Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:922/12.6BELRA
Secção:CT
Data do Acordão:01/09/2025
Relator:TÂNIA MEIRELES DA CUNHA
Descritores:NOTIFICAÇÃO DA SENTENÇA
Sumário:I.Em sede de processo de impugnação judicial, o regime de citações e notificações aplicável é o previsto no CPTA e no CPC, ex vi art.º 23.º do CPTA.

II.O regime constante do art.º 38.º do CPPT refere-se a notificações de atos tributários e é aplicável em sede de procedimento e não de processo tributário.

Votação:UNANIMIDADE
Indicações Eventuais:Subsecção Tributária Comum
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral: *

Acórdão

I. RELATÓRIO

M………………………. (doravante Recorrente ou Impugnante) veio recorrer do despacho proferido a 19.10.2020, no Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) de Leiria, na qual foi indeferido o pedido de nulidade de despacho de 14.06.2018.

Nas suas alegações, concluiu nos seguintes termos:

“I-Da violação dos artigos 38° e 192° do CPPT

1- Nos presentes autos estamos no âmbito do processo judicial tributário. Razão pela qual devem ser aplicadas as regras do processo tributário previstas no Código de Procedimento e Processo Tributário, devendo assim ser chamado à colação o artigo 38° do CPPT, que no seus n°5 e 6 expressamente determina que "As notificações serão pessoais nos casos previstos na lei ou quando a entidade que a elas proceder o entender necessário." E que às notificações pessoais aplicam-se as regras sobre a citação pessoal."

2- Sendo que o artigo 192° do CPPT expressamente determina no seu n°2 que "No caso de a citação pessoal ser efetuada mediante carta registada com aviso de receção e este vier devolvido ou não vier assinado o respetivo aviso por o destinatário ter recusado a sua assinatura ou não ter procedido, no prazo legal, ao levantamento da carta no estabelecimento postal e não se comprovar que o contribuinte comunicou a alteração do seu domicílio ou sede fiscal, nos termos do artigo 43.°, é repetida a citação, enviando-se nova carta registada com aviso de receção ao citando, advertindo-o da cominação prevista no número seguinte."

3- Ou seja, o CPPT, trata as "notificações pessoais" como "citações pessoais" a serem realizadas através de carta registada com aviso de receção, dispondo que em caso de devolução é repetida a citação, enviando-se nova carta registada com aviso de receção ao citando.

4- No caso dos autos, e não obstante a devolução postal da notificação, esta não foi repetida. Não foi enviado nova carta à impugnante/recorrente.

5- Tendo assim sido contrariado, o disposto nos artigos 38° e 192° do CPPT.

6- O "O Tribunal a quo" ao não determinar a aplicação dos artigos 38° e 192° do CPPT, violou ainda que de forma inadvertida o sentido da lei,

7- Razão que qual o despacho de indeferimento do pedido da impugnante/recorrente em que solicitava a declaração de ineficácia das notificações do despacho de 08.11.2017 e em especial da sentença proferida em 31.10.2017, deve ser substituído por outro que acolhe a declaração de ineficácia das notificações supra mencionadas, devendo em ser ordenada a realização da citação da Impugnante do despacho de 08.11.2017 e em especial da sentença proferida em 31.10.2017.

II-Da Violação do artigo 20° da Constituição da República Portuguesa

8- O artigo 20° da Constituição da República Portuguesa garante como direito fundamental o acesso ao direito e à tutela jurisdicional efetiva.

9- O Tribunal de primeira instância consciente da necessidade de notificar, informar, de levar a conhecimento a sentença judicial, ainda mais quando a impugnante/recorrente se encontrava fragilizada juridicamente por não ter mandatário judicial entendeu, e bem, exigir a notificação pessoal desta.

10- Vir agora, a arrepio do anteriormente consignado considerar que a impugnante/recorrente se encontra devidamente notificada quando por razões que lhe são alheias, decorrentes da distribuição postal, não rececionou qualquer carta nos parece excessivo, e desproporcional.

11- Que sistema de justiça seria este em que um cidadão fragilizado por não ter mandatário, à simples devolução de uma carta, que contem uma sentença judicial, se consideraria notificado?

12- Razões de justiça e de proporcionalidade exigiam, pelo menos o envio de nova carta face à devolução da primeira. Afinal, o que estava em causa era a notificação de uma sentença, e a eventual perda de um prazo de recurso.

13- A verdade dos factos é que a interpretação do ilustre "tribunal a quo" ao considerar que nos casos em que o impugnante não se encontra assistido por mandatário não se exige o cumprimento da repetição da notificação prevista no artigo 192° do CPTT, é violadora do princípio constitucional da proporcionalidade e do artigo 20° da Constituição da Republica Portuguesa.

14- Termos em que este interpretação deve se ter por ilegal e inconstitucional, devendo em consequência ser aplicado aos autos o disposto no n°2 do artigo 192° do CPPT e em consequência ser acolhida a declaração de ineficácia das notificações devendo em ser ordenada a realização da citação da Impugnante do despacho de 08.11.2017 e em especial da sentença proferida em 31.10.2017

Termos em que deve o presente recurso ser admitido, julgado procedente e em consequência produzido acórdão que:

-Declare que o "tribunal a quo" violou o disposto nos artigos 38° e 192° do CPPT devendo em consequência ser o despacho de indeferimento do pedido da impugnante/recorrente em que solicitava a declaração de ineficácia das notificações do despacho de 08.11.2017 e em especial da sentença proferida em 31.10.2017, ser substituído por outro que acolhe a declaração de ineficácia das notificações supra mencionadas, devendo em ser ordenada a realização da citação da Impugnante do despacho de 08.11.2017 e em especial da sentença proferida em 31.10.2017.

Ou se assim não entender

-Declare ser ilegal e inconstitucional por violação do Principio Constitucional da Proporcionalidade e do artigo 20° da Constituição da Republica Portuguesa, a interpretação do "tribunal a quo" que julgou não ser de aplicar aos autos o n°2 do artigo 192° do CPPT e em consequência ser acolhida a declaração de ineficácia das notificações devendo em ser ordenada a realização da citação da Impugnante do despacho de 08.11.2017 e em especial da sentença proferida em 31.10.2017

Assim se decidindo se fará a acostumada justiça!!!”.

A Fazenda Pública (doravante Recorrida ou FP) não apresentou contra-alegações.

O recurso foi admitido, com subida imediata nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.

Foram os autos com vista ao Ilustre Magistrado do Ministério Público, nos termos do art.º 288.º, n.º 1, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), que emitiu parecer, no sentido de ser negado provimento ao recurso.

Colhidos os vistos legais (art.º 657.º, n.º 2, do CPC, ex vi art.º 281.º do CPPT), vem o processo à conferência.

São as seguintes as questões a decidir:

a) Há erro de julgamento, por violação do disposto nos art.ºs 38.º e 192.º do CPPT?

b) O entendimento do Tribunal a quo é desproporcional e atenta contra a tutela jurisdicional efetiva?

II. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

II.A. O Tribunal recorrido considerou provada a seguinte matéria de facto:

“1) A Impugnante apresentou impugnação judicial contra a decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa, que tinha apresentado contra a liquidação de imposto do selo, ali constando o seu domicílio na “Rua Dr. ………………………., n.º 23, 2.º B, 2…..- …………………” – cfr. fls. 1 a 42 do SITAF;

2) A morada referida em 1) é a mesma que consta da procuração passada ao Ilustre Mandatário L………… - cfr. fls. 1 a 42 do SITAF;

3) Em 31/10/2017 foi proferida sentença nos autos – cfr. fls. 204 a 221 do SITAF;

4) Por despacho de 8/11/2017, foi ordenada a notificação pessoal da Impugnante, quer do print de fls. 224 do SITAF, quer do teor da sentença, mais tendo sido determinada a suspensão da instância em virtude da obrigatoriedade de constituição de mandatário no processo e o mandatário constituído pela Impugnante estar impedido de exercer esse mandato – cfr. fls. 225 do SITAF;

5) Em 20/11/2017, o Tribunal remeteu à Impugnante, por carta registada com aviso de receção, para a morada “Rua Dr. L……………………, n.º 23, 2.º B, 2----- ……… C ………….”, o teor doprint, da sentença e do despacho a que se alude no ponto anterior – cfr. fls. 226 do SITAF;

6) A carta e o aviso de receção referidos no ponto anterior, foram devolvidos pelos serviços dos CTT com as seguintes indicações: “Avisado; Não atendeu; 2017-11-30; C……………..; Objeto não reclamado” – cfr. fls. 230 a 232 do SITAF;

7) Em 15/01/2018, o Tribunal remeteu à Impugnante, por carta registada com aviso de receção, para a morada “Rua Dr. L …………….., n.º 23, 2.º B, 2…..-2…C…………….”, o teor do “Termo” elaborado pela secretaria deste Tribunal, onde foi consignado dispensar a elaboração da conta, mais se apurando um excesso de taxa paga pela Impugnante no montante de € 326,00 – cfr. fls. 237 e 239 do SITAF;

8) A carta e o aviso de receção referidos no ponto anterior, foram devolvidos pelos serviços dos CTT com as seguintes indicações: “Avisado; Não atendeu; 2018-01-30; C………………….; Objeto não reclamado” – cfr. fls. 230 a 232 do SITAF;

9) Em 14/06/2018, foi proferido despacho onde se determinou julgar deserto o direito da Impugnante à interposição de recurso, considerando que se mostrava decorrido o prazo máximo de suspensão dos presentes autos e que a Impugnante não tinha procedido à nomeação de novo mandatário, conforme estabelecem os artigos 6.º, n.º 1 do CPPT e 105.º da LGT – cfr. fls. 246 do SITAF;

10) O despacho a que se alude no ponto anterior, foi notificado à Impugnante para a morada “Rua Dr. L………………., n.º 23, 2.º B, 2………-227 C ……………..” – cfr. fls. 248 do SITAF; 11) Em 28/06/2018, a Impugnante juntou procuração forense passada ao mandatário Dr. …………………., ali constando a sua morada na “Rua Dr. L …………., n.º 23, 2.º B, 2………227 C …………….” – cfr. fls. 253 do SITAF”.

III. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

III.A. Do erro de julgamento

Considera a Recorrente que ocorreu uma nulidade processual secundária, consubstanciada na falta de concretização da sua notificação pessoal, ordenada na sequência do despacho referido em 3) do probatório, sendo que o entendimento defendido pelo Tribunal a quo, ademais, atenta contra a tutela jurisdicional efetiva e o princípio da proporcionalidade.

Vejamos, então.

Nos termos do art.º 195.º, n.º 1, do CPC, ex vi art.º 2.º, alínea e), do CPPT, “[f]ora dos casos previstos nos artigos anteriores, a prática de um ato que a lei não admita, bem como a omissão de um ato ou de uma formalidade que a lei prescreva, só produzem nulidade quando a lei o declare ou quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa”.

In casu, na sequência da prolação da sentença e do facto de a secretaria ter identificado que o mandatário primitivamente constituído se encontrava inativo, o Tribunal a quo ordenou a suspensão da instância, atento o disposto nos art.ºs 269.º, n.º 1, al. b), e 271.º do CPC.

Ou seja, o Tribunal a quo confrontou-se com uma situação de impedimento do mandatário primitivamente constituído, que originou a suspensão da instância após a sentença.

Nestes casos, há que lançar mão do regime do CPC, para o qual remete o regime do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), subsidiariamente aplicável em matéria de impugnações judiciais [cfr. art.ºs 1.º (genericamente) e 23.º (em matéria de citações e notificações), ambos do CPTA, e 2.º, al. c), do CPPT].

Começa-se por se sublinhar que:

a) Ainda que o Tribunal a quo ordene a notificação pessoal de documentos juntos aos autos ou mesmo da sentença, a lei não exige tal notificação pessoal (só é exigida, no caso da notificação da sentença, em sede de processo penal);

b) Num caso de suspensão da instância como a dos autos, a lei não prescreve que a notificação à parte tenha de ser pessoal (ao contrário do que sucede nos casos de renúncia ao mandato).

In casu, em primeiro lugar, refira-se que, em matéria de notificações e citações, não é aplicável o regime do CPPT referido pela Recorrente, mas sim o do CPC ex vi art.º 23. do CPTA, e 2.º, al. c), do CPPT.

Com efeito, o constante do art.º 38.º do CPPT refere-se a notificações de atos tributários e é aplicável em sede de procedimento e não de processo tributário [cfr. Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário, Vol. I, 6.ª Ed., Áreas Editora, Lisboa, p. 342; cfr. igualmente o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 12.09.2012 (Processo: 0877/12)]. Por seu turno, o art.º 192.º do CPPT respeita a citações no âmbito do processo de execução fiscal. Ou seja, não se trata de disposições legais aplicáveis em sede de impugnação judicial.

Posto isto, há que ter em conta o regime do CPC, aplicável subsidiariamente nos termos já mencionados.

Assim, para que falemos em nulidade processual secundária temos de estar perante a omissão de um ato que a lei prescreve.

Defende a Recorrente que esse ato é a falta da repetição do ato de notificação da sentença.

Ora, como referimos, não se trata de ato que a lei prescreva.

Com efeito, o art.º 250.º do CPC, atinente à notificação pessoal às partes, refere que “[p]ara além dos casos especialmente previstos, aplicam-se as disposições relativas à realização da citação pessoal às notificações a que aludem os n.ºs 4 do artigo 18.º, 3 do artigo 27.º e 2 do artigo 28.º”.

O caso dos autos não se enquadra em nenhuma destas situações.

Como tal, tendo sido a Recorrente notificada nos termos referidos, vindo a notificação devolvida com a indicação “não reclamado”, não tendo a Recorrente alegado nada que permita concluir pela existência de qualquer situação de justo impedimento ou de não recebimento da missiva por motivo que não lhe seja imputável, não pode deixar de se considerar válida a notificação (cfr. art.ºs 248.º, n.º 2, e 249.º, n.º 7, do CPC).

Ademais, mesmo que se considerasse ser de aplicar o regime da notificação pessoal e mesmo olhando para as regras da citação pessoal, a solução é a mesma (cfr. art.ºs 228.º, n.º 5, e 230.º, n.º 2, ambos do CPC), dado que foi remetida a carta para a morada da Recorrente, não foi pela mesma recebida, foi deixado aviso e a carta não veio a ser levantada, pelo que a mesma foi devolvida ao remetente.

Face a este enquadramento e não tendo sido afastada pela Recorrente a sua negligência, nem sequer alegada factualidade nesse sentido, não se pode concluir em sentido distinto do da instância.

Assim sendo, não se verifica qualquer erro de julgamento, não só porque a Recorrente chamou à colação um regime aqui não aplicável, mas também porque, como visto, estamos perante a prática de atos para os quais a lei não prescreve a notificação pessoal, pelo que a ausência da mesma não pode configurar nulidade processual secundária, na medida em que, para que haja este tipo de nulidade, é necessário que haja preterição de formalidade que a lei prescreva.

Este regime não se revela, ao contrário do defendido pela Recorrente, atentatório da tutela jurisdicional efetiva.

Com efeito, o que resulta dos autos é que a notificação foi feita e não foi levantada pela Recorrente nos serviços postais, não obstante a morada estar correta e ter sido avisada.

Nada foi alegado nem provado no sentido de afastar a presunção de notificação e, nesse sentido, que afaste a presunção de negligência no não levantamento da carta.

A Recorrente refere-se, vagamente, a razões decorrentes da distribuição postal, sem que explique o porquê e sem nunca ter posto em causa o que está provado, designadamente em termos de ter sido avisada.

Este expediente estava ao alcance da Recorrente, o que implica que o regime não atente contra a tutela jurisdicional efetiva, dado que não estamos perante qualquer presunção inilidível. Da mesma forma, não se alcança de que forma foi violado o princípio da proporcionalidade, alegado, aliás, de forma conclusiva, o que equivale a não alegação. Sempre se acrescente que é transponível o já referido a propósito da tutela jurisdicional efetiva: se a distribuição postal foi correta, caberia à Recorrente ir levantar a carta; se não o foi, caberia à Recorrente alegar e provar factualidade que afastasse a presunção de receção da missiva. Ambos os expedientes estavam ao seu alcance.

Como tal, não lhe assiste razão.


IV. DECISÃO

Face ao exposto, acorda-se em conferência na Subsecção Tributária Comum da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:

a) Negar provimento ao recurso;

b) Custas pela Recorrente;

c) Registe e notifique.


Lisboa, 09 de janeiro de 2025

(Tânia Meireles da Cunha)

(Maria da Luz Cardoso)

(Isabel Silva)