Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:173/23.4BCLSB
Secção:CT
Data do Acordão:06/27/2024
Relator:VITAL LOPES
Descritores:DECISÃO ARBITRAL
OMISSÃO DE PRONÚNCIA
PRONÚNCIA INDEVIDA
VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO
Sumário:I - Os únicos fundamentos legalmente admissíveis como suporte de reacção da decisão dos Tribunais arbitrais para os T. C. Administrativos, consistem na impugnação de tal decisão, consagrada no artº.27, com os fundamentos que se ancorem nos vícios de forma expressamente tipificados no artº.28, nº.1, alíneas a) a d), do RJAT correspondendo os três primeiros aos vícios das sentenças dos Tribunais tributários, nos termos do plasmado no artº.125, nº.1, do C.P.P.T., com correspondência ao estatuído nas alíneas b), c) e d), do artº.615, nº.1, do C. P. Civil.
II - A nulidade da sentença ou acórdão por omissão de pronúncia só acontece quando a sentença ou acórdão deixam de decidir alguma das questões suscitadas pelas partes, salvo se a decisão dessa questão tiver ficado prejudicada pela solução dada a outra.
III - O excesso de pronúncia ocorre quando o tribunal conhece de questões que não tendo sido colocadas pelas partes, também não são de conhecimento oficioso.
IV - Não ocorre excesso de pronúncia, nem violação do contraditório, se o Tribunal decide a questão colocada pelas partes, embora se socorrendo na interpretação das normas jurídicas por elas convocadas, de outras normas do sistema jurídico (art.º 9.º, n.º1 do Código Civil).
Votação:Unanimidade
Indicações Eventuais:Subsecção Tributária Comum
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:ACORDAM EM CONFERÊNCIA NA SUBSECÇÃO COMUM DA SECÇÃO DO CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL


1 – RELATÓRIO


N…, S.A., vem, ao abrigo do disposto no artigo 27.º e 28.º do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (doravante RJAT), aprovado pelo D.L.n.º10/2011, de 20 de Janeiro, impugnar a decisão arbitral proferida em 20 de Novembro de 2023 no processo n.º 176/2023–T, pelo Tribunal Arbitral Colectivo constituído junto do Centro de Arbitragem Administrativa (doravante CAAD).

A impugnante apresentou alegações que culmina com as seguintes e doutas conclusões:
«






















































».

A impugnada, Autoridade Tributária e Aduaneira, não apresentou contra-alegações.

A Exma. Senhora Procuradora-Geral Adjunta junto deste Tribunal foi notificada nos termos do disposto no artigo 146.º, n.º 1, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (aplicável “ex vi” artigo 27.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro), não tendo emitido pronúncia sobre o mérito da impugnação.

Com dispensa dos vistos legais por simplicidade das questões a resolver e nada mais obstando, vêm os autos à conferência para decisão.

2 – FUNDAMENTAÇÃO

De facto

Destaca-se da decisão arbitral, os segmentos pertinentes para apreciação das nulidades invocadas:
«

(…)

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(…)



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(…)»

De direito

Como se deixou consignado no paradigmático acórdão desta secção proferido em 18/04/2018, no proc.º121/17.0BCLSB,

«O regime da arbitragem voluntária em direito tributário foi introduzido pelo RJAT, sendo que os Tribunais arbitrais têm competência para apreciar um conjunto vasto de pretensões, as quais vêm taxativamente elencadas na enumeração constante do artº.2, nº.1, do citado diploma. Mais se dirá que o Tribunal arbitral tem a obrigação de decidir em conformidade com o direito constituído e não com recurso à equidade (cfr.artº.2, nº.2, do RJAT).

Os princípios processuais inerentes ao processo arbitral vêm referidos e elencados no artº.16, do RJAT, e, genericamente, são os mesmos princípios que se aplicam a um processo de partes, de que é exemplo o processo civil.

No que toca à possibilidade de recorrer de uma decisão proferida por um Tribunal arbitral pode, desde logo, referir-se que esta é muito limitada.

Assim, quando se tiver em vista controlar o mérito da decisão arbitral, isto é, o seu conteúdo decisório, o meio mais adequado para colocar em crise a decisão arbitral será o recurso.

Com efeito, em conformidade com o que se dispõe no artº.25, nº.1, do RJAT, é possível recorrer directamente para o Tribunal Constitucional da parte da decisão arbitral que ponha termo ao processo e que recuse a aplicação de qualquer norma com fundamento na sua inconstitucionalidade, bem como nos casos em que aplique uma qualquer norma jurídica cuja inconstitucionalidade seja levantada no decurso do processo.

Por outro lado, admite-se ainda a possibilidade de recurso com fundamento em oposição de acórdãos, isto nos termos do que determinam os nºs.2 e 3, do artigo em apreço. Este recurso é endereçado à Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, sempre que a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão deduzida estiver em oposição, relativamente à mesma questão fundamental de direito, com acórdão proferido ou pelo Tribunal Central Administrativo ou Supremo Tribunal Administrativo. Neste caso, os trâmites do recurso a observar são os do regime dos recursos para uniformização de jurisprudência, aplicando-se o disposto no artº.152, do C.P.T.A.

Note-se que, em termos práticos, só há uma via de recurso: ou directamente para o Tribunal Constitucional, com fundamento em (in) constitucionalidade, ou directamente para o Supremo Tribunal Administrativo, em caso de oposição de acórdãos.

Pelo contrário, quando se pretenda controlar a decisão arbitral em si, nos seus aspectos de competência, procedimentais e formais, o meio adequado será já a impugnação da decisão arbitral (cfr.artºs.27 e 28, do RJAT).

Nos termos da lei, a regra é que é possível que a decisão do Tribunal arbitral seja anulada pelo Tribunal Central Administrativo competente. Esta impugnação - que em bom rigor se trata de um recurso - deve ser deduzida, sob pena de não admissão por intempestividade, no prazo de quinze dias contados da notificação da decisão arbitral, ou da notificação referida no artº.23.º, do diploma em apreço. Porém, neste último caso, a decisão arbitral terá que ter sido proferida por Tribunal colectivo, cuja constituição tenha sido requerida nos termos do artº.6, nº.2, al. b), do RJAT.

Já no que toca aos fundamentos da impugnação da decisão arbitral, vêm estes elencados no texto do artº.28, nº.1, do RJAT. São eles, taxativamente, os seguintes:
1-Não especificação dos fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;
2-Oposição dos fundamentos com a decisão;
3-Pronúncia indevida ou na omissão de pronúncia;
4-Violação dos princípios do contraditório e da igualdade das partes, nos termos em que estes são estabelecidos no artº.16, do diploma.

Ou seja, os únicos fundamentos legalmente admissíveis como suporte de reacção da decisão dos Tribunais arbitrais para os T. C. Administrativos, consistem na impugnação de tal decisão, consagrada no artº.27, com os fundamentos que se ancorem nos vícios de forma expressamente tipificados no artº.28, nº.1, e atrás elencados, correspondendo os três primeiros aos vícios das sentenças dos Tribunais tributários, nos termos do plasmado no artº.125, nº.1, do C.P.P.T., com correspondência ao estatuído nas alíneas b), c) e d), do artº.615, nº.1, do C. P. Civil.

E se algumas dúvidas pudessem subsistir sobre o que se vem de afirmar, elas dissipar-se-iam por força dos elementos sistemático, teleológico e histórico, considerando, por um lado, o regime jurídico dos vícios em causa, tal como disciplinado pelo C.P.P.T., e, por outro, a intenção do legislador expressamente manifestada na parte preambular do diploma em causa, quando e ao que aqui releva, refere que “(…) A decisão arbitral poderá ainda ser anulada pelo Tribunal Central Administrativo com fundamento na não especificação dos fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão, na oposição dos fundamentos com a decisão, na pronúncia indevida ou na omissão de pronúncia ou na violação dos princípios do contraditório e da igualdade de partes (…)”. Assim manifestando o legislador, de forma inequívoca, uma enumeração taxativa dos fundamentos de impugnação das decisões arbitrais para os T. C. Administrativos (cfr. ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 19/2/2013, proc.5203/11; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 21/5/2013, proc.5922/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 10/9/2013, proc.6258/12; Jorge Lopes de Sousa, Comentário ao Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, Guia da Arbitragem Tributária, Almedina, 2013, pág.234 e seg.)» (fim de cit.).

Como também tem sido entendimento deste Tribunal, a decisão arbitral poderá ser anulada pelo Tribunal Central Administrativo com fundamento na pronúncia indevida. E no conceito de “pronúncia indevida”, para além do excesso de pronúncia, incluem-se as situações em que o tribunal arbitral funcionou de modo irregular ou em que excedeu a sua competência – vd., entre outros, o Acórdão deste TCA Sul, de 06/09/2016, tirado no proc.º 09156/15.

Feitos os considerandos julgados pertinentes, passemos ao caso em análise.

Os vícios apontados à decisão arbitral são os seguintes: (i) omissão de pronúncia quanto a questões de facto, porquanto não constam do probatório, como provados ou não provados, factos invocados sobre que foi produzida prova, sendo tais factos relevantes para a decisão a proferir e sem que o Tribunal Arbitral tenha justificado a omissão no probatório de factos sobre que foi produzida prova; omissão de pronúncia quanto à prova testemunhal admitida e produzida e sobre que foi previamente solicitado à impugnante que indicasse os factos a que vinham depor as testemunhas, não tendo depois o Tribunal Arbitral emitido qualquer pronúncia sobre os factos a que foram inquiridas as testemunhas, verificando-se ausência de menção e total irrelevância dessa prova para fins de decisão, o que se afigura inadmissível, consubstanciando a falta de pronúncia sobre prova admitida e produzida pela parte quanto a factos alegados vício de nulidade da decisão, sendo que diferente entendimento quanto à gravidade do vício não se conforma com o princípio constitucional da tutela judicial efectiva e do direito a um processo equitativo, nem com o princípio da igualdade, contemplados nos artigos 20.º, n.º 1, 13.º, n.ºs 1 e 2 e 32.º, n.º 1, da Lei Fundamental; (ii) pronúncia indevida na medida em que os Árbitros decidiram questões de direito sem que tenham emitido pronúncia sobre os factos relevantes para a decisão da causa e sobre a prova produzida quanto a esses mesmos factos, fazendo indevida referência a “argumentos da Requerente” quando tais argumentos estão ancorados em factos invocados sobre que foi produzida prova e relativamente aos quais nenhuma pronúncia do Tribunal Arbitral recaiu, o que inquina a decisão do vício de nulidade, sendo que diverso entendimento quanto à gravidade do vício não se conforma com o princípio constitucional da tutela judicial efectiva e do direito a um processo equitativo, nem com o princípio da igualdade, contemplados nos artigos 20.º, n.º 1, 13.º, n.ºs 1 e 2 e 32.º, n.º 1, da Lei Fundamental; (iii) excesso de pronúncia e violação do contraditório na medida em que a decisão arbitral convoca, na sua fundamentação, normas jurídicas não invocadas pela Administração tributária para sustentar a sua tese de legalidade da liquidação de IMT sindicada, o que também integra a nulidade prevista no art.º 28.º, n.º 1 alínea d) do RJAT, por violação do contraditório, uma vez que a decisão proferida pelo Tribunal Arbitral configura uma verdadeira decisão-surpresa por assentar em fundamentos não previamente considerados pelas partes e sem que lhes tenha sido facultada a possibilidade de se pronunciarem quanto a tais questões não convocadas pelas partes e que foram determinantes da decisão.

A nulidade da sentença ou acórdão por omissão de pronúncia só acontece quando a sentença ou acórdão deixam de decidir alguma das questões suscitadas pelas partes, salvo se a decisão dessa questão tiver ficado prejudicada pela solução dada a outra.

Prende-se esta nulidade com o disposto no n.º 2 do art.º 608.º do CPC, que determina: «O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras».

Por sua vez, o excesso de pronúncia ocorre quando o tribunal conhece de questões que não tendo sido colocadas pelas partes, também não são de conhecimento oficioso.

Como pedagogicamente se deixou escrito no ac. do Supremo Tribunal de Justiça de 02/16/2005 proferido no proc.º 05S2137, «(…) a nulidade da sentença por omissão ou por excesso de pronúncia, resulta da violação do disposto no n.º 2 do art. 660.º do CPC (actual 608.º), nos termos do qual "[o] juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras" e "[n]ão pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras".

É a violação daquele dever que torna nula a sentença e tal consequência justifica-se plenamente, uma vez que a omissão de pronúncia se traduz, ao fim e ao cabo, em denegação de justiça e o excesso de pronúncia na violação do princípio dispositivo que contende com a liberdade e autonomia das partes.

Todavia, como já dizia A. Reis, “Código de Processo Civil anotado, Volume V, Coimbra Editora, 1981 (reimpressão), pág. 143.”, há que não confundir questões suscitadas pelas partes com motivos ou argumentos por elas invocados para fazerem valer as suas pretensões. "São, na verdade, coisas diferentes: deixar de conhecer de questão de que devia conhecer-se, e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzida pela parte. Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão."

Deste modo, o julgador não tem que analisar e a apreciar todos os argumentos, todos os raciocínios, todas as razões jurídicas invocadas pelas partes em abono das suas posições. Apenas tem que resolver as questões que por aquelas lhe tenham sido postas – A. Reis, ob. cit., pág. 141 e A. Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, “Manual de Processo Civil”, 2.ª edição, Coimbra Editora, pág. 688. Por isso, como se disse no acórdão desta secção de 23.6.2004 (Proferido no proc. n.º 387740/04, de que foi relator o Ex.mo Conselheiro Fernandes Cadilha), não pode falar-se em omissão de pronúncia quando o tribunal, ao apreciar a questão que lhe foi colocada, não toma em consideração um qualquer argumento alegado pelas partes no sentido de procedência ou improcedência da acção. O que importa é que o julgador conheça de todas as questões que lhe foram colocadas, excepto aquelas cuja decisão tenha ficado prejudicada pela solução dada a outras.

Deste modo, só haverá nulidade da sentença por omissão ou por excesso de pronúncia, quando o julgador tiver omitido pronúncia relativamente a alguma das questões que lhe foram colocadas pelas partes ou quando tiver conhecido de questões que aquelas não submeteram à sua apreciação. Nesses casos, só não haverá nulidade da sentença se a decisão da questão de que não se conheceu tiver ficado prejudicada pela solução dada à(s) outra(s) questões, ou quando a questão de que se conheceu era de conhecimento oficioso.

A dificuldade está em saber o que deve entender-se por questões, para efeitos do disposto nos artigos 660, n.º 2 e 668, n.º 1, d), do CPC (actuais 608/2 e 615/1 al. d)). A resposta tem de ser procurada na configuração que as partes deram ao litígio, levando em conta a causa de pedir, o pedido e as excepções invocadas pelo réu, o que vale por dizer que questões serão apenas, como se disse no já citado acórdão de 21.9.2005, "as questões de fundo, isto é, as que integram matéria decisória, tendo em conta a pretensão que se visa obter." Não serão os argumentos, as motivações produzidas pelas partes, mas sim os pontos de facto ou de direito relevantes no quadro do litígio, ou seja, os concernentes ao pedido, à causa de pedir e às excepções (vide acórdãos deste tribunal de 7.4.2005 e de 14.4.2005 (Proferidos, respectivamente, nos processos n.º 733/05 e 734/05, de que foram relatores, também respectivamente, os Ex.mos Conselheiros Salvador da Costa e Ferreira de Sousa, in Sumários de Acórdãos, n.º 90, pág. 35 e 54, respectivamente)» (fim de cit.).
Tendo em conta as considerações expostas, vejamos se a decisão arbitral sob escrutínio enferma das nulidades que lhe são assacadas.

Como se apreende das doutas conclusões impugnatórias, nelas se deixou lavrado: «Reconduzindo o presente caso aos seus traços de facto essenciais, dir-se-á que nele se aprecia se ao Impugnante assiste o direito a isenção de IMT no que diz respeito à aquisição que realizou de um imóvel, no âmbito de um processo de execução cível e que revendeu antes de decorridos 5 anos após a data da aquisição.
(…)
Sob o ponto de vista jurídico, interessam, de modo direto, o n.º 1 do artigo 8.º (“São isentas do IMT as aquisições de imóveis por instituições de crédito ou por sociedades comerciais cujo capital seja direta ou indiretamente por aquelas dominado, em processo de execução movido por essas instituições ou por outro credor, bem como as efetuadas em processo de falência ou de insolvência, desde que, em qualquer caso, se destinem à realização de créditos resultantes de empréstimos feitos ou de fianças prestadas.”) e o n.º 6 do artigo 11.º, ambos do CIMT (“Deixam de beneficiar de isenção as aquisições a que se refere o artigo 8.º, se os prédios não forem alienados no prazo de cinco anos a contar da data da aquisição ou o adquirente seja uma entidade com relações especiais, nos termos do n.º 4 do artigo 63.º do Código do IRC.”).».

Por sua vez, a questão de fundo dos autos, tal qual a enunciou a decisão arbitral, consistia em «…saber se uma participação indirecta, que ascende a 37%, detida pela Requerente na entidade adquirente dos imóveis, se traduz, nas circunstâncias da situação em apreço, em “relações especiais”, nos termos do n.º 6 do art.º 11.º do CIMT».

Ora, a esta questão, respondeu o Tribunal Arbitral, depois de percorrer o regime legal aplicável:
«





».

Ora, esta tese foi rechaçada pelo Tribunal Arbitral pelas razões que explicita e se colhem do segmento da decisão arbitral acima transcrito, destacando-se o seguinte:
«












».

Como está bem de ver, falta de pronúncia sobre a questão de fundo – (saber se estão preenchidos os pressupostos de caducidade da norma de isenção de IMT (art.º 8.º, n.º 1 do CIMT) por a Impugnante ter alienado os imóveis adquiridos relativamente aos quais beneficiou de isenção, a entidade com relações especiais (art.º 11.º, n.º 6 do CIMT) – não se verifica.
Mas o que a Impugnante verdadeiramente pretende, se bem apreendemos, é que foi omitida pronúncia sobre prova relevante produzida nos autos e não foram seleccionados para o probatório, como matéria provada ou não provada, os factos que essa prova evidenciou.

Ora, a apreciação crítica da prova – porque é disso que, em bom rigor, se trata – só é obrigatória para o Tribunal quando recaia sobre factos que integrem matéria probatória, seja como provados, ou não provados. Se os factos que a prova produzida evidencia se apresentam ao Tribunal como irrelevantes para a decisão a proferir, o juiz não tem de os seleccionar para o probatório.

É claro que a omissão de factos essenciais ao probatório poderá integrar erro de julgamento (erro na selecção dos factos) – no fundo, é isso que a Impugnante alega quando refere que dessa prova resultou informação importante para a decisão e para a procedência do pedido de pronúncia arbitral –, a sindicar por via de recurso, mas não inquina a decisão do vício mais gravoso da nulidade (por omissão de pronúncia), o único que poderia ser sindicado por via da presente impugnação.

Este modo de ver não belisca minimamente os princípios e normas constitucionais que a Impugnante invoca – violação da tutela judicial efectiva, do direito ao processo equitativo e da igualdade. De facto, à Impugnante foi garantido o direito à prova e a prova está nos autos (princípio da aquisição processual), ainda que não reflectida na decisão proferida, como pretende a Impugnante. Mas isso reconduz-se a um típico erro de julgamento (“error in judicando”), apenas sindicável por via de recurso e, se essas vias se apresentam muito limitadas no caso da decisão arbitral, é certo (cf. art.º 25.º do RJAT), tal não pode levar a uma leitura enviesada do n.º 1 do art.º 28.º do RJAT, alargando os fundamentos taxativos da impugnação aí previstos por via de uma interpretação muito lata e sem respaldo na jurisprudência e na doutrina, das nulidades da sentença ou acórdão.

Improcede a arguida nulidade por omissão de pronúncia.

Quanto à arguida nulidade da decisão arbitral por pronúncia indevida, na medida em que se decidiram questões de direito com base em supostos “argumentos da Requerente” que, afinal, consubstanciam factos relevantes sobre que foi omitida pronúncia, vejamos.

Está em causa, o trecho da decisão arbitral em que se diz: «O argumento da Requerente é que a gestão do Fundo não está cometida ao Requerente, mas sim ao G..., não havendo nenhuma relação de gestão ou influência por parte daquela».

Ora, depois de discorrer sobre o tema, o Tribunal Arbitral conclui: «Ao verificar-se uma participação superior a 20%, de forma indirecta, da requerente no capital da B…, S.A., atesta-se o disposto na alínea a) do n.º 4 do artigo 63.º do Código do IRC, que prevê aquele limite mínimo para efeitos de uma estrutura de capital ou direitos de voto».

Pois bem, se o Tribunal Arbitral entende – bem ou mal, não o podemos sindicar aqui – que o pressuposto da norma do art.º 63.º, n.º 4 alínea a), do CIRC está preenchido por via da participação indirecta, não inferior a 20%, de uma entidade na estrutura de capital da outra, resulta manifesto que a prova e a factualidade relativas à demonstração de que “a gestão do Fundo não está cometida à Requerente, mas sim ao G..., não havendo nenhuma relação de gestão ou influência por parte daquela”, visando afastar os pressupostos de aplicação da norma quanto à existência de relações especiais, não assumem qualquer interesse para a decisão a proferir e, nessa medida, lembrando o que acima dissemos, redundaria numa inutilidade proceder à apreciação critica dessa prova e seleccionar para o probatório a atinente matéria.

Improcede a arguida nulidade da decisão arbitral por pronúncia indevida, valendo aqui o que acima se disse sobre a conformidade constitucional da leitura que fazemos dos fundamentos impugnáveis da decisão arbitral nos termos do art.º 28.º, n.º 1, do RJAT, resultando inadmissível que, sendo as possibilidades de recurso da decisão arbitral muito limitadas (não abrangendo decisões de facto), essas limitações passassem a ser supridas contra legem por via da sindicância, na impugnação prevista no art.º 27.º do RJAT, de erros de julgamento disfarçados de nulidades da sentença.

Por último, quanto ao alegado excesso de pronúncia e violação do contraditório, dado que a decisão arbitral convoca, na sua fundamentação, normas não invocadas pela Administração tributária, nem pelas partes e sem que estas tivessem sido ouvidas previamente, mais uma vez e salvo o devido respeito, a Impugnante não tem razão.

Em causa, está este trecho da decisão arbitral:
«

».

Ora, esta passagem não pode ser descontextualizada da restante fundamentação de direito expendida. O que o Tribunal Arbitral fez e tal resulta de acessível apreensão para qualquer destinatário médio, que se supõe ser a Impugnante, foi usar um argumento a fortiori (reforço argumentativo), para fortalecer a sua tese de que as participações indirectas, não inferiores a 20% do capital, não se furtam ao regime dos preços de transferência, só porque utilizam estruturas heterogeridas, porque também as sociedades gestoras, em matéria de gestão de activos, incorrem no dever de agir no interesse das entidades participantes.

Isto não é introduzir nos autos qualquer questão de direito nova, aí sim havendo lugar a contraditório prévio sobre a questão não suscitada (vertente do excesso de pronúncia), lembrando-se, por outro lado e decisivamente, que nos termos do art.º 5.º, n.º 3 do CPC, “O juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito”, não sendo despiciendo trazer também à colação o que estabelece o art.º 9.º, n.º1 do Código Civil, segundo o qual, na apreensão do sentido normativo o intérprete terá sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico.

Este último segmento da impugnação também não logra procedência.
*
Vencida, a Impugnante suportará as custas do processo, nos termos do artigo 527.º do CPC, sem prejuízo de dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, que, a final, se determinará, uma vez que, ponderando num critério de proporcionalidade e de justiça, por um lado, o valor do processo de EUR. 1.934.070,56 e, por outro, que o tratamento das questões suscitadas não demandou especial complexidade técnica, se têm por preenchidos os pressupostos da dispensa previstos no n.º 7 do artigo 6.º do Regulamento das Custas Processuais (RCP) e não há registo na tramitação do processo de que a conduta processual das partes seja digna de censura.

5 - DECISÃO

Face ao exposto, acordam, em conferência, os Juízes da Subsecção Comum da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul, em julgar improcedente a presente impugnação da decisão arbitral.

Condena-se a Impugnante em custas, que fica dispensada do pagamento do remanescente da taxa de justiça.

Registe e Notifique.

Lisboa, 27 de Junho de 2024


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Vital Lopes



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Patrícia Manuel Pires



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Cristina Coelho da Silva