementar durante o ano de 2006, e que em resposta, por intermédio de oficio datado de 07/10/05, a Diretora Regional dos Transportes Aéreos e Marítimos, devolveu a proposta em causa à A., alegando, para o efeito, que o contrato caducava na data de 31/10/2005, não tendo sido prorrogado (cfr. alíneas H) e I) dos factos provados).
E que nesta sequência, no dia 08/11/2005, a A. solicitou ao Secretário Regional da Economia da R. que, em cumprimento do determinado na Resolução supra referida, lhe remetesse a minuta do Adicional ao CONTRATO DE PRESTAÇÃO DO SERVIÇO PÚBLICO DE TRANSPORTE MARÍTIMO DE PASSAGEIROS E VIATURAS ENTRE AS ILHAS DA REGIÃO AUTÓNOMA DOS AÇORES, bem como que fosse designada data para a sua outorga.
Como se refere na sentença recorrida “Fazendo tábua rasa de todos os sucessos que entretanto tinham ocorrido e que, na óptica da ré, terão levado à não celebração do referido aditamento. Nomeadamente, a Resolução n.º 70/2004, de 17 de Junho, pela qual a ré delegou poderes no Secretário Regional da Economia para autorizar o procedimento por ajuste directo para a adjudicação do serviço público de transporte público de passageiros e viaturas entre as ilhas da região, para esse ano, caso viesse a ser rescindido o contrato com a autora. E anote-se que esta rescisão se reportava ao contrato inicial e não à autorização da prorrogação. Já em 2005, a ameaça que o referido secretário fez aos representantes da autora com a resolução do contrato se estes não obtivessem autorização do IPTM para retomar a operação até ao dia 7 de Junho de 2005, o que se não veio a concretizar em virtude de a mesma ter sido concedida em 4 de Junho. Ou a Resolução n.º 126/2005, de 21 de Julho, na qual foi determinado que fossem adoptadas medidas com vista à revisão das actuais condições de funcionamento do transporte de passageiros, veículos e mercadorias entre as ilhas do Arquipélago dos Açores.
Começaremos por esclarecer que parece que a simples autorização para pactuar a prorrogação do contrato não tem a virtualidade de, sem mais, produzir efeitos a nível do contrato, já que tal sempre dependeria da efectiva subscrição do autorizado aditamento, como parece decorrer do disposto no artigo 232.º do Código Civil. Pelo que, não tendo o Secretário Regional da Economia dado sequência à autorização que lhe tinha sido concedida para celebrar o adicional ao contrato visando a prorrogação deste, não poderá a autora pretender extrair consequências a nível de vinculação contratual dessa simples autorização, cuja eficácia se atém necessariamente às relações funcionais entre o órgão que autoriza e aquele que é autorizado.
De qualquer modo, houve da parte do governo da ré actos que inequivocamente traduziram a revogação daquela autorização, concedida pela Resolução n.º 25/2004, de 11 de Março. Sendo de salientar, porque de acto idêntico se trata e é de data anterior ao termo da vigência inicial do contrato, a Resolução n.º 126/2005, de 21 de Julho, que determinou a adopção de medidas com vista à revisão das condições de funcionamento do transporte de passageiros, veículos e mercadorias entre as ilhas do Arquipélago dos Açores.
Pelo que a pretensão da autora, com fundamento em responsabilidade contratual, não poderá proceder.
Aliás, como a ré bem frisa nas suas alegações, por força do disposto nos artigos 184.º do Código de Procedimento Administrativo, 59.º a 62.º, 64.º e 67.º do DL n.º 197/99, de 8 de Junho, em vigor à data dos factos, conjugados com o preceituado no artigo 220.º do Código Civil, uma eventual relação contratual que se pretendesse extrair daquele acto sempre enfermaria de nulidade.”.
Como supra referido, a Resolução n.º 25/2004, de 11 de março, aprovou a prorrogação do contrato por mais um ano, impondo que a prorrogação se concretize com a celebração de um adicional ao contrato inicial, precedida da elaboração e aprovação pela Recorrida da respetiva minuta e do seu envio à Recorrente para aprovação. Exigia-se, assim, a prática de um conjunto de formalidades legais prévias para que se pudesse considerar que ocorreu a celebração do adicional contratualmente previsto (cfr. artigos 64.º, 61.º, 62.º e 67.º do Decreto-Lei n.º 197/99, de 8 de junho).
Ou seja, a Resolução, por si só não tinha a virtualidade de prorrogar o contrato, exigindo-se a outorga do respetivo adicional ao contrato a fixar as correspondentes cláusulas, em obediência ao previsto designadamente, no artigo 61. ° do Decreto-Lei n.º 197/99, de 8 de junho. Bem sabendo a Recorrente da necessidade de outorga desse adicional, como se provou (cfr. resposta ao quesito 62.º).
Sendo que o referido adicional teria de ser precedido da aprovação da correspondente minuta pela entidade competente da RAA, a qual teria, posteriormente, de ser enviada à Recorrente para aprovação, o que não ocorreu.
Após a celebração do adicional ao contrato impunha-se ainda a submissão do mesmo a visto prévio pelo Tribunal de Contas, o que também, naturalmente, não ocorreu.
Nos termos do disposto no artigo 184.° do Código do Procedimento Administrativo (CPA`91) "(...) os contratos administrativos são sempre celebrados por escrito, salvo se a lei estabelecer outra forma".
Ora, para a celebração do contrato de prestação do serviço de transporte marítimo, em causa nos autos, é exigida a forma escrita, não só nos termos previstos no artigo 184.º do CPA`91, como nos termos do disposto no artigo 59.º do Decreto-Lei n.º 197/99, de 8 de junho, pois não está em causa nenhuma das situações de dispensa de celebração de contrato escrito.
Com efeito, contrariamente ao defendido pela Recorrente, entre esta e a Recorrida não foi estabelecido nenhum acordo “firme e integral” relativo à prorrogação do contrato celebrado em 21 de março de 2002, por mais um ano, nos termos dos arts. 224.º, n.º 1, 232.º e 234.º do Código Civil, dado que para que pudesse ocorrer a celebração do denominado “negócio endocontratual” a que se refere a Recorrente exigia-se que tivessem sido observadas as referidas formalidades contratual e legalmente previstas, o que não sucedeu.
Como se refere na sentença recorrida, após a Resolução n.º 25/2004, de 11 de março, ocorreram factos que determinaram a Recorrida a atendendo ao interesse público não prosseguir com a possibilidade de prorrogação contratual, razão pela qual o contrato extinguiu-se em 31 de outubro de 2005, não se tendo constituído nenhuma relação jurídica contratual entre a Recorrente e a Recorrida para além deste prazo.
Assim, em face das enunciadas vicissitudes no cumprimento do contrato, nos anos de 2004 e 2005, que ocorreram após a referida Resolução n.º 25/2004, de 11 de março, não se impunha à Recorrida a obrigação de formalizar a prorrogação do prazo do contrato, o que motivou a não celebração do contrato adicional para prorrogação do prazo contratual por mais um ano.
Aflorou, ainda, a Recorrente, ao que parece ex novo no presente recurso, a existência de responsabilidade pré-contratual da Recorrida – cfr. artigo 227.º, n.º 1 do Código Civil - sem que, contudo, tenha invocado os factos concretos dos quais se possa extrair tal responsabilidade. Ainda assim se dirá que as vicissitudes ocorridas no cumprimento do contrato pela Recorrente, não permitem demonstrar que os representantes da Recorrida não tenham atuado segundo as regras da boa fé, quer antes, quer após a data da Resolução n.º 25/2004.
Deste modo, em virtude de não ter sido celebrado o referido adicional a prorrogar o contrato, por mais um ano, não ocorre a invocada violação do disposto nos artigos 220.º, n.º 1, artigo 222.º, n.º 2, 224.º, n.º 1, artigo 227.º, n.º 1, artigo 234.º, artigo 235.º, n.º 2, artigo 238.°, n.º 1, artigo 406.º, n.º 1, artigo 432.º, n.º 1, artigo 436.º, n.º 1, artigo 483.º, n.º 1, artigo 762.º, n.ºs 1 e 2, artigo 798.º e artigo 799.º, n.º 1, todos do Código Civil.
Termos em que, com estes fundamentos, tem de improceder o presente recurso.
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3.2.4. Da responsabilidade civil extracontratual da Recorrida
Nesta sede defendeu a Recorrente que caso se entenda não estar em causa uma situação de responsabilidade contratual a matéria controvertida deverá ser apreciada no âmbito da responsabilidade civil por danos decorrentes do exercício da função administrativa, à luz do disposto na Lei n.º 67/2007, de 31 de dezembro, sendo certo que quer seja por ação, quer seja por omissão, a conduta da Recorrida não pode deixar de ser considerada ilícita.
Alegou que a Resolução n.º 25/2004, de 11 de março, designadamente a decisão de prorrogação do contrato dos autos por mais um ano, configura um ato constitutivo de direitos ou de interesses legalmente protegidos da ora Recorrente, sendo, equiparável a um ato de adjudicação de um contrato público. Tratando-se de um ato administrativo válido que nos termos da alínea b) do n.º 1 do art.º 140.º do CPA, não podia ser livremente revogado, ou seja, sem adequada, justificada e expressa fundamentação.
Mas ainda que não fosse um ato constitutivo de direitos ou interesses legalmente protegidos a revogação de tal ato deveria ser imperativamente efetuada por intermédio de nova Resolução do Conselho de Governo da Recorrida (cfr. art. 143.º, n.º 2 do CPA), não se vislumbrando no caso dos autos qualquer disposição legal ou circunstância que permitisse afastar a regra geral da forma escrita dos atos administrativos (cfr. art.º 122.º, n.º 1 do CPA).
A revogação tácita da Resolução n.º 25/2004 viola, pelo menos, o artigo 122.º, n.º 1 do CPA, a alínea b) do n.º 1 do artigo 140.º do CPA; e o artigo 143.º, n.º 2 do CPA.
Vejamos, então, o discurso jurídico fundamentador da sentença recorrida, no que respeita à invocada responsabilidade civil extracontratual de Recorrida contra a qual se insurge a Recorrente:
In casu, o que importa analisar sob esse prisma é o facto de ter havido uma deliberação do governo da ré autorizando a prorrogação do prazo de contrato com a autora que não veio a ter sequência. O que, segundo a autora, frustrou as legítimas expectativas que esta criou relativamente aos ganhos que auferiria com essa prorrogação e ditou, além disso, dispêndios que a autora de outro modo não efectuaria, bem como a venda de navio por preço inferior ao real.
Desde logo se dirá que não se surpreende na conduta dos representantes da ré, quer compulsemos as diversas resoluções do seu governo, quer analisemos a actuação do senhor Secretário Regional da Economia, nenhum indício de má-fé contratual ou de grosseira desconsideração dos interesses da autora. O que ressuma, isso sim, da factologia apurada é que, durante os anos de 2004 e de 2005, houve uma série de sucessos que puseram em evidência a não preparação da autora para cumprir com eficiência o contrato que com a ré tinha pactuado. Tudo apontando no sentido de não ser recomendável a prorrogação do prazo do contrato, que o governo da ré autorizou no início de 2004, mas que não veio a ser pactuada até ao termo da vigência inicial do contrato, em 31.10.2005. Assim, falharia desde logo o requisito da ilicitude da conduta.
Bem como o conexo pressuposto da culpa. Na verdade, essa espécie de venire contra factum proprium que a autora imputa à ré, frustrando a confiança que aquela depositou na vontade manifestada por esta na resolução em que autorizava a prorrogação do contrato, deixará de colher sentido, se constatarmos as dificuldades que a ré teve em cumprir durante os anos de 2004 e 2005 o serviço contratado. Circunstâncias que, com a prudência exigível, impeliriam qualquer bonus pater famílias a rever a sua posição, caso ainda se não tivesse vinculado definitivamente.
E frise-se, o que já se reporta ao nexo de causalidade, em termos de causa típica e normal, que a autora também não podia ignorar a forma pouco eficiente como estava a prestar os seus serviços, nomeadamente os percalços com as operações em 2004 e em 2005, que chegaram a levar a ré a ameaçar a resolução do contrato. Assim, a não prorrogação do contrato, ao arrepio do que a ré tinha anunciado, foi ditada pela tomada de consciência das dificuldades com que a autora ia cumprindo aquele e do carácter defeituoso desse cumprimento, que não por aleatória e caprichosa mudança de vontade por parte da ré.
Aliás, ainda no plano da causalidade, ficou por demonstrar que os investimentos de 463.285,98 €, efectuados em 2005, tivessem sido ditados pela preparação da operação do ano de 2006. Tiveram também tal objectivo. Mas, tendo sido efectuados no início de 2005, visaram sobretudo possibilitar a operação desse ano. Que, como visto e não obstante, decorreu com inúmeros problemas.
Do mesmo modo, não será de imputar à ré o facto de a autora, não tendo posto à venda o navio em princípios de 2005, por confiar na prorrogação do prazo do contrato, ter vendido o mesmo por um preço inferior àquele por que vendido. E muito menos as perdas que a autora teve e o que deixou de auferir por não realizar a operação de 2006.”.
Como acabámos de ver a sentença recorrida considera que não se encontram reunidos os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual para a condenação da Recorrida, uma vez que falham os pressupostos da ilicitude, da culpa e do nexo de causalidade entre o comportamento da Ré e o dano.
E o assim decidido será para manter.
Nos termos constantes da Resolução n.º 25/2004, de 11 de março, o Governo Regional resolveu prorrogar o contrato celebrado em 21/03/2002, pelo prazo de mais um ano, de acordo com as condições da proposta apresentada pela Autora em 27 de agosto de 2001, autorizar a “celebração de um adicional ao referido contrato” e “delegar competências no Secretário Regional da Economia, com poderes de subdelegação, para aprovar a minuta do mesmo e proceder à sua outorga, em nome e em representação da Região Autónoma dos Açores” (cfr. alíneas E) e F) dos factos assentes), ao abrigo da cláusula 3.ª, n.º 2, in fine, do referido contrato celebrado em 21/03/2002.
Dispunha o artigo 120.º do CPA`91 que “Para efeitos da presente lei, consideram-se actos administrativos as decisões dos órgãos da Administração que ao abrigo de normas de direito público visem produzir efeitos jurídicos numa situação individual e concreta.”.
Ato administrativo é o “acto jurídico unilateral praticado, no exercício do poder administrativo, por um órgão da Administração ou por outra entidade pública ou privada para tal habilitada por lei, e que traduz uma decisão tendente a produzir efeitos jurídicos sobre uma situação individual e concreta. (5-Cfr. Freitas do Amaral in Curso de Direito Administrativo, vol. II, Almedina, abril de 2002, pág. 210.)
. Defendendo este Autor que ao dizer que o “acto administrativo é unilateral, pretende referir-se que ele é um ato jurídico que provém de um autor cuja declaração é perfeita independentemente do concurso de vontades de outros sujeitos.” – obra citada, pág. 213.
É, pois, uma característica que permite distinguir o ato administrativo do contrato administrativo, que é bilateral.
No ato manifesta-se uma vontade da Administração Pública, a qual não necessita da vontade de mais ninguém, e nomeadamente não necessita da vontade de qualquer particular para ser perfeita.
O ato administrativo configura uma estatuição, determinação ou imposição sobre uma certa situação jurídico-administrativa.
Ora, no caso dos autos não podemos encontrar estas características na Resolução n.º 25/2004, de 11 de março, pelo que não estamos perante uma decisão unilateral da Administração que vise produzir efeitos perante uma situação individual e concreta. E efetivamente não é apta a produzir esses efeitos, pois, tal pressupõe a prática de um conjunto de atos bilaterais, quer pela Recorrente, quer pela Recorrida.
Portanto, aquela Resolução não definiu o direito para o caso concreto, não encerra um comando, cujos efeitos se projetam autoritariamente na esfera jurídica da Recorrente, ou seja, não tem eficácia externa e não é apta a produzir efeitos na esfera jurídica da mesma.
Contrariamente ao defendido pela Recorrente, esta Resolução não sendo um ato administrativo, não é, naturalmente, um ato administrativo constitutivo de direitos ou interesses legalmente protegidos. Ao invés, configura uma manifestação de vontade da Recorrida de exercer uma faculdade contratualmente prevista de prorrogar o contrato por mais um ano e enuncia, designadamente, procedimentos subsequentes a adotar tendentes à aprovação da minuta do contrato e à posterior outorga do contrato entre Recorrente e Recorrida. O que pressupunha, ainda, a prévia aceitação da minuta pela Recorrente. Mas como é claro a referida Resolução não é apta a prorrogar o prazo contratual, que exigia o cumprimento de requisitos e formalidades, designadamente, nos termos previstos no artigo 61.º do Decreto-Lei n.º 197/99, que a mesma não observa. Pelo contrário reforça a necessidade da celebração de um contrato adicional ou de um “aditamento contratual” para esse efeito, facto que era do conhecimento da Recorrente, como está provado nos autos (cfr. resposta ao quesito 63.º).
Assim, esta Resolução não produz quaisquer efeitos externos, designadamente, na esfera jurídica da Autora, para que tal sucede-se impunha-se a celebração do referido contrato adicional, o que não ocorreu, pelas circunstâncias que já se enunciaram no ponto antecedente e aqui se consideram reproduzidas e que a sentença recorrida claramente evidencia. Ou como refere a Recorrida “a alteração da esfera jurídica da A... não decorre, juridicamente, da referida Resolução n.º 25/2004, de 11 de Março. Decorreria, isso sim, do aditamento contratual consensualmente firmado, que, porém, nunca veio a ser celebrado, apesar de, como o tribunal considerou provado, a A... ter conhecimento de que esse mesmo aditamento teria de ser celebrado para que a referida prorrogação de prazo se concretizasse - sendo que este facto e este conhecimento não foi impugnado pela A....”.
Em suma, do texto da indicada Resolução resulta de forma evidente que nenhum dos seus segmentos estabelece uma determinação imediatamente operativa. Isto é, tal como acima se disse, desta Resolução não deriva de forma direta e imediata a prorrogação do contrato, nem qualquer alteração na esfera jurídica da Recorrente, preconiza a metodologia necessária à prorrogação do contrato, e delega competências para tal. Não teve, contudo, qualquer seguimento, ao invés os atos subsequentes praticados pela Recorrida foram em sentido contrário.
O que levou a que já após a cessação da vigência do contrato, que ocorreu em 31/10/2005, e após a extinção dos efeitos do contrato a ora Recorrente solicitasse à Recorrida a celebração da prorrogação do contrato, o que era já uma impossibilidade jurídica face ao terminus da vigência do contrato.
Por outro lado, esta declaração não pode ser equiparada a uma decisão de adjudicação. A decisão de adjudicação é o culminar de um procedimento pré-contratual, cuja abertura cria para a Administração uma verdadeira obrigação ou dever de adjudicar a proposta economicamente mais vantajosa e que não deva ser excluída (cfr. artigos 54.º, 57.º e 58.º do Decreto-Lei n.º 197/99, aqui aplicável (6-Cfr., atualmente, os artigos 76.º e 79.º do Código dos Contratos Públicos (CCP)).)
Esta Resolução foi proferida ao abrigo de um poder discricionário da RAA em observância do previsto na referida cláusula contratual, a qual não previa uma vinculação da RAA à prorrogação do contrato, nem o mesmo era automaticamente prorrogado. Ao invés, exigia uma vontade da RAA nesse sentido. Sucede que entre a data da Resolução e o terminus do contrato ocorreram as já referidas vicissitudes na execução do contrato inicial – e que a sentença recorrida também enunciou, como vimos - que levaram a Recorrida à não celebração do contrato adicional de prorrogação do contrato.
Assim, não configurando a referida Resolução um ato administrativo não está sujeita ao regime previsto para a revogação dos atos administrativos, não tendo, assim, ocorrido violação do disposto nos artigos 140.º, n.º 1, alínea b), 143.º, n.º 2, e 122.º do CPA.
Defendeu, ainda, a Recorrente que os atos a que aludem os quesitos 55.º, 56.º e 61.º (os 2 últimos posteriores à cessação do contrato) não só não foram dirigidos à ora Recorrente, como não contêm qualquer menção à mesma ou ao contrato dos autos, e se a Recorrida tinha fundamentos e motivos para invocar o incumprimento dos pressupostos da referida Resolução, e assim justificar a sua revogação, encontrava-se obrigada a comunicá-los à Recorrente, concedendo-lhe o direito à audiência prévia e ao contraditório, bem como o acesso à respetiva fundamentação (cfr. art.º 6.º-A, art. 8.º, art.º 100.º e art.º 124.º, n.º 1 alínea e), todos do CPA). A conduta - silenciosa, sub-reptícia e esquiva - da Recorrida, ocultando da Recorrente a decisão de revogação da Resolução e os respetivos fundamentos, viola:
a) O princípio da legalidade (art. 3.º do CPA);
b) O princípio da boa fé (art. 6.º-A do CPA);
c) O princípio da participação (art. 8.º do CPA);
d) O direito/dever de audiência dos interessados (art. 100.º do CPA);
e) O direito/dever de fundamentação (art. 124.º, n.º 1 alínea e) do CPA); e,
i) O princípio da proteção da confiança decorrente do princípio do Estado de Direito Democrático (art. 2.º da Constituição da República Portuguesa).
É consabido que o Tribunal não está obrigado a apreciar todos os argumentos produzidos na alegação, contra-alegações e respetivas conclusões, mas apenas as questões suscitadas. E por outro lado, como refere António Santos Abrantes Geraldes “os recursos constituem mecanismos destinados a reapreciar decisões proferidas, e não a analisar questões novas, salvo quando (…) sejam de conhecimento oficioso”, “em regra, os Tribunais Superiores apenas devem ser confrontados com questões que as partes discutiram nos momentos próprios. Quando respeitem à matéria de facto mais se impõe o escrupuloso respeito de tal regra, a fim de obviar, a que numa etapa desajustada, se coloquem questões que nem sequer puderam ser convenientemente discutidas ou apreciadas.”, quer em homenagem ao princípio da preclusão, quer por desvirtuarem a finalidade dos recursos, que se destinam a reapreciar questões e não a decidir questões novas por tal equivaler a suprimir um ou mais órgãos de jurisdição, ou ainda por não terem antes sido submetidas ao contraditório e decididas pelo Tribunal Recorrido (7-Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 2014, págs. 92-93.).
Diga-se, desde já, que a Recorrente só em sede de recurso invocou a violação do princípio da participação (art. 8.º do CPA); do direito/dever de audiência dos interessados (art. 100.º do CPA); e do direito/dever de fundamentação (art. 124.º, n.º 1 alínea e) do CPA), razão pela qual está vedado a este Tribunal o seu conhecimento, por se tratarem de questões novas.
Como resulta dos factos provados pela Resolução n.º 126/2005, de 21 de Julho, foi determinado pelo Conselho de Governo adotar medidas com vista à revisão das atuais condições de funcionamento do transporte de passageiros, veículos e também de mercadorias entre as ilhas do Arquipélago dos Açores e através da Resolução n.º 152/2005, de 3 de novembro, foi aprovada a minuta de contrato de gestão de serviços de interesse económico geral relativo à exploração de navios de transporte de veículos e passageiros entre as ilhas do arquipélago dos Açores e a A..., com a aprovação expressa da RAA abriu um procedimento pré-contratual para a escolha da entidade responsável pela prestação do serviço de transporte marítimo entre as ilhas da Região, também para o período de maio a outubro de 2006, compreendido na tal prorrogação que a A... pretendia. São estes, respetivamente, os atos referidos nos quesitos 55.º, 56.º e 61.º (julgados provados), os quais tal como a Resolução n.º 25/2004, de 11 de março, não foram notificados à Recorrente, porquanto foram objeto de publicação em conformidade com as normas jurídicas que lhes são aplicáveis, não se impondo a comunicação ou notificação dos mesmos à Recorrente.
Assim, e como resulta da factualidade provada – cfr. ponto antecedente - após a Resolução do Governo n.º 25/2004, de 11 de março, no sentido de prorrogar o contrato ocorreram factos que determinaram a alteração desta decisão. Desde logo, a Resolução n.º 70/2004, de 17 de junho, pela qual o Conselho do Governo da RAA ponderava a rescisão do contrato celebrado com a A..., por incumprimento desta quanto aos prazos de início da operação, e autorizava o recurso a um ajuste direto a outra entidade, caso viesse a confirmar-se a referida rescisão. Esta Resolução n.º 70/2004, de 17 de junho, deixa claras as preocupações do Governo da RAA com o cumprimento do contrato pela Recorrida antecipando a possibilidade de rescisão do mesmo face às dificuldades que a mesma vinha sentido na sua execução, sendo certo que a anunciada prorrogação pressupunha que o contrato fosse cumprido. Desta Resolução ressalta, com evidência, uma manifestação de vontade em sentido contrário à anterior manifestação de vontade de prorrogação do contrato, ou no mínimo, reservas que deveriam ter alertado a Recorrida para a possibilidade de não prorrogação do contrato, as quais foram sendo manifestadas pelos sucessivos atos praticados pela RAA, designadamente, no sentido de adoção de medidas de revisão das acuais condições de funcionamento do transporte de passageiros, veículos e também de mercadorias entre as ilhas do Arquipélago dos Açores - Resolução n.º 126/2005, de 21 de Julho - e de aprovação da minuta de contrato de gestão de serviços de interesse económico geral relativo à exploração de navios de transporte de veículos e passageiros entre as ilhas do arquipélago dos Açores - Resolução n.º 152/2005, de 3 de Novembro - (cfr. quesitos 55.º e 56.º) e confirmadas pelo decurso do tempo sem que a RAA desse início aos procedimentos anunciados na Resolução n.º 25/2004, necessários à celebração do adicional ao contrato.
Acresce que, como está provado e também evidencia a Recorrida, pela Resolução n.º 43/2005, de 17 de março “foi aprovada a alteração ao contrato celebrado com a A..., no sentido de antecipar o início da prestação dos serviços de transporte para o ano de 2005. Essa alteração foi vertida em aditamento ao contrato”, porém, nessa altura, “as partes celebraram um aditamento ao contrato relacionado com aquela antecipação, mas não incluíram nesse mesmo aditamento contratual qualquer alteração do prazo de vigência do contrato, que, assim, se mantinha em 31 de Outubro de 2005.”, sendo certo que nem, posteriormente, celebraram esse aditamento contratual.
Como se provou o contrato a que respeitava o concurso público internacional aberto pela A... coincidia com o contrato celebrado com a Recorrente em 21 de março de 2002 (cfr. resposta ao quesito 1.º). Tendo-se, igualmente, provado que a A..., com a aprovação expressa da Região Autónoma dos Açores, abriu um procedimento pré-contratual para a escolha da entidade responsável pela prestação do serviço de transporte marítimo entre as ilhas da Região, também para o período de Maio a Outubro de 2006, compreendido na tal prorrogação que a A... pretendia (cfr. resposta ao quesito 61. °).
O que nos leva a concluir como na sentença recorrida “Desde logo se dirá que não se surpreende na conduta dos representantes da ré, quer compulsemos as diversas resoluções do seu governo, quer analisemos a actuação do senhor Secretário Regional da Economia, nenhum indício de má-fé contratual ou de grosseira desconsideração dos interesses da autora.”.
Em face de todo o exposto, conclui-se que a sentença recorrida não violou os princípios da legalidade (art. 3.º do CPA), da boa fé (art. 6.º-A do CPA) e da proteção da confiança decorrente do princípio do Estado de Direito Democrático (art. 2.º da Constituição da República Portuguesa).
Termos em que, com este fundamento, também, não poderá proceder o presente recurso.
*
3.2.5. Da responsabilidade civil por ato lícito.
A Recorrente defendeu, também, que ainda que se conclua pela licitude da revogação do acordo de prorrogação do contrato dos autos, designadamente por se considerar que a Recorrida entendeu que o interesse público subjacente ao contrato impunha a "dispensa" da ora Recorrente, rescindindo unilateralmente o acordo e entregando - como veio efetivamente a fazer - a prestação do serviço a outra entidade, nem por isso deixa de haver lugar ao pagamento de “justa indemnização”. Tal obrigação decorre, quanto mais não seja por analogia: da alínea e) do art. 180.º do CPA; do art.º 334.º do CCP, do n.º 3 do art. 105.º do CCP; do art.º 9.º, n.º 1 do DL 48.051 de 21 de Novembro de 1967; e, dos art.ºs 2.º e 16.º da Lei n.º 67/2007, de 31 de Dezembro.
Alegou que quer se considere que existiu um acordo relativo à prorrogação do contrato, a adjudicação do respetivo adicional, a promessa de celebração do mesmo, um ato administrativo ou um ato preparatório, a verdade é que a revogação unilateral e tardia da Resolução n.º 25/2004, causou à ora Recorrente danos especiais e anormais. Tendo ficado provado que com base na "confiança” legitimamente gerada pela Resolução n.º 25/2004, bem como pela falta de revogação expressa/manifesta da mesma antes do termo do contrato, a Recorrente efetuou investimentos, não colocou o navio à venda antecipadamente e não antecipou a eliminação dos encargos relativos à sua estrutura, facilmente se conclui que o simples facto da Recorrida apenas ter comunicado à Recorrente a revogação da referida resolução após o termo da operação de 2005, lhe causou danos que facilmente poderiam ter sido evitados. Com o que fica obrigada a “reconstituir a situação que existiria se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação" (cfr. art.º 3.º, n.º 1 da Lei n.º 67/2007).
Vejamos, então.
Conforme se previa no artigo 180.º, n.º 1, alínea c) do CPA`91: “Salvo quando outra coisa resultar da lei ou da natureza do contrato, a Administração Pública pode:
(…) c) Rescindir unilateralmente os contratos por imperativo de interesse público devidamente fundamentado, sem prejuízo do pagamento de justa indemnização;”.
O exercício do poder de rescisão por conveniência como referem Mário Esteves de Oliveira e outros AA., muito embora “dê, naturalmente, lugar ao pagamento de justa indemnização – que deve ser aferida pelos princípios e regras da responsabilidade por actos lícitos, menos gravosa para a Administração, da que sobre ela impenderia por causa de actos ilícitos (8-Cfr., Código do Procedimento Administrativo, Comentado, 2.ª Edição, Almedina, janeiro 2003, pág. 826.).”
Funda a ora Recorrente o seu direito à indemnização na responsabilidade da Recorrida por ato lícito começando por dizer que nos seus articulados, e tendo em conta a argumentação utilizada pela Recorrida em defesa da decisão de revogação da Resolução n.º 25/2004, suscitou a eventual responsabilidade da primeira por ato lícito, questão que, o Tribunal a quo - apesar de ter considerado tal revogação lícita - nem sequer apreciou.
Acontece que a Recorrente não tem razão nesta questão, pois, o Tribunal a quo como já anteriormente se referiu apreciou esta questão na sequência da apreciação da questão relativa à responsabilidade contratual “estabelecendo conexão” com o que se explanou a esse propósito tendo considerado que “não cabe falar de rescisão unilateral do contrato já que nenhuma relação contratual se estabeleceu, no que concerne à pretensa prorrogação.”.
Entendimento com o qual se concorda e aqui se reafirma, porquanto o mesmo não viola o artigo 180.º, n.º 1, alínea c) do CPA.
Com efeito, ocorreu uma alteração dos pressupostos ou circunstâncias objetivos nos quais a RAA fundou a decisão de prorrogar o contrato. Não tendo, assim, a respetiva minuta do contrato chegado a ser aprovada, nem o aditamento ao contrato foi celebrado ou praticado qualquer ato de execução do contrato prorrogado.
Como já anteriormente se concluiu a Resolução n.º 25/2004, de 11 de março não configura um acordo de prorrogação do contrato inicial cujo terminus ou extinção ocorreu em 31/10/2005, pelo que não ocorrendo uma rescisão unilateral do contrato, isto é da referida Resolução, não assiste à Recorrente direito a ser indemnizada (cfr. artigo 180.º, n.º 1, alínea c) do CPA).
Tal como a referida Resolução n.º 25/2004 não configura uma decisão de adjudicação.
Mas ainda que assim não fosse e como se decidiu no acórdão para uniformização de jurisprudência do STA, de 22/10/2009, proferido no processo n.º 0557/08 (9-Consultável em www.dgsi.pt. como todos os acórdãos sem indicação de proveniência.) “Se, após a adjudicação de uma empreitada de obras públicas, o dono da obra não promover a celebração do contrato, o direito do adjudicatário a ser indemnizado pelo dano negativo (dano de confiança), abrange as despesas com a aquisição do processo de concurso e com a elaboração da proposta, as quais têm a ver com o interesse contratual negativo, uma vez que possuem uma efectiva conexão com a ilicitude específica geradora da responsabilidade pré-contratual.”.
Assim, se estivéssemos perante um caso de revogação da decisão de adjudicar o direito de indemnização abrangeria somente os encargos em que os concorrentes, cujas propostas não devessem ser excluídas comprovadamente, tivessem incorrido com a elaboração das mesmas (10-Cfr., atualmente, n.º 4 do artigo 79.º do CCP, que prevê: “Quando o órgão competente para a decisão de contratar decida não adjudicar com fundamento no disposto nas alíneas c) e d) do n.º 1, a entidade adjudicante deve indemnizar os concorrentes, cujas propostas não tenham sido excluídas, pelos encargos em que comprovadamente incorreram com a elaboração das respetivas propostas.)”., ou seja, abrangeria apenas as despesas em que os concorrentes incorreram com a elaboração das propostas e já não os lucros cessantes.
Como já anteriormente se referiu os recursos destinam-se a reapreciar decisões proferidas e não a analisar questões novas, salvo quando sejam de conhecimento oficioso.
Sucede que a Recorrente só em sede de recurso invocou em defesa da sua tese o regime jurídico decorrente do artigo 334.º do CCP, do n.º 3 do art.º 105.º do CCP e dos art.ºs 2.º e 16.º da Lei n.º 67/2007, de 31 de Dezembro, pelo que está vedado ao Tribunal a sua apreciação.
Acresce que quer o regime jurídico decorrente do Código dos Contratos Públicos, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 18/2008, de 29 de janeiro, quer o da Lei n.º 67/2007, de 31 de dezembro, não são aplicáveis ao caso dos autos, como resulta manifesto, desde logo pelas datas de publicação dos referidos diplomas, posteriores, portanto, aos factos em causa nos autos.
Até à publicação da Lei n.º 67/2007, de 31 de dezembro, que aprovou o regime da responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais entidades públicas e revogou o Decreto-Lei n.º 48051, de 27 de novembro, a concretização do princípio da responsabilidade civil extracontratual do Estado era feita pelo referido Decreto-Lei n.º 48051, que estabelecia o princípio geral da responsabilidade civil do Estado.
Diploma este aplicável ao caso dos autos.
Assim, aos presentes autos é aplicável o regime jurídico decorrente do DL 197/99, do CPA`91 e não o do CCP, assim como o regime jurídico da responsabilidade civil aprovado pelo Decreto-Lei n.º 48051, de 21 de novembro de 1967.
Dispunha-se no artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 48051 que “[a] responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais pessoas colectivas públicas no domínio dos actos de gestão pública rege-se pelo disposto no presente diploma, em tudo que não esteja previsto em leis especiais.”.
O regime da responsabilidade por atos lícitos era regulado pelos artigos 8.º e 9.º deste diploma.
Estabelecia-se, assim, no artigo 8.º que “O Estado e demais pessoas colectivas públicas respondem pelos prejuízos especiais e anormais resultantes do funcionamento de serviços administrativos excepcionalmente perigosos ou de coisas e actividades da mesma natureza, salvo se, nos termos gerais, se provar que houve força maior estranha ao funcionamento desses serviços ou ao exercício dessas actividades, ou culpa das vítima ou de terceiro, sendo neste caso a responsabilidade determinada segundo o grau de culpa de cada um.”.
E no artigo 9.º dispunha-se que “1. O Estado e demais pessoas colectivas públicas indemnizarão os particulares a quem, no interesse geral, mediante actos administrativos legais ou actos materiais lícitos, tenham imposto encargos ou causado prejuízos especiais e anormais.
2. Quando o Estado ou as demais pessoas colectivas públicas tenham, em estado de necessidade e por motivo de imperioso interesse público, de sacrificar especialmente, no todo ou em parte, coisa ou direito de terceiro, deverão indemnizá-lo.”.
Em anotação ao novo Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e Demais Entidades Públicas, aprovado pela Lei n.º 67/2007, ainda que este regime não seja aplicável ao caso dos autos, as anotações são pertinentes para o caso sub iudice, Carlos Alberto Fernandes Cadilha considera que a “responsabilidade pelo risco e por acções ou omissões não culposas se encontra coberta não só pelo princípio da igualdade perante os encargos públicos (artigo 13.º), que justifica, em geral, que o Estado deva compensar os cidadãos por actos ou omissões dos poderes públicos que afectem de forma desigual ou não proporcional a sua esfera jurídica, como também por outros institutos indemnizatórios que têm igualmente assento na Lei Fundamental, e, entre eles o direito de indemnização (…) por expropriação ou requisição com fundamento em utilidade pública (artigo 62.º)
(…)
Poderá assim afirmar-se um princípio geral de responsabilidade do Estado em sentido amplo, que engloba não apenas a responsabilidade por factos ilícitos e culposos que se encontra consagrada expressamente no artigo 22.º da CRP, mas também a responsabilidade pelo risco e a indemnização pelo sacrifício(11-Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e Demais Entidades Públicas, Anotado, Coimbra Editora 2008, pág. 174.)”.
“São situações típicas de indemnização pelo sacrifício os danos resultantes de programas de protecção sanitária (…), de medidas de direcção económica (…) e certo tipo de medidas policiais (interdição de atracagem de navios (…), trabalhos públicos de grande envergadura, as obras de requalificação urbana, bem como o alargamento de zonas pedonais no interior das cidades na medida em que podem introduzir mudanças duradouras na vida das pessoas, implicando o encerramento de estabelecimentos, alteração de ramo de comércio, diminuição de clientela ou impossibilidade de acesso de automóvel à residência, podem igualmente justificar um dever indemnizatório relativamente a moradores e comerciantes.” (12-Cfr. Carlos Alberto Fernandes Cadilha, in obra citada páginas 307-308.).
Podemos, assim, assentar na ideia de que a responsabilidade por atos lícitos, ainda que não se encontre abrangida pelo artigo 22.º da CRP, tem consagração constitucional no artigo 13.º da CRP emanando do princípio da igualdade dos cidadãos perante os encargos públicos (13-No mesmo sentido pode ver-se o acórdão do STA, de 2.12.04 (R.º 670/04), no qual se refere «o princípio da igualdade dos cidadãos na repartição dos encargos públicos constitui o fundamento axiológico deste tipo de responsabilidade, traduzindo a refração do princípio geral da igualdade de contribuição dos cidadãos no suporte daqueles encargos», assim como, os acórdãos do STA de 10.10.02 e 5.11.03, proferidos nos R.º 48 404 e R.º 1100/02, respetivamente.) e do princípio do Estado de direito, que inclui o dever de reparação de danos produzidos na esfera jurídica dos cidadãos decorrentes de atuações das entidades públicas indemnizáveis nos termos do artigo 62.º da CRP.
De acordo com o artigo 9.º do Decreto 48051, podemos isolar como pressupostos da responsabilidade civil por ato lícito (14-Neste sentido, v.j. os acórdãos do STA de 10.10.02, R.º 048404, de 29.5.03, R.º 688/03, de 30.10.03, R.º 936/03 e de 5.11.03, R.º 1100/02.):
- a prática pelo órgão ou agente da Administração de ato que formal e substancialmente se confine nos limites do poder de que legalmente dispõe, ou seja, um ato lícito de um órgão do Estado ou de outra pessoa coletiva pública;
- praticado por motivo de interesse público;
- dano resultante do ato ou atuação;
- nexo de causalidade entre a conduta e o prejuízo causado;
- que os danos advenham de prejuízos especiais e anormais;
- que tais encargos ou prejuízos sejam impostos a um ou alguns dos administrados, na prossecução do interesse geral.
Vejamos, então, a situação sub iudice.
Como resulta dos factos assentes não estamos perante uma situação em que a Recorrida no exercício das suas funções administrativas, designadamente, de realização de uma qualquer obra de interesse público, de concessão de um licenciamento ou de exercício de uma qualquer outra atividade administrativa de interesse público, em observância ou respeito pelas normas jurídicas ou técnicas aplicáveis tenha causado danos à Recorrente.
O que bastaria para se afastar a invocada responsabilidade civil por ato lícito.
Na verdade, os fundamentos que a Recorrente invocou, nesta sede, como suscetíveis de gerar responsabilidade civil por parte da Recorrida, com exceção da alegada rescisão unilateral do contrato, seriam suscetíveis de fundar a responsabilidade civil contratual ou por ato ilícito da Recorrida, caso fossem procedentes, o que como vimos supra não ocorreu, mas já não por ato lícito.
Com efeito, caracterizando-se o dano ou prejuízo como especial e anormal só há lugar à indemnização pelo sacrifício desde que se verifiquem os demais requisitos materiais do dever ressarcitório: a imposição de um encargo ou a provocação de um dano a um particular, no quadro de uma intervenção de uma autoridade pública, por razões de interesse público, o que não ocorreu no caso dos autos.
Em face de todo o exposto, não se pode concluir que os danos reclamados pela Recorrente decorrem, necessária e diretamente, da confiança gerada pela Resolução n.º 25/2004 - da qual não decorria a prorrogação do contrato celebrado em 21 de março de 2002, pelo prazo de mais um ano -, conjugada com a invocada falta de comunicação atempada de decisão expressa de revogação da mesma, as quais não são adequadas a causar as expetativas nas quais a Recorrente fundou o pedido de indemnização, pelo que tem de improceder o presente recurso e consequentemente o pedido de condenação da Recorrida no pagamento do valor dos investimentos referidos no quesito 8.º, ou seja, € 463.285,98 (quatrocentos e sessenta e três mil, duzentos e cinquenta e cinco euros e noventa e oito cêntimos), ou, pelo menos, 50% desse valor, correspondente ao ano adicional de amortização dos mesmos da qual a Recorrente se viu privada; do diferencial entre o valor referido no quesito 43.º e o valor referido no quesito 46.º ou seja, € 576.364,20 (quinhentos e setenta e seis mil trezentos e sessenta e quatro euros e vinte cêntimos); e do montante a liquidar, correspondente aos prejuízos do exercício de 2006 que se demonstrarem ser imputáveis à conduta da Recorrida, e/ou aos custos com a estrutura a que aludem os quesitos 49.º e 50.º.
*
A Recorrida, a título subsidiário e nos termos do artigo 684.°-A, n.° 2, do Código de Processo Civil, requereu a ampliação da matéria de facto (cfr. conclusões 1 e 2 da contra-alegação de recurso), assim como impugnou a decisão da matéria de facto (cfr. conclusões 3 a 9 da contra-alegação de recurso), prevenindo a hipótese de a sentença recorrida não subsistir.
Não procedendo o recurso da Recorrente, não se impõe o conhecimento da ampliação do âmbito do recurso a requerimento do recorrido (cfr. artigo 684.°-A, do Código de Processo Civil).
*
Em face do exposto, deve ser negado provimento ao recurso interposto pela Autora e Recorrente e confirmada a sentença recorrida, não sendo de apreciar o recurso subsidiário apresentado pela Recorrida.
*
As custas serão suportadas pela Recorrente – cfr. artigo 527.º, n.ºs 1 e 2, do CPC e artigos 6.º, n.º 2, 7.º, n.º 2 e 12.º, n.º 2, todos do Regulamento das Custas Processuais.
*
IV. Decisão:
Pelo exposto, acordam, em conferência, os Juízes Desembargadores da Subsecção de Contratos Públicos, da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida.
Custas pela Recorrente.
Lisboa, 27 de março de 2025.

(Helena Telo Afonso – relatora)

(Ana Carla Teles Duarte Palma)

(Jorge Martins Pelicano)